DANO MORAL: REPERCUSSÃO NO CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVEL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11545966


Esdras de Castro Alexandre1
Orientador: José Roniel Morais Oliveira2


RESUMO

Tendo em vista que o casamento representa grande instituto familiar para o direito brasileiro, sendo assegurado pela Constituição Federal de 1988, o presente estudo trata sobre a repercussão do dano moral no ambiente matrimonial do casamento ou da união estável. Para tanto, foi necessário averiguar a aplicação da boa-fé objetiva na relação afetiva, bem como quais os mecanismos jurídicos que a vítima dispõe para buscar a reparação extrapatrimonial pelo ilícito sofrido. Diante disso, verificou-se que o diálogo é a principal fonte preventiva para evitar abalo nas estruturas emocionais do vínculo conjugal, podendo ajuizada ação indenizatória quando o rompimento gerar constrangimentos ou cenário vexatório aptos a desestabilizar o emocional da vítima, onde foi possível concluir que o casamento é instituto multifacetado, com implicações nas diversas áreas humanas e jurídicas, podendo influir reparação moral quando os deveres matrimoniais forem desrespeitados com o prejuízo social para a outra parte.

Palavras-chave: dano moral. Casamento. União estável.  

ABSTRACT

Bearing in mind that marriage represents a major family institution for Brazilian law, being guaranteed by the Federal Constitution of 1988, this study deals with the repercussion of moral damage in the marital environment of marriage or stable union. To this end, it was necessary to investigate the application of objective good faith in the emotional relationship, as well as what legal mechanisms the victim has to seek extra-patrimonial compensation for the wrong suffered. In view of this, it was found that dialogue is the main preventive source to avoid disruption to the emotional structures of the marital bond, with compensation actions being able to be filed when the breakup creates embarrassment or a vexatious scenario capable of destabilizing the victim’s emotional state, where it was possible to conclude that the Marriage is a multifaceted institution, with implications in different human and legal areas, and can influence moral reparation when marital duties are disrespected, causing social harm to the other party.

Keywords: moral damage. Marriage. Estable union

1. INTRODUÇÃO 

O presente trabalho tem como escopo principal abordar as consequências jurídicas e emocionais causados pelo dano moral no ambiente familiar do casamento ou da união estável.

Sendo assim, o vínculo matrimonial é instituto milenar que acompanha a humanidade há eras e que sofreu regulação estatal diversas vezes através de leis ordinárias, entendimentos jurisprudenciais e súmulas dos tribunais superiores. Assim, visando abordar a problemática sobre quais as consequências a violação aos direitos de personalidade, especificamente o abalo moral, acarreta para a vítima, esse trabalho justifica-se pela relevância que o casamento e a união estável representam no cenário familiar e jurídico brasileiro, assegurado, inclusive, pela Constituição Federal de 1988, bem como pela necessidade na compreensão dos danos oriundos do desrespeito aos direitos e deveres matrimoniais.

Nesse sentido, nota-se que o sistema jurídico brasileiro é silente quanto a indenização por descumprimento aos deveres de fidelidade, ou seja, há previsão legal para o cônjuge lesado buscar reparação extrapatrimonial em virtude do término do vpinculo conjugal motivado pelo sentimento de abandono, desprezo ou escassez de atenção durante o relacionamento.

Todavia, a jurisprudência brasileira, atrelada à doutrina atual, já se inclinam para a possibilidade de ressarcimento moral oriundo do sofrimento injustamente compelido, em decorrência à observância do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, reciprocidade dos deveres conjugais e prática do ato ilícito constante no regramento civil.

Nesse sentido, o objetiva geral dessa pesquisa é avaliar a violação da boa-fé no vínculo matrimonial e qual sua consequência jurídica. De forma mais específica, buscou-se abordar quais os mecanismos judiciais que a vítima dispõe para assegurar a reparação extrapatrimonial oriunda do desrespeito aos direitos de personalidade.

