CURRÍCULO ESCOLAR E PRÁTICAS DOCENTES: ENTRE A TEORIA E A REALIDADE DA SALA DE AULA

SCHOOL CURRICULUM AND TEACHING PRACTICES: BETWEEN THEORY AND THE REALITY OF THE CLASSROOM

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202505110903


Cristina Carla Rangel Batista1; Alzira Ferreira das Neves2; Andreine Karla Rodrigues da Silva e Andrade3; Daniela Polonini Caetano Scharra4; Fabrícia Marvila Cardozo Rapozo5; Jaqueline Alves Peçanha6; Maria do Carmo Gomes Gabriel7; Maura Ozório Contaiffer8


Resumo

Este artigo analisa os desafios enfrentados pelos docentes na implementação do currículo escolar e as implicações dessa prática na formação continuada e nas estratégias pedagógicas adotadas. A pesquisa teve como objetivo investigar como os professores lidam com as exigências curriculares em um cenário de diversidade de perfis de alunos e recursos limitados. A abordagem metodológica adotada foi qualitativa, utilizando entrevistas semiestruturadas com professores de diversas disciplinas, com o intuito de capturar a complexidade das experiências e percepções dos profissionais da educação. Os resultados revelaram que, embora os docentes possuam uma formação inicial sólida, eles frequentemente se deparam com dificuldades em adaptar o currículo às necessidades dos alunos e à realidade escolar, em especial no que tange à diversidade cultural e socioeconômica das turmas, à sobrecarga de conteúdos e à falta de recursos pedagógicos. Além disso, foi identificado que a formação continuada oferecida, embora necessária, não atende completamente às exigências do contexto escolar, tornando essencial a criação de programas de capacitação que integrem teoria e prática. Os resultados também indicam que os professores necessitam de mais suporte para gerenciar a diversidade no ambiente escolar, para que a educação seja realmente inclusiva e eficaz. A pesquisa conclui que a adaptação do currículo, juntamente com um modelo de formação docente mais contextualizado e dinâmico, são condições essenciais para a melhoria da qualidade educacional e para a efetiva implementação de políticas curriculares que atendam às reais necessidades dos alunos.

Palavras-chave: currículo escolar. formação continuada. desafios docentes. diversidade educacional. práticas pedagógicas.

1 INTRODUÇÃO

As transformações sociais, culturais e econômicas que atravessam o século XXI têm repercutido diretamente no campo educacional, exigindo novas formas de pensar o currículo escolar e as práticas docentes. Em um contexto de constantes mudanças e demandas emergentes, as instituições de ensino são chamadas a promover uma educação crítica, reflexiva e significativa, capaz de dialogar com a diversidade presente nas salas de aula e com os desafios contemporâneos. Nesse cenário, o currículo deixa de ser apenas um conjunto de conteúdos preestabelecidos e passa a ser compreendido como um campo de disputas, construções e ressignificações permanentes, diretamente influenciado pelos contextos históricos e sociais nos quais se insere.

A prática pedagógica, por sua vez, é o ponto de convergência entre as intenções expressas no currículo oficial e as possibilidades reais de sua concretização no cotidiano escolar. A docência, nesse processo, assume papel central, sendo constantemente desafiada a articular teoria e prática, considerando as especificidades dos sujeitos envolvidos no processo de ensino- aprendizagem. Entretanto, observa-se que muitas vezes há um distanciamento entre o que está prescrito nos documentos curriculares e o que efetivamente ocorre na sala de aula, o que evidencia um hiato entre a teoria curricular e a realidade vivenciada pelos professores. Esse descompasso tem sido objeto de inúmeras discussões e pesquisas, que buscam compreender as razões e implicações dessa distância.

Diversos estudos apontam que as dificuldades enfrentadas pelos docentes na implementação de propostas curriculares estão relacionadas tanto à formação inicial quanto à formação continuada, além de aspectos institucionais, estruturais e contextuais da escola (NÓVOA, 1992; PACHECO, 1998). Questões como a ausência de tempo para planejamento, a escassez de recursos didáticos, a sobrecarga de trabalho e a falta de apoio pedagógico são frequentemente relatadas como entraves à efetivação de práticas coerentes com os princípios curriculares. Além disso, os próprios professores, muitas vezes, não se sentem preparados para lidar com as exigências de uma prática pedagógica que demande constante reflexão, flexibilidade e inovação, sobretudo em realidades escolares marcadas por desigualdades sociais e educacionais.

Essa realidade evidencia a necessidade de problematizar a forma como o currículo é concebido, elaborado e posto em prática nos diferentes contextos escolares. A visão tradicional, centrada na transmissão de conteúdos e na padronização das aprendizagens, mostra-se insuficiente diante da complexidade que envolve o processo educativo contemporâneo. Como destacam Carvalho et al. (2010), a construção curricular deve considerar as experiências dos sujeitos, suas trajetórias e os sentidos que atribuem ao conhecimento escolar, favorecendo a articulação entre os saberes acadêmicos e os saberes da prática. Isso implica compreender o currículo não apenas como um documento normativo, mas como uma prática social e cultural, marcada por negociações, conflitos e escolhas pedagógicas.

Nesse sentido, os professores desempenham um papel fundamental como agentes mediadores entre os documentos oficiais e a realidade da sala de aula. A forma como interpretam e traduzem o currículo em práticas cotidianas está diretamente relacionada à sua formação, às suas concepções pedagógicas e às condições concretas de trabalho. Como afirmam Vieira & Silva (1992), a autonomia docente se expressa na capacidade de ler criticamente o currículo, adaptá-lo às demandas do contexto e propor estratégias que favoreçam aprendizagens significativas. Contudo, essa autonomia é frequentemente limitada por políticas educacionais centralizadoras, que impõem padrões de desempenho e desconsideram a diversidade das realidades escolares.

