REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202510312221
Roselainy Fernanda Veiga1
Marcos Vieira de Sousa2
RESUMO
Introdução: Pacientes neurocríticos, como aqueles com acidente vascular cerebral (AVC) grave, traumatismo cranioencefálico (TCE) e hemorragias intracranianas, frequentemente apresentam prognóstico incerto e complexidade clínica, exigindo abordagem multidisciplinar. A integração precoce dos cuidados paliativos tem se mostrado essencial para alinhar condutas terapêuticas aos valores do paciente e reduzir o sofrimento. Objetivo: Descrever as interfaces da integração dos cuidados paliativos no manejo do paciente neurocrítico agudo internado em unidade de terapia intensiva (UTI), com base em evidências científicas atuais. Método: Revisão narrativa da literatura realizada nas bases PubMed, SciELO e LILACS, incluindo artigos publicados entre 2015 e 2025 em português e inglês. Foram incluídos estudos que abordaram a aplicação dos cuidados paliativos em pacientes neurocríticos internados em UTI, totalizando 13 artigos após triagem e exclusão de duplicatas. Resultados: Os estudos foram agrupados em quatro eixos principais: aspectos emocionais e psicossociais, desigualdades de acesso ao cuidado, tomada de decisão e prognóstico, e integração dos cuidados paliativos na UTI. Observou-se que a comunicação efetiva, o suporte espiritual e o uso de ferramentas como diretivas antecipadas e triagens sistematizadas favorecem decisões compartilhadas e cuidado centrado no paciente. No entanto, há escassez de estudos brasileiros e ausência de protocolos padronizados. Conclusão: A integração precoce dos cuidados neuropaliativos na UTI contribui para melhorar a qualidade do cuidado, reduzir o sofrimento e fortalecer a comunicação entre equipe, paciente e família. É necessária a ampliação de pesquisas nacionais e políticas institucionais que promovam equidade e formação multiprofissional voltada a um cuidado ético e humanizado.
Palavras-chave: Cuidados paliativos; Neurointensivismo; Unidade de terapia intensiva; Paciente neurocrítico; Prognóstico.
ABSTRACT
Introduction: Neurocritical patients, such as those with severe stroke, traumatic brain injury, and intracranial hemorrhage, often present uncertain prognosis and clinical complexity, requiring a multidisciplinary approach. The early integration of palliative care has proven essential to align therapeutic decisions with patient values and to reduce suffering. Aim: To describe the interfaces of integrating palliative care in the management of acutely neurocritical patients admitted to intensive care units (ICUs), based on current scientific evidence. Method: Narrative literature review conducted in the PubMed, SciELO, and LILACS databases, including articles published between 2015 and 2025 in Portuguese and English. Studies addressing the application of palliative care in neurocritical patients admitted to ICUs were included, resulting in 13 articles after screening and duplicate removal. Results: The studies were grouped into four main themes: emotional and psychosocial aspects, inequalities in access to care, decision-making and prognosis, and palliative care integration in the ICU. Findings showed that effective communication, spiritual support, and tools such as advance directives and screening instruments facilitate shared decision-making and patient-centered care. However, there is a lack of Brazilian studies and standardized protocols. Conclusion: Early integration of neuro-palliative care in the ICU improves quality of care, reduces suffering, and strengthens communication between the team, patients, and families. Further national research and institutional policies are needed to promote equity, multidisciplinary training, and ethical, humanized care.
Keywords: Palliative care; Neurointensive care; Intensive care unit; Neurocritical patient; Prognosis.
INTRODUÇÃO
Os grupos de pacientes mais comuns em situações neurocríticas agudas na Unidade de Terapia Intensiva, incluem aqueles com acidente vascular cerebral (AVC) grave, traumatismo cranioencefálico (TCE), hemorragias intracranianas ou estado comatoso pós-parada cardiorrespiratória, entre outros. Devido a gravidade de suas condições, esses pacientes requerem monitoramento contínuo, assim como uma abordagem multidisciplinar e personalizada para otimizar os cuidados, pois muitas dessas condições são incuráveis e implicam em maior dependência. Além disso, esses pacientes frequentemente apresentam prognóstico incerto e complexo.
