DA ÉTICA A NICÔMACO À EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS PEQUENAS: REFLETINDO A ÉTICA NO TRABALHO DE PROFESSORAS DE MORRETES NO LITORAL PARANAENSE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411261208


Denise da Conceição Ribeiro1
Erica Piovam de Ulhôa Cintra2


Resumo

A presente pesquisa parte dos ensinamentos de Aristóteles na célebre obra Ética a Nicômaco para compreender o ensino da ética no trabalho educativo e docente junto às crianças pequenas. No percurso da pesquisa foi possível conhecer dois programas do governo federal que estão ativos, desde 2007 e 2023, no entanto, demonstram restrito alcance no universo escolar brasileiro. Essa defasagem também se apresenta no relato das duas professoras do município de Morretes, no litoral do Paraná, que desconhecem tais propostas e entendem limitadas as ações nas escolas. Procura-se pensar os caminhos da educação atual num tempo de desagregação social. 

Palavras-chave: Filosofia; Ética; Pedagogia; Educação Infantil; Educação Básica.

Introdução

O presente artigo de pesquisa em história da educação, vinculado ao Projeto de Pesquisa História da Educação – Histediice, procura compreender, através da história das culturas escolares, a ética como elemento definidor no trabalho de professoras de crianças pequenas e em vulnerabilidade social no litoral paranaense, dando destaque ao relato de algumas personagens que marcaram a história da educação social de Morretes – PR. 

A presente investigação em educação apresenta ênfase na pesquisa bibliográfica a partir da leitura da obra de Aristóteles intitulada Ética a Nicômaco, para entender a ética como um conjunto de conhecimento e definidor de uma moral que, a nosso entender, marca o magistério como instância de formação educativa real e contempla a criança pequena com um arcabouço mais completo de sua experiência no mundo. Procura ainda trazer os relatos de duas professoras que marcam o ensino na cidade de Morretes – PR, com relevado acento da ética no seu trabalho educativo, procurando entender o ensino deste tema a partir da participação em questionário semi-estruturado que buscará responder: a presença de ações no PPP de escolas morretenses, da vinculação a projetos do MEC no tema, sobre a ética na comunidade escolar, e impressões das respondentes.

Diante destas reflexões, que estimulam as nossas perspectivas de avançarmos na qualidade da educação nas escolas visto que esta é a instituição por onde perpassam as crianças de nossa sociedade, o texto tencionará abordar os novos enfrentamentos contemporâneos construindo um breve alinhamento cronológico que se inicia na Grécia Antiga, com Aristóteles e sua obra “Ética a Nicômano”, e se conecta com os avanços e mudanças de comportamento da atualidade como reflexo da globalização e seu consequente entrelaçamento cultural no que naturalmente inclui a instituição escolar como preceptora e também como parte intercalada desta e nesta diversidade de trocas de conhecimento. A fim de  estabelecer uma ponte mais próxima à realidade regional, afunilamos a pesquisa em duas escolas públicas do município de Morretes, no litoral do Paraná, na voz de suas representantes, com importante bagagem de docência no município, para então chegarmos, nesta pesquisa, a uma observação atenta sobre os caminhos que a Ética na Educação Infantil tem percorrido em nosso tempo e lugar. Na sequência, a pesquisa caminha para compreender a obra em si; depois, o tema junto a crianças em vulnerabilidade social, e conclui com a leitura do tema no olhar de professoras morretenses no exercício de seu trabalho escolar.

Um ponto de reflexão importante ao longo do artigo é entender a atual situação e quais elementos devem ser utilizados para a estimulação da criança sobre o conhecimento e a importância dos valores éticos através do exemplo do professor, que, por definição e importância da escolha profissional carregam por naturalizada relevância a responsabilidade da mediação na construção de sujeitos, que em seus anos iniciais de vida são orientados por este adulto que tomará como referência a sua própria evolução como cidadão de direitos e deveres, que como Aristóteles bem descreve em sua obra, deve ser desde criança educado em seus pendores de caráter para a humanização no próximo possível do comportamento agradável socialmente, para que alcance a felicidade através das virtudes equilibradas de convívio social.

1. Que ensina Aristóteles em “Ética à Nicômaco” ?  

Ora, já vimos que o seu ser é desejável porque ele percebe a sua própria bondade, e uma tal percepção é agradável em si mesma. Ele necessita, por conseguinte, ter consciência também da existência de seu amigo...” 

