CUIDADOS PALIATIVOS: UMA REALIDADE NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410151530


Kamyla Muniz Monteiro
Coautor (Participação): Gabriel de Souza Silva
Orientador (a): Prof.ª Msc Flávia Regina Cruz Dias


Resumo: Os cuidados paliativos em pequenos animais é um fator determinante no alívio da dor e na  qualidade de vida durante os estágios finais. Garantir o bem-estar dos animais e centrada no paciente, com foco não apenas na gestão da dor, mas no bem-estar mental e a qualidade de vida. A medicina veterinária vem evoluindo e não se limita apenas aos tratamentos curativos, mas também nos cuidados paliativos. Esta é uma área em ascensão, especialmente devido ao papel que os animais desempenham como membros da família. Os cuidados holísticos e compassivos para animais enfermos e idosos são cruciais, pois busca promover uma qualidade de vida em seus últimos estágios de vida. A importância dos cuidados paliativos está diretamente ligada à expectativa de vida destes animais, o que resulta em um maior número de doenças crônicas. Quando a cura não é possível, os cuidados paliativos oferecem suporte aos animais e aos seus tutores, minimizando o sofrimento de ambos. O processo de luto também faz parte da realidade dos profissionais da área, que precisam lidar com essa situação de maneira eficaz como parte de suas responsabilidades. Nesse contexto, este estudo aborda os cuidados paliativos, sua origem até o processo de luto. A pesquisa concentra-se em analisar estudos já publicados sobre cuidados paliativos em pequenos animais. Utilizando fontes confiáveis, como PubVet, Scielo e Google Scholar, trazendo um panorama mais abrangente sobre essa temática que visa, compreender as principais abordagens, desafios e perspectivas, a fim de subsidiar a qualificação da prática em clínicas veterinárias.

Palavras-chave: cuidados paliativos, medicina veterinária, luto, doenças crônicas.

Abstract: Palliative care in small animals is a determining factor in pain relief and quality of life during the final stages. Ensure animal well-being and patient-centered, focusing not only on pain management, but on mental well-being and quality of life. Veterinary medicine has been evolving and is not limited to curative treatments, but also palliative care. This is a growing area, especially due to the role animals play as family members. Holistic and compassionate care for sick and elderly animals is crucial as it seeks to promote a quality of life in their later stages of life. The importance of palliative care is directly linked to the life expectancy of these animals, which results in a greater number of chronic diseases. When a cure is not possible, palliative care offers support to animals and their owners, minimizing the suffering of both. The grieving process is also part of the reality of professionals in the field, who need to deal with this situation effectively as part of their responsibilities. In this context, this study addresses palliative care, its origins and the grieving process. The research focuses on analyzing previously published studies on palliative care in small animals. Using reliable sources, such as PubVet, Scielo and Google Scholar, providing a more comprehensive overview of this topic that aims to understand the main approaches, challenges and perspectives, in order to support the qualification of practice in veterinary clinics.

Keywords: palliative care, veterinary medicine, mourning, chronic diseases

1 INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, os animais de estimação passaram de meros companheiros a membros da família, criando laços afetivos profundos. Essa conexão impulsiona a busca por cuidados veterinários mais completos, reconhecendo a importância do bem-estar animal em todas as fases da vida (Shanan et al., 2014). A atenção paliativa surgiu na medicina para aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida quando a cura não é possível (Figueiredo; Stano, Shanan et al., 2014). Segundo a Resolução CFM nº 1.973/2011, os cuidados paliativos abrangem sete áreas da medicina: oncologia, geriatria, pediatria, gerontologia, clínica geral, anestesiologia e medicina comunitária.

A prevalência de abordagens tradicionais, muitas vezes focadas no tratamento farmacológico, é notável. Isso levanta a questão de como garantir uma abordagem holística, centrada no paciente, que abranja não apenas o alívio da dor, mas também o bem-estar emocional e a melhoria da qualidade de vida em situações críticas.

Conforme Carvalho e Parsons (2012) em resposta a essa crescente demanda pelo bem-estar animal, os cuidados paliativos proporcionam conforto, dignidade e qualidade de vida aos pacientes com doenças crônico-degenerativas. Através de métodos humanizados, busca-se aliviar a dor, controlar sintomas, e oferecer suporte emocional, reconhecendo a singularidade de cada animal e de cada tipo de sofrimento. Essa prática desafia a noção de que não há mais recursos para ajudar o paciente, proporcionando opções que transcendem a consideração da eutanásia.

