DA POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO ENTRE A EMPRESA UBER E SEUS COLABORADORES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6607480


Autores:
Geovana Martins Costa
Jarbas Ferreira Pinto Junior

1. RESUMO

O presente artigo apresentado ao curso de graduação em Direito do Centro Universitário de Goiatuba, tem como objeto de estudo a possibilidade do reconhecimento do vínculo empregatício da relação entre a empresa Uber e seus colaboradores, trazendo a discussão as inconsistência jurisprudências acerca do assunto, desde os critérios para o reconhecimento do vínculo empregatício, até a “uberização”¹ das relações de trabalho e a relação com o dumping social².

Neste contexto, será discutida a falta de regulamentação dessas relações de trabalho, a presença ou não dos critérios para o reconhecimento do vínculo empregatício, a uberização e a precarização das relações de emprego, a insegurança jurídica causada pela divergência jurisprudencial entre as turmas do Tribunal Superior do Trabalho, motivando, dessa forma, a confecção do presente projeto.

As plataformas digitais, vem trazendo impactos relevantes para a forma de trabalho humano, surgindo um novo fenômeno conhecido como “crowdsourcing” ou mesmo a uberização, termo que se tornou popular no Brasil. Nesse ramo os motoristas são considerados como empresários autônomos.

Apesar disso, esses motoristas não são protegidos por nenhum direito trabalhista, visto que essa modalidade não se enquadra nos tradicionais pressupostos da relação de empregado e empregador.

Palavras Chaves: Trabalho, Serviço, “Uberização”, CLT, Direito, Habitualidade, Onerosidade, Subordinação.

2. ABSTRACT

The present article presented to the undergraduate course in Law at the Centro Universitário de Goiatuba, has as its object of study the possibility of recognizing the employment relationship of the relationship between the company Uber and its employees, bringing to the discussion the inconsistency of jurisprudence on the subject, from the criteria for the recognition of the employment relationship, up to the “uberization”¹ of labor relations and the relationship with social dumping².

In this context, the lack of regulation of these labor relations, the presence or absence of criteria for the recognition of the employment relationship, the uberization and precariousness of employment relations, the legal uncertainty caused by the jurisprudential divergence between the groups of the Superior Court will be discussed. of work, thus motivating the creation of this project.

Digital platforms have brought relevant impacts to the form of human work, giving rise to a new phenomenon known as “crowdsourcing” or even uberization, a term that has become popular in Brazil. In this branch, drivers are considered as self-employed entrepreneurs. Despite this, these drivers are not protected by any labor law, as this modality does not fit into the traditional assumptions of the employee-employer relationship.

Keywords: Work, Service, “Uberization”, CLT, Law, Habituality, Onerosity, Subordination.

3. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a possibilidade da existência do vínculo empregatício entre o aplicativo Uber para com os seus colaboradores, com base na CLT e análise de julgados de Tribunais do Trabalho.

Com as inovações de novas tecnologias, oriundas na Quarta Revolução Industrial, faz com que ocorra o surgimento de novos conflitos no âmbito do Direito do Trabalho. Um novo olhar surge para o trabalhado feito por meio de plataformas digitais, surgindo-se assim um modelo de negócio que vem crescendo no Brasil, os trabalhadores são vistos como microempresários pelas plataformas, porém as mesmas não tem qualquer responsabilidade no termo trabalhistas.

Criando-se então, um desafio perante a subordinação jurídica encontrada no vinculo de empregado e empregador, como conhecida tradicionalmente, sendo essa vinculo já conhecido herdado da logica fordista, oriundos dos trabalhos em fábricas.

Fazendo-se necessário e qualificar os seguintes apontamentos específicos: a) desenvolver os conceitos doutrinários e legais pertinentes ao tema em estudo; b) descrever os aspectos gerais das relações de trabalho, caracterizando a relação de emprego (habitualidade, subordinação, onerosidade e pessoalidade), caracterizando a precarização das relações de trabalho; c) analisar a “uberização” das relações de emprego e o dumping social; d) levantar jurisprudências relacionadas à possibilidade da existência do vínculo entre a empresa Uber e os motoristas que utilizam o aplicativo.

4. DESENVOLVIMENTO

O presente trabalho vai dispor como metodologia o estudo aprofundado do tema proposto, abordando através de revisões bibliográficas periódicas e leituras, artigos e julgados, dentre outras possibilidades que auxiliem no desenvolvimento do tema.