(Aristóteles, Ética a Nicômaco)

Ética a Nicômaco - Aristóteles

Figura 1. Capa do livro Ética a Nicômaco

Fonte: online

Ética a Nicômaco é um livro muito conhecido do antigo filósofo grego Aristóteles. É considerada a sua obra sobre o tema da ética. Mas o que significa ética e que elementos constituem esse saber e seu impacto na vida cotidiana. É sobre essas relações que abrimos o artigo a pensar um pouco as sugestões do antigo mestre para os mestres de nosso tempo. A provocação inicial de nossa pesquisa reside no fato da fluidez do nosso tempo parecer levar a alguns de nossos mestres atuais a esquecer a importância dessa disciplina, por isso a resgatamos.

Que ensina Aristóteles em “Ética a Nicômaco”?

Nascido em Estagira, em 384 a.C., Aristóteles escreveu este livro atemporal, dividido em 10 partes, para o seu filho, Nicômaco – um livro memória para a posteridade. 

Para o filósofo, a criança não nasce consciente da excelência plena ou da felicidade, é preciso um tempo de vida para se chegar a esse entendimento, e é preciso a desenvolver. A obra se inicia com o pensamento do filósofo que acredita que o objetivo de todos os homens é encontrar a felicidade, porque esta deve ser plena, independente, e com o máximo de prazer que o homem possa ter. O filósofo aborda, no decorrer do livro, os pendores humanos, os compara entre seus extremos, e revela a nossa dualidade tanto para as virtudes como para os vícios.

Há ali uma clara intenção educativa de encaminhar a criança para a sua humanização e o  seu desenvolvimento, buscando o equilíbrio das paixões entre os vícios e as “supostas virtudes”, que são enganos que pressupõem pouco conhecimento. Aristóteles trata dos opostos como: “o corajoso” e “o covarde”, “o pródigo” e “o avaro”, e assim por diante. Nestes casos, o desequilíbrio  do primeiro é tão nocivo quanto um vício, e o equilíbrio do segundo pode manter uma vida mediana, porém nenhum dos dois chega à magnanimidade da vida plena. 

Aristóteles aprofunda a sua narrativa descrevendo também os entremeios comportamentais do homem nesses sentimentos que compõem o caráter dos sujeitos. O filósofo esclarece que pequenas alegrias não são de fato felicidade, e que o homem virtuoso de fato a encontrará; que o homem mesquinho se enquadra no perfil do vicioso avaro, e que é desejável, pois tendo a oportunidade de escolha, à partir da educação recebida, desenvolver as virtudes mais adequadas para um homem realizado em si e com a sociedade. Com genialidade atemporal suas observações profundas foram válidas no contexto de sua época,  e salvo com poucas mudanças, de atualização devido a evolução e mudanças que sofreu o nosso tempo, todo o conjunto de livros é a base mais bem elaborada sobre ética que o ocidente tem para analisar. É refletir os caminhos mais adequados para se alcançar, conforme argumenta o filósofo, a grande busca da “eudemónica”, que deve, conforme se entende, ser educada para o equilíbrio, evitando os extremos das paixões.

Tomando por referência que os livros de Aristóteles sobre ética foram direcionados ao seu próprio filho Nicômano, entendemos, pois, que estão diretamente relacionados à sua educação. E, assim, serve de sugestão à docência em si, o modo de realizá-la e para quê, pois é esse o trabalho de levar até às crianças o conhecimento desses valores, e a observação com amorosidade, no caso, em especial, da criança em desenvolvimento. Para tanto, o educador tem a responsabilidade de constantemente aprimorar seus saberes em fundamentos éticos, o que como já foi dito, encontra-se bem definidos nesta obra clássica. 

São muitos os aspectos do pensamento prático que Aristóteles levanta com amplitude de comportamentos éticos que englobam “o caminho que leva à felicidade individual” até atingir o seu reflexo em toda a sociedade. Os alicerces estão baseados em três pilares básicos que fundamentam o pensamento aristotélico, e que são o bom senso, a justiça e as virtudes. Estas devem ser adquiridas ao longo da vida através da disciplina e do conhecimento sobre as questões relacionadas à vida nas escolhas pessoais até alcançarem a sociedade como um todo, e refletem os resultados que advém desta escolha entre ser virtuoso ou ser vicioso. 