É importante considerar que a implementação de práticas curriculares coerentes com uma proposta crítica e emancipatória exige investimento em formação continuada de qualidade, momentos de planejamento coletivo e valorização profissional. A ausência dessas condições tem contribuído para o enfraquecimento das práticas pedagógicas e para a reprodução de modelos tradicionais de ensino, muitas vezes descolados das necessidades reais dos estudantes. De acordo com Araújo, Nogueira & Ramos (1997), a efetivação de um currículo democrático e participativo depende do fortalecimento da prática docente e da construção de uma cultura es- colar colaborativa, baseada na escuta, no diálogo e na reflexão conjunta sobre os desafios do ensino.

Nesse panorama, emerge o seguinte problema de pesquisa: como o distanciamento entre a teoria curricular e a prática docente influencia a qualidade do processo de ensino-aprendizagem nas escolas da educação básica? Essa indagação busca compreender os fatores que dificultam a efetivação de práticas curriculares coerentes com os princípios estabelecidos nos documentos oficiais e nas propostas pedagógicas contemporâneas. A investigação se justifica pela necessidade de aprofundar a reflexão sobre as condições concretas de trabalho dos professores e sobre as possibilidades reais de articulação entre currículo e prática pedagógica, contribuindo assim para o aprimoramento da educação básica no país.

A relevância desta pesquisa reside tanto em sua dimensão teórica quanto prática. Teoricamente, o estudo pretende ampliar o debate sobre currículo e prática docente a partir de uma abordagem crítica, que reconheça os limites e as potencialidades do contexto escolar. Na dimensão prática, espera-se que os resultados obtidos possam subsidiar a elaboração de políticas públicas mais sensíveis às demandas dos professores e à realidade das escolas, promovendo condições mais favoráveis ao exercício da docência e à efetivação de um currículo significativo. Como apontam Kingston et al. (2010), a análise das práticas pedagógicas sob a ótica do currículo permite identificar os pontos de tensão e os espaços de inovação existentes no cotidiano escolar.

Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar as relações entre o currículo prescrito e a prática docente na educação básica, identificando os principais desafios enfrentados pelos professores no processo de implementação curricular. Como objetivos específicos, busca-se: a) compreender as concepções de currículo presentes nos discursos e nas práticas dos docentes; b) identificar os fatores que favorecem ou dificultam a efetivação de práticas curriculares críticas e contextualizadas; e c) refletir sobre estratégias que possam contribuir para a superação do distanciamento entre teoria e prática no contexto escolar.

Ao investigar a complexa relação entre currículo escolar e práticas docentes, esta pesquisa se propõe a colaborar para a construção de um olhar mais atento e comprometido com as condições reais da sala de aula. Reconhecer os limites impostos pela estrutura escolar e, ao mesmo tempo, valorizar as possibilidades de ação docente é essencial para que se possa avançar na construção de uma educação mais democrática, inclusiva e transformadora. O objeto de es- tudo aqui delimitado, portanto, diz respeito à articulação entre as propostas curriculares e as práticas pedagógicas desenvolvidas por professores da educação básica, considerando os desafios enfrentados no cotidiano escolar.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

1.1 Concepções de Currículo e sua Evolução Histórica

A compreensão do currículo como elemento estruturante da prática educativa tem passado por significativas transformações ao longo do tempo, acompanhando as mudanças sociais, culturais e políticas. Inicialmente, o currículo era concebido de forma restrita, como uma lista de conteúdos a serem transmitidos, centrado em uma abordagem tecnicista e voltada para a homogeneização do conhecimento. Essa perspectiva, predominante nas décadas iniciais do século XX, reduzia o processo educativo à aplicação de métodos e técnicas previamente definidos, desconsiderando as experiências e os contextos dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem (SACRISTÁN, 2000).

Com o avanço das discussões pedagógicas e das ciências sociais, emergiram novas concepções de currículo, que passaram a entendê-lo como uma construção social, histórica e cultural. Nessa perspectiva, o currículo é visto como um espaço de disputa entre diferentes projetos de sociedade, onde se definem quais conhecimentos são valorizados e quais permanecem à margem do sistema educacional. Para Apple (2006), o currículo não é neutro; ele carrega intencionalidades ideológicas e políticas que moldam a formação dos sujeitos. Essa visão crítica propõe romper com o modelo tradicional, reconhecendo o papel ativo dos professores e estudantes na construção do conhecimento.

Outro aspecto relevante na evolução do conceito de currículo diz respeito à sua relação com a cultura. Segundo Moreira & Silva (1994), o currículo deve ser compreendido como um texto cultural, que expressa valores, crenças e práticas sociais. Essa abordagem amplia a função do currículo, que passa a ser entendido não apenas como um instrumento de organização do ensino, mas como uma instância de formação identitária e de reconhecimento da diversidade. Assim, a discussão curricular incorpora temas como gênero, etnia, classe social e diferenças culturais, aproximando-se de uma proposta de educação emancipatória e inclusiva.

No contexto brasileiro, a concepção de currículo também sofreu influências das mudanças políticas e educacionais ocorridas nas últimas décadas. A promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96) contribuiu para o fortalecimento de uma visão mais democrática do currículo, ao reconhecer a autonomia das escolas e a importância de considerar as especificidades locais e regionais na organização curricular. Conforme Libâneo (2004), essas transformações exigem que o currículo seja pensado como um processo dinâmico e aberto, que articule as diretrizes nacionais com as demandas concretas das comunidades escolares.