2. METODOLOGIA          

A metodologia aplicada neste estudo se caracteriza como exploratória descritiva qualitativa. Essa abordagem visa explorar e descrever em detalhes os fenômenos investigatórios, utilizando técnicas qualitativas para analisar os dados coletados. A seleção criteriosa da bibliografia e a leitura integral dos artigos selecionados contribuiu para uma análise qualitativo, e um entendimento abrangente da temática em questão.

Neste estudo adotou-se uma abordagem qualitativa para estudar o dano moral e suas implicações no casamento ou união estável no Brasil do ponto de vista jurídico. A escolher por essa abordagem se justifica pela complexidade do tema. Quanto à natureza da pesquisa, a mesma é de abordagem exploratória, que permite investigar aspectos ainda pouco conhecido ou explorados sobre o tema.

No que se refere os meios técnicos de investigação, utilizou-se, principalmente, a pesquisa bibliográfica e documental, que envolveu a revisão de literatura especializada, incluindo livros, artigos científicos, dissertações, teses e outros documentos relevantes sobre o tema, permitindo uma compreensão ampla e aprofundada do estado atual do conhecimento sobre o tema.

Em relação ao recorte da pesquisa, concentrou-se em fontes e documentos que contribuíram de forma significativa para o entendimento do tema, excluindo aqueles que não apresentavam relevância direta ou consistência metodológica.

Para a coleta de dados, utilizou-se de instrumentos de pesquisa como fichamento bibliográfico e análise documental, consistindo na sistematização e organização das informações relevantes encontradas na literatura especializada, permitindo uma visão panorâmica e detalhada do conhecimento disponível sobre o tem. Já a análise documental envolveu a identificação, coleta e interpretação de documentos oficiais, legislações e outros materiais relevantes para a pesquisa.

A análise dos resultados foi realizada por meio de técnicas de hermenêutica e de análise de conteúdo, utilizadas para interpretar textos normativos e acadêmicos, buscando compreender o significado e a aplicação dos conceitos relacionados ao dano moral e suas implicações no casamento ou união estável.

Dessa forma, os procedimentos metodológicos adotados neste estudo visam proporcionar uma compreensão abrangente e aprofundada sobre o dano moral no casamento ou união estável do ponto de vista jurídico. Por meio da contribuição de diferentes abordagens e técnicas de pesquisa, busca-se contribuir para o avanço do conhecimento nessa área e para o desenvolvimento de estratégias eficazes para compreensão da definição do dano moral e suas implicações no casamento ou união estável.

3. CASAMENTO

O casamento, uma instituição legal e social, serve como meio para estabelecer uma união reconhecida entre dois indivíduos, regida pelo quadro jurídico de uma nação específica. Esta instituição tem uma importância significativa como um dos pilares fundamentais da sociedade, exercendo influência não só sobre questões pessoais e familiares, mas abrangendo também aspectos relacionados com a propriedade, herança e preocupações sociais mais amplas.

Considerado um instituo milenar, a união matrimonial sofreu forte influência da igreja católica, perpassando por diversas mudanças em sua definição ao longo dos anos, visto que no Brasil colônia, o casamento era considerado uma forma de obter alianças políticas vantajosas, visando interesses econômicos e perpetuação de poder através dos herdeiros, o que, mais tarde, foi rompido pela lei do Ventre Livre de 1871, estipulando que os descendentes a partir dali estariam livres da escravidão.

Já em meados do século XIX houve abolição completa da escravidão através do decreto da Lei áurea em 1888 que impactou diretamente nas relações matrimoniais da época, visto que as classes mais baixas não tinham poder de escolha em virtude de serem considerados propriedades e não sujeitos de direito.

Contudo, somente em 1916, através da promulgação do Código Civil é que o casamento foi considerado uma instituição legal plenamente positivada e reconhecida pelo Estado, embora ainda considerasse a união apenas de homem e mulher, afirmando as relações heterossexuais e monogâmicas.

Do mesmo modo, o regime militar teve significativa contribuição, visto que nessa época houve a legalização do divórcio, situação que não era enfrentada pelo código civil de 1916, corroborando pela maior autonomia na dissolução matrimonial deterioradas.