Com o desígnio de escrutinar e esclarecer as principais divergências do caso será oferecido pesquisas qualitativas e bibliográficas que dizem respeito ao Direito do Trabalho. Serão feitas pesquisas referentes ao caso por meio da rede mundial de computadores, respaldando a formulação de hipóteses.

É imprescindível para o problema jurídico dessa pesquisa que se convenha da modalidade teórica através da bibliografia pertinente a se chegar ao objeto em questão. Para desbravar o tema relacionado e analisar as premissas do vínculo empregatício a luz do Direito do Trabalho e suas ramificações, far-se-á necessário o aprofundamento em livros e artigos científicos, bem como a análise de casos atuais sobre o tema.

5. ARGUMENTAÇÃO

No atual cenário mundial, a sociedade vem sendo modificada, visto que, a velocidade, necessidade, amplitude, impacto sistêmico e a profundidade, classifica-se como a Quarta Revolução Industrial, tendo seu viés completamente distinto de todas as outras Revoluções conhecidas mundialmente.

As novas tecnologias têm progredindo como uma velocidade exponencial, trazendo impactos visíveis aos países, as empresas e a população que está sendo expostas a essas novas tecnologias, ocorrendo mudanças estruturais nunca vistas antes. Impactando diretamente a forma de ver e se conectar com outras pessoas, aproximando os mundos físicos, digitais e os biológicos, podendo até mesmo modificar os modelos de negócio e também de governo.

A supracitada Quarta Revolução Industrial, vem trazendo um grande impacto no marcado de trabalho, pois vincula as novas tecnológicas, como por exemplo o próprio aplicativo encontrado em aparelhos de celular, a possibilidade de o indivíduo pedir seu deslocamento através de empresas privadas de transporte particular de forma rápida e simples.

Assim, ocorrendo uma mudança na forma de se contratar um serviço, eliminando algumas classes de serviços em face da automação, e também criando novas profissões decorrentes dessas novas demandas.

Surgindo assim um novo problema, visto que nem sempre a criação de postos de trabalho irá conseguir suprir a demanda da eliminação de antigos cargos manuais, de modo que o governo do país e as instituições irão precisar atuar de forma certeira em incentivos à formação acadêmica, assim podendo evitar a criação de conflitos entre o ser humano e o mundo digital.

É notório que, caso não ocorra novas medidas que possam ser adotadas para à proteção do mercado de trabalho, o crescimento da desigualdade do mercado de trabalho ficará ainda maior. Como disposta pelo autor Klaus Schwab, a sociedade poderá se locomover para a segregação entre as pessoas que possuem um destaque derivado do alto salário, que tem com capacidade inteligências e conhecimentos capazes de programar máquinas que realizam atividades de forma mecânicas. (SCHWAB, 2016, p. 51)

Os direitos trabalhistas são considerados um dos pilares de uma sociedade equilibrada e justa, com o intuito de evoluir o indivíduo e o coletivo, regendo a relação entre empregado e empregador, a luz da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e da Carta Magna.

A CLT foi criada pelo Decreto-Lei nº 5.452, em primeiro de maio de 1943, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas no período do Estado Novo, introduzindo definitivamente o direito do trabalho na legislação vigente.

Nesta sequência, a CLT trouxe de forma clara o vínculo empregatício, estabelecendo as regras sobre as relações privadas e coletivas de trabalho, trazendo assim, quatro critérios indispensáveis para o seu reconhecimento, que são: a subordinação, a onerosidade, a pessoalidade e a habitualidade.

Sendo assim, surge a necessidade da intervenção do Direito do Trabalho, criando-se novas proteções para o trabalhador da exploração onde a relação é assimétrica, assim caberá ao ordenamento jurídico brasileiro garantir condições apropriadas e favoráveis a esses novos empregos. Vale ressaltar que, uma das funções do Direto do Trabalho, é garantir a concorrência legal, mantendo os patamares mínimos de dignidade humana.

Portanto, significa que, haja a necessidade de regulamentar situações de modo a evitar que ocorra a exploração do trabalho pleno diante das mudanças sucedidas a partir da Revolução Industrial.