Considerando o valor formativo para a docência, esta obra revela a responsabilidade que o adulto tem quando lida com crianças pequenas e em desenvolvimento. Ele será, para elas, uma referência de comportamento adulto que as direcionará na sua própria construção como pessoa e cidadã de direitos e deveres, capaz de conviver na sociedade, com a perspectiva de atingir os seus próprios objetivos, que, conforme Aristóteles argumenta, é estar em plenitude consigo mesma e reverberar para a sociedade os benefícios coletivos, de maneira que nos difere dos demais seres, com racionalidade sobre nossa existência e na existência do outro.

Aqui descrevemos sumariamente o quanto essa obra clássica está incorporada à postura ética que a docência exige do seu profissional nas dependências das instituições escolares e para além delas quando se trata de relações humanas, em que a figura do professor tem impacto muito forte sob o olhar do seu aluno. Houve um tempo em que a frase: “ faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço” significou autoritarismo que não deu bom resultado nas gerações que cresceram sob essa leitura, pois o ser humano tem em si mesmo o poder de observar e refletir, e a certa altura fazer suas indagações, seja por veia filosófica, ou seja por despertar para a consciência sobre o que é certo e errado, e sobre o que é bom ou mal. Aqui já entra respectivamente a moral, deferida por legislação consensual, e a ética que estará  sobreposta às falhas nas construções legais que regem as instituições primárias e secundárias para a contemplação voltada aos interesses do bem estar humano coletivo considerado em suas especificidades. 

A ética servirá para modificar, se for necessário, o que é amoral, como do ditado popular acima, e tirará das sombras esse pensamento vulgar, trazendo sempre à consciência o que é ético e antiético. Observando aqui, no caso da Educação Infantil, que se deve utilizar os meios lúdicos e compreensíveis para as crianças, e sempre tendo o professor o cuidado de seguir as normas éticas do regimento escolar, da conduta ética educacional do seu município de atuação e sobretudo da ética incomum à todos. O professor precisará estar continuadamente se atualizando e se  preparando para manter constante domínio sobre os pendores naturais do caráter humano, e que possam ferir os conceitos éticos. Segundo o que traz o livro Ética a Nicômano, é preciso equilibrar as ações pedagógicas, no bom senso e na justiça, com clareza e respeito às diferenças vantajosas sobre o conhecimento que o adulto adquiriu com o tempo ante à descoberta do mundo em que se encontram as crianças na posição de sujeitos que em sua vulnerabilidade possam ter o mínimo em seu constructo, de situações que não condizem com uma postura desejável e equivalente a que desejamos vê-los repetir de geração à geração. 

   Por fim, a leitura desta obra clássica fortalece convicções e nos resgata a memória para mantermos sempre a docência como umas das principais ações emancipadoras do conhecimento humanizador que faz a diferença na nossa evolução dentro da mais possível ética aristotélica e de tantos outros pensadores da antiguidade e atuais, que colaboram para uma educação de excelência.

2. Da “Ética a Nicômaco” ao trabalho de professoras com crianças pequenas e em vulnerabilidade social

          Há apenas um século, em 26 de setembro de 1924, a Liga das Nações adotava a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança. São 5 (cinco) artigos que voltam a atenção, não ao adulto em miniatura, mas à criança em si. Não se pode ficar indiferente a este fato, sobretudo da distância que o tempo atravessou, desde o impacto da filosofia aristotélica até se chegar ao reconhecimento juridico de ser criança, com tal Declaração que contou com a adesão da Organização das Nações Unidas – ONU – no dia 20 de novembro de 1959, conferindo ainda o mandato dos Direitos Universais da Criança ao Fundos das Nações Unidas para a Infância – o UNICEF.

Com este novo olhar atento para a infância, o Brasil, assim como outras nações vinculadas à ONU, adaptou-se legalmente; e incluiu dois artigos dispostos na Constituição Federal de 1988, sendo eles os artigos 227 e 228, que se desdobraram, pouco tempo depois, em 13 de julho de 1990, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Brasil, o mais importante instrumento normativo que, até hoje, assegura a garantia dos avanços referente às conquistas dos direitos das crianças, acimentando a criação do ECA sob as bases legais e instituídas pela ONU, UNICEF e Constituição Federal do Brasil.

Volta às aulas não é solução para a vulnerabilidade social das crianças –  Bem Blogado

Figura 2. “Volta às aulas não é solução para a vulnerabilidade social de crianças.” Matéria de Rodrigo Gomes, de 2020, alerta para tema ainda sem solução. Foto: s/d. Fonte: Bem blogado, publicado em 2020 [online], acesso em: 25/7/2024.