Segundo Simonetto et al. (2024) pacientes de UTI que sobrevivem a doenças neurológicas agudas permanecem gravemente doentes, em ventilação mecânica e outras terapias intensivas, muitas vezes, com uma alta carga de sintomas e risco significativo de morte.
O prognóstico dos resultados tem sido um dos principais focos do campo até o momento, levando a múltiplas diretrizes prognósticas para vários estados de doença. Após parada cardíaca, o distúrbio da consciência geralmente resulta de disfunção bi-hemisférica devido à anóxia; as alterações na consciência após o TCE podem resultar de lesões heterogêneas e multifocais, tornando o prognóstico agudo mais desafiador. O AVC isquêmico segue um padrão mais previsível, com o inchaço tipicamente atingindo o máximo em torno de 3 – 5 dias. Em contraste, o edema resultante da hemorragia intraparenquimatosa pode ocorrer em diferentes estágios, e às vezes pode ser inesperadamente prolongado, tornando a predição sobre recuperação da consciência menos precisa. Finalmente, a hemorragia subaracnoide pode ser dinâmica, com diferentes insultos ocorrendo nas primeiras horas (hidrocefalia e aumento da pressão intracraniana), dias (vasoespasmo cerebral) e semanas (convulsões), tornando o prognóstico particularmente desafiador (SIMONETTO et al., 2024, p. 335).
Os cuidados neurointensivos tiveram início nos países desenvolvidos na década de 1970, mas foram reconhecidos pelo Conselho Americano de Psiquiatria e Neurologia apenas em 2005 e pelo Conselho Americano de Especialidades Médicas em 2018. Desde então, o campo de cuidados neurointensivos tornou-se uma subespecialidade organizada. No âmbito do neurontensivismo, o desenvolvimento dos cuidados neuropalitivos como uma especialização reconhecida tem fomentado a pesquisa multidisciplinar, neuromonitoramento e tecnologia de cuidados neurointensivos, com avanços e inovações significativas na prática clínica (SIMONETTO et al., 2025, p. 330)
A integração de cuidados paliativos é uma consideração importante, especialmente porque pesquisas demonstram que esses cuidados são utilizados com menos frequência em pacientes de neurologia e neurocirurgia na UTI. Embora o objetivo dos cuidados intensivos seja a recuperação da função orgânica em indivíduos em risco de morte iminente, é estimado que 14% a 20% dos pacientes críticos já possuem indicação para cuidados paliativos (Angus et al., 2004). A dificuldade em prever desfechos neurológicos torna o processo da tomada de decisão ainda mais delicado. Nestes contextos, os cuidados paliativos têm papel fundamental ao ficarem no alívio do sofrimento, na comunicação centrada no paciente e no suporte às famílias (FRONTERA et al., 2015, p. 165).
A integração precoce da abordagem paliativa na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é recomendada mesmo em paralelo aos tratamentos curativos. O objetivo é melhorar a qualidade do cuidado, reduzir o sofrimento e promover decisões que estejam alinhadas aos valores do paciente. Apesar de existirem recomendações internacionais para essa prática, sua incorporação na rotina de muitos serviços no Brasil ainda é limitada. Este trabalho justifica-se pela necessidade de ampliar o conhecimento sobre o papel dos cuidados paliativos no contexto neurocrítico, promovendo um cuidado centrado no paciente, baseado em evidências, que respeite a dignidade humana e favoreça uma comunicação transparente com a família.
OBJETIVOS
Objetivo Geral
Descrever as interfaces da integração dos cuidados paliativos no manejo do paciente neurocrítico agudo internado em unidade de terapia intensiva, com base em evidências científicas atuais.
Objetivos Específicos
Expor os principais desafios na tomada de decisão e comunicação com familiares de pacientes neurocríticos;
Listar os benefícios clínicos e humanos da abordagem paliativa precoce na neuro-UTI;
Elencar ferramentas de triagem e tecnologias no auxílio ao prognóstico e à conduta clínica;
Refletir sobre os aspectos éticos e legais envolvidos nos cuidados de fim de vida em pacientes neurocríticos.