Assim, com a evolução do cenário jurídico, o Brasil trouxe grande marco nas relações familiares com a promulgação da Constituição Federal de 1988, considerada como um marco histórico na legislação brasileira, ao que ficou conhecida como Constituição Cidadã, assegurando a proteção estatal ao casamento.

Nessa linha, o casamento confere um conjunto de obrigações e direitos aos parceiros, solidificando uma união oficialmente reconhecida pelo governo. O casamento confere vários direitos aos cônjuges, incluindo, entre outros, o direito de receber herança, o direito de acesso à segurança social e o direito de receber assistência médica, conforme descrito nas leis de cada país. Além disso, o casamento acarreta certas responsabilidades, tais como a obrigação de permanecer fiel, o dever de prestar apoio e assistência mútua e a exigência de tratar uns aos outros com respeito, entre outros deveres.

O casamento tem um significado no domínio das interações sociais, pois serve como uma ferramenta vital para estruturar e organizar a sociedade. Esta união sagrada não só oferece uma sensação de segurança emocional e financeira aos parceiros, mas também promove a criação de novas famílias. Além disso, é amplamente reconhecido como um fator crucial na transmissão intergeracional de valores, tradições e património cultural.

A instituição do casamento não é estática, mas evolui juntamente com as mudanças sociais, culturais e legais. À medida que testemunhamos o progresso no domínio da igualdade de género e do reconhecimento dos direitos LGBT, numerosos países alteraram as suas leis para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esta mudança na legislação significa uma mudança de perspectiva e uma evolução da compreensão do direito fundamental de entrar numa união conjugal.

É crucial sublinhar que embora o casamento tenha significado e conceda certos direitos e responsabilidades aos parceiros, não é o único método reconhecido de estabelecimento de uma família de acordo com o sistema jurídico. Numerosos países reconhecem e salvaguardam parcerias estáveis, uniões civis e outras formas de vida partilhada para garantir direitos iguais e reconhecimento para diversas estruturas familiares.

Em poucas palavras, o casamento é um estabelecimento complexo que vai além da mera legalidade, servindo como um aspecto crucial na vida dos indivíduos e das famílias, bem como na estrutura geral e no funcionamento da sociedade. A supervisão e salvaguarda do casamento pelo sistema jurídico são indispensáveis ​​para garantir a segurança e a felicidade dos cônjuges e das suas famílias, ao mesmo tempo que promovem a justiça e honram as diversas formas de dinâmica familiar.

4. UNIÃO ESTÁVEL

Do mesmo modo, a união estável recebeu igual proteção constitucional, nos moldes do §3º do mesmo diploma legal, haja vista ser o cenário predominante entre os casais brasileiros que, por opção acordada, ou influência cultural não oficializavam o matrimonio perante as autoridades competentes, influindo em diversos entraves sucessórios que prejudicavam herdeiros e cônjuge sobrevivente.

Assim, a instituição reconhecida como união estável é constituída de acordo com o artigo 1.723 do Código Civil. Este dispositivo legal específico define a união estável como a coabitação duradoura e contínua de duas pessoas, com o objetivo explícito de formar uma unidade familiar.

A união estável, ao contrário do casamento, não exige formalidades particulares, como cerimônia civil ou religiosa. A determinação da união estável baseia-se na manifestação pública da convivência e no desejo manifestado de formação de unidade familiar.

Para que uma união estável seja legalmente reconhecida, alguns fatores devem estar presentes: Conscientização Pública: O relacionamento dos conviventes deve ser reconhecido e conhecido abertamente pela sociedade, sem qualquer sigilo envolvido; Continuidade: A estabilidade do relacionamento ao longo do tempo é demonstrada pela convivência consistente e ininterrupta; Durabilidade: caracterizada pela relação que se perpetua no tempo, ou seja, não se constitui como um mero relacionamento temporário, mas sim uma convivência estável e solidificada.

Para que um relacionamento seja considerado duradouro, ele deve ser caracterizado pela sua longevidade, indicando que não se trata de um arranjo temporário, mas sim de uma convivência forte e estável.