Nesse contexto, os cuidados paliativos emergem como uma área em ascensão, especialmente devido ao papel cada vez mais valorizado dos animais de estimação como membros da família. Reconhecer a necessidade de cuidados holísticos e compassivos para animais enfermos e idosos é crucial, visando não apenas a cura, mas também a qualidade de vida em seus estágios finais (ANCLIVEPA-SP, 2023).

O objetivo é identificar as principais estratégias e visões sobre os cuidados paliativos veterinários, oferecendo apoio emocional tanto para o animal quanto para seus tutores, abordando as emoções dessa fase sensível, focando no controle da dor e qualidade de vida dos pets que são hoje, considerados como parte integrante da família. 

A presente revisão de literatura aborda estudos já publicados sobre cuidados paliativos em pequenos animais, buscando compreender os principais desafios e perspectivas para a prática. Foram utilizadas fontes confiáveis, como artigos científicos, livros e dados acadêmicos de bases como PubVet, Scielo e Google Scholar, a fim de contribuir para um panorama abrangente sobre o tema na prática em clínicas veterinárias.

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Definição e contexto histórico

Para Garcia et al. (2022) a etimologia do termo paliativo se baseia na língua latina, na palavra “pallium”, que tem o significado de cobertura ou resguardo. Na antiguidade, o pallium era um manto protetor utilizado por viajantes para se abrigarem das condições climáticas adversas durante suas jornadas. Nesse sentido, os cuidados paliativos humanos têm como objetivo resguardar as pessoas com doenças graves e seus cuidadores dos sintomas angustiantes dessas enfermidades. 

Segundo um modelo estabelecido pela (OMS) em 1990 e revisado em 2022, tais cuidados, têm como objetivo aprimorar a qualidade de vida de pacientes e de seus tutores diante de uma doença grave. Essa abordagem engloba cuidados preventivos e paliativos, como controle da dor, suporte psicossocial e espiritual, e aceitação da morte como um processo natural, sem pressa ou adiamento. Essa forma de tratamento é oferecida desde o início da doença, em conjunto com outras terapias ao longo do percurso (Alves et al., 2019).

Segundo Hendrix (2022) os cuidados paliativos têm como objetivo  principal o controle da dor e a melhoria de vida dos animais que sofrem de doenças graves, crônicas ou terminais, incluindo outras condições relacionadas. Profissionais treinados oferecem suporte emocional e comunicação sensível sobre doenças graves, colaborando com equipes multidisciplinares para o bem-estar dos animais e seus tutores. 

2.2 Aplicações dos cuidados paliativos

Os cuidados paliativos envolvem uma estratégia terapêutica que não exclui os recursos destinados a modificar a evolução da doença, podendo ser utilizados de forma conjunta e complementar, sem ser o principal foco do cuidado (Andrade; Carvalho, 2023). Esta abordagem não se limita ao estágio final, quando a capacidade funcional do paciente está gravemente comprometida. Pelo contrário, é importante considerá-la desde as fases iniciais do diagnóstico de doenças potencialmente fatais (Garcia; Gouveia; Beck, 2023).

Nesse sentido, todos os pacientes com doenças crônicas são elegíveis para uma abordagem paliativa. No entanto, a decisão sobre quando essa abordagem deve-se tornar necessária ainda é uma incerteza entre os veterinários tutores, especialmente na medicina veterinária. Isso acaba resultando, frequentemente, em uma assistência tardia aos pacientes, limitada aos cuidados no final da vida (Andrade; Carvalho, 2023).

No que diz respeito à aplicação de métodos paliativos em medicina veterinária, é necessário considerar informações adicionais sobre o animal e seu tutor. Além disso, o tutor também tem necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais relacionadas à enfermidade do animal. A equipe veterinária deve colaborar com o tutor, fornecendo um plano de cuidados dinâmicos, incluindo um plano de emergência para sinais de piora do animal, além disso, é importante orientar o tutor sobre como lidar com o processo do luto e os cuidados necessários após o falecimento (Shearer, 2011; Shanan et al., 2016; Yaxley; Pierce, 2016)

É essencial que o profissional e o tutor estejam cientes da evolução esperada do quadro do paciente, especialmente em doenças crônicas ameaçadoras à vida, como o câncer, insuficiência crônica e doenças neurodegenerativas e assim traçar um caminho que possam amenizar os impactos para o tutor e para o paciente. (Andrade; Carvalho, 2023).

