DA INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MORALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS REFLEXOS NA SOCIEDADE

THE EFFECTS ON SOCIETY DUE TO THE INAPPLICABILITY OF THE PRINCIPLE OF MORALITY IN PUBLIC ADMINISTRATION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10027848


Rodrigo Duncke de Oliveira da Mota1
Samuel Francisco Chaves de Melo2


RESUMO

O presente artigo visa explorar os reflexos que causa da inaplicabilidade do princípio da moralidade, visando trazer informações de que modo tal efeitos impactará a sociedade moderna. Tem como objetivo apontar como o administrador público lida quando tem que se nortear pela moral, visto os atos administrativos discricionários, como este age em prol da coletividade. Neste sentido, o presente estudo buscou demonstrar dos casos de corrupção e de que forma poderia ser realizado o controle dos atos que são fundados na moral do gestor público. Observa-se que o constituinte se preocupou com as condutas dos gestores, assim, hoje tendo presente na Constituição Federal o referido princípio. Além de realizar a diferença dos institutos da moral social e jurídica.

Palavras chaves: Moral. Princípio da moralidade. Administração pública. Administrador público.

ABSTRACT

This article aims to explore the reflections that cause the inapplicability of the principle of morality, aiming to bring information on how such effects will impact modern society. It aims to point out how the public administrator deals when he has to be guided by morals, given the discretionary administrative acts, how he acts in favor of the collectivity. In this sense, the present study sought to demonstrate the cases of corruption and how the control of acts that are based on the morals of the public manager could be carried out. It is observed that the constituent was concerned with the conduct of managers, thus, today bearing in mind in the Federal Constitution the referred principle. In addition to differentiating the institutes of social and legal morality.

Keywords: Moral. Principle of morality. Public administration. Public administrator.

1 INTRODUÇÃO

A moral é algo que está presente no mundo todo, desde o nascimento da sociedade até atualmente. Sendo um assunto muito debatido pelos filósofos, como exemplo desses filósofos temos Thomas Hobbes, sendo que este a conceitua a filosofia moral como algo relacionado ao que é bom e mau perante a sociedade, portanto, possuindo a seguinte concepção: “Pois a Filosofia Moral é nada mais que a ciência do que é Bom e do que é Mau em relação à preservação e à sociedade humanas” (HOBBES, 2015, p. 145).

Apesar da passagem acima ocorrer em período diverso, ainda sim consegue proporcionar reflexão atual, entretanto, o foco do projeto não é apenas conceituar a moral e quem ou o que diz a respeito dela. O artigo tem como objetivo tratar do assunto no âmbito da administração pública e consequentementecomo ela é aplicada, os limites que possuem e de que forma afeta sociedade em geral.

Porém, há de se limitar ao princípio da moralidade, este o qual é diferente da moral trivial. Além de que, encontra-se expresso na Constituição Federal, especificamente no artigo 37, caput, nesse sentido, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (BRASIL, 1988).

Por razão da Carta Magna ser principiológica, os princípios possuem alta importância no ordenamento jurídico, consequentemente, há o dever de zelarem para que haja seu cumprimento.

Este princípio da moralidade deve ser cuidado com observância por aqueles que estão e fazem parte da administração pública (seja ela direta ou indireta). Visto que ele se encontra atrelado ademais atuações dos servidores, como a honestidade, lealdade e a boa-fé.

Posto isto, é possível perceber que através dos escândalos de corrupção como por exemplo: o Mensalão (DARIE, 2018), e dentre tantos outros casos, o princípio da moralidade é ferido e totalmente ignorado pelo administrador, sendo que nesses casos, eles buscaram seus interesses pessoais (aproveitando-se de seus respectivos cargos para se beneficiarem).

Destarte que quando os administradores ignoram esse princípio, as principais vítimas éa população, visto que depende deles para que haja a evolução da sociedade, já que com o desvio de verbas temos o atraso na evolução da sociedade e muitas vezes, ocorrendo o retrocesso.

Não obstante, acredita-se que o princípio da moralidade esteja ligado ao mau uso do dinheiro público, aqui, neste ponto, não se refere somente ao desvio de verbas e sim na má aplicabilidade, deixando de investir em certa infraestrutura para priorizar outra que naquele momento não seria tão urgente (vide a construção de estádios de futebóis durante a realização da copa do mundo de 2014 em detrimento da construção de hospitais públicos, sendo que o reflexo da má gestão do administrador público se deu com o advento da pandemia SARS-CoV-2).