Além disso, é crucial enfatizar que o estabelecimento de uma parceria estável pode ser demonstrado através de vários fatores, incluindo a convivência, a partilha de filhos, a manutenção de um estilo de vida comunitário e a promoção de uma relação baseada no afeto e na ajuda recíproca entre os indivíduos que coabitam.

Em termos patrimoniais, os indivíduos que coabitam em união estável possuem direitos e responsabilidades idênticos aos dos cônjuges casados em regime de comunhão parcial de bens. Consequentemente, quaisquer bens obtidos por mútuo acordo durante o período de coabitação são considerados bens comuns e devem ser divididos em caso de extinção da união.

É fundamental ressaltar que, conforme entendimento consagrado na jurisprudência, a união estável não impede que um dos conviventes se case com terceiro, desde que não haja obstáculos legais.

Em sentido similar, rompendo com a sistemática histórica e com a forte influência da igreja católica nas relações matrimoniais, em 2011 o Supremo Tribunal Federal considerou que a união estável entre casais do mesmo sexo possui os mesmos direitos e implicações legais em relação às relações heteroafetivas, reconhecendo os vínculos homoafetivos como parte do núcleo familiar a ser defendido pelo Estado.

5. DANO MORAL

5.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O instituto do dano moral é um ramo da responsabilidade civil que abarca os direitos de personalidade assegurados pela Constituição Federal, notadamente esculpida no art. 5º, X.

Assim, seu desenvolvimento histórico no direito brasileiro foi marcado pela transição dos códigos de 1916 para o Código Civil de 2002, pois codex anterior era extremamente patrimonialista, pouco regulando as interações sociais e as repercussões práticas que esta poderiam ocasionar, deixando margem para que violações aos direitos de personalidade ficassem sem proteção estatal, ao passo que o Código atual rompeu com o caráter eminentemente patrimonial e passou a regular com mais notoriedade as relações civis e suas eventuais ofensas aos direitos individuais.

 Nas palavras dos juristas e professores Pablo Stolze Gangliano e Rodolfo Pamplona Filho (2006, p.55).

Podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima de pessoas (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente. (Stolze; Pamplona. 2006, p.55).

Nesse cenário, os tribunais superiores brasileiros, acompanhando a evolução da sociedade como um todo, passou a consagrar cada vez mais a dignidade da pessoa humana como fator chave a ser observado no ordenamento jurídico pátrio, caminhando para interpretações cada vez mais alinhadas com a proteção a honra em detrimento da posse.

Além disso, o campo doutrinário também acompanhou essa evolução, se debruçando para enriquecer a discussão sobre o tema, conceituando e definindo a aplicabilidade do dano moral e seus limites teóricos e práticos.

Para tanto, para que reste caracterizada a violação moral é necessário a avaliação de determinados pressupostos, quais sejam: o ato ilícito; o nexo de causalidade; e a existência do dano perpetrado sob a ótica de uma conduta doloso ou culposa, desde que imponha abalo sistemático à vítima apto a ultrapassar o mero aborrecimento, ou seja, situação que poderia ocorrer com qualquer um do povo.

Nesse sentido, o direito à honra objetiva possui envergadura constitucional, caracterizando-se como um direito fundamental de observância obrigatória das demais leis infraconstitucionais que não podem versar de forma contrária às determinações da carta maior, justamente por se constituir como norma de eficácia plena, imediata e sem restrições.

Assim, a função teleológica do dano moral é possibilitar à vítima a reparação pecuniária pelo mal experimentado, recaindo ao magistrado o dever de sopesar entre a extensão do dano e o quantum a ser arbitrado, aplicando a sentença com o viés reparatório, ao mesmo que imponha caráter pedagógico ao autor sem gerar o enriquecimento ilícito da vítima, nos termos do art. 944 do Código Civil.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

Todavia, o dano moral poderá ser de tamanha extensão ao ponto de a vítima ter oneração do patrimônio com o custeio de tratamento médico, bem como pela busca de profissional qualificado para tratar o trauma, situação em que poderá o magistrado determinar a reparação material sob a ótica da repercussão causada pelo dano.