A lei que regulamenta o ECA é a n° 8.069/1990 e introduz parcerias com vários conselhos das esferas social, como o Conselho da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, das Secretarias dos Direitos da Criança e do Adolescente, e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que, trabalhando em conjunto, aprimoram o enfrentamento dos embates de uma construção solidificada que inferiu posturas de violência de todas as formas à criança. De acordo com a SEFRAS – Ação Social Franciscana (2023), além do Brasil ser detentor da mais completa legislação de proteção à criança: “Ele [o ECA] tem extrema importância para os 70,4 milhões de menores de 19 anos residentes no Brasil”. A dura realidade da infância brasileira impulsiona a buscas de soluções abrangentes, pois nossa problemática é carregada de grande remessa de enfrentamentos, como continua o texto: “Ainda há um longo caminho a ser percorrido para que os direitos estabelecidos pelo ECA, de fato, sejam implementados e garantidos a todas crianças e adolescentes independente da sua origem, cor, crença, religião, classe social, situação econômica e familiar”. (Idem). E isso é sério.

Trinta e quatro anos se passaram, e os apoios das  forças reunidas  que formam a linha de frente desta problemática e de enfrentamento a tantos desafios está comprometida com a missão de garantir todos os direitos da criança, que foram violados, contudo a transformação social como um todo, vai se ajustando muito lentamente. De certo modo, já se percebe que foi ultrapassado o limite da omissão e do embotamento sobre as denúncias. O ECA, ainda que por força da legislação, tem procurado garantir que a comunidade escolar acolha e invista esforços para que a Educação Básica seja levada às crianças e adolescentes do país. Vale observar que toda a estrutura pensada nas crianças é uma resposta ao fato de que estas tomam como exemplo o comportamentos dos adultos, e a criança e o jovem espelham a sociedade que os acolhe ou repele. 

Então, a instituição escolar deve se preparar para amenizar os  comportamentos muitas vezes difíceis das crianças e adolescentes que chegam a ser um empecilho na execução das obrigações curriculares diárias, visto que a violência dos tempos atuais, a hipersexualização, o vocabulário inadequado e outros mais desvios, são desafiadores para o professor e mesmo para as famílias. Isto está bem explicitado no Programa Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade, do MEC, que nos abre outros olhares para a educação atual:

Nesse sentido, o trabalho com as diversas formas de deficiências e com as exclusões geradas pelas diferenças social, econômica,psíquica, física, cultural e ideológica, deve ser foco de ação das escolas. Buscar estratégias que se traduzam em melhores condições de vida para a população, na igualdade de oportunidades para todos os seres humanos e na construção de valores éticos socialmente desejáveis por parte dos membros das comunidades escolares é uma maneira de enfrentar essa situação, e bom caminho para um trabalho que vise à democracia e à cidadania. Assim, a escola pode ter um papel fundamental na construção de valores de ética e de cidadania que auxiliem os membros que ali convivem a pautar sua vida pessoal e coletiva no respeito pelas diferenças provocadoras de exclusão. (MEC, Programa Ética e cidadania…, 2007, p.15). 

Sendo o ECA um apoio importante para que as escola no que se esperava de exercício das suas funções, apenas após ter tomadas todas as providências possíveis para o resgate e o retorno à escola com desejo de nela permanecer, trabalhar a ética do professor é imprescindível, pois todas as diferenças culturais, as mazelas sociais entrarão na escola junto com as mochilas estudantis. A criança virá com algum conhecimento familiar, religioso, e outros saberes e, se deparará com um novo ambiente aonde terá que repartir, conviver com demais pessoas por um longo tempo de sua vida escolar, dos 4 aos 17 anos, é o que se espera, e  suas transformações junto com os demais colegas. 

Para que isto funcione o melhor possível, o professor deverá estar pautado nos valores da ética e convivência social. Em seu processo de desenvolvimento e de identidade, as crianças deverão encontrar no local escolar o mais expansor em vivência da prática, da ética e cidadania para terem bons exemplos de princípios e valores positivos; que os seus professores sejam maestros do sistema educacional, e que tenham já bem estruturado em seus conhecimentos a importância  de sua responsabilidade social, inclusive na construção de um país soberano; donde havendo o bom senso e o respeito, jamais esqueçam da vulnerabilidade das crianças, em especial as da Educação Infantil, pois como executores de uma profissão imprescindível à sociedade sempre deverão  agir com a satisfatória promoção da divulgação do que é ético na sua postura e conduta protegendo a criança e a amparando em suas limitações e necessidades. 