MÉTODO
Tipo de Estudo
O presente estudo consiste em uma Revisão Narrativa da Literatura sobre os cuidados neuropaliativos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Essa metodologia foi escolhida por permitir uma abordagem mais ampla, ideal para a fundamentação teórica necessária à pesquisa. Diferente de outros tipos de revisão, a revisão narrativa não exige critérios rigorosos de seleção, o que possibilita a síntese do conhecimento de diversos estudos sobre o tema, incluindo artigos, teses e documentos de consenso, fornecendo ferramentas e subsídios para a tomada de decisão clínica.
Estratégia de Busca e Coleta de Dados
A pesquisa para este estudo foi realizada em bases de dados eletrônicas de relevância na área da saúde: PubMed, SciELO e LILACS. A busca incluiu artigos científicos publicados no período de 2015 a 2025.
Os descritores controlados utilizados foram: “cuidados paliativos”, “neurointensivismo” e “unidade de terapia intensiva”. Para ampliar o alcance, foram também usados os descritores não controlados (palavras-chave) “cuidados neuropaliativos” e “UTI”. As combinações dos termos foram realizadas com os operadores booleanos AND (para cruzar os temas) e OR (para incluir sinônimos).
Para a seleção dos estudos, foram definidos critérios de inclusão e exclusão, garantindo a relevância e a qualidade da literatura analisada. Os estudos incluídos foram os artigos em inglês e português, publicados no período de 2015 a 2025, disponíveis nas bases de dados selecionados (PubMed, SciELO e LILACS), que abordam a temática de cuidados paliativos em pacientes neurocrítcos agudos em unidade de terapia intensiva, disponíveis para leitura na íntegra. Foram excluídos artigos duplicados ou que se tratam de resumos de eventos científicos, assim como artigos que não se enquadram na temática após leitura na íntegra.
Análise e Síntese dos Dados
A análise dos artigos selecionados será realizada em três etapas:
1. Triagem e Seleção: Inicialmente, será realizada a leitura dos títulos e resumos. Os estudos que preencherem todos os critérios de inclusão serão lidos na íntegra.
2. Extração de Dados: Para organizar o material, será utilizado um instrumento de coleta de dados (como um formulário ou planilha) para extrair as informações essenciais de cada artigo. As variáveis de interesse para a análise incluem:
a. Identificação do Estudo: Autores, ano de publicação e país.
b. Objetivo Principal: A questão central abordada pelo estudo.
c. Desenho Metodológico: Tipo de estudo (revisão, ensaio clínico, etc.).
d. Resultados e Conclusões: Foco nos achados relacionados à eficácia dos cuidados paliativos.
e. Principal Ferramenta/Estratégia: Identificação e descrição da principal ferramenta, protocolo ou modelo de intervenção adotado ou proposto no manejo dos pacientes neurocríticos agudos.
3. Síntese e Apresentação: Por fim, os dados extraídos serão sintetizados de forma descritiva e temática, agrupando as informações por similaridade de conteúdo (por exemplo, “Ferramentas de Prognóstico”, “Modelos de Comunicação” e “Manejo de Sintomas”). Essa síntese fornecerá a fundamentação teórica para a discussão e as conclusões deste trabalho, direcionando as melhores práticas e a tomada de decisão no contexto da UTI.
Fluxograma I: seleção dos artigos para a revisão


RESULTADOS
Na busca realizada em todas as bases de dados referidas, foram encontrados 62 artigos, dos quais 46 foram excluídos durante a triagem inicial. Após a eliminação de duplicatas, foram selecionados e analisados 13 artigos publicados entre 2015 e 2025, que atenderam aos critérios de inclusão desta revisão narrativa, formando uma coleção focada na interseção entre cuidados paliativos em medicina intensiva e neurologia, cobrindo tópicos como a integração da abordagem paliativa, as necessidades específicas de pacientes neurológicos, aspectos psicossociais e espirituais, além de questões práticas como diretivas antecipadas e tomada de decisão.
