CRIMINOLOGIA MIDIÁTICA E DIREITO PENAL: UMA ANÁLISE a LUZ DA OPINIÃO PÚBLICA E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

MEDIA CRIMINOLOGY AND CRIMINAL LAW: AN ANALYSIS IN THE LIGHT OF PUBLIC OPINION AND FUNDAMENTAL RIGHTS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506072257


Thiago Braga Andrade
Orientadora: Prof. (a) Ana Carolina Marinho Marques


RESUMO

O presente estudo aborda a relativização dos direitos fundamentais dos acusados, com foco em casos que ganham ampla repercussão nos veículos de comunicação. Buscou-se saber de que maneira a influência da mídia reflete no devido processo legal e quais são as suas consequências na esfera do Direito Penal brasileiro. O objetivo foi refletir criticamente os desdobramentos da criminologia midiática no âmbito do processo penal brasileiro focando na garantia dos direitos fundamentais e na independência judicial. A metodologia adotada foi qualitativa, descritiva e exploratória, com a finalidade de analisar criticamente os impactos da mídia no processo penal brasileiro e sua interferência na proteção dos direitos fundamentais, em especial, o direito à presunção de inocência. Foi possível entender  que a criminologia mediática aumenta o escopo da criminologia tradicional, ao incluir a mídia como variável determinante no estudo da criminalidade. As jurisprudências mencionadas deixam evidente que o judiciário tem enfrentado esse dilema com cuidado, ora identificando o dano moral provocado pela mídia, compreendendo que a pouca repercussão não compromete, por si só, a imparcialidade do julgamento. Ao caracterizar casos como habeas corpus negados ou pedidos de desaforamento,  evidencia-se que nem sempre os impactos morais provocados pela exposição da mídia são plenamente identificados ou reparados pelos sistema de justiça, o que deixa o sentimento de justiça fragilizado. Concluiu-se que a criminologia mediática, mesmo que não seja um fenômeno atual, ganha contornos especialmente perigosos nos dias de hoje de hiperconectividade, jornalismo instantâneo e redes sociais.  Esse cenário prejudica não só o direito do acusado, mas a própria credibilidade do sistema de justiça.

Palavras-chave: Criminologia; Direito Penal; Mídia, Influência; Opinião Pública.

ABSTRACT

The present study addresses the relativization of the fundamental rights of the accused, focusing on cases that gain wide repercussion in the media. It sought to know how the influence of the media reflects on the due process of law and what are its consequences in the sphere of Brazilian Criminal Law. The objective was to critically reflect on the developments of media criminology in the context of Brazilian criminal procedure, focusing on the guarantee of fundamental rights and judicial independence. The methodology adopted was qualitative, descriptive and exploratory, with the purpose of critically analyzing the impacts of the media on the Brazilian criminal process and its interference in the protection of fundamental rights, in particular, the right to the presumption of innocence. It was possible to understand that media criminology increases the scope of traditional criminology, by including the media as a determining variable in the study of criminality. The aforementioned jurisprudence makes it evident that the judiciary has faced this dilemma carefully, sometimes identifying the moral damage caused by the media, understanding that the little repercussion does not compromise, by itself, the impartiality of the trial. By characterizing cases as denied habeas corpus or requests for waivers, it is evident that the moral impacts caused by media exposure are not always fully identified or repaired by the justice system, which leaves the feeling of justice weakened. It was concluded that media criminology, even if it is not a current phenomenon, gains especially dangerous contours nowadays of hyperconnectivity, instant journalism and social networks.  This scenario harms not only the rights of the accused, but the credibility of the justice system itself.

Keywords: Criminology; Criminal law; Media, Influence; Public opinion.

1 INTRODUÇÃO

O cenário que envolve os processos judiciais penais guarda, dentre muitas, discussões envolvendo o comportamento da mídia no que concerne às decisões e condenações antecipadas. O delineamento temático aqui proposto envolve uma análise acerca da relativização dos direitos fundamentais dos acusados, especialmente em se tratando de casos que ganham ampla repercussão nos veículos de comunicação.

Sobre a cobertura geralmente dada aos processos penais, esta passa muitas vezes por uma intensa espetacularização por parte da imprensa, dado o grande interesse da sociedade por crimes. Tal condição acaba determinando a forma de divulgação desses casos pela mídia por um enredo, sendo por vezes, fantasioso, superdimensionado e sensacionalista, fazendo com que o processo passe a ter uma concepção para além do que realmente ocorreu (Daher, De Paiva; Barcellos, 2022).

A contextualização deste artigo centra-se em um termo recente, a chamada criminologia midiática, como explicam Fleury et al., (2024), como vertente que se dedica ao estudo da relação entre a mídia; o crime e a sociedade, de modo a provocar um olhar reflexivo em relação à forma como são tratados midiaticamente, os casos envolvendo crimes que demandam tratativa do sistema de justiça penal.