Entre a educação e o ECA se faz uma sólida parceria que visa garantir os direitos da criança, pois em sala de aula ao conhecer a pessoa em seu aluno, o professor cria vínculos de convivência e gera a confiança necessária para a escuta deste; em casos em que ultrapassa a instância escolar, o ECA assume para si a responsabilidade para outras ações mais expandidas.

3. Exemplos morretenses de professoras éticas

Por outro lado, julga-se que toda ciência pode ser ensinada e seu objeto,aprendido. 

E todo ensino parte do que já se conhece. (…) 

Logo, é por indução que são adquiridos. 

Em suma, o conhecimento científico é um estado que a conclusão, sua ciência será puramente acidental.

(Aristóteles, Ética a Nicômaco)

Para compor o objeto de interesse deste artigo foi realizada pesquisa de campo, em duas escolas municipais do município de Morretes/Paraná, com questões semi-estruturadas que permitiram às professoras também realizar relatos argumentativos sobre suas respostas. A princípio, foi feito um convite pessoal aos representantes e agendada data para a sua realização. O critério das questões levou em consideração a análise do livro Ética a Nicômaco e pesquisas sobre a temática a partir de registros do MEC, do Código de ética de Paranaguá e de Morretes, e também do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Em seguida, as questões foram analisadas pela orientadora deste trabalho para ajustes técnicos no formato acadêmico, sendo após retorno de autorização, efetuada a prática da pesquisa na forma de  perguntas e respostas argumentativas. 

Assim, a entrevista está descrita na íntegra fiel às respostas gentilmente cedidas, com permissão de gravação, aqui transcritas e manuscritas diretamente pela entrevistadora num quadro comparativo da participação das duas integrantes de duas diferentes escolas do município de Morretes, no litoral do Paraná, aqui identificadas como Escola 1 e Escola 2. Observando-se que a temática concedeu pontuais comentários das entrevistadas entre uma pergunta ou outra, estas serão comentadas. 

Pergunta A: A sua escola tem algum projeto de Ética e a Cidadania, em seu PPP, para trabalhar com as crianças da E.I.?
Escola 1: Não.
Escola 2: Só com a E.I. não. Os projetos [que] abrangem E.I. como Fundamental são Consciência Negra e Família na Escola.
Pergunta B: A Comunidade Escolar atua ativamente, em conjunto, com a Classe Docente nesses Projetos?Escola 1: Não.
Escola 2: Sim. Participam em tudo. A comunidade [é] ótima dos Jd das Palmeiras.
Pergunta C: A Equipe Docente participa de Formação Contínua, com boa aderência dos professores?
Escola 1: Tem a Formação Continuada, porém sem nenhuma supervisão da prática.
Escola 2: Sim. Começou o ano passado, mas foi este ano que começou a dar certo. Os professores fazem debates e está sendo bastante proveitoso.
Pergunta D: A sua escola participa e/ou está inscrita em algum programa do MEC que dê suporte para trabalhar a Ética da Docência?
Escola 1: Não
Escola 2: Não
Pergunta E: Qual o seu parecer sobre valores da Comunidade Escolar atual, comparando a disparidade e a consonância, no que tange a Ética Universal?
Escola 1: Existe grande dificuldade no entendimento de que todos nesta área da educação devem prover condições do desenvolvimento integral dos alunos, começando pela base (Educação Infantil).
Escola 2: Está difícil hoje, há uma diferença muito grande. As famílias são muito participativas nos projetos que a gente faz. Mas no dia a dia a gente sente falta. Está se perdendo os valores, mas nós trabalhamos encima desses valores.
Pergunta F: A sua escola acompanha, com fins resolutivos, casos de denúncias e reclamações relacionados à Ética da Docência?
Escola 1: Existe o acompanhamento, porém as situações não possuem resoluções e feedback aos alunos, pais e responsáveis. Não existe nenhum programa que dê amparo aos professores para desenvolver um trabalho sobre direitos, deveres, valores, que norteiam a sociedade.
Escola 2: Sim, quando acontece algo que exija nossa atenção, nós encaminhamos para a equipe multidisciplinar, que agora a educação tem psicólogo, psicopedagoga, assistente social, que foi montada essa equipe agora, há pouco tempo.A gente tem um ou dois casos. Não tem como punir,encaminhamos para ajudar a família, pois lá está o maior problema. E funciona direitinho.