A seleção contém artigos recentes e a pesquisa revelou que a maior parte dos trabalhos são de países desenvolvidos, especialmente Estados Unidos e alguns países da Europa, refletindo sobre um campo de pesquisa já consolidado nesses contextos.
Houve predominância de estudos observacionais e qualitativos, além de revisões de literatura, destacando a escassez de ensaios clínicos robustos voltados à integração dos cuidados paliativos na neuro-UTI.
Em relação às temáticas centrais, os resultados encontrados podem ser sintetizados em quatro grandes eixos:
Aspectos emocionais e psicossociais – assim como é possível discorrer através dos estudos apresentados, os cuidados paliativos são projetados para atender às necessidades únicas de cuidados no suporte de pacientes com doença neurológica grave, incluindo aqueles que recebem cuidados neurocríticos em unidade de terapia intensiva. Kestenbaum (2025), analisou em seu estudo sobre a espiritualidade envolvida nos cuidados paliativos que a avaliação espiritual e a assistência com conversas de objetivos do cuidado são os principais pilares no tratamento do doente, pois compreender como o paciente enxerga a si e sua doença e como a família entende o quadro é fundamental para adesão deles ao plano terapêutico.
Shaffer (2016) aplicando a escala hospitalar de depressão e ansiedade ( Hospital Anxiety and Depression Scale – HADS ) comparou pacientes que receberam diagnóstico de câncer incurável com pacientes apresentando lesão neurológica aguda e seus familiares e concluiu que a sintomatologia apresentada aponta para sofrimento psíquico importante, sendo maior no segundo grupo. Pacientes com lesão neurológica aguda apresentaram níveis elevados de ansiedade, enquanto seus cuidadores foram mais vulneráveis a sintomas depressivos. Esse achado reforça a necessidade de intervenções psicossociais dirigidas tanto a pacientes quanto a familiares. Os resultados apoiam a prioridade de abordar o sofrimento psiquiátrico em pacientes com lesão neurológica aguda e seus cuidadores (SHAFFER, 2016, p.186).
Desigualdades de acesso ao cuidado – os artigos abordam sobre as disparidades raciais e socioeconômicas encontradas em diferentes contextos. Não existem dados que representam o cenário brasileiro nos estudos apresentados, mas Magee e Outubro (2024) trouxeram à tona a realidade dos Estados Unidos, onde pacientes étnicos ainda sofrem disparidades na distribuição do cuidado, incluindo pacientes com lesão neurológica e no final da vida. Os dados do estudo trazem que pacientes negros têm taxas de mortalidade desproporcionalmente mais altas por distúrbios neurológicos e menor acesso aos cuidados neurológicos, no geral. Outrossim, esse grupo de pacientes e familiares apresentam pior comunicação com seus médicos. Paralelamente a esses dados, para pacientes com lesão cerebral aguda grave, familiares de pacientes racial e etnicamente minorizados têm maior probabilidade de discordância prognóstica com seu médico (MAGEE; OUTUBRO, 2024, p. 765).
Tomada de decisão e prognóstico –analisaram reuniões clínicas – familiares em cerca de 7 hospitais nos Estados Unidos e usando um instrumento de tomada de decisão compartilhada contendo 10 elementos, mediram suas características e as estimativas prognósticas para a sobrevida hospitalar do paciente e função independente de 6 meses. Entre os elementos mais comuns da tomada de decisão compartilhada estavam: discutir a incerteza (89%); avaliar a compreensão familiar (86%); avaliar a necessidade da contribuição de outros (36%) e elicitar o contexto da decisão (33%). A discordância prognóstica clínico-família esteve presente em 60% para a sobrevida hospitalar e 45% função independente de 6 meses (FLEMING et al., 2023).
A tomada de decisão talvez seja um dos principais eixos dos cuidados neuropaliativos. Pacientes com lesão cerebral aguda grave são muitas vezes incapazes de participar de decisões e, portanto, membros da família tomam decisões em seu nome. Assim como Fleming et al. (2023), Whitney et al. (2022) exploraram a concordância entre as previsões prognósticas por famílias, médicos, e enfermeiros de pacientes com lesão neurológica aguda grave sobre sua probabilidade de recuperar a independência e concluíram que a concordância nas previsões entre médicos e enfermeiros é maior em comparação com as famílias.