Contudo, apesar dos avanços teóricos e legais, ainda persistem desafios na efetivação de propostas curriculares coerentes com esses princípios. A resistência à mudança, a reprodução de modelos tradicionais e a dificuldade de articulação entre teoria e prática são obstáculos frequentemente apontados por pesquisadores da área. Como destaca Gatti (2009), a implementação de currículos críticos e participativos depende não apenas de diretrizes oficiais, mas de condições reais de trabalho docente, de processos formativos adequados e de uma gestão escolar comprometida com a inovação pedagógica. Nesse sentido, a análise das concepções de currículo e sua trajetória histórica contribui para a compreensão dos limites e possibilidades que se impõem à prática educativa no contexto atual.

1.2 A Prática Docente e a Mediação Curricular no Cotidiano Escolar

A prática docente ocupa um lugar central na efetivação do currículo escolar, uma vez que é por meio dela que os conteúdos propostos nos documentos oficiais ganham vida no cotidiano da sala de aula. Entretanto, essa prática não se limita à simples aplicação de um currículo prescrito; ela envolve escolhas, interpretações, adaptações e negociações que os professores realizam de forma constante, em diálogo com as condições reais do ambiente escolar e com as características dos estudantes. Como afirmam Tardif & Raymond (2000), o saber docente é constituído na prática, sendo resultado de múltiplas influências, entre elas a formação profissional, as experiências vividas e o conhecimento do contexto de atuação.

Dessa forma, o professor assume o papel de mediador entre o currículo e os sujeitos da aprendizagem. Essa mediação não é neutra, pois envolve posicionamentos pedagógicos, concepções de ensino e aprendizagem e representações sobre o papel da escola na sociedade. Para Perrenoud (2001), o trabalho docente exige uma constante capacidade de tomar decisões e de lidar com a imprevisibilidade do processo educativo, o que torna indispensável o desenvolvimento de competências profissionais que permitam ao professor interpretar criticamente o currículo e transformá-lo em práticas pedagógicas significativas.

Contudo, o espaço de autonomia docente no desenvolvimento curricular nem sempre encontra respaldo nas estruturas escolares e nas políticas educacionais vigentes. Muitas vezes, os professores se veem pressionados por avaliações externas, metas de desempenho e currículos padronizados que limitam sua capacidade de adaptação e inovação pedagógica. Segundo

Gauthier et al. (1998), essas imposições tendem a reduzir a prática docente a uma função técnica, esvaziando seu caráter reflexivo e comprometido com a formação integral dos alunos. Esse cenário contribui para o distanciamento entre as intenções curriculares e a realidade vivenciada em sala de aula.

A atuação do professor, nesse contexto, é atravessada por uma série de desafios, como a falta de tempo para planejamento, a ausência de espaços de formação continuada, a precariedade de recursos didáticos e a dificuldade de trabalhar com turmas heterogêneas. Esses fatores interferem diretamente na qualidade das práticas pedagógicas e no alcance dos objetivos educacionais propostos. Conforme Nóvoa (1992), o fortalecimento da profissão docente passa pela valorização do professor como sujeito ativo no processo de construção do currículo, capaz de exercer sua autonomia com responsabilidade e competência.

Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que, mesmo diante das adversidades, muitos professores desenvolvem práticas inovadoras, criativas e sensíveis às necessidades dos estudantes. Essas experiências revelam que o currículo pode ser ressignificado no cotidiano escolar, desde que haja espaço para a escuta, o diálogo e a construção coletiva do conhecimento. Como enfatizam Freitas, Furlan & Oliveira (2013), a prática docente é um campo de possibilidades, onde o compromisso ético e político com a educação pode se manifestar por meio de ações concretas que rompam com a lógica da reprodução e da conformidade.

Assim, compreender a prática docente como um processo complexo, situado e historicamente condicionado é fundamental para o fortalecimento das políticas e práticas curriculares. O reconhecimento do professor como agente curricular e não apenas como executor de normas representa um avanço importante na construção de uma escola mais democrática, participativa e voltada para a formação de sujeitos críticos e autônomos.

1.3 As Políticas Curriculares e os Desafios da Implementação na Escola

As políticas curriculares representam um importante instrumento de regulação da educação, sendo formuladas com o objetivo de garantir uma base comum para o ensino em todo o território nacional. No Brasil, documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os currículos estaduais e municipais delineiam diretrizes e competências que devem orientar a organização do ensino nas escolas. No entanto, a distância entre o que é proposto oficialmente e o que é efetivamente realizado nas unidades escolares continua sendo um dos principais desafios enfrentados pela educação básica (OLIVEIRA, 2009).

A implementação de políticas curriculares esbarra em questões estruturais, pedagógicas e formativas. A falta de diálogo entre os elaboradores das políticas e os profissionais que atuam diretamente nas escolas gera uma ruptura entre teoria e prática, resultando em documentos que, por vezes, são percebidos como distantes da realidade concreta. Para Ball (1994), as políticas educacionais não são simplesmente aplicadas, mas reinterpretadas, negociadas e, muitas vezes, resistidas no contexto da prática, o que evidencia a complexidade do processo de implementação. Essa constatação reforça a ideia de que o currículo prescrito é apenas uma das dimensões do currículo real.

A ausência de formação específica e de momentos institucionais para análise e discussão coletiva das propostas curriculares compromete a apropriação crítica por parte dos professores. Como afirmam Sacristán & Gómez (1998), a eficácia de uma política curricular depende, em grande parte, da capacidade do sistema educacional de articular as diretrizes com as condições objetivas do trabalho pedagógico. Quando essa articulação não ocorre, há o risco de que o currículo se torne um conjunto de prescrições descoladas da prática pedagógica.

Ademais, os processos de reformulação curricular nem sempre consideram as desigualdades regionais, sociais e culturais que marcam o cenário educacional brasileiro. Isso tende a reforçar um modelo uniforme e descontextualizado, que não atende às especificidades das escolas localizadas em áreas de maior vulnerabilidade social. Para Arroyo (2013), a adoção de uma base comum deve ser acompanhada de flexibilidade e respeito à diversidade, permitindo que o currículo se torne um instrumento de inclusão e não de exclusão. Essa perspectiva requer políticas que fortaleçam a autonomia das escolas e valorizem o protagonismo dos educadores na construção curricular.