Portanto, pela inaplicabilidade do princípio, há de se observar que ele possui alto impacto na sociedade, pois, este sendo ignorado, haverá corrupção e a má gestão do administrador, consequentemente, conforme abordado até aqui, quem sofre é a população, vide o caso do Mensalão, citado anteriormente.

Ocorre que, os atos públicos poderão ser submetidos ao controle, podendo ser interno ou externo este, além da participação do cidadão através da ação popular, sendo que André Ramos Tavares (2012, p. 986-987) conceitua da seguinte forma:

A ação popular é um instrumento de participação política no exercício do poder público, que foi conferido ao cidadão pela Constituição, o que se dá por via do Poder Judiciário, e que se circunscreve, nos termos constitucionais, à invalidação de atos ou contratos praticados pelas entidades indicadas nas normas de regência (Constituição e lei específica), que estejam maculados pelo vício da lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico ou cultural.

Pelo exposto até o momento, entende-se que este princípio é o que norteia administração pública e que sua inaplicabilidade nos atos da administração publica poderá sofrer controle, até mesmo os atos discricionários restritos aos administradores.

Portanto, por todo contexto em volta do princípio supracitado, a problemática da pesquisa reside se a inaplicabilidade do princípio da moralidade na administração pública fomenta os atos de corrupção e os reflexos que causa a sociedade.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é proporcionar conhecimento acerca da importância do princípio da moralidade e as consequências para a população que decorrem de sua inaplicabilidade. Além de demonstrar a diferença entre a moral social e a jurídica.

A relevância do tema deste artigo está atrelada as más gestões dos administradores públicos, tanto no âmbito estadual como federal e os números exorbitantes de escândalos de corrupção. Atualmente o Brasil tem ocupado a posição n. 94º no Índice de Percepção da Corrupção de uma lista de 180 países, com a nota 38 empatado com os seguintes países: Etiópia, Argentina, Marrocos, Tanzânia (TRANSPARÊNCIA, c2019).

Posto isto, o IPC é realizado pela Transparência Internacional, sendo este, um movimento global com o objetivo de livrar-se da corrupção. Todavia, conforme observado até aqui, este princípio não estar ligado estritamente a corrupção, é visto cada vez mais frequente os casos de má administração, onde há a falta de saneamento básico, falta de medicamentos nas unidades de pronto atendimento.

Estas consequências em razão da inobservância do princípio supramencionado foram bastante perceptíveis durante a pandemia do COVID-19, o qual foi possível perceber claramente que todo o país não há estrutura suficiente para atender a população.

Apesar de que se tratava de uma crise sanitária a nível mundial, todavia, caso o Estado tivesse realizados investimentos na saúde pública ao longo dos anos, poderia se ter tido outro cenário. É evidente que, nesse caso, houve a má gestão, portanto, o princípio foi ignorado, visto que ele está ligado a boa-fé, a honestidade, lealdade. Diga-se que ele foi ignorado porquê este é atrelado a boa-fé na conduta do exercício da função administrativa, ocorre que, o Estado, por meio do Agente público está ligado intimamente ao bem estar coletivo, de atender às necessidades de toda sociedade.

Portanto, trata-se de um princípio que é extremamente importante, porém, pouco observado pelos gestores públicos, entretanto, quando sua observância, é posta de lado, de forma dolosa, há os casos de corrupção.

Conforme foi visto até aqui, já foi posto o ponto de vista de Thomas Hobbes acerca da filosofia moral, o qual se apega a distinção do que é bom e mau do ponto de vista entre a relação entre os cidadãos. Entretanto, apesar de ter tido uma breve explanação, observa-se agora a moral com sua conceituação lato sensu e bem como é exposta como regras de conduta na sociedade.

A moral refere-se a um conjunto de normas, valores e princípios que guiam o comportamento humano em uma sociedade. Esses valores morais são transmitidos de geração em geração e podem variar entre as culturas e épocas históricas. A moralidade é influenciada por fatores como a religião, a tradição, a educação e a lei, e muitas vezes é associada a juízos de valor como certo e errado.

Para Antonio Bento Betioli, a moral está definida da seguinte forma “identifica- se moral como a disciplina dos atos humanos, fundada na consciência do agente. Significa o conjunto de normas inspiradas por valores de determinado grupo, tendentes a formar o homem perfeito em si mesmo” (BETIOLI, 2018, p. 91).