Com relação à tomada de decisão médica, foi visto que há uma grande variabilidade entre os intensivistas nas decisões de renunciar ao tratamento sustentável da vida. As diretrizes antecipadas (DAs) permitem que os pacientes comuniquem seus desejos de fim de vida aos médicos (SMIRDEC et al., 2020, p. 24).
Um estudo multicêntrico prospectivo foi realizado na França, e 19.680 decisões tomadas por 123 intensivistas foram analisadas em 27 UTIs para avaliar qual o impacto das diretrizes antecipadas (DAs) sobre a variabilidade entre os intensivistas nas decisões de renunciar ao tratamento sustentável de vida. As diretrizes aumentaram as taxas de renúncia ao suporte de vida, mas pesquisas ainda são necessárias para melhorar a correspondência da decisão dos médicos com os desejos dos pacientes (Smirdec et al., 2020).
Como visto, a maioria dos estudos elencados nesta pesquisa, analisam aspectos subjetivos dos cuidados, mas Simonetto et al. (2024) abordam sobre neuroprognóstico e os aspectos éticos e legais dos cuidados neuropaliativos. Talvez um dos maiores desafios seja encontrar ferramentas objetivas para prognosticar um paciente neurocrítico agudo na UTI.
A adição mais recente à classificação de distúrbios da consciência é o conceito de dissociação motora cognitiva, caracterizada pela atividade cerebral volitiva detectada por ressonância magnética funcional baseada em tarefas ou eletroencefalografia (EEG) em pacientes cuja avaliação à beira leito sugere coma ou síndrome de vigília não responsiva. Os distúrbios agudos de consciência têm várias etiologias, incluindo insultos tóxico-metabólicos e lesões estruturais, que podem resultar de TCE, lesão cerebral anóxica global por parada cardíaca, acidente vascular cerebral isquêmico, hemorragias cerebrais (SMONETTO et al., 2024, p. 336).
Garg et al. (2021) trazem ainda uma análise sobre os preditores da tomada de decisão, com um estudo realizado nos Estados Unidos comparando um cenário hipotético de um paciente com lesões neurológicas cursando com incapacidade grave versus um paciente em estado vegetativo. Dados do estudo mostram que cuidadores estão mais propensos a investir em cuidados paliativos, mas ainda com incerteza, nos casos em que o paciente se encontra em estado vegetativo (15% sobrepondo 11,4% no estado incapacitante grave), tendo em vista que preocupações com custo do cuidado e inclinação religiosa, assim como nível de escolaridade são marcadores demográficos na tomada de decisão.
Integração dos cuidados paliativos na UTI – a integração dos cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva neurológica é cada vez mais recomendada, mas faltam evidências sobre as melhores práticas (TRAN; BACK; CREUTZFELDT, 2016, p. 266).
[…] a maioria dos pacientes neurocriticamente doentes e suas famílias enfrentam o início súbito de mudanças cognitivas e funcionais devastadoras que desafiam os médicos a fornecer cuidados paliativos centrados no paciente dentro de um ambiente prognóstico complexo e muitas vezes incerto […] (FRONTERA et al., 2015, p. 1964).
Embora se suponha que as necessidades de cuidados paliativos melhorem durante os cuidados de UTI, existem poucos dados empíricos sobre trajetórias de necessidade ou seu impacto nos resultados a longo prazo (COX et al., 2023, p. 13).
Segundo Frontera et al. (2015), a aplicação de princípios de cuidados paliativos relativos ao alívio dos sintomas, estabelecimento de metas e o apoio emocional familiar fornecerá aos clínicos uma estrutura para abordar a tomada de decisões em um momento de crise.
Tendo em vista que os pacientes admitidos na UTI neurológica ou neurocirúrgica provavelmente terão necessidades de cuidados paliativos, desenvolveram uma ferramenta de triagem de necessidades de cuidados paliativos composta por 4 questões: 1) o paciente apresenta sintomas físicos ou psicológicos angustiantes? 2) existem necessidades específicas de apoio para o paciente ou familiar 3) as opções de tratamento são combinadas com metas centradas no paciente? 4) há divergências entre equipes e familiares? A ferramenta de triagem foi incorporada nas rondas diárias de duas UTIs para avaliar a prevalência e a natureza das necessidades e ações de cuidados paliativos para atender a essas necessidades.