A ênfase em indicadores quantitativos e em testes padronizados muitas vezes reduz o currículo ao que é mensurável, empobrecendo a experiência educativa. Segundo Veiga (2003), a avaliação deve ser compreendida como parte integrante do currículo, orientada pela lógica formativa e pela valorização dos processos de aprendizagem. Uma política curricular comprometida com a qualidade social da educação precisa contemplar também estratégias de avaliação que respeitem as múltiplas dimensões do ensino e da aprendizagem.

O fortalecimento da escola como espaço de construção coletiva do currículo exige a criação de condições institucionais e políticas que favoreçam a participação efetiva dos professores, gestores, estudantes e comunidade. A democratização do processo curricular, nesse sentido, vai além da consulta formal e requer a consolidação de práticas colaborativas de planejamento, acompanhamento e avaliação. Como destacam Silva, Moura & Garcia (2015), a construção de um currículo democrático e plural depende do reconhecimento da escola como espaço político e do professor como sujeito histórico e formador de cidadania.

1.4 A Relação entre Currículo, Formação Docente e Prática Reflexiva

A formação docente é um dos pilares fundamentais para que o currículo escolar se torne efetivamente um instrumento de transformação social. Nesse contexto, compreende-se que o desenvolvimento profissional dos professores precisa estar articulado às demandas do cotidiano escolar, promovendo uma prática reflexiva e crítica que vá além da reprodução de conteúdos. Como afirmam Schön (2000) e Zeichner (1993), a reflexão sobre a prática é um componente essencial da formação docente, pois permite que o professor compreenda as implicações pedagógicas, sociais e políticas de suas escolhas no trabalho educativo.

Nesse sentido, a formação inicial, quando centrada apenas na transmissão de saberes teóricos, pode revelar-se insuficiente para preparar os docentes para a complexidade da atuação em sala de aula. É na vivência cotidiana da escola que o professor constrói e reconstrói seus saberes, reinterpretando o currículo e ressignificando suas práticas. Para Tardif (2002), os saberes da experiência têm papel central na constituição da identidade profissional do educador, pois são produzidos no confronto com os desafios concretos do ensino, muitas vezes ausentes na formação acadêmica formal.

A formação continuada, por sua vez, é essencial para fortalecer a prática docente e possibilitar a ressignificação constante do currículo escolar. Contudo, para que seja efetiva, precisa estar integrada às necessidades reais do contexto escolar e ocorrer em espaços de diálogo, colaboração e construção coletiva do conhecimento. Segundo Imbernón (2011), uma formação descolada da realidade da escola tende a ser ineficaz, pois não responde às inquietações e dilemas vividos pelos professores. Assim, a formação docente deve ser compreendida como um processo permanente, situado e colaborativo, que fomente a autonomia e o pensamento crítico.

Um professor com formação crítica e reflexiva é capaz de identificar os pressupostos ideológicos que sustentam determinadas propostas curriculares, problematizar suas implicações e propor caminhos alternativos. Conforme afirma Silva (2001), o currículo não é neutro e carrega marcas das disputas sociais, culturais e políticas da sociedade. Dessa forma, a prática docente exige não apenas domínio técnico, mas também posicionamento ético e político diante das demandas educacionais.

É nesse contexto que emerge a importância da pesquisa como componente da formação docente. A investigação da própria prática, associada à reflexão crítica, contribui para o aprimoramento profissional e para o avanço das práticas pedagógicas. Como destacam André & Romanowski (2002), ao pesquisar sobre o próprio fazer, o professor transforma-se em sujeito de sua formação, construindo um saber que integra teoria e prática, e que o habilita a atuar de forma mais consciente e coerente com os princípios de uma educação emancipadora.

Portanto, ao se pensar nas práticas docentes como mediação entre currículo e aprendizagem, torna-se evidente que a formação de professores não pode ser vista como um processo isolado, mas como parte integrante de uma política educacional que valorize a docência, promova condições dignas de trabalho e incentive a construção coletiva do saber. É por meio dessa formação crítica e reflexiva que os docentes poderão enfrentar as contradições do currículo prescrito, adaptar-se às exigências da realidade escolar e contribuir para a construção de uma educação mais justa, democrática e transformadora.

3 METODOLOGIA

O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza exploratória e descritiva. A opção por esse delineamento metodológico se justifica pela necessidade de compreender os sentidos atribuídos pelos docentes ao currículo escolar e às práticas pedagógicas desenvolvidas no cotidiano da sala de aula, bem como identificar as tensões entre as diretrizes curriculares oficiais e a realidade vivenciada nas escolas.

A pesquisa foi realizada em duas escolas públicas da rede municipal de ensino, localizadas em contextos urbanos distintos, visando contemplar realidades sociais e educacionais diversas. A escolha das unidades escolares deu-se de forma intencional, considerando critérios como a diversidade de perfis dos docentes, o tempo de atuação profissional e a existência de projetos pedagógicos articulados ao currículo.

A amostra da pesquisa foi composta por 10 professores do ensino fundamental II, atuantes nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia. Os participantes foram selecionados por meio de convite direto, respeitando o critério de aceitação voluntária e garantindo o sigilo e anonimato das informações prestadas. Todos os professores assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme os preceitos éticos da pesquisa em educação.

Para a coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos principais: o questionário semiestruturado e a entrevista individual. O questionário foi aplicado previamente com o objetivo de traçar um perfil dos participantes e obter dados iniciais sobre a compreensão do currículo, a formação docente e a percepção das dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar. Em seguida, as entrevistas foram conduzidas de maneira presencial, com duração média de 40 mi- nutos cada, e gravadas mediante autorização dos participantes.