Portanto, é possível compreender que a moral está ligada com o íntimo da pessoa, a sua consciência, visto que cabe ao ser humano, ao agente, tomar as suas decisões. Estas atitudes com caráter decisório serão tomadas mediante o grupo o qual faz parte e sua influência sobre ele, pois para determinados grupos, a moral poderá ser diferente do ponto de vista de cada um.

Podendo ser possível fazer um comparativo entre a sociedade atual e a sociedade espartana, visto que esta tinha uma forma peculiar e brutal de decidir se os recém-nascidos tinham capacidade de continuar vivos e se serviriam para o exército espartano. Ocorre que é uma atitude reprovável aos nossos olhos perante a sociedade moderna, todavia, perante a sociedade espartana da época era algo normal, pois tratava-se de uma questão cultural, consequentemente era moral (visto que moral e cultura estão interligadas).

Sendo realizada a explanação em sentido lato sensu sobre a moral, cabe trazer dois pontos de vista, sendo eles: Moralidade Social e a Moralidade Jurídica.

Posto isto, devemos estar atentos novamente ao que diz Betioli (2018, p. 89):

A moral de uma sociedade manifesta-se nos “costumes” (mores). O conjuntode costumes morais aceito por um grupo constitui o “éthos” dessa comunidade. Cuida-se, a bem ver, do nível sociológico da realidade ética. Seu valor consiste no aprimoramento do nível das relações sociais, através das várias manifestações, como as de cortesia, do cavalheirismo, da pontualidade, da galanteria etc. A existência de tais normas, bastante difusas,explica também, fenômenos sociológicos como os preconceitos e elitismo detodo gênero.

Conforme as abordagens até o momento, encontra-se novamente diante da questão sobre os costumes, sendo assim, é algo subjetivo, pois é algo ligado ao íntimo de determinado grupo e agente, ficando associado ao certo e errado. Todavia, aí que se diferencia da moralidade jurídica, já que nem tudo que é imoral é ilegal.

Para poder realizar a distinção acerca dos dois institutos, é importante trazer o ensinamento de Carvalho, o qual obtempera: “[…] ‘moralidade jurídica’ está ligada sempre ao conceito de bom administrador, de atuação que vise alcançar o bem- estar de toda a coletividade e dos cidadãos aos quais a conduta se dirige” (CARVALHO, 2023, p. 81).

Portanto, sendo abordado a moral de uma forma um pouco mais restrita ao direito (visto que nesse momento ela foi abordada como instrumento de controle social), foi exposto anteriormente que há a distinção entre a moral social (que é a trivial) e a moralidade jurídica mais estrita ao gestor público.

Nesse sentindo, Santos (2012, p. 28-29), traz como ensinamento a seguinte abordagem:

A conduta do agente público que observar rigorosamente os ditames da lei, mas divorciar-se da honestidade, da ética, da probidade ou da boa-fé, também não se sustenta no mundo jurídico e deve, da mesma forma, ser invalidada. A moralidade administrativa foi alçada a princípio constitucional (art. 37, caput, CF/88), pois, com o tempo, percebeu-se que apenas cumprir a lei não era suficiente.

Além do exposto, traz o seguinte exemplo:

Vejamos o seguinte exemplo: uma autoridade pública tem como seu subordinado um antigo desafeto e, em um dado momento, com base na competência legal que possui, determina o remanejamento do servidor para repartição distante daquela onde exercia suas funções, não com o propósito de suprir carência de pessoal (que de fato havia), mas por vingança. Este é um exemplo de ato revestido de legalidade, mas que claramente fere a moralidade administrativa, porque é desonesto e antiético, além de violar também o princípio da impessoalidade, antes examinado. (Idem ibidem)

Portanto, posto o exemplo, é possível perceber que pode se ter um ato legal, mas imoral, visto que, nesse exemplo dado, houve clara forma de se vingar. Conforme já fora exposto outrora, reporta-se este princípio a conduta desonesta, ou seja, deixando de agir com a boa-fé.

Malgrado que hoje, infelizmente, este princípio tem sido ferido diariamente, seja por casos e casos de corrupção ou por atitudes tomadas pelo administrador que não o observam.

2 MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa se classifica como de natureza básica, visando contribuir para a comunidade científica sem a pretensão de esgotar o tema. Para que fosse possível atingir esse objetivo, fora adotado uma abordagem qualitativa, onde baseou-se na análise doutrinária sobre o princípio já mencionado anteriormente, da maneira que fosse possível refletir de que forma tem sido aplicado tal princípio e suas consequências. A metodologia qualitativa foi escolhida pois, através dela, é possível ser feita a pesquisa e momento posterior a interpretação da pesquisa, trazendo a discussão e explanação do objeto em estudo. Nesse mesmo sentido, Marconi e Lakatos enfatizam (2022, p. 302), “a abordagem qualitativa, em geral, englobam dois momentos distintos: a pesquisa, ou coleta de dados, e a análise e interpretação, quando se procura desvendar o significado dos dados.”