A subordinação, nada mais é o controle que o empregador tem sobre o obreiro, delegando trabalhos e funções dentro de um ambiente de trabalho, supervisionando, de forma geral, como é desenvolvida a atividade laboral (DELGADO, p. 349, 2019). Para o reconhecimento de uma relação de emprego, é imprescindível que a atividade desempenhada pelo trabalhador seja retribuída, ou seja, é uma contraprestação devida pelo empregador ao empregado, uma situação de cunho bilateral, reforçando a onerosidade. (DELGADO, p. 346, 2019).

Compreender essa nova forma de subordinação é essencial para se entenda a realidade dos trabalhadores submetidos à uberização. Não é porque não há uma hierarquia tão evidente como ocorria no modelo de produção fordista, que a subordinação, assim como a relação de emprego, deixou de existir. Ademais, deve ser destacado que, segundo o parágrafo único do art. 6º da CLT, os meios informatizados de comando e controle se equiparam aos meios pessoais e diretos, para fins de subordinação jurídica. (COUTINHO, 2021)

Essas novas modalidades de empresas de aplicativos de transporte privado, podendo-se perceber que é a mesma formatação na exploração do trabalho alheio: devido um lado, ter pessoas que normalmente na forma de pessoas jurídicas, que detém um grande têm capital para investir em determinada ideia. Já do outro lado, estão aquelas pessoas, sem capital próprio, que oferecem sua força de trabalho para viabilizar essa ideia. (OITAVEN, CARELLI & CASAGRANDE, 2018, p. 35). Portanto, apesar de estar na Quarta Revolução Industrial, a dinâmica encontrada entre o capital e o trabalho parece estar pouco alterada em relação à dinâmica que ocorria no século XIX.

De acordo com o Adrián Signes, é relavado a realidade dos prestadores de serviços feitos através das plataformas digitais, se assemelham com os empregados, não com os empresários, levando em conta que, a desigualdade das condições entre esses prestadores de serviços e as plataformas digitais se assemelham à assimetria entre os patrões e os empregados. Sendo necessário que haja a necessidade de repensar as proteções oferecidas ao trabalhador, conforme narra o autor:

Por essa razão, pode não ter muito sentido debater se os trabalhadores do século XXI, juridicamente, se encaixam ou não na definição de contrato de trabalho do século XIX, mas sim que a verdadeira questão futura a debater será se a realidade, sobre a qual se discute a proteção oferecida, é a mesma. Com as características vistas em epígrafe se pode constatar uma resposta afirmativa: as necessidades de proteção seguem existindo para os novos trabalhadores, ou como são chamados de “microempresários”, sejam dependentes ou independentes. (SIGNES, 2017, p. 39).

A relação jurídica convencionada deve ser de alguma forma uma relação individual, com respeito ao colaborador, que não poderá ser substituído por outro trabalhador ao longo de sua atividade, conceituando a pessoalidade (DELGADO, p. 339, 2019).

A visão imposta pelas empresas de aplicativo de transporte privado, ao tocante da prestação de serviços feitos por meio de plataformas digitais, os servidores que atuam como motoristas, são vistos como “parceiros”, “colaboradores” a até mesmo “empresários autônomos”. Assim, é notório que tais empresas utilizam-se de tais substantivos para afastar o termo “empregados” ou “servidores”, com isso podendo afastar a jurídicas à essas pessoas que trabalham diariamente como motoristas, tais proteções são garantidos até mesmo pela Constituição Federal e também pela CLT.

Ainda que existam os três critérios acima citados, a prestação do devido labor necessita de uma eventual habitualidade, firmando o compromisso e demonstrando a continuidade do desenvolvimento do trabalho (DELGADO, p. 341, 2019).

No momento atual, com a globalização das relações de trabalho, surgiram arranjos que não apareciam corriqueiramente em nossa realidade, jornadas de trabalho flexíveis, relações que se contrapunham com a rigidez da lei, aumento das jornadas informais, tornando-se mais frequentes.

Neste sentido, o termo “uberização”, derivado do nome da plataforma de transportes Uber, aparece com a acepção de demonstrar como as relações estão cada vez mais excepcionais e abstratas, os que não conseguem a inclusão nesse novo método diferente e tecnológico de trabalho, acabam buscando refúgio em relações informais, que tem uma baixa remuneração e nenhuma segurança para quem a desenvolve (ANTUNNES, 2020).