A análise dos dados foi realizada com base na técnica de análise de conteúdo, conforme proposta por Bardin (2011), contemplando as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. A categorização emergiu a partir da leitura flutuante dos relatos, seguida da codificação por temas, possibilitando a identificação de padrões de significação e a interpretação das narrativas docentes à luz do referencial teórico adotado.

O rigor metodológico foi garantido por meio da triangulação dos dados, articulando as informações obtidas nos questionários, entrevistas e observações informais realizadas durante as visitas às escolas. Essa estratégia permitiu validar as informações coletadas e aprofundar a compreensão sobre a complexidade que envolve a relação entre currículo prescrito, formação docente e prática pedagógica.

A escolha pela abordagem qualitativa não teve como objetivo a generalização estatística dos resultados, mas sim a apreensão de significados e sentidos atribuídos pelos sujeitos pesquisados. Dessa forma, buscou-se contribuir para a reflexão crítica sobre as políticas curriculares e os desafios enfrentados pelos docentes no cotidiano da escola, produzindo conheci- mentos que possam subsidiar práticas formativas e ações pedagógicas mais contextualizadas e significativas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados coletados por meio dos questionários e entrevistas com os 10 docentes participantes revelou informações significativas sobre as percepções e práticas relacionadas ao currículo escolar e à formação docente. Os resultados foram organizados em temas centrais, que abordam as principais dificuldades encontradas pelos professores na implementação do currículo, as divergências entre o currículo prescrito e a prática pedagógica cotidiana, bem como as estratégias utilizadas pelos docentes para superar tais desafios.

2.1 Desafios na Implementação do Currículo Escolar

O primeiro tema que emergiu da análise dos dados refere-se aos desafios enfrentados pelos docentes para implementar o currículo prescrito nas escolas. De maneira geral, os professores relataram que as diretrizes curriculares apresentadas pelos órgãos competentes nem sempre correspondem às necessidades concretas do cotidiano escolar. Embora o currículo oficial seja estruturado de maneira a atender aos objetivos educacionais estabelecidos pelas políticas públicas, muitos docentes destacaram que ele não leva em consideração as realidades diversificadas de cada sala de aula, como a heterogeneidade do público-alvo e as limitações estruturais das escolas.

A falta de recursos materiais foi uma das dificuldades mais recorrentes apontadas pelos professores. A escassez de livros didáticos atualizados, a falta de equipamentos tecnológicos adequados e a infraestrutura precária das escolas dificultam significativamente a implementação do currículo conforme o planejado. Em várias entrevistas, os docentes mencionaram que, muitas vezes, a falta de materiais pedagógicos compromete a qualidade das aulas e os torna mais dependentes de recursos alternativos e improvisados, o que compromete o planejamento e a execução das atividades propostas. Além disso, a ausência de recursos tecnológicos adequa- dos torna difícil incorporar metodologias inovadoras e atividades interativas que são recomendadas pelos currículos mais atuais.

Muitos professores apontaram que, além de terem que lidar com um número elevado de alunos em cada turma, precisam cobrir uma extensa carga curricular em um período de tempo reduzido. Essa sobrecarga afeta diretamente a qualidade do ensino, já que os professores não conseguem dedicar a atenção necessária a cada aluno, tampouco a cada conteúdo com a profundidade exigida pelos planos curriculares. A sobrecarga de conteúdos torna o processo de aprendizagem mais superficial e dificulta a aplicação de estratégias pedagógicas diferenciadas, que seriam essenciais para atender às necessidades de todos os estudantes.

A gestão do tempo também se mostrou um fator crítico. Muitos docentes relataram que, devido à quantidade de conteúdos e à diversidade de turmas, o tempo disponível para o desenvolvimento das aulas é insuficiente. A adaptação do currículo ao ritmo de aprendizagem dos alunos, especialmente daqueles com dificuldades, é prejudicada pela escassez de tempo para revisão e aprofundamento. A rotina intensa de atividades escolares, combinada com o volume de conteúdos exigido, resulta em uma corrida constante contra o relógio, o que compro- mete a possibilidade de uma aprendizagem mais significativa e personalizada. Os professores apontaram que, apesar de ser uma constante em sua prática, a gestão eficiente do tempo é uma tarefa desafiadora, especialmente quando a turma apresenta alunos com ritmos de aprendizagem muito distintos.

A diversidade de perfis dos alunos também foi destacada como um fator que dificulta a implementação do currículo de forma plena. A presença de estudantes com diferentes níveis de habilidade, provenientes de diversas realidades socioeconômicas e culturais, exige dos docentes uma adaptação constante das metodologias e das estratégias pedagógicas. A heterogeneidade presente nas salas de aula, com alunos que enfrentam dificuldades de aprendizagem, transtornos emocionais ou que têm diferentes interesses e estilos de aprendizagem, torna difícil a aplicação de um currículo único que atenda a todos de maneira equânime. Além disso, a falta de formação adequada para lidar com essa diversidade acaba agravando o problema. Muitos professores relataram que, mesmo após a implementação de políticas de inclusão, ainda não possuem o apoio necessário para lidar com alunos com necessidades educacionais especiais ou para adaptar o currículo de forma eficiente a esses alunos.

Essa dificuldade em atender às diversas demandas dos alunos é algo que também foi observado por outros estudos (LIMA, 1995; SACRISTÁN, 2000). O currículo, muitas vezes, é estruturado de maneira rígida, sem a flexibilidade necessária para lidar com a diversidade do aluno. Nesse contexto, a percepção dos docentes é de que, embora os currículos prescrevam uma abordagem mais inclusiva, a prática no campo educacional nem sempre reflete esse princípio.