Os tratamentos devem ser determinados com base na evolução da doença e estado do paciente, conforme definido pela OMS (2002), considerando suas necessidades específicas e as da família, para garantir uma assistência completa. A decisão deve ser baseada na evolução da enfermidade, nas considerações apresentadas e nos aspectos éticos e científicos, bem como nas preferências dos tutores, os quais devem ser devidamente informados de maneira honesta em todos os momentos (Andrade; Carvalho, 2023).

2.3 Escala de qualidade de vida para assistência em fim de vida 5H2M

A médica veterinária Alice E. Villalobos criou a escala de bem-estar animal para auxiliar tanto os proprietários quanto os veterinários na tomada de decisões bioéticas relativas à vida e à morte. Conhecida como “5H2M”, essa ferramenta avalia a condição de saúde do paciente utilizando os seguintes critérios: fome, hidratação, dor,  higiene, mobilidade e felicidade e  se o paciente tem mais dias bons que ruins. A pontuação varia de zero a 10, sendo o valor ideal 10 (Villalobos, 2011). 

A escala de qualidade de vida para animais foi desenvolvida para ajudar veterinários e responsáveis a cuidar melhor dos animais em cuidados paliativos. Ela avalia o bem-estar dos animais e orienta decisões sobre eutanásia, considerando aspectos físicos e mentais como dor, ansiedade e estresse. Baseada nas cinco liberdades do bem-estar animal, a escala garante que os animais estejam livres de fome, sede, desconforto, dor, doença, medo e estresse, além de permitir que expressem comportamentos naturais. Para ser elegível aos cuidados paliativos, o animal deve atingir uma pontuação mínima na escala (Villalobos, 2011).

Quadro 1: Escala da qualidade de vida 

Fonte: (VillaLobos, 2011 apud Magalhães; Ângelo, 2021)

Quando se trata do critério “mais dias bons do que maus”, a separação frequente do animal da família pode indicar uma possível deterioração na qualidade de vida. Os dias considerados ruins incluem momentos em que o animal demonstra sintomas como náusea, vômito, apatia, convulsões e falta de coordenação, ou quando a doença se agrava, em situações como a caquexia em neoplasias, fraqueza causada por anemia profunda, ou desconforto devido à progressiva compressão ou obstrução tumoral. Esses sinais sugerem que a relação entre o humano e o animal pode estar se tornando inviável, caso o tutor decida não realizar a eutanásia, é responsabilidade do médico veterinário respeitar essa escolha (Villalobos, 2011).

2.4 Apoios em cuidados paliativos para animais

Intervenções terapêuticas são implementadas visando garantir o bem-estar do paciente, um dos pilares dos cuidados paliativos. Dessa forma, estratégias são adotadas para aliviar a dor e tratar outros sintomas, como náuseas e vômitos, mantendo a higiene do paciente e atendendo às suas necessidades. É relevante destacar que tais ações são essenciais nos cuidados paliativos, embora não englobam sua totalidade (Martins; Yazbek; Flôr, 2012).

2.5 Terapias Farmacológicas

De acordo com a análise da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), a sensação de dor é caracterizada como “uma vivência sensorial e emocional desagradável, associada ou similar àquela provocada por uma lesão tecidual real ou potencial”. Essa vivência pode ser categorizada de acordo com sua fonte, possibilitando um tratamento terapêutico apropriado (Desantana, 2020).

Para um controle eficaz da dor, é essencial que o profissional seja capaz de reconhecer e avaliar a intensidade da dor do paciente. Para isso, podem ser usados métodos como a monitorização de parâmetros fisiológicos do animal e que variam em resposta à dor. Mudanças na postura e comportamento do paciente também fornecem informações valiosas. Reavaliações regulares são necessárias para ajustar o tratamento conforme necessário (Martins, Yazbek; Flôr, 2012).

Atualmente, os medicamentos mais utilizados são os opioides, sendo isoladamente ou em combinação com analgésicos não-opioides, tratam dores de moderadas a intensas. Eles atuam de forma semelhante às endorfinas, substâncias naturais do corpo que aliviam a dor. Originalmente derivados da papoula, atualmente a maioria dos opioides é sintética (SILVA, 2023).

3 ABORDAGENS TERAPÊUTICAS ALTERNATIVAS

Na abordagem do alívio da dor em terapia paliativa, métodos não farmacológicos como a acupuntura e a fisioterapia são essenciais, podendo ser combinados com terapias farmacológicas para reduzir as dosagens e minimizar os efeitos adversos dos medicamentos.