Ao passo que a “uberização” avança como uma prática empregatícia, surge concomitantemente o fenômeno denominado “dumping social”, caracterizado pelas práticas desumanas realizadas pelas grandes empresas, deixando de cumprir as obrigações trabalhistas, visando extrair o máximo de lucro possível, explorando a mão de obra sem o mínimo de amparo ao trabalhador (FERNANDES, 2021).

A partir de 2017, diversas instâncias da Justiça do Trabalho entendiam na impossibilidade do reconhecimento do vínculo empregatício nesses casos, alegando a inexistência dos quatro critérios previsto na CLT, ao todo, foram mais de mil processos em todos os tribunais regionais do país, indeferindo esse pedido. Todavia, com o avanço dessas relações e da alta quantidade de demandas em um curto espaço de tempo, fez-se necessário uma reanalise desde entendimento.

A terceira turma do egrégio Tribunal Superior do Trabalho no julgamento do Recurso de Revista 100353-02.2017.5.01.0066 decidiu em abril de 2022 por reconhecer o vínculo. O Ministro Maurício Godinho Delgado expos em seu voto que existe uma clara subordinação dos colaboradores para com a empresa, em vertente totalmente contrária a quarta e quinta turma do mesmo tribunal, que em cinco situações votaram de forma diversa.

Levando em consideração que é um tema não tão discutido atualmente, de suma importância, surge o presente trabalho, com o intuito de esclarecer e pontuar as divergências e interpretações diferentes, visto que ainda não é regulamentado pela legislação brasileira.

Com o intuito que tal tema seja esclarecido, aparecem alguns questionamentos que necessitam de uma análise, por exemplo: quais são os critérios definidos pela CLT para o reconhecimento do vínculo empregatício? Há a precarização na uberização das relações de trabalho? Qual o possível impacto jurídico e social que o reconhecimento do vínculo empregatício nessas relações pode trazer? O colaborador dessas empresas digitais de transporte urbano tem um regime de subordinação ou são autônomos? Uberização das relações de trabalho e dumping social.

É entendível que no que se diz respeito aos direitos trabalhistas, não se pode ter essa insegurança jurídica, a norma e o entendimento jurisprudencial têm que ser claros. Os conflitos trazidos pela discussão sobre o reconhecimento do vínculo empregatício das prestadoras de serviços eletrônicos de transporte urbano para com os seus colaboradores geram uma insegurança social e torna mais visível a fragilidade do trabalhador desamparado, para com as grandes empresas com atuações internacionais.

A precarização das relações empregatícias não deve ser relativizada, pois é uma parte importante do direito do trabalho com um grande enfoque no bem-estar social.

Estabelecida pela CLT e conceituada pela doutrina brasileira, a relação de trabalho está em constante mudança, surgindo diferentes formas da prestação de trabalho, bem como na exploração destas relações. Nesse sentido, cabe ao Direito do Trabalho regulamentar e dar seguridade na distinção desses vínculos, para que as partes relacionadas não tenham insegurança jurídica na aplicabilidade dos contratos de trabalho.

Atualmente no Brasil, existe uma alta taxa de informalidade nas relações de trabalho, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021). No total são 38 milhões de trabalhadores informais, que diz respeito a 40,6% da população ocupada no 3º trimestre de 2021, 2% a mais que no mesmo período de 2020. Conforme pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), aproximadamente 1,4 milhão de brasileiros trabalha com o transporte de passageiros e mercadorias em um sistema de “parceria” com os aplicativos de entrega (Uber, 99, Uber Eats). (IPEA, 2022).

Diante do aumento exponencial desse tipo de relação, surgiram lides trabalhistas com o intuito de esclarecer a tratativa entre os aplicativos que mediam o contato entre os motoristas colaboradores e os passageiros que tem o intuito de desfrutar do serviço prestado.

Inicialmente, tinha-se fixado o entendimento jurisprudencial que o vínculo dos aplicativos para com os colaboradores não era considerado uma relação de emprego, com o argumento que não há onerosidade e nem subordinação na relação, levando em conta que a remuneração é feita pelo colaborador pela utilização da plataforma digital, destacando ainda que o pagamento recebido pelo trabalhador é feito pelo passageiro, e sobre a subordinação, o colaborador não tem obrigatoriedade de prestar o serviço como nos contratos trabalhistas comuns, configurando uma forma de parceria e não uma subordinação expressa, assim foi decidido no AIRR 11199-47.2017.5.03.0185, a título de exemplo (TST, 2021).