Desta forma, por meio dos métodos descritivos e explicativos foi viável para que pudesse descrever as consequências e a relevância da inaplicabilidade do princípio aludido. Portanto, tais métodos foram excepcionais para que pudesse ser feito o presente artigo, visto que estes puderam proporcionar o conhecimento necessário para tal.

Para concluir, a técnica de pesquisa empregada fora a revisão bibliografia e documental, onde se buscou apor meio de artigos, legislação e em especial a doutrina, além de outras fontes e elementos virtuais que pudesse compreender tal assunto.

3 RESULTADOS

Os resultados obtidos deste artigo foram através de estudos baseados na análise e interpretação das fontes jurídicas, como: da doutrina e da legislação pertinente ao tema. Por meio desses resultados obtidos, é possível identificar e discutir a melhor maneira e a forma legal que possa contribuir para que haja a melhor aplicabilidade do referido princípio.

Não obstante, com os resultados adquiridos, espera-se demonstrar as consequências que tal princípio gera por sua inaplicabilidade, visto que o gestor público está estritamente ligado.

Portanto, espera-se que, através do artigo, possa ser possível colaborar com a compressão do assunto, oferecendo caminhos que possam nortear os indivíduos a melhor maneira de perceber e buscar o meio legal antes de ter ato lesivo ao erário e consequentemente sofrer as ações deste ato.

4 DISCUSSÃO

Com o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu-se o princípio da moralidade, ficando expresso no artigo 37. Todavia, não se tratava de algo inesperado, pois era algo conhecido tanto da doutrina quanto da jurisprudência, visto que tal princípio era enxergado como anunciador do princípio da legalidade, vindo a ser invocado como arma ao combate ao abuso e desvio de poder, tanto nos atos vinculados e nos discricionários.

Por consequência de estar expresso na Constituição Federal, nota-se que ganha autonomia, assim, não restando apenas a interpretação dos atos através da moralidade, pois agora trata-se de princípio do nosso ordenamento jurídico.

Por ordenamento, entende-se que trata de um conjunto de normas, onde não haverá a aplicabilidade isolada de normas, nessa senda, Norberto Bobbio preleciona sobre o assunto “[…] na realidade, as normas jurídicas não existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas que guardam relações particulares entre si […]. Esse contexto de normas costuma ser chamado de ordenamento” (BOBBIO, 2014, p. 35). Logo percebe-se que, por tratar-se de um ordenamento, um conjunto de normas, não há aplicabilidade do princípio inframencionado de forma isolado, sendo ele interpretado e aplicado em conjunto com os princípios da legalidade e da razoabilidade.

Sobre a autonomia conferida ao princípio da moralidade, Saraiva Filho (1996, p. 125-129) traz em seu artigo sobre o princípio inframencionado e sua participação na administração pública a seguinte passagem:

Diante dessa autonomia, o princípio constitucional da moralidade da administração pública foi alçado à dignidade de informador e pressuposto de validade de toda a atividade administrativa e legal, especificamente em relação aos procedimentos da administração.

Portanto, é de extrair da referida passagem que para o ato administrativo possuir validade, deverá valer-se da moralidade, ou seja, deverá estar de acordo com o princípio e com a legislação.

4.1 A aplicabilidade do princípio da moralidade nos atos administrativos discricionários

Cumpre inicialmente destacar o que seria um ato discricionário, este o qual é destinado ao administrador. Portanto, podendo ser conceituado como um ato que está vinculado a lei, assim como no Poder Vinculado, entretanto, a própria lei abre espaço de escolha ao administrador, sendo que fica sob sua responsabilidade discernir (por critérios de conveniência e oportunidade), diante de alguma situação, a solução que mais se adeque ao problema. Consequentemente, está intimamente ligado ao princípio, visto que suas escolhas poderão provocar consequências desastrosas e acarretar a improbidade administrativa.

Nesse sentido, cabe trazer à baila a conceituação por Nohara (2022, p. 129):

O poder discricionário é a prerrogativa que a Administração tem de optar dentre duas ou mais soluções por aquela que, segundo critérios de conveniência e oportunidade (juízo de “mérito”), melhor atenda ao interesse público no caso concreto.