4.2 – REPERCUSSÃO NO CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVELNesse aspecto, os direitos de personalidade possuem ampla proteção constitucional e infraconstitucional, assegurando que as violações morais sejam devidamente avaliadas e compensadas, contribuindo para assegurar o caráter coercitivo das normas, bem como promover uma sociedade pautada na dignidade da pessoa humana.

Corroborado a isso, nota-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1º, III da Constituição Federal, é elemento chave para embasar normas infraconstitucionais que versem sobre direitos de personalidade ou parâmetros para sua aferição.

A respeito do tema, Alexandre de Moraes, em sua obra Constituição interpretada, deixa claro a importância do instituto.

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menospreza a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2003, p.41).

Nesse prismas, o matrimônio e a convivência estável, por serem pilares na sociedade, frequentemente são imaginados como origens de afeto, parceria e suporte mútuo. Contudo, sob essa idealização, existe uma complexa realidade que pode incluir momentos de prejuízo emocional, impactando intensamente os participantes.

Segundo o art. 226 da Constituição Federal de 1988, “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, e como tal, deve receber olhar cuidadoso para condutas que abalem suas estruturas e ponha em risco a honra ou integridade de uma das partes envolvidas. 

Assim, embora o Estado não deva intervir diretamente nas relações matrimoniais, verifica-se sua atuação em relação aos prejuízos emocionais no cenário matrimonial, pois as consequências do abalo moral estão ligadas à ausência de consideração mútua que podem evoluir para episódios de agressões verbais ou físicas, agravando o abalo psicológico que mina a confiança, autoestima e o bem-estar emocional dos parceiros, o que resulta em consequências sérias e irreversíveis.

A ausência de uma comunicação eficiente também pode causar prejuízos emocionais em um relacionamento conjugal. Quando os cônjuges não conseguem comunicar de forma clara suas necessidades, temores e angústias, isso pode gerar ressentimentos acumulados, resultando em um ambiente negativo e prejudicial para ambos os indivíduos envolvidos.

Assim, nota-se que no sistema jurídico brasileiro é vedado a poligamia, ou seja, a contração de dois ou mais casamentos simultâneos, em virtude da monogamia matrimonial adota na legislação pátria.

Nesse sentido, Carlos Alberto Gonçalves (2022, p. 559), aborda que o dever de fidelidade, oriundo da monogamia, é princípio básico que rege os casamentos atuais, notadamente pela exigência de reciprocidade mútua.

O dever de fidelidade recíproco está implícito nos de lealdade e respeito. Embora o Código Civil não fale em adultério entre companheiros, a lealdade é gênero de que a fidelidade é espécie. E o dispositivo em apreço exige que eles sejam leais. (Gonçalves. 2022, 559).

Adicionalmente, a falta de cumprimento das expectativas pode ser um fator que contribui para o sofrimento emocional. Em diversos casos, os parceiros têm diferentes perspectivas e esperanças em relação ao matrimônio e, quando estas não são alcançadas, sentimento de frustração e insatisfação podem surgir, resultando em danos psicológicos.

Ademais, corroborando do mesmo raciocínio jurídico, Guilherme Nogueira da Gama (2001, p. 263) aborda que:

Ao lado do casamento, o companheirismo também impõe o dever de fidelidade a ambos os participes, e não apenas a um deles, em regra constitucional já analisada […]. Não haveria a configuração do companheirismo na hipótese de prática desleal perpetrada por um dos companheiros, mantendo a conjunção carnal com terceiro, inexistindo a denominada affectio maritalis no caso específico. (GAMA. 2001, p. 263).

Nesse sentido, o simples descumprimento genérico de um dos deveres de fidelidade, especificamente aos relacionamentos extraconjugais, não autoriza, por si só, a estipulação de danos morais, necessitando que o abalo exponha o cônjuge traído a uma situação humilhante ao ponto de ocasionar abalo psicológico degradante, conforme se verifica no julgado abaixo.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO AOS DEVERES DO MATRIMÔNIO. FIDELIDADE E LEALDADE RECÍPROCOS.