Em contrapartida, surgiram julgamentos contrários citados, com o argumento central relacionado à “uberização”, expondo no mesmo sentido o “capitalismo de plataforma”, que pretensamente criam novas relações de trabalho com o intuito de explorar a mão de obra barata e defasada, desta maneira decidiu a 8ª turma do TRT-4 no acórdão 0020750-38.2020.5.04.0405. Exemplificando (TRT-4, 2020).

Ante a situação demonstrada, estabelecem-se uma clara divergência de entendimentos jurisprudenciais que denotam a falta de regulamentação desse tipo de atividade, surgindo assim o questionamento central do presente projeto: Há possibilidade do reconhecimento do vínculo empregatício da relação entre os aplicativos de entrega e seus colaboradores?

Sobre a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício entre a empresa Uber e seus colaboradores é um tema controverso, denota-se uma divergência de entendimento entre TRTs e até mesmo entre turmas do TST, demonstrando que é um assunto combatível a possibilidade ou não do reconhecimento do vínculo empregatício nas relações entre os aplicativos de entrega e seus colaboradores, faz-se necessário o estudo e pesquisa dessas hipóteses.

É importante elucidar esse tipo de situação, pois o avanço da tecnologia fez com que as relações empregatícias ficassem cada vez mais abstratas, com a diminuição ou até ausência de direitos trabalhistas, cargas horárias desumanas com a máxima que o colaborador tem livre iniciativa para fazer o seu tempo de trabalho, transferindo a responsabilidade para o trabalhador.

Em abril de 2022, a terceira turma do TST julgou o Recurso de Revista Nº 100353-02.2017.5.01.0066, que teve como matéria de discussão a possibilidade do reconhecimento do vínculo empregatício da empresa Uber para com um colaborador. No seu voto, o Ministro Relator Maurício Godinho Delgado demonstrou que existem os aspectos atinentes para que seja declarado esse direito, pois de acordo com o Ministro, as plataformas digitais que disponibilizam o serviço de transporte de pessoas e mercadorias são uma nova forma de organização e gestão de força de trabalho humana no sistema capitalista e na lógica do mercado econômico, aduz ainda que a mão de obra humana é essencial para que a empresa alcance seus objetivos, sustentando na continuação do seu voto da seguinte forma: OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO(sic).

O posicionamento da terceira turma do TST não é unânime, visto que na quarta e na quinta turma do mesmo tribunal, houve decisões diferentes da acima demonstrada. Na quinta turma, no Recurso de Revista Nº 1000123-89.2017.5.02.0038 no ano de 2020, o Ministro Relator Breno Medeiros expos em seu voto que não existe a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício nessas situações, pois de acordo com o mesmo, a possibilidade de ingressar ou sair do aplicativo no momento em que o colaborador quiser demonstra a flexibilidade da prestação de serviço. De acordo com o Ministro:

Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal autodeterminação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo.

De acordo com o demonstrado nos dois acórdãos acima citados, o assunto é controverso, mas quando se fala de direitos trabalhistas não se pode existir essa dualidade. Existem todos os elementos necessários para o reconhecimento do vínculo empregatício na relação entre a empresa Uber e seus colaboradores, conforme o Ministro Godinho no RR Nº 100353-02.2017.5.01.0066.

O Ministro supracitado sustenta essa posição, alegando que a subordinação está demonstrada, pois para desempenhar seu trabalho, o obreiro necessita se cadastrar junto à empresa, fornecendo todos os seus documentos pessoais e bancários, sendo submetido posteriormente a uma avaliação individual para que pudesse desempenhar o labor, deixando clara a pessoalidade dessa relação.

Além do motorista ser constantemente contrato pela empresa. Tendo sua localização monitorada em momentos em que o servidor não está em horário de trabalho, a plataforma digital detém o poder de guardar as informações dos trajetos diários dos motoristas. Utilizando-se de técnicas ambivalentes de premiações e punições, incentivando os motoristas a se deslocarem a lugares de difícil acesso, até mesmo trabalhar em locais de festas, podendo receber uma porcentagem maior pelo trabalhado oferecido.

Porém os mesmos temem receber avaliações negativas dos usuários, tendo em vista que o percentual de avaliação feitos pelos usuários dos aplicativos digitais, determinam a popularidade do perfil do motorista dentro do aplicativo.