Quadro 1 – perguntas e respostas de questionário semi-estruturado a duas professoras de escola pública do litoral do Paraná, livres respondentes.

Uma conclusão a que chegamos a partir da leitura do quadro 1, com as perguntas e respostas específicas da possibilidade de ensino de ética na Educação Infantil nas duas escolas públicas do município de Morretes é a mesma que se assemelha aos municípios que foram trabalhados noutras pesquisas teóricas. Por exemplo, o esforço de Lodi (2023) nos aponta que a respeito da preocupação com a formação para a ética docente, esta profissão segue condutas autônomas conforme cada instituição, em geral, são semelhantes e prezam pela ética, mas não foi encontrado um código comum destinado ao ensino do tema, nem mesmo para a formação continuada de professores. Os esforços que os professores dedicam a executar suas responsabilidades, atualmente, tem encontrado desafios da desvalorização da ética da sociedade que os alunos vivem, e vem refletindo na sala de aula essa mesma conduta. 

Durante a entrevista alguns pontos são dignos de registro, como a frase: “Os valores estão sendo perdidos”, e “O comportamento de uma criança, que ouve com frequência palavras indevidas, e as repete, sem saber o que diz, deveria ser analisado pelo professor com mais cuidado, pois ali está uma criança que pensou estar elogiando e não ofendendo. Não é certo tratar uma criança como adulto.” Essas falas nos fazem pensar se os valores de mais de dois mil anos estão mesmo se perdendo, e também quanto tempo a mais desde a Declaração de Genebra, vamos ter que esperar para por em prática a ética ensinada por Aristóteles? Ela ainda nos serve? 

Uma observação de relevância é que existem materiais e programas do MEC que fomentam formações em ética e cidadania aos professores e conforme as respostas dão a entender que não chegaram ao conhecimento das escolas públicas entrevistadas. Assim, é muito importante que os educadores estejam atentos para que suas condutas sejam sempre a favor da criança, que as questões externas do mundo já posto jamais recaiam sobre a justa inocência da criança, que para todos os fins nasce vulnerável, e desenvolve gradativamente e depende de ser conduzida por mãos e corações éticos no exercício de seu trabalho de professor. 

E, para reflexão, se pode perguntar: estamos de acordo com Aristóteles, com todos os estatutos, com a constituição, concordamos que a infância é diferente da vida de um adulto? Se há, por menor que seja um norte, que anima, é de grande valor apropriar-se dele elaborar a docência como quem busca a sua prórpia felicidade e a felicidade do outro. 

3.1 Programas do MEC sobre Ética

Apoiando-se em estudos científicos educacionais, com estatísticas de relatórios de docentes  e com argumentos embasados na historicidade da evolução sobre a educação e o conceito de criança e a sociedade que requer atenção sobre alguns motivos que colaboram com o insucesso de resultados esperados da formação do cidadão, surge, em 2007, o programa do MEC/Secretaria de Educação Básica: Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade, com o propósito descrito em seu módulo I:

Assim, a escola pode ter um papel fundamental na construção de valores de ética e de cidadania que auxiliem os membros que ali convivem a pautar sua vida pessoal e coletiva no respeito pelas diferenças provocadoras de exclusão. Os textos e vídeos que trazemos neste módulo, com propostas de estratégias de trabalho para o Fórum Escolar de Ética e de Cidadania e para as salas de aula, pretendem auxiliar educadores e estudantes no enfretamento das situações de exclusão e na promoção da inclusão social. (MEC, 2007, p.15).  

No ano seguinte, esta iniciativa migra para a Controladoria Geral da União (CGU) e passa ao Ambiente Virtual de Aprendizagem do Ministério da Educação (AVAMEC) em modalidade EAD, que estabelece seus trabalhos  para a estimulação da ética e da cidadania; nasce, assim, o  Programa Um por Todos e Todos Por Um! Pela Ética e Cidadania (UPT), conforme o site da CGU descreve:

Histórico do Programa: Em 2008, a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Instituto Cultural Maurício de Sousa firmaram o Termo de Parceria nº 20/2008, com o objetivo de conceber o Programa UM POR TODOS E TODOS POR UM! PELA ÉTICA E CIDADANIA! O Programa foi lançado em 9 de dezembro de 2009, durante as comemorações do Dia Internacional Contra a Corrupção.