1. Embora a atual legislação civil tenha previsto como consequência para a infidelidade conjugal apenas a dissolução do contrato matrimonial, a moderna doutrina civilista, vista de forma global, entende que a violação dos deveres inerentes à sociedade conjugal, é capaz de provocar dano moral no cônjuge que sofre a traição.

2. O adultério por si só não gera o dever de indenizar por dano moral. Mas os constrangimentos e humilhações sociais que a vítima sofre com a divulgação, a propalação do fato e a sua repercussão, no seu meio social e familiar, enseja a condenação em danos morais. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (grifo nosso)

(TJ-GO – APL: 01240422920138090006, Relator: ORLOFF NEVES ROCHA, Data de Julgamento: 03/08/2018, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 03/08/2018).

Em circunstâncias em que a tecnologia tem tomado espaço nas relações humanas, o vínculo matrimonial pode sofrer abalos sistemáticos, especialmente quando a exposição demasiada põe o cônjuge em cenário constrangedor e humilhantes, especialmente quando há vazamentos de arquivos fotográficos ou de vídeos íntimos que prejudique a honra objetiva do casal, gerando desconforto, constrangimento ou motivos para a caracterização do dano emocional.

Já em relação às consequências do dano moral no casamento ou união estável, estas podem ser devastadoras. Além do sofrimento emocional, o dano extrapatrimonial pode levar ao fim do relacionamento, à deterioração da saúde mental e até mesmo a consequências físicas, como doenças psicossomáticas e distúrbios alimentares.

Nesse sentido, é necessário que o cônjuge que apresente tais sintomas busque ajuda de psicólogos ou psiquiatras para auxiliar na superação do rompimento conjugal, evitando que os sintomas se agravem e evoluam para quadros clínicos irreversíveis.

Por outro lado, em relação às circunstâncias legais, o dano moral no casamento ou união estável pode ser objeto de ações judiciais, especialmente quando envolve casos extremos de violência ou abuso. Nesses casos, é importante buscar apoio jurídico e psicológico para garantir a proteção e a reparação dos direitos da vítima.

É o que aborda o professor Flávio Tartuce, em sua obra Manual de Direito Civil (2021), conforme abaixo:

É permitido reivindicar indenização por danos morais ou materiais contra quem deu causa à ruptura da vida em comum. A finalidade é compensar o sofrimento resultante do fim do casamento pela perda de uma condição social, pela solidão moral, pela separação dos filhos. As perdas e danos são pleiteadas somente à ocasião da ação de divórcio. (TARTURCE. 2021)

Assegura a Carta Magna, em seu art. 5º, X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Da mesma forma, o art. 5º, inciso XXXV do mesmo diploma, assegura o acesso ao judiciário para aqueles que necessitem de resoluções das autoridades competentes acerca de eventuais violações morais derivadas da prática de atos ilícitos, incluindo descumprimento aos deveres de fidelidade.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV – A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário a lesão ou ameaça a direito.

Para tanto, o Código Civil de 2002, em seu artigo 186 traz determinações que regulam, ainda que indiretamente, eventuais cenários que afetem a vida do casal, assegurando o dever de indenizar para àquele que cometer ato ilícito movido por ação ou omissão voluntária.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.  

Em sentido similar, por estar em localização topográfica posterior, o art. 927 do mesmo diploma legal vem corroborar com o dever de indenizar para o responsável pelo ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Nesse cenário, a vítima poderá ajuizar ação de divórcio cumulada com indenização por danos morais motivada pelo abalo psicológico oriundo da prática do ato ilícito vexatório ou constrangedor. Não obstante, poderá a ação indenizatória ser proposta posteriormente à ação de divórcio, ainda que o vínculo conjugal não mais exista, devendo ser observado o prazo prescricional de 3 anos, conforme artigo 205, V do Código Civil.

O dano moral no casamento ou união estável é uma realidade complexa e multifacetada, que pode surgir de diversas formas e ter consequências devastadoras. Para prevenir e lidar com esse tipo de dano, é essencial promover o respeito, a comunicação eficaz e a empatia dentro do relacionamento, além de buscar apoio profissional quando necessário.