O fator oneroso também é explicito nessas relações, pois o pagamento do serviço desenvolvido é feito diretamente a empresa por meio do aplicativo, que posteriormente o repassa ao trabalhador por meio de transferência bancária.

Assim, com bases nas informações acima reveladas, é fácil notar uma possível subordinação entre a plataforma digital e o motorista que desempenham seu papel servindo tal empresa, ainda que a relação acontece de forma distinta do que era tradicionalmente praticado no antigo modelo fabril. As autoras Juliana Silva e Maria Áurea Cecato, discorrem que é importante analisar a atividade econômica desenvolvida pelas plataformas digitais com outra visão:

A atividade econômica desenvolvida pela plataforma do Uber também deve ser analisada sob o prisma constitucional acima exposto. Com efeito, apesar de possuir uma roupagem, pelo menos da teoria, de “economia compartilhada”, o que se percebe é que a plataforma online tem desvirtuado a ideia original, ao intermediar o uso de bens e serviços e promover um verdadeiro mercado de baixo custo, ideia que se distancia de um compartilhamento propriamente dito. (SILVA & CECATO, 2017, p. 268).

Ora, sobre a não eventualidade é demonstrada nessa relação, visto que a atividade do assistido está intrinsicamente ligada à atividade da empresa Uber, inexistindo qualquer traço de um serviço transitório.

Em concordância com os fatos demonstrados acima, e com a análise a fundo dos acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho, a regulamentação dessas novas atividades laborais é de suma importância, para garantir os direitos trabalhistas e assegurar a justiça social, configurando assim a hipótese do problema jurídico instalado.

Portando, é preciso ter em mente que as relações humanas indicam de modo que o Direito ser estabelecidos, se caso esses direitos não forem garantidos e aplicados, poderá se ter uma violação aos direitos humanos previstos na Constituição Federal. As modificações do ramo do Direito do Trabalho, devem ter como previsão legal a ampliação do seu padrão protetivo. A autora Raianne Liberal Coutinho narra na Revista Eletrônica do CEJUR, no ano 2021 que:

Em qualquer caso, é importante ter em mente que as empresas também têm o dever de garantir os direitos humanos, sendo necessário que se desenvolva a sua responsabilidade social corporativa. Isso não é ser contra o processo ou as revoluções industriais; é, na verdade, ser capaz de pensar no desenvolvimento social como o objetivo primeiro de qualquer inovação tecnológica, de modo que se tenha uma abordagem centrada e moderadora do ser humano.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há um aprazimento no meio do acadêmico e jurista que os direitos trabalhistas servem para equilibrar as posições entre os sujeitos das relações de trabalho, relações essas que evoluem desde a criação da CLT em 1943. Devido a sua longevidade e surgimento de novas relações empregatícias, a legislação atual não leva em consideração todas as mudanças sociais e econômicas que ocorreram nesse período.

O período entendido como antecessor ao industrial é notado por uma abstração de leis trabalhistas, o escravagismo dominava essa época, período esse em que o escravo era exposto como coisa, não sendo sequer um sujeito de direito, e por consequência, não tendo direitos trabalhistas (NASCIMENTO, p.43, 2013).

Os direitos trabalhistas tratados nos tempos atuais foram concebidos com o avanço das tratativas nas indústrias inglesas, difundindo a qualidade e a especialização no século XVIII, com o surgimento das primeiras máquinas de vapor, momento em que se criou a obrigação de contratar os trabalhadores assalariados (NASCIMENTO, p.45, 2013).

A modificação do plano político inglês de Liberalismo3 para Neoliberalismo4 desencadeou a criação do Direito do Trabalho. O primeiro expressava uma autorregulamentação da ordem econômica, podendo o capitalista arguir suas exigências sem a intervenção estatal. O conexo prega que o Estado só intervenha de forma limitada nas questões econômicas e sociais (NASCIMENTO, p.46, 2013).

Desde a implementação do Neoliberalismo foram criadas normas com o intuito de disciplinar as relações trabalhistas, impondo limites a alguns e privilégios a outros, exigindo cargas horárias de trabalho menores, mais tempo de descanso e folgas remuneradas, com o objetivo de equilibrar as diferenças (NASCIMENTO, p.47, 2013).