Segundo Creutzfeldt et al. (2015) foram identificadas necessidades de cuidados paliativos para 62% (80/130) de pacientes admitidos na UTI neurológica num período de 3 meses, isto é, mais da metade dos pacientes foram triados pela ferramenta como candidatos a cuidados paliativos.
Os dados apresentados encontram-se sintetizados no quadro 1.
Quadro 1 – Síntese das categorias temáticas, necessidades abordadas, ferramentas/estratégias encontradas e artigos-chave
| Categoria Temática | Necessidade Abordada | Ferramentas/Estratégia s Encontradas | Artigos Chave |
| 1. Tomada de Decisão e Comunicação | Prognóstico, Objetivos de Cuidado (GOC), Limitação de Suporte | Avaliação da concordância de prognóstico; Análise de preditores de decisão por procuração; Estratégias de tomada de decisão compartilhada; Análise do impacto de Diretivas Antecipadas. | Kiker (2022); Fleming (2023); Swinderc (2020). |
| 2. Dimensão Espiritual/Psicossocia l | Sofrimento Psicológico e Espiritual | Avaliação espiritual com colaboração de capelães; Rastreamento de sintomas de ansiedade/depressão em pacientes e familiares (HADS, etc.). | Kestenbau m (2025); Shaeffer (2017). |
| 3. Modelos de Implementação e Necessidades | Implementação de Programas, Identificação de Lacunas e Populações Específicas | Diagnóstico de necessidades (para justificar a intervenção); Frameworks para CP centrado na cultura; Recomendações-guia para integração na UTI neurológica; Avaliação longitudinal das necessidades. | Magee (2024); Frontera (2015); Creutzfeldt (2015). |
DISCUSSÃO
A necessidade de oferecer cuidados dedicados a pacientes que sofrem condições neurológicas com risco de vida, como Traumatismo Intracraniano, Acidente Vascular Cerebral, Hemorragia Subaracnoide, entre outros, torna-se cada vez mais aparente. Evidências recentes mostram que os cuidados neurointensivos estão associados ao aumento da sobrevida e a melhores resultados funcionais para pacientes que sofrem lesões cerebrais críticas (SIMONETTO et al., 2025, p. 335), contudo, por apresentarem quadros graves e frequentemente incuráveis, muitos com prognóstico incerto e complexo, exigindo uma abordagem multidisciplinar personalizada.
Segundo Simonetto et al. (2025) um dos maiores desafios do neurointensivista nos dias de hoje é cuidar de pacientes com distúrbios de consciência causados por lesões neurológicas graves, pois podem apresentar desde completa ausência de excitação e consciência (coma), até estados minimamente conscientes, por isso a previsão precisa de um resultado ruim é crucial, pois a retirada de terapias que sustentam a vida é uma das principais causas de morte para pacientes inconscientes com lesões cerebrais agudas.
A integração dos cuidados paliativos é vista como benéfica para aliviar o sofrimento, promover um cuidado holístico para o paciente e dar suporte às famílias. Embora o objetivo da UTI seja recuperação, como os dados mostram, estima-se que um percentual considerável dos pacientes críticos têm indicação de cuidados paliativos. A dificuldade em prever os desfechos neurológicos torna a tomada de decisão ainda mais delicada. Como mostrado pela pesquisa, com ferramentas de triagem e comunicação, a integração precoce dos cuidados paliativos, mesmo em paralelo aos tratamentos curativos, é recomendada para melhorar a qualidade do cuidado e alinhar as decisões aos valores do paciente. Apesar disso, pudemos perceber que ainda faltam dados sobre essa prática em territórios brasileiros, principalmente por falta de estudos realizados no país. O fato de que a maioria dos estudos apresentados terem sido realizados em países da Europa e Estados Unidos evidencia essa lacuna de dados no cenário brasileiro.