Nesse sentido, Arnaldo Rizzardo (2007, p. 685) aduz que:

Não se pode deixar de ressaltar que com o decorrer do tempo, houve o enaltecimento dos valores pessoais, valorizando a personalidade da pessoa, de modo a prezar-se o cônjuge ou companheiro como ‘ser humano sujeito de direitos e deveres, em especial no que envolve a efetividade, o respeito, a liberdade, a honra, a integridade moral e a absoluta igualdade dentro da comunidade pelo casamento’.

Porém, é fundamental destacar que a violência emocional no casamento ou na união estável não segue uma única direção. Tanto o marido quanto a esposa podem ser vítimas e agressores em diversas circunstâncias. Por isso, é imprescindível incentivar a comunicação, o respeito mútuo e a capacidade de se colocar no lugar do outro para evitar essa situação.

Para tanto, nota-se que o tema já foi abordado pelos tribunais superiores, manifestando concordância acerca da possibilidade de se responsabilizar o cônjuge que descumpriu os deveres de fidelidade a compensar financeiramente a parte vítima do ato ilícito, conforme julgado abaixo.

Indenizatória. Danos morais. Infidelidade conjugal. Descumprimento de dever basal do casamento. Dano moral que depende da sujeição à indignidade do cônjuge traído. Colisão entre o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF) e o direito à felicidade individual. A chave funcional do dano moral está no princípio constitucional e fundamental da dignidade da pessoa humana. Direito de ser feliz que não autoriza ou legitima o quebramento do dever legal de fidelidade (art. 1.566, inciso I, do Código Civil). Casamento que perdurou por vinte e dois anos. Elementos probantes seguros indicativos do relacionamento extraconjugal da ré. Abalo psíquico e sofrimento no âmago do consorte que extrapolou o mero aborrecimento e frustração próprios do término da vida conjugal. Circunstância concreta que espelha real mácula à honradez externa do cônjuge enganado. Pretensão à reparação moral acolhida. Quantum indenizatório arbitrado em R$ 10.000,00. Montante que se revela proporcional e compatível com a extensão do dano, além de adequado às circunstâncias pessoais da requerida (art. 944 do Cód. Civil). Sentença reformada. Recurso parcialmente provido.

(TJ-SP 10161437420158260405 SP 1016143-74.2015.8.26.0405, Relator: Rômolo Russo, Data de Julgamento: 08/06/2018, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/06/2018).

Não obstante a indenização por danos morais não se restrinja apenas ao quantum, a valoração do sofrimento é tarefa impossível, visto o caráter subjetivo avaliado de formas distintas por cada pessoa, restando ao magistrado compreender os danos do ato ilícito do infrator, aplicando-lhe justa penalização pelo injusto praticado, conforme jurisprudência abaixo.

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ADULTÉRIO OU TRAIÇÃO. POSSIBILIDADE.

1.O que se busca com a indenização dos danos morais não é apenas a valoração, em moeda, da angustia ou da dor sentida pelo cônjuge taído, mas proporcionar-lhe uma situação positiva e, em contrapartida, frear os atos ilícitos do infrator, desestimulando-o a reincidir em tal prátcia. Apelação conhecida, mas improvida.

(TJ/GO – 1º C. Cív., Ap. Cív. Nº 56957-0/188, Rel. Des Vitor Barboza Lenza, DJ 23.05.2001)

Por fim, o instituto do casamento ou da união estável são vínculos jurídicos extremamente complexos, necessitando de olhar mais apurado das autoridades legislativas e judiciárias, visto a pluralidade de situações que podem ocasionar abalos morais em decorrência de condutas do cônjuge, não só com a existência de relacionamentos extraconjugais, mas também por posturas autoritárias e egoístas que causem sofrimento para a outra parte.

6. ANÁLISE DOS RESULTADOS

A partir da elaboração do presente trabalho, perpassando por todos os tópicos e conceitos abordados, nota-se que o instituto do casamento e da união estável é tema complexo com diversas facetas de estudo, gozando de proteção com envergadura constitucional que possibilita grande segurança jurídica.