A partir da terceira revolução industrial, que aconteceu em meados do século XX, que teve como base a globalização e o avanço das tecnologias, tornando o indivíduo apenas um apêndice de um maquinário cada vez mais amplo e complexo. No momento atual, na medida em que o maquinário e as novas tecnologias começaram a avançar, a informática passou a ser introduzida nas relações trabalhistas.

Hoje impera a Quarta Revolução Industrial, que teve início em meados de 2010, e tem como principal característica a combinação de tecnologias avançadas, aprimorando a produtividade das indústrias e no mesmo ato, diminuindo o custo de produção e economizando tempo, além de atingir uma maior eficiência no uso dos recursos e no controle de qualidade (ANTUNES, 2018).

Importante salientar que, com o avanço do tempo surgiram “startups digitais”, que nada mais são que empresas criadas especificamente com o intuito de gerir todos os seus atos digitalmente, com ideias inovadoras e disposição para satisfazer as necessidades do mercado.

Com o avanço das tecnologias e com o surgimento dos serviços digitais, as relações empregatícias ficaram cada vez mais abstratas, transferindo a responsabilidade do mantimento dessa relação a cargo do prestador de serviço, pois as empresas têm um grande capital de giro, com um vasto plantel de trabalhadores e não detém nenhum tipo de responsabilidade empregatícia. É de fácil percepção que o liberalismo tem ganhado força, enfraquecendo direitos que foram conquistados com mais de sete décadas de luta (ANTUNES, 2018).

Diante do exposto, vê-se de a introdução da “uberização” nas relações de trabalho, que de acordo com o Professor Ricardo Antunes é uma nova atividade laborativa que combina o mundo digital com a dependência completa do movimento das corporações. Movimento esse que torna precária as relações de emprego, com baixa remuneração, altas horas trabalhadas e nenhum direito trabalhista adquirido.

Não há controvérsia quando se fala que o direito trabalhista é um dos ramos do direito que mais tem impacto no cotidiano da sociedade. É por meio das convenções e regulamentações que a sociedade se organiza e que a maioria dos indivíduos garante a sua subsistência, deixar de observar esses direitos é uma forma de abandonar os mais carentes, prejudicando o seu desenvolvimento como indivíduo.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018.

ANTUNES, Ricardo. Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. 1. ed. São Paulo: Editora Boitempo, 2020.

BARBOSA, Daniele. Precariedade Politicamente Induzida E O Empreendedor De Si Mesmo No Caso Uber. 1. ed. São Paulo: Editora Lumen Juris, 2020.

BARBOSA, Francisco de Assis Junior. Gig Economy E Contrato De Emprego. 1. ed. São Paulo: Editora Ltr, 2019.

BRASILIA. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão do processo nº 100353-02.2017.5.01.0066. Reclamante: Elias do Nascimento Santos. Reclamada: Uber do Brasil Tecnologia LTDA.

BRASILIA. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão do processo nº 1000123-89.2017.5.02.0038. Reclamante: Márcio Vieira Jacob. Reclamada: Uber do Brasil Tecnologia LTDA.

BRASILIA. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão do processo nº 11199-47.2017.5.03.0185. Reclamante: Ronildo Alves dos Santos. Reclamada: Uber do Brasil Tecnologia LTDA.

COITINHO, Raianne, Uberização das relações de trabalho: uma abordagem transnacional a partir da interrelação entre Direito Público e Privado. Revista Eletrônica CEJUR. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cejur/article/view/77625/43285 . Acesso em: 31 de maio de 2022.

Decreto-Lei nº 5.452. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, DF, 1 mai. 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm

Fatos e dados sobre a Uber. 27 ago. 2020. Disponível em: < https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/fatos-e-dados-sobre-uber/> Acesso em: 10 abr. 2022

IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. 1,4 milhão de entregadores e motoristas no Brasil estão na Gig economy. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=38565>. Acesso em: 27 abr. 22

PORTO ALEGRE. Tribunal Regional do Trabalho, 4ª Região. Acórdão do processo nº 0020750-38.2020.5.04.0405. Reclamante: Marcio Antunes Correa. Reclamado: Uber do Brasil Tecnologia LTDA.

NASCIMENTO, Amauri Mascado. Iniciação ao Direito do Trabalho, 38ª. ed. São Paulo: Editora Ltr, 2013.

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