A falta de suporte pedagógico e administrativo para implementar o currículo, especialmente nas escolas de regiões mais carentes, também é um desafio significativo. Os professo- res indicaram que, muitas vezes, as direções escolares não fornecem os recursos humanos necessários para apoio nas atividades pedagógicas, como o acompanhamento de alunos com dificuldades ou a ajuda em atividades extracurriculares que possam complementar o currículo. Isso se reflete em uma sobrecarga ainda maior de trabalho para os próprios docentes, que acabam se tornando responsáveis por tarefas além da docência, o que afeta a qualidade do ensino.

Muitos professores expressaram um sentimento de frustração ao perceberem que, apesar de seus esforços, o currículo prescrito não é suficiente para atender às necessidades reais dos alunos. Essa frustração é agravada pela constante pressão por resultados, que frequente- mente se traduz em indicadores quantitativos de desempenho, como as notas em avaliações externas. A pressão para cumprir os requisitos do currículo acaba afastando os professores da essência do ensino, que deveria ser a promoção do aprendizado significativo e o desenvolvi- mento integral do aluno.

A tabela a seguir resume os principais desafios mencionados pelos professores:

FONTE: Dados da pesquisa – 2025

Esses dados corroboram os achados de Silva (2001), que aponta que a implementação do currículo no Brasil muitas vezes esbarra na falta de infraestrutura e na escassez de apoio pedagógico. Além disso, os professores frequentemente precisam adaptar o currículo às características específicas de seus alunos, o que nem sempre é contemplado nos planos curriculares oficiais. Esse descompasso entre o currículo prescrito e a realidade da sala de aula tem sido objeto de crítica em diversos estudos (SACRISTÁN, 2000; TARDIF, 2002).

2.2 A Percepção dos Docentes sobre a Formação Inicial e Continuada

Os docentes entrevistados afirmaram que, embora a formação inicial forneça uma base teórica relevante, ela não é suficiente para lidar com as exigências do ambiente escolar. Em muitos casos, a formação oferecida durante a graduação é vista como limitada no que diz res- peito à prática diária da sala de aula. A teoria que os professores aprendem nas universidades, embora importante, muitas vezes não está totalmente alinhada com os desafios cotidianos enfrentados no contexto educacional. Essa lacuna entre o conhecimento adquirido na formação inicial e as demandas do cotidiano escolar foi um ponto amplamente destacado pelos participantes da pesquisa.

A formação continuada, apesar de ser oferecida pelas redes de ensino, não consegue atender completamente às demandas específicas do contexto em que os professores atuam. Em- bora haja uma oferta de cursos e programas de capacitação, muitos docentes relataram que esses programas são, em grande parte, genéricos e não abordam as necessidades locais e individuais das escolas e dos alunos. A falta de adaptação dos cursos de formação continuada à realidade de cada instituição e à diversidade dos perfis dos alunos tem sido um dos principais desafios apontados pelos professores, que sentem a necessidade de se atualizarem constantemente para lidar com as inovações pedagógicas e com as novas tecnologias educacionais.

A maioria dos professores entrevistados destacou a necessidade de programas de for- mação que integrem teoria e prática, com foco em estratégias pedagógicas aplicáveis à sala de aula. O ideal seria que as propostas de formação continuada fossem mais centradas no desenvolvimento de competências práticas que pudessem ser aplicadas diretamente em sua rotina pedagógica. Esse tipo de formação, segundo os professores, contribuiria para uma maior eficiência na implementação do currículo e no desenvolvimento de estratégias de ensino mais eficazes, especialmente para lidar com a diversidade de alunos e com as diferentes dificuldades de aprendizagem que surgem nas escolas.

Na entrevista com o docente de Língua Portuguesa, por exemplo, foi salientado que, apesar de possuir uma formação acadêmica sólida, as questões relativas à gestão de sala e ao relacionamento com alunos com dificuldades de aprendizagem exigem constante atualização profissional. O professor relatou que, ao longo de sua carreira, percebeu que as competências necessárias para lidar com esses desafios não são abordadas adequadamente durante a formação inicial. Como resultado, ele enfatizou a importância de programas que integrem aspectos práticos da gestão de sala de aula, como a criação de ambientes de aprendizado inclusivos e estratégias de ensino diferenciadas.

Esses relatos estão em consonância com a análise de André & Romanowski (2002), que ressaltam a importância de um modelo de formação docente que favoreça a reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas. Segundo esses autores, a formação docente não deve se limitar ao aprendizado de técnicas e conteúdos específicos, mas deve também incentivar os professores a refletirem constantemente sobre suas práticas e a adaptá-las conforme as demandas e os de- safios da sala de aula. A formação contínua, então, deve ser vista como um processo dinâmico, no qual os docentes têm a oportunidade de aprimorar suas habilidades, discutir novas abordagens pedagógicas e se preparar para lidar com as complexidades do ambiente escolar. A implementação de programas de formação que atendam a essas necessidades pode representar um passo importante para o aprimoramento da qualidade do ensino e para o fortalecimento das práticas pedagógicas no contexto escolar.

Dessa forma, a construção de uma formação docente mais integrada à prática pedagógica e contextualizada com as necessidades reais da escola é um dos pontos mais críticos apontados pelos professores entrevistados. Eles destacam que essa integração é fundamental para que os docentes se sintam mais preparados e confiantes ao enfrentar os desafios do cotidiano escolar e para que possam, efetivamente, aplicar o currículo de maneira mais eficiente e significativa.

2.3 A Diversidade no Contexto Escolar

A diversidade no contexto escolar, mencionada por mais de 60% dos entrevistados, é outro desafio significativo para os docentes. A pesquisa revelou que as escolas atendem a uma população estudantil com ampla diversidade cultural, socioeconômica e acadêmica. Essa diversidade, embora seja considerada uma riqueza, também impõe desafios diários na adaptação do currículo e na personalização do ensino. De acordo com os relatos dos professores, as turmas são compostas por estudantes com diferentes origens culturais, com variados níveis de proficiência nas disciplinas, e com necessidades educacionais distintas. Esse cenário cria um ambiente em que a personalização do ensino se torna uma tarefa complexa, uma vez que cada aluno exige abordagens pedagógicas que respeitem suas especificidades.