O método de acupuntura a ser utilizado no animal será selecionado pelo médico veterinário acupunturista conforme a patologia a ser tratada, englobando diversas técnicas distintas (Scognamillo-Szabó; Bechara, 2010).

A acupuntura tem demonstrado eficácia no alívio da dor e redução de sinais clínicos que afetam a vida do paciente. Essa técnica terapêutica consiste na inserção de agulhas em pontos específicos, visando a indução de efeitos benéficos no organismo através do estímulo do córtex cerebral. Além do alívio da dor, a acupuntura pode regular disfunções endócrinas, promover processos regenerativos e fortalecer a imunidade, ao ser incorporada ao protocolo de cuidados paliativos, contribui significativamente para o suporte ao bem-estar do paciente (Cadima et al., 2022).

É importante ressaltar que a técnica deve ser realizada por profissionais capacitados e que, em geral, não apresenta contraindicações. No entanto, em alguns casos, como em fêmeas prenhes, é necessário ter cautela ao aplicar agulhas no abdome, pois isso pode causar relaxamento da musculatura pélvica, levando potencialmente ao aborto (Xie; Preast, 2007).

A inclusão da fisioterapia em protocolos de cuidados paliativos é crucial para manter a funcionalidade e o bem-estar dos pacientes (Sapin et al., 2020). Seu objetivo principal é promover a qualidade de vida através da eliminação da fonte de disfunção, reduzir os sinais clínicos e aliviar a dor. Além disso, a fisioterapia pode ser indicada como suporte para comorbidades existentes, contribuindo para reduzir a necessidade de medicamentos (Alves, Sturion, Córdova, 2018).

Em pacientes com doenças crônicas, a fisioterapia pode envolver o uso de métodos analgésicos e exercícios voltados para complicações osteomioarticulares, visando o aumento da tônus muscular e a melhora da circulação sanguínea. Para dores relacionadas à síndrome miofascial, em pacientes idosos ou com alterações posturais, são necessárias técnicas específicas para o diagnóstico e tratamento, destacando a importância das abordagens integrativas. Além disso, são empregadas metodologias para melhorar a função pulmonar e prevenir úlceras de pressão (Oliveira, Bombarda; Moriguchi, 2019).

Existem várias técnicas que podem ser empregadas no tratamento dos pacientes, de acordo com as necessidades e particularidades de cada um, alguns exemplos são a hidroterapia, que proporciona alívio da dor, edema e recuperação tecidual. A laserterapia, por sua vez, utiliza radiação eletromagnética para tratar feridas, dores e distúrbios osteomusculares. Outra técnica é a magnetoterapia, que utiliza campos magnéticos terapêuticos para tratar tecidos sensíveis à intervenção. Esses métodos, juntamente com outros recursos, compõem o arsenal terapêutico da fisioterapia veterinária, permitindo abordagens holísticas e eficazes para o bem-estar dos animais. De acordo com Page (2001) o objetivo dessas terapias de suporte é proporcionar a melhoria da qualidade de vida possível aos pacientes e oferecer tranquilidade  aos tutores.

4 IMPACTOS DA PRÁTICA DA EUTANÁSIA NA ÁREA VETERINÁRIA

De acordo com a etimologia, o sufixo “násia” deriva do termo grego “thanatos”, que significa morte. Dessa forma, os prefixos associados determinam o tipo de morte. A eutanásia, originalmente descrita como a interrupção da vida de um indivíduo, passou por uma evolução conceitual que a define como a prática de aliviar ou prevenir o sofrimento por meio de uma morte sem dor. É vista como um gesto de compaixão para com aqueles que enfrentam grande sofrimento, especialmente em fases terminais de doenças incuráveis. Essa definição destaca o aspecto ético e humanitário da eutanásia como uma alternativa para garantir um fim digno e sem dor àqueles que lidam com uma situação de sofrimento insuportável e irreversível (Ferreira et al., 2012; Felix et al., 2013)

Os cuidados paliativos têm um papel fundamental na promoção do bem-estar, garantindo uma qualidade de vida digna aos animais de estimação diagnosticados com condições terminais ou crônicas (August et al., 2017). Nesse contexto, a eutanásia também é vista como uma medida que visa promover o bem- estar animal (CFMV, 2012). O propósito dessa estratégia é eliminar o sofrimento do animal de maneira permanente. Embora seja uma opção eticamente aceitável na Medicina Veterinária, especialmente em casos de cuidados paliativos, é importante ressaltar que não deve ser a primeira linha de tratamento para a dor. 