Neste mesmo site constam tabelas com a informação do número de escolas e de estudantes participantes que aderiram ao programa do Governo Federal no período de 2009 a 2019, praticamente uma década de operação do programa: a adesão chegou a pouco mais de 5.500 escolas com 740 mil estudantes participantes, sendo em 2019, a segunda menor adesão de todo o período com ínfimas 111 escolas e 8mil estudantes, e sem informação do ano 2020. O quadro volta a apresentar movimentação a partir do ano de 2021 e 2022, totalizando 1.555 escolas participantes com pouco menos de 245 mil alunos, apenas nesse período. É quase um milhão de estudantes participantes, desde que o programa foi iniciado, e pouco mais de 7mil escolas em todo o Brasil. Comparando-se, com a estatística, do Censo Escolar de 2023, o volume total de escolas e alunos no país é muito maior que aqueles poucos contemplados pelo Programa. Vejamos.

De acordo com o Censo Escolar 2023, 49,3% das matrículas na educação básica em todo o país são de escolas municipais, em seguida, estão as das redes estadual (30%), privada (19,9%) e federal (0,8%). Ao todo, e em todo o país, foram registrados 47,3 milhões de estudantes matriculados, distribuídos em 178,5 mil escolas, considerando todas as etapas educacionais. A edição de 2023 é a mais recente da pesquisa estatística, com resultados divulgados pelo Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, no início de 2024. (INEP, 2024). Os dados divulgados apontam uma relevante diferença entre o público alvo contemplado pelo programa, e a população escolar.

Esses dados foram pareados com o olhar do trabalho pedagógico voltado a priori à Educação Básica que transita pela escola pública do primeiro ao quinto ano. Nesta observação da coletas de dados do Censo Escolar, nota-se o comportamento da comunidade escolar, com bases em relatórios do corpo docente, sobre o enfrentamento das demandas dos professores na prática da docência, bem como, tem o objetivo de buscar soluções a partir dessas informações com ações concretas criadas por profissionais da área educacional, que sejam eficazes e sistematizados para buscar resolutivas às problemáticas que se revelam semelhantes a todo o território  nacional.

A questão que faz frente a essas informações,e que colocamos aqui, é sobre a baixa adesão das escolas ao Programa Ética nas Escolas, de 2007, e ou mais recentemente, de 2023, o programa Um por todos e todos por um – Ética e Cidadania nas escolas: quais são os impedimentos para que os programas cheguem aos seu público-alvo? Como se vê, pela pesquisa de campo junto às escolas em Morretes, sequer tiveram ciência destas iniciativas, o que levanta outra problemática: como fazer para se comprovar ou não a eficácia deste Programa? Questões, muitas questões. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

        Por fim, sobre o que é a ética e sua relação com a educação tem-se variações de definições ao longo deste trabalho. A importância da Ética, palavra de origem grega Ethos, que significa caráter, modo de ser, que analisa filosófica e cientificamente um estudo do que é Moral, do latim Mos, definida por regras, costumes, tradições, a própria ação. Um dos entendimentos é que o ambiente escolar tem alta relevância na formação de cidadãos sociais, pois é o que afirma Karnal em recente palestra na Justiça do Trabalho/MA:

Karnal continuou no diálogo entre autores para trazer o conceito por detrás da palavra ética ao público. Com Aristóteles, ele afirmou que a ética está na prática, nas ações do indivíduo e nos pequenos gestos do cotidiano. Além disso, afirmou também que a ética é a capacidade de errar, reconhecer o erro e mudá-lo. A luta pela ética é permanente. 

O entendimento de ética no trabalho de professoras de Morretes, no litoral paranaense, é a mesma que encontramos no cenário das escolas entrevistadas, semelhanças aos demais municípios que foram trabalhados nas pesquisas teóricas. A preocupação com a formação para a ética docente, revela que esta profissão segue condutas autônomas conforme cada instituição, em geral são semelhantes e prezam pela ética, mas não foi encontrado um código destinado a esta profissão. Os esforços que os professores dedicam a executar suas responsabilidades, atualmente tem encontrado desafios da desvalorização da ética na sociedade que o alunos vivem e vem reverberando em sala de aula a mesma conduta. 