Assim, o dano moral inserido no vínculo matrimonial demonstra que, apesar da cobertura estatal, a violação aos direitos de personalidade acarreta severos danos ao cônjuge, podendo ocasionar constrangimento pelas circunstâncias que levaram ao abalo moral, bem como gatilho para evolução do sentimento negativos aptos a causar doenças psicológicas irreversíveis.

Nessa linha, como forma de prevenção, ficou demonstrado que o respeito mútuo entre o casal, com a utilização diálogo e do respeito aos deveres matrimoniais, prezando sobretudo pela boa-fé recíproca, são mecanismos eficazes para dirimir eventuais divórcios e manter a paz no ambiente conjugal.

Para tanto, o presente trabalho utilizou como embasamento teórico as disposições da Constituição Federal de 1988, bem como o Código Civil de 2022 atrelados com as decisões jurisprudenciais mais relevantes sobre o tema, afim de verificar o cenário geral e averiguar o posicionamento dos tribunais superiores sobre a matéria.

Assim, o presente trabalho não buscou esgotar o tema, tendo em vista a amplitude conceitual e a repercussão em diversas áreas do vínculo matrimonial, necessitando de aplicabilidade interdisciplinar das áreas da psicologia, sociologia, dentre outras.

O presente estudo é apenas mais uma contribuição para a compreensão do dano moral no vínculo matrimonial do casamento ou da união estável, servindo de embasamento teórico para os profissionais da área, militantes no assunto, advogados ou terceiros que dispunham de interesse sobre o tema.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa desenvolvida observou que os danos extrapatrimoniais no casamento ou na união estável, visto que esta última por força constitucional é equiparada ao casamento legal, afetam diretamente o casal, podendo repercutir para terceiros, bem como causar elevada frustração pelo rompimento conjugal podendo evoluir para quadros graves de doenças psíquicas.

Para tanto, notou-se que o respeito mútuo é a forma preventiva mais eficaz para o bem-estar do casal. Todavia, em casos extremos de impossibilidade de manutenção do diálogo que gere rompimento dos deveres matrimoniais aptos a causar constrangimento ou abalo psicológico elevado, poderá a vítima ajuizar ação indenizatória de danos morais em busca da reparação extrapatrimonial em virtude do mal experimentado.

Nesse cenário, é importante que o constrangimento seja público ou que seja de conhecimento de terceiros, ainda que não amplamente divulgado, seja em virtude de relacionamento extraconjugal, ou vazamento de fotos íntimas que viole a honra objetiva da vítima e subtraia sua autoestima.

Assim, os objetivos do estudo foram alcançados, visto que foi possível verificar as consequências da violação da boa-fé objetiva no ambiente matrimonial e suas repercussões psicológicas no cônjuge afetado.

Com isso, foi possível constatar que a violação aos direitos matrimoniais é apta a causar dano suficiente para romper o mero aborrecimento conjugal e ocasionar sofrimento que afete a própria existência da vítima, passando a nutrir o sentimento de culpa, arrependimento ou conformidade com o abalo moral.

Assim, conclui-se que esse estudo contribuiu de forma significativa sem, contudo, esgotar a discussão do tema, mas fornecendo nova ótica para a incidência da violação moral no âmbito do casamento ou da união estável.

Diante de tais considerações, recomenda-se para trabalhos futuros um maior aprofundamento sobre a correlação entre o desenvolvimento de doenças psíquicas, a exemplo da ansiedade, depressão, síndrome do pânico ou, em casos extremos pensamentos suicidas e sua efetivação, com o abalo moral ocasionado pelo rompimento conjugal, seja pela existência de relacionamento extraconjugal ou apego emocional excessivo ao cônjuge.

REFERÊNCIAS

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1Discente do Curso de Direito da Faculdade Ages, Rodovia Lomanto Júnior, BR – 407, Centro, Senhor do Bonfim – BA. CEP: 48970-000

2Advogado. Professor na Faculdade Ages de Senhor do Bonfim-Ba.