Portanto, por ser concedido tal margem ao administrador, ficando pautado pela moralidade, deverá agir com honestidade, boa-fé enquanto estiver responsável. Dessa forma, o gestor público desempenha um papel fundamental, onde através do discernimento buscará as melhores medidas que melhoram as condições da população.

Além do mais, sobre os atos discricionários, o controle que o Judiciário realiza sobre os atos administrativos acaba limitando-se à análise da legalidade, isto é, no exercício da função jurisdicional, o controle deverá ser somente para verificar se o ato praticado ocorreu em conformidade com a lei. Contudo, fica limitado nesse sentido para que não venha interferir no mérito administrativo, entretanto, havendo por parte do gestor o extrapolo de suas condutas, este poderá sofrer o referido controle (visto que, conforme já exposto, é dado margem ao administrador, que valerá da moralidade para tomar certa decisão), conforme Carvalho (2023, p. 280) leciona:

Importante observar, ainda, que o juiz pode controlar os limites do mérito administrativo, uma vez que são impostos por lei. Por exemplo, quando se trata de conceitos jurídicos vagos, há uma zona de incerteza na qual o administrador decide dentro do interesse público, mas se o agente extrapola esta margem de escolha, está exacerbando o poder discricionário conferido pela lei, dando azo à anulação deste ato.

Portanto, o princípio da moralidade desempenha papel fundamental na tomada das decisões do gestor público nos atos discricionários, valendo-se dá margem que é conferida dentro da lei.

4.2 Instrumentos de proteção ao princípio da moralidade

Todo ato administrativo está passivo de sofrer controle, pois dependendo da forma como é executado ou se ele fora praticado com outra intenção, sem ser o interesse coletivo, ou seja, com desvio de finalidade, poderá sofrer o referido controle, dessa forma, evitando-se que haja danos ao erário.

Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro prevê algumas formas (instrumentos) para que consiga ter o amparo ao princípio da moralidade e consequentemente a conduta adequada que se espera da administração pública. Portanto, nesse linear, podemos dar destaques a dois instrumentos: Ação popular e Ação Civil Pública.

4.2.1 Ação Popular como instrumento de controle

Trata-se de um instrumento judicial disponível para qualquer cidadão que busca anular algum ato lesivo ao erário ou de entidade que o Estado venha participar, é o que se extrai do artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal:

LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (BRASIL, 1988)

Portanto, tal ação não visa interesse próprio do autor, muito pelo contrário, tem como o interesse coletivo, por razão que a administração pública não atua em prol de um único indivíduo. Gasparini (2011, p. 450) preleciona sobre a proposição da referida ação e seus devidos fins:

A ação pode ser proposta para evitar o surgimento do dano ou para anular o ato e responsabilizar patrimonialmente o causador do dano. Seus fins, portanto, são preventivos ou repressivos

Portanto, é possível reparar que a ação popular tem como objetivo o cuidado ao erário, podendo ser de caráter preventivo ou repreensivo. Ocorrendo que a ação seja julgada procedente, ou seja, percebendo que tal ato foi danoso ao erário, o ato deverá ser anulado e o administrador responsabilizado por tal atitude. Novamente, Gasparini, traz nessa senda:

A procedência da ação popular determinará a invalidação da medida impugnada, com a consequente restituição dos bens ou valores, ou, ainda, o pagamento de perdas e danos. (Idem ibidem)

Desta maneira, ocorrendo a procedência da ação é notório que houve a prática da imoralidade, ou seja, a inaplicabilidade do princípio. Mediante da inaplicabilidade do princípio, além do ato lesivo e anulado, há de se ter a quebra de confiança do cidadão ao Estado, este que deveria zelar por todos.

4.2.2 Ação Civil Pública como instrumento de controle

A referida ação é uma das formas de se realizar o controle dos atos praticados pela administração pública. Esta vem ter como objetivo, também, evitar ou buscar o reparo de alguma lesão ao interesse difuso ou coletivo. Nesse sentido Oliveira (2019,

p. 894 apud MACIEL, 2023, p. 250) “Como bem destaca OLIVEIRA não se trata de mecanismo de controle exclusivamente da Administração, mas, sim, dos interesses coletivos em sentido amplo de toda a sociedade”.