Muitos professores relatam que, frequentemente, o currículo não leva em consideração essas diferenças, o que dificulta a implementação de uma educação inclusiva. A rigididade do currículo, que muitas vezes é estruturado de maneira uniforme, sem a devida flexibilidade para adaptar-se às necessidades diversificadas dos alunos, tem sido um obstáculo. Para os docentes, a implementação de uma educação inclusiva que efetivamente respeite as particularidades culturais, sociais e acadêmicas dos estudantes exige mais do que simplesmente aplicar o currículo de forma linear e sem modificações. É necessário, segundo os professores, um currículo que seja mais fluido e adaptável, com metodologias que permitam a diferenciação do ensino, proporcionando aos alunos com dificuldades um acompanhamento mais personalizado.

A diversidade cultural, em particular, representa um dos maiores desafios apontados. Muitos professores afirmaram que, em suas salas de aula, há uma grande variação nas origens culturais dos estudantes, o que influencia diretamente as formas de aprendizado e as relações interpessoais. Os alunos que vêm de famílias com diferentes valores culturais, de contextos sociais variados, ou de comunidades com práticas educacionais distintas, podem ter expectativas e necessidades que não são contempladas de forma adequada no currículo tradicional. Nesse sentido, a abordagem pedagógica de um docente precisa ser sensível a essas questões, permitindo que o ambiente escolar se torne um espaço inclusivo, que valorize as diferentes culturas sem perder de vista a necessidade de garantir a igualdade de oportunidades educacionais para todos os estudantes.

A diversidade socioeconômica também foi citada como uma questão relevante. Muitos alunos vêm de famílias que enfrentam dificuldades financeiras, o que impacta diretamente no acesso a materiais de estudo, na frequência escolar, na alimentação e até mesmo nas condições de saúde. Para os professores, a adaptação do currículo a essa realidade é um desafio constante, já que muitos alunos não têm acesso a recursos que complementem o que é aprendido em sala de aula. A falta de acesso a tecnologias, por exemplo, dificulta a aplicação de metodologias mais interativas e atualizadas, exigindo dos docentes uma adaptação constante para utilizar os recursos disponíveis de forma criativa e eficaz.

A diversidade acadêmica dos alunos é outra faceta significativa deste desafio. A presença de estudantes com diferentes níveis de habilidade nas disciplinas, como aqueles com dificuldades de aprendizagem ou com defasagem no conteúdo, exige uma diferenciação pedagógica mais acentuada. Muitos professores mencionaram que o currículo prescrito não contempla de maneira suficiente essas desigualdades, o que acaba gerando um ensino mais homogêneo e, por consequência, menos eficiente para atender às necessidades de todos os alunos. A adaptação do currículo para que ele seja eficaz para alunos com diferentes níveis de conhecimento requer não apenas a modificação das estratégias de ensino, mas também uma reavaliação das práticas pedagógicas, de modo que todos os estudantes possam alcançar os objetivos educacionais, in- dependentemente de suas dificuldades.

A implementação de práticas pedagógicas inclusivas, que permitam a todos os alunos aprenderem de forma significativa, é uma tarefa complexa, mas essencial para o sucesso da educação. Muitos professores destacaram que a criação de um ambiente de aprendizagem inclusivo vai além da simples adaptação do currículo; envolve também a construção de uma cultura escolar que valorize e respeite as diferenças, promovendo a convivência e a aprendizagem coletiva. Isso exige que os docentes recebam formação contínua, que os apoie no desenvolvi- mento de habilidades para lidar com a diversidade de maneira mais efetiva, tanto no que diz respeito às estratégias de ensino quanto ao apoio emocional e social necessário para que todos os alunos se sintam pertencentes e motivados a aprender.

Esses desafios também são observados em estudos de autores como Lousada (2009), que abordam as implicações da diversidade no currículo escolar e a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas. Segundo o autor, a diversidade cultural e socioeconômica demanda uma reconfiguração das práticas educacionais, onde os professores devem ser preparados para lidar com a multiplicidade de perfis e necessidades dos alunos, criando ambientes de aprendizagem que sejam ao mesmo tempo desafiadores e acessíveis para todos.

A seguir, apresentamos os resultados da análise sobre a percepção dos docentes em relação à diversidade:

FONTE: Dados da pesquisa- 2025

Esses resultados corroboram as discussões de Imbernón (2011), que afirma que a diversidade exige um olhar atento dos educadores para a inclusão de diferentes saberes e realidades, muitas vezes ausentes nos currículos tradicionais. O autor defende que a flexibilização do currículo e a adaptação das práticas pedagógicas são essenciais para atender às necessidades de todos os alunos, respeitando suas particularidades.

2.4 Estratégias para Superar as Dificuldades

Apesar dos desafios apontados, os professores demonstraram grande capacidade de adaptação e inovação no uso do currículo. Muitos utilizam métodos diferenciados, como o ensino colaborativo, a adaptação de atividades para diferentes estilos de aprendizagem e a utilização de recursos tecnológicos como ferramentas complementares. Esses métodos, embora não estejam sempre previstos no currículo oficial, foram reconhecidos pelos docentes como formas eficazes de superar as limitações do sistema escolar.

Essas estratégias são alinhadas com as recomendações de Carvalho et al. (2010), que sugerem que a inovação pedagógica é fundamental para que o currículo se torne um instrumento de transformação e não apenas uma sequência de conteúdos a serem transmitidos.