O livro Ética à Nicômaco, por sua vez, merece ser cogitado como fonte, na formação docente, para a construção de um professor que deseje ser de alta qualidade. Durante a realização das entrevistas alguns pontos incomuns foram observados; como a frase: “Os valores estão sendo perdidos”; “O comportamento de uma criança, que ouve com frequência palavras indevidas, e as repete, sem saber o que diz”;  “deveria ser analisado pelo professor com mais cuidado, pois ali está uma criança que pensou estar elogiando e não ofendendo”; “ Não é certo tratar uma criança como adulto.” Essas falas nos fazem pensar, se os mais de dois mil anos estão mesmo se perdendo, e também, quanto tempo a mais que esses cem anos da Declaração de Genebra, vamos ter que esperar e por em prática com verdadeira ética? Uma observação de relevância é que existem materiais e programas do MEC que fomentam formações neste sentido aos professores das escolas públicas e que conforme as respostas obtidas, ainda não chegaram ao conhecimento das escolas públicas entrevistadas.

Assim, é muito importante que os educadores estejam atentos para que suas condutas sejam sempre a favor da criança, que as questões externas do mundo já posto jamais recaiam sobre a justa inocência da criança, que para todos os fins nasce vulnerável, e desenvolve gradativamente, e depende de ser conduzida por mãos e corações éticos no trabalho docente. E para reflexão final se pode perguntar: estamos de acordo com Aristóteles, com todos os estatutos, com a constituição, concordamos que a infância é diferente da vida de um adulto? Se há, por menor que seja um norte, que anima, é de grande valor apropriar-se dele elaborar a docência como quem busca a sua própria felicidade e a felicidade do outro.

FONTES 

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução: Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2018.

BRASIL, CGU; Instituto Maurício de Souza. Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania (UPT). Youtube, vídeo. Brasília, 2023. Disponível em: <https://youtu.be/E6ZMPM6IrQI> Acesso em: 15/07/2024.

BRASIL, CGU. Um por todos e todos por um! Pela ética e cidadania (UPT). Brasília, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/educacao-cidada/programas/upt  Acesso em 17/07/2024.

BRASIL, INEP. MEC e INEP divulgam os resultados do Censo Escolar 2023. Brasília, 22 fev. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/mec-e-inep-divulgam-resultados-do-censo-escolar-2023 Acesso em: 18/10/2024. 

BRASIL, Justiça do Trabalho – TRT, Maranhão.Leandro Karnal promove uma reflexão sobre a ética em abertura do ano letivo da EJUD16. Maranhão, 16 mar. 2020. Disponível em: https://www.trt16.jus.br/noticias/leandro-karnal-promove-uma-reflexao-sobre-etica-em-abertura-do-ano-letivo-da-ejud16#:~:text=Karnal%20continuou%20no%20di%C3%A1logo%20entre,o%20erro%20e%20mud%C3%A1%2Dlo Acesso em 18/07/2024.

BRASIL, MEC/Secretaria de Educação Básica. Ética e cidadania: construindo valores na escola e na sociedade. Brasília, 2007, 84p. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/liv_etic_cidad.pdf >Acesso em: 18/7/2024.

GOMES, Rodrigo. “Volta às aulas não é solução para a vulnerabilidade social de crianças”, in: Blog Bem bolado, publicado em 2020 [online]. Disponível em: < https://bemblogado.com.br/site/volta-as-aulas-nao-e-solucao-para-a-vulnerabilidade-social-das-criancas/ > Acesso em: 25/7/2024.

SEFRAS, Ação Social Fransciscana, Blog. Como é a realidade das crianças e adolescentes que vivem no Brasil? São Paulo, set. 2023. Disponível em: <https://www.sefras.org.br/blog/como-e-a-realidade-das-criancas-e-adolescentes-que-vivem-no-brasil> Acesso em: 18/08/2024.

REFERÊNCIAS

DA SILVA, Paulo Fraga; ISHII, Ione; KRASILCHIK, Myriam. Código de ética para a profissão docente: percepções e opiniões de educadores. Educ.rev., Faculdade de Educação, UFMG, Belo Horizonte – MG, v. 39, 2023. Disponível em: < https://doi.org/10.1590/0102-469841031> Acesso em: 28/07/2024.

LODI, Lúcia Helena. Ética e cidadania: construindo valores na escola e na sociedade. Coordenadora geral. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos: Ministério da Educação, SEIF, SEMTEC, SEED, 2003. 6 v. Il. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002918.pdf.> Acesso em 13 jul. 2024.


1 Graduanda em Pedagogia da Unespar
2 Professora de Pedagogia da Unespar