Ou seja, parte-se da premissa de que a criminologia midiática, como campo de estudo, investiga a maneira como a mídia constrói narrativas em relação ao crime e o sistema de justiça, refletindo de modo direto na opinião pública e as práticas penais. Abreu e Da Silva (2024) assinalam que, no escopo do Direito Penal, a mídia responde por um papel de destaque ao conformar percepções sociais em relação a segurança, justiça e punição, comumente ampliando demandas por respostas rápidas e severas.

O referido fenômeno, no entanto, provoca tensões significativas com os direitos fundamentais, como a presunção de inocência, o direito à privacidade e a imparcialidade dos julgamentos. A correlação entre a cobertura midiática sensacionalista e o sistema penal pode desencadear a estigmatização de indivíduos, na legitimação de políticas criminais punitivistas e no prejuízo à equidade do processo legal. Nesse limiar é que se desdobra a análise desse tema à luz da opinião pública e dos direitos fundamentais como um dos entraves ao Estado Democrático de Direito.

A problemática considerada para o estudo aqui proposto segue na postura que a mídia, muitas vezes assume, e o seu papel desempenhado na formação da opinião pública, em especial, nos casos de crimes violentos e/ou envolvendo figuras públicas. A referida a atuação, muitas vezes assume caráter contraditório e sensacionalista, refletindo em uma formação de julgamentos antecipados ou paralelos, e, como destacam Rodríguez e Da Silva (2015), interferindo nos processos formais de investigação séria e julgamento imparcial.

O citado fenômeno provoca questões que alcançam os limites éticos e legais da forma como a mídia cobre os casos e a relação estabelecida com os direitos fundamentais dos acusados. Diante do exposto é que se tem como questão norteadora para pesquisa: de que maneira a influência da mídia reflete no devido processo legal e quais são as suas consequências na esfera do Direito Penal brasileiro?

O objetivo geral é refletir criticamente os desdobramentos da criminologia midiática no âmbito do processo penal brasileiro focando na garantia dos direitos fundamentais e na independência judicial. Já os objetivos específicos foram assim definidos: estudar a forma como a mídia interfere na opinião pública no construto de narrativas em relação a casos criminais; refletir o modo como uma postura sensacionalista da mídia conforma políticas criminais e decisões judiciais e discutir os elementos éticos e legais que possam minimizar os desdobramentos negativos da interferência midiática nos processos legais.

A realização do estudo pretendido, se justifica diante da própria latência desse tema na sociedade atual, em que são vários os episódios que alcançam ampla repercussão midiática causando verdadeira comoção pública, que, por desdobramento, podem influenciar as políticas criminais e as próprias decisões judiciais.

Trata-se da oportunidade de ampliar o conhecimento que aborda a criminologia da mídia e os possíveis benefícios e prejuízos causados, adotando uma postura parcimoniosa em relação ao tema, dado que também são admitidas, as possibilidades de contribuição que uma cobertura séria e equilibrada da mídia pode reverberar em conscientização social (Daher, De Paiva; Barcellos, 2022).

O percurso metodológico adotado narealização deste estudo seguiu uma metodologia qualitativa, descritiva e exploratória, com a finalidade de analisar criticamente os impactos da mídia no processo penal brasileiro e sua interferência na proteção dos direitos fundamentais, em especial, o direito à presunção de inocência. Trata-se de uma pesquisa majoritariamente teórica, expositiva e explicativa, pois buscou compreender as consequências da mídia no direito penal, identificando como a cobertura midiática de casos criminais atinge os direitos fundamentais dos indivíduos envolvidos e a administração da justiça.

Observa-se que apesquisa se caracteriza como bibliográfica e documental, utilizando fontes doutrinárias, artigos científicos, jurisprudência e legislação relevante. A coleta de dados foi realizada por meio da análise de publicações jornalísticas e materiais de ampla repercussão, que relatam casos criminais amplamente divulgados pela mídia. Também foi feita a pesquisa bibliográfica nas obras de autores renomados na área de criminologia, como Póvoa (2019); Regassi (2019); Ribeiro (2021); Daher, De Paiva; Barcellos, (2022) e Fleury et al., (2024)  e demais especialistas em criminologia midiática. Além disso, foram consultadas decisões judiciais relacionadas a casos midiáticos, com destaque em precedentes que envolvem a violação da presunção de inocência e o direito à privacidade dos acusados.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Considerações sobre a evolução histórica da mídia

Quando se fala em processo penal midiático e a sua concepção histórica diante da percussão da verdade, Fleury et al., (2024) esclarecem que na própria evolução da civilização humana, os conflitos acabavam por gerar uma verdadeira sensação de repúdio na sociedade. E, seus resultados não eram mais do que gravosos, sendo que muitas das descobertas, por várias vezes, acabavam impunes. No entanto, quando os casos eram levados aos seus reis, imperadores, faraós, envolviam figuras e os queridos por eles, passaram a ser apreciados e sentenciados, revelando uma postura dúbia da justiça à época Romana e de outros reinos.  