O médico veterinário tem a obrigação de orientar os tutores sobre as opções de cuidados paliativos disponíveis para o caso, antes de considerar a eutanásia, quando a eutanásia é recomendada, o médico veterinário tem a responsabilidade de informar claramente ao proprietário ou responsável pelo animal sobre o procedimento, além de permitir que os tutores acompanhem se desejarem (Shanan et al., 2013).

5 O LUTO

De acordo com Franco (2008), o processo de luto é comum e esperado diante da perda de um vínculo afetivo. No âmbito dos cuidados paliativos, lidar com o luto é uma situação frequente, o que requer que a equipe interdisciplinar esteja capacitada para fornecer apoio, já que o suporte à família é um dos pilares fundamentais desses cuidados.

O processo de luto se inicia com a perda de um ente querido, seja humano ou animal, e a intensidade da dor estão diretamente ligados ao amor vivido e à sua interrupção pela morte. Esse processo é uma jornada de transformação, sendo que durante a enfermidade que ameaça a vida, muitas vezes se antecipa a experiência do luto ao imaginar como será a vida sem a presença física do amado (Arantes, 2016).

Na medicina veterinária, o luto antecipado é frequente quando um animal é diagnosticado com uma doença terminal devido à idade avançada ou a uma doença grave, ou quando o tutor é informado sobre a possibilidade da eutanásia como forma de aliviar o sofrimento do animal. Este tipo de luto antecipado é uma preparação para uma realidade iminente (Frank, 2017). É fundamental compreender e aceitar o diagnóstico da doença ou a morte como parte natural da vida.

Franco (2008) diz que esse processo pode ser dividido em três fases distintas: a fase de crise, que se inicia antes mesmo do diagnóstico, onde a família percebe os sinais clínicos como indicativos de risco; a fase crônica, onde a dificuldade em levar uma vida normal diante das mudanças trazidas pela doença resulta em crises agudas e períodos de aceitação; e a fase final, que é a inevitabilidade da morte, na qual é evidente a dificuldade em lidar com a iminente separação da família e seus animais de estimação.

Na prática veterinária, a inevitabilidade da finitude da vida dos pacientes exige que os profissionais estejam emocionalmente preparados para apoiar e orientar os tutores em decisões difíceis (Hewson, 2014). A relação próxima com a equipe veterinária pode tornar a perda do paciente e o luto compartilháveis, destacando a importância de oferecer conforto, compaixão e empatia nesses momentos difíceis. Nos cuidados paliativos, essa abordagem promove aprendizado e bem-estar em toda a equipe (Holman, Levy, Kennedy, 2018).

Para Vieira (2019) é crucial reconhecer e validar os sentimentos dos tutores que perderam seus animais de estimação, considerando que os animais são cada vez mais vistos como membros da família. Isso exige que se forneça o suporte emocional necessário para amenizar o luto e suas dores, não só aos tutores, mas também aos outros animais de estimação da família.

É fundamental reconhecer e validar os sentimentos e a dor dos tutores que perderam seus animais de companhia, equiparando-os à perda de um ente querido, uma vez que os animais estão cada vez mais integrados às famílias. Oferecer apoio emocional adequado é essencial para mitigar o sofrimento e confortar aqueles que enfrentam o luto. Além disso, é importante considerar que outros animais de estimação da família também podem experimentar tristeza, angústia e até mesmo depressão após a perda (Vieira, 2019).

O vínculo entre os animais e as clínicas de cuidados paliativos é forte, já que muitos pacientes são atendidos por anos pela mesma equipe, recebendo carinho e dedicação para proporcionar qualidade de vida e conforto. Isso frequentemente leva a um apego emocional tanto por parte do animal quanto do tutor, tornando crucial compartilhar sentimentos e buscar apoio profissional para aliviar a dor (Frank, 2017). 

Lesnau e Santos (2013) salientam que quando um médico veterinário precisa realizar a eutanásia, pode enfrentar bloqueios emocionais que afetam seu estado psicológico, muitas vezes recorrendo à negação para lidar com a angústia da perda de um paciente. A exaustão emocional pode surgir devido à carga psicológica elevada no trabalho, especialmente em decorrência da rotina de lidar com o luto. Os diversos fatores relacionados à exaustão emocional, psicológica e ao sentimento de ineficácia no trabalho, resultantes do convívio frequente com a morte, podem levar à síndrome de burnout, causada pela fadiga por compaixão. 