Os resultados elencados em quatro eixos mostraram a complexidade do cuidado em pacientes neurológicos graves, especialmente no contexto da terapia intensiva, em que aspectos clínicos, éticos, psicossociais e espirituais se entrelaçam. O estudo de Shaffer (2016) mostrou que pacientes neurocríticos agudos e seus familiares apresentam sofrimento psíquico significativo, com níveis elevados de ansiedade nos pacientes e mais sintomas depressivos dos cuidadores, reforçando a necessidade de intervenções psicossociais direcionadas a ambos os grupos, em vista disso, a ferramenta de triagem proposta por Fontera et al. (2015) seria capaz de detectar as necessidades desse grupo, assim como as diretivas antecipadas (DAs) expostas por Smirdec (2020). Esse recurso esteve associado ao aumento de reuniões clínicas – familiares e maiores consultas especializadas, entretanto, com limitações, uma vez que a melhora na identificação das necessidades não se traduziu automaticamente em menor sofrimento psicológico dos familiares, revelando que tais instrumentos precisam ser acompanhados de intervenções efetivas e contínuas.
No que tange a tomada de decisão, a definição da meta terapêutica baseada nos aspectos éticos e legais envolvidos nos cuidados do fim de vida ainda parecem desafiadoras mesmo na presença de diretivas antecipadas.
A discussão compartilhada é um elemento chave. Assim como expõe Smirdec (2020), a variabilidade na interpretação dos desejos dos pacientes entre os intensivistas sugere fragilidade na operacionalização desses documentos. Além disso, fatores culturais, religiosos e socioeconômicos influenciam de forma significativa as escolhas, como apresentado no estudo de Garg et al. (2021), indicando que cuidadores tendem a investir mais em cuidados paliativos quando existe maior probabilidade de um estado vegetativo, demonstrando que o processo decisório vai além do campo clínico. Dessa forma, torna-se evidente a necessidade de protocolos institucionais claros, embasados em princípios bioéticos, para orientar condutas e garantir que as decisões estejam alinhadas à dignidade e aos direitos dos pacientes. Proporcionar conforto, minimizar o sofrimento alinha a prática médica à responsabilidade médica e às evidências científicas disponíveis.
Para Simonetto et al. (2024), os esforços para a detecção de distúrbios da consciência prosseguem com o reconhecimento de que muitos pacientes com lesões cerebrais graves nunca recuperam a consciência e vivem com um distúrbio persistente.
Apesar da recomendação crescente para a integração de cuidados neuropaliativos na UTI, faltam evidências sobre as melhores práticas. A aplicação de princípios como alívio de sintomas e apoio emocional fornece uma estrutura para tomada de decisões em momentos de crise. A predominância de estudos observacionais e qualitativos, e a escassez de ensaios clínicos robustos, indicam a necessidade de pesquisas mais aprofundadas sobre a eficácia da integração de cuidados neuropaliatvos na UTI.
CONCLUSÃO
Ao percorrer os achados desta revisão, observa-se que os objetivos propostos foram contemplados, ainda que persistam desafios importantes para a consolidação dos cuidados paliativos no contexto do paciente neurocrítico agudo na UTI. Embora barreiras persistam – como ausência de protocolos padronizados, a incerteza prognóstica e desigualdade no acesso ao cuidado, a integração dos cuidados neuropaliativos na UTI é importante e os benefícios relatados apontam para a necessidade de fortalecer a formação das equipes multiprofissionais, ampliar o uso de ferramentas de triagem e consolidar políticas institucionais que assegurem equidade, comunicação efetiva e respeito às preferências individuais, utilizando-se de treinamento em comunicação, por exemplo. Esta pesquisa forneceu subsídio teórico para o aprimoramento das práticas de cuidado a pacientes neurocríticos agudos na UTI.
REFERÊNCIAS
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1Residente em Medicina Intensiva pelo Hospital Universitário São Francisco de Assis na Providência de Deus – HUSF.
2Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade São Francisco (USF). Médico Intensivista e preceptor da Residência em Medicina Intensiva pelo Hospital Universitário São Francisco na Providência de Deus – HUSF.