Os resultados obtidos nesta pesquisa dialogam diretamente com estudos anteriores sobre currículo e práticas docentes. Como afirmado por Pacheco (2008), a desconexão entre o currículo prescrito e a realidade da sala de aula não é um fenômeno recente, e as dificuldades encontradas pelos professores na implementação do currículo refletem um problema estrutural do sistema educacional. As dificuldades relacionadas à formação docente e à gestão da diversidade também são recorrentes em outras pesquisas sobre a formação de professores (Tardif, 2002; Imbernón, 2011).

5   CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada trouxe à tona os principais desafios enfrentados pelos docentes na implementação do currículo escolar, evidenciando que as dificuldades são multifacetadas. Entre as principais barreiras, a falta de recursos materiais e a sobrecarga de turmas e conteúdos foram as mais destacadas pelos entrevistados. De fato, a escassez de infraestrutura e apoio pedagógico tem impacto direto na qualidade da execução do currículo, dificultando a plena realização das atividades propostas. Além disso, a complexidade da gestão do tempo e as diferenças nos perfis dos alunos tornam ainda mais desafiadora a tarefa de cobrir todo o conteúdo previsto no currículo. Esses fatores, conforme indicam os resultados, são determinantes para que os docentes não consigam atender a todas as exigências do currículo de maneira efetiva e com a qualidade necessária.

Também confirma que a formação inicial dos professores, embora essencial, não proporciona a preparação necessária para lidar com as demandas concretas do ambiente escolar. A teoria, muitas vezes, não se traduz diretamente em estratégias práticas aplicáveis na sala de aula. Os docentes entrevistados relataram que a formação continuada, embora disponível em algumas instituições, carece de uma abordagem mais contextualizada e específica para os de- safios reais do cotidiano escolar. A maioria dos professores expressou a necessidade de programas de formação que integrem teoria e prática, proporcionando uma formação que vá além dos conceitos acadêmicos e contemple as demandas imediatas da prática pedagógica. Esta consta- tação alinha-se com a literatura sobre a importância de uma formação docente contínua e contextualizada, que favoreça a reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas (André & Romano- wski, 2002).

Outro ponto crucial abordado pela pesquisa foi a diversidade no ambiente escolar. A diversidade cultural, socioeconômica e acadêmica dos alunos constitui um dos maiores desafios para os docentes. A adaptação do currículo a essas diferenças é, muitas vezes, um processo complexo, pois as diretrizes curriculares nem sempre contemplam as variações nos contextos dos alunos. A personalização do ensino, fundamental para promover uma educação inclusiva, é dificultada pela rigidez do currículo e pela falta de recursos para lidar com essa diversidade de maneira efetiva. A pesquisa revelou que muitos professores lutam para ajustar suas práticas pedagógicas para atender às necessidades de todos os alunos, especialmente aqueles com dificuldades de aprendizagem, e que essa adaptação requer não apenas formação, mas também mais flexibilidade por parte dos sistemas educacionais.

Diante disso, os objetivos da pesquisa foram atingidos, pois foi possível identificar e analisar as dificuldades enfrentadas pelos docentes na implementação do currículo escolar. Os resultados mostraram que os professores, embora comprometidos com a qualidade do ensino, enfrentam limitações significativas, especialmente em relação à falta de recursos e à diversidade dos alunos. As hipóteses levantadas sobre a insuficiência da formação inicial e a necessidade de maior flexibilidade curricular foram confirmadas, reforçando a urgência de revisar as políticas educacionais no Brasil.

As contribuições teóricas da pesquisa estão centradas na ampliação da compreensão sobre os desafios da implementação curricular, destacando a importância de integrar teoria e prática na formação docente. Em termos práticos, a pesquisa oferece uma reflexão valiosa sobre a necessidade de políticas públicas que apoiem a formação continuada dos professores e a adaptação dos currículos às realidades das escolas, particularmente no que diz respeito à diversidade e à infraestrutura.

Embora os objetivos tenham sido alcançados, a pesquisa apresenta algumas limitações. O estudo se baseou em uma amostra restrita de professores e escolas, o que pode restringir a generalização dos resultados. Futuras pesquisas poderiam ampliar essa amostra e explorar diferentes contextos educacionais, como escolas públicas e privadas de diferentes regiões, para aprofundar a análise dos desafios enfrentados pelos docentes. Além disso, uma investigação mais aprofundada sobre as práticas pedagógicas eficazes para a adaptação do currículo à diversidade dos alunos seria de grande importância para o desenvolvimento de estratégias de ensino mais inclusivas e contextualizadas.

A pesquisa contribui para o debate sobre os desafios da implementação do currículo escolar, oferecendo subsídios para a formulação de políticas educacionais que atendam melhor às necessidades dos professores e alunos, com vistas à melhoria da qualidade da educação.

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1 Discente do Mestrado em Ciências da Educação da Facultad de Ciencias Sociales Interamericana e-mail: krikabatista@gmail.com
2 Discente do Mestrado em Ciências da Educação da Facultad de Ciencias Sociales Interamericana e-mail: alziradasneves@hotmail.com
3 Discente do Mestrado em Ciências da Educação da Facultad de Ciencias Sociales Interamericana e-mail: andreineandrade@gmail.com
4 Discente do Mestrado em Ciências da Educação da Facultad de Ciencias Sociales Interamericana e-mail: danicaetanops@gmail.com
5 Discente do Mestrado em Ciências da Educação da Facultad de Ciencias Sociales Interamericana e-mail: fabriciamcr@gmail.com
6 Discente do Mestrado em Ciências da Educação da Facultad de Ciencias Sociales Interamericana e-mail: jaquelineitaoca@hotmail.com
7 Discente do Mestrado em Ciências da Educação da Facultad de Ciencias Sociales Interamericana e-mail: carminha27gg@gmail.com
8 Discente do Mestrado em Ciências da Educação da Facultad de Ciencias Sociales Interamericana e-mail: mauracontaiffer@gmail.com