A ação civil pública encontra-se regulamentada na Constituição Federal, no artigo 129, III e ainda é regulamentada pela lei nº 7.347/1985, sendo que seu artigo 1º traz as ações que geram a responsabilidade.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
II – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (BRASIL, 1988)

Art. 1.º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I – ao meio ambiente;
II – ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V – por infração da ordem econômica;
VI – à ordem urbanística;
VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos;
VIII – ao patrimônio público e social.

Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (BRASIL, 1985)

Trata-se então, a ação civil pública, de realizar o controle dos atos administrativos e consequentemente atribuir punição ao responsável. Além do mais, Motauri Ciocchetti de Souza, preleciona que o artigo 3º da LACP, estabelece os objetivos que tal artigo visa explorar, uma vez que está expresso “artigo 3º – A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.” (BRASIL, 1985) e conclui que:

Ao tratar de obrigações de fazer, não fazer e indenizar, deixou o dispositivo patente que os objetivos da Lei da Ação Civil Pública são os de prevenção, reparação e ressarcimento dos danos causados a interesses meta•individuais. (SOUZA, 2013, p. 19)

Portanto, assim como ação popular, seus fins são de prevenção e repreensão, assim, caminhando junto ao princípio da moralidade, que busca tratar com ética os atos administrativos da administração pública.

4.3 Os reflexos da inaplicabilidade do princípio constitucional

Os atos administrativos são a forma que se concretiza a manifestação de vontade do Estado, este sendo representado por seus servidores e principalmente por seus gestores públicos. Sendo que, cada um desses deve levar em consideração quando forem realizar seus atos, os princípios constitucionais e administrativos.

Consequentemente, a inaplicabilidade dos princípios poderá gerar condutas e atos que serão lesivos a sociedade.

Portanto, quando há o desvio de verbas, sendo que elas já tinham fins definidos, há o atraso para a respectiva área. Podendo ser citados dois exemplos: saúde e educação. Quando se tem ato lesivo em tais áreas, de tamanha importância, percebe-se a sociedade a sucumbir, pois, nesses exemplos citados, trata-se de direitos sociais, amparados no artigo 6º da Constituição Federal, in verbis:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)

Todavia, quando o princípio da moralidade é ferido, levando a ter atos de corrupção, imediatamente seus reflexos são na população. Podendo levar em consideração novamente a educação, é possível trazer à tona o caso de prefeito condenado por desvio de recursos, ocorrendo em Patos do Piauí, onde deveria ter aplicado a verba para aquisição de merenda escolar, porém, fora usado em despesas de fretes para diversos serviços, combustíveis e peças para veículos (CONJUR 2009). Neste caso, é notório que alunos são prejudicados, deixando de receber uma merenda adequada por razão do desvio de verbas. Portanto, trata-se de uma sucessão de efeitos aos alunos, onde afeta sua alimentação e naturalmente afetará também o aprendizado.

Malgrado que, com esses atos, muitos dos reflexos não são imediatos, todavia, com o decurso do tempo, percebe-se que sempre estiveram à espreita. Podemos fazer alusão ao uma obra sendo mal executada, onde, sabendo (os praticantes dos atos imorais) que estava sendo mal executada continuaram, todavia, não houve problemas imediatos, mas futuramente, é certo o estrago.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se demonstrar pelo presente artigo, a importância do princípio constitucional da moralidade na administração pública e os reflexos na sociedade por sua inaplicabilidade. Desta forma, ficou demonstrado a relevância da observância, tanto como pelos administradores públicos como pelos servidores públicos, visto que estes que podem realizar a vontade do Estado.

Importante salientar, que por meio da observância, do respeito ao princípio da moralidade, é possível ter um crescimento e evolução da sociedade, pois, sendo aplicado, os reflexos que terá não serão negativos e sim positivos. Portanto, nesse sentido, há o avanço, o crescimento do coletivo.

O presente estudo buscou realizar a diferença entre os institutos da moral, visto que durante o presente artigo, houve a conceituação da moral social e a moral jurídica, sendo que esta é o qual o princípio da moralidade fundamenta-se.

Além do mais, constatou-se que o Brasil, atualmente, ocupa a posição n. 94º da transparência internacional, ou seja, é uma posição negativa dentro de um ranking, assim, percebe-se o grau de corrupção no país, logo, é evidente que o princípio constitucional é devidamente inaplicado e ignorado, restando, apenas, efeitos indesejados na sociedade.

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1 Acadêmico de Direito. E-mail: rodrigodunckemota@gmail.com. Artigo apresentado a Faculdade Integradas Aparício Carvalho – FIMCA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023.
2 Professor Orientador. Professor do curso de Direito. E-mail: Samuel.melo@fimca.com.br