A fadiga por compaixão surge da incapacidade de resolver o sofrimento de indivíduos em situação de dor, semelhante ao burnout, pois ambos envolvem a frustração de não alcançar o resultado desejado. O fato de a eutanásia causar sofrimento aos tutores também pode aumentar o sentimento de incapacidade do veterinário em resolver essas dores, agravando sua angústia (Hewson, 2014).

Por fim, Franco (2008) enfatiza que a equipe envolvida no caso desempenha um papel crucial no processo, especialmente no contexto do luto antecipado. O conhecimento sobre os sinais clínicos e o curso da doença, juntamente com uma comunicação eficaz entre os membros da equipe, são fatores que facilitam esse processo. Ao abordar abertamente a perspectiva da morte, a ansiedade pode ser minimizada na medida do possível. Isso destaca a importância do estudo do luto na formação em cuidados paliativos.

6  DISCUSSÕES

A evolução da relação entre humanos e seus animais de estimação reflete uma transformação na forma como esses seres são vistos, passando de meros companheiros a membros da família. Isso trouxe consigo uma crescente demanda por cuidados veterinários mais completos, abrangendo não apenas a saúde física, mas também o bem-estar emocional, especialmente em fases críticas da vida, como aponta Shanan et al. (2014). 

De acordo com a Resolução CFM nº 1.973/2011, os cuidados paliativos integram várias áreas da medicina, incluindo geriatria, oncologia e clínica geral, entre outras. Entretanto, o foco tradicional em tratamentos farmacológicos, levantado por Carvalho e Parsons (2012), destaca a necessidade de uma abordagem mais holística e centrada no paciente, abrangendo não apenas a dor física, mas também o bem-estar emocional dos animais e de seus tutores. Essa abordagem, segundo os autores, promove conforto e dignidade aos animais com doenças crônicas ou terminais, transcendendo a noção de que a eutanásia seja a única opção em casos terminais.

A implementação dos cuidados paliativos na medicina veterinária ganha destaque à medida que os animais de estimação são cada vez mais reconhecidos como membros da família. A importância de oferecer uma assistência que não só foque na cura, mas também na qualidade de vida durante os estágios finais de doenças crônicas, é crucial, conforme mencionado pela ANCLIVEPA-SP (2023). Tais cuidados envolvem o alívio da dor, o controle de sintomas e o suporte emocional, promovendo uma abordagem humanizada e individualizada.

A escala de qualidade de vida “5H2M”, desenvolvida por Villalobos (2011), serve como uma ferramenta importante para avaliar o bem-estar dos animais em cuidados paliativos, orientando tanto os profissionais quanto os tutores na tomada de decisões bioéticas sobre a vida e a morte. Essa abordagem oferece uma visão mais clara sobre a condição do animal, auxiliando na decisão sobre a continuidade ou interrupção dos tratamentos, com base em critérios como dor, fome e felicidade.

Além disso, as terapias farmacológicas continuam sendo essenciais no controle da dor, com o uso de opioides e outros analgésicos para tratar dores intensas, conforme mencionado por Desantana (2020). No entanto, abordagens não farmacológicas, como acupuntura e fisioterapia, também desempenham um papel crucial no alívio da dor e na melhoria da qualidade de vida. Essas práticas, integradas aos cuidados paliativos, reforçam a importância de um tratamento completo, focado não apenas no físico, mas também no bem-estar emocional.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa evidenciou que estes cuidados favorecem o alívio da dor, do sofrimento, ajudam no controle dos sintomas e melhoram a qualidade de vida dos pacientes, não apenas na cura, mas no bem-estar integral do animal. 

Conclui-se que, com a evolução da relação entre os humanos e os seus animais de estimação há a importância de cuidados paliativos mais amplos e holísticos, onde os cuidados paliativos desempenham um papel essencial. À medida que os animais são cada vez mais reconhecidos como membros da família, cresce a necessidade de garantir o bem-estar emocional e a dignidade dos seus animais durante as fases finais de suas vidas. 

A implementação de métodos humanizados, integrando abordagens farmacológicas e não farmacológicas, como acupuntura e fisioterapia, proporciona conforto e qualidade de vida aos animais com doenças crônicas e terminais, transcendendo a visão limitada de que a eutanásia seja a única solução em casos críticos. Assim, a prática de cuidados paliativos veterinários se destaca como uma área em expansão, proporcionando suporte tanto para os animais quanto para os seus tutores, refletindo o compromisso com uma assistência compassiva e centrada no bem-estar de seus animais.

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