Sobre o conceito de verdade remetendo a uma ideia de anunciação, isto é, um termo, um ato que exprime algo entendido como preciso, necessário, a verdade significava palavras ditas para alcançar a conclusão de um fato que realmente tivesse ocorrido (Pereira; De Melo Gomes, 2017) .

De acordo com Da Silva Leal e Jeremias (2015), desde a antiguidade já era preciso contar com pessoas que fossem capacitadas, com conhecimento e poder, para dar solução as demandas sociais. O autor cita que na Grécia Antiga, a título de exemplo, a lei possui a aplicação pelos governantes que, através dos Deuses, em uma visão mitológica, definia um castigo justo a ser imposto a cada caso.

Ao longo dos anos e, por consequência do avanço da própria sociedade e do comércio é que surgiu na Grécia, principalmente na cidade-estado de Atenas uma verdadeira mudança na lógica de aplicação do que era entendido como correção social. No referido período, despontou a figura dos filósofos concebidos como seres que rompiam como a ótica mitológica, em que Deuses eram fontes de todas as coisas e passaram a se dedicar a uma busca pela verdade, pela origem das coisas, a partir de um estudo da natureza e, em seguida, do comportamento social. 

Barradas et al., (2024) mencionam que esse novo grupo de seres intelectuais fez despontar uma nova lógica de governo, então chamados de Democracia e, no contexto então vivenciado, a pena que antes tinha sua aplicação determinada por um monarca, passou a ser aplicada por um grupo de indivíduos que integrava a chamada Heliaia, ou também chamado de Tribunal Supremo de Atenas, cuja responsabilidade era de julgamento por crimes públicos e privados. 

Daher, De Paiva: Barcellos (2022) mencionam que, na época, quando as acusações aconteciam, era preciso considerar um chamado dito verdadeiro e, assim é que se davam as palavras de juramento, representando, portanto, um veredicto que era comumente utilizado na sua forma de poder na sociedade. Palavras de juramento continham um grande peso no processo, porém, as questões sociais e de acusações não restavam somente nesta dinâmica. As promessas de desafios eram feitas recorrentemente e quando acusado aceitava a proposta, e considerasse vencido, este havia o livramento das acusações antes proferida a ele.

Havendo contradições em relação às acusações ou mesmo quando existia outro suspeito sobre igual fato criminoso, os desafios eram provocados entre eles ou determinado pelas próprias autoridades. Na referida a realidade, a verdade prevalecia sobre quem era mais forte, uma vez que previsível que indivíduos mais avantajados ganhariam o desafio proposto, e, quem rejeitasse o embate era tido como culpado (Pereira; De Melo Gomes, 2017).

Importante ressaltar a figura dos chamados sofistas, pensadores considerados de grande saber, que se esforçavam em encontrar meios de provas sobre todas as acusações, uma vez que já se tinha a conformação do processo penal em curso. Isso, mais adiante, seria o que se chama de processo midiático, isto é, pré-julgamentos feitos baseando-se apenas em fatos, mas que ainda não tinham sido rigorosamente apurados e comprovados pelas autoridades competentes. É nesse sentido que se tem uma visão histórica descrevendo a ótica contemporânea sobre o que significa o processo midiático (Da Silva, Saladini; Bonavides, 2023).

Barradas et al., (2024) fazem uma menção ao que significa a palavra mídia, referindo-se aos meios pelo qual é passada a informação ou transmitida. No cenário antigo essa transmissão de notícias falsas ou verdadeiras limitava-se apenas ao povo e envolvia o grande mistério de saber quem era que estava dizendo a verdade, demandando que fosse analisado um acervo probatório. Contudo, no que diz respeito ao privado e ao público, o primeiro restava nas mãos do povo, sendo por eles mesmos decidido. Já o que era pertinente ao campo público, restava ao interesse da sociedade, recebendo uma tratativa cuidadosa por parte dos filósofos.

A temática que se relaciona com a mídia no que diz respeito ao interesse público e privado foram sempre aspectos de debates entre filósofos antigos e muitas reuniões aconteceram envolvendo esses grupos de cidadãos para chegar a um interesse comum para diferir o que era público e privado. Como resultado dessa herança histórica caminhava-se para uma estrutura avançada do sistema Estado-Sociedade, sendo um dos primeiros desenvolvimentos do Direito Romano, dando início a era moderna.

2.2 A mídia na propagação da política

Retomando a antiguidade, Daher, De Paiva e Barcellos (2022) esclarecem que a voz do povo era a única via de divulgação dos desejos sociais em relação à vontade dos soberanos, quando então surgiu a divulgação de cartas papéis, o que hoje seriam panfletos e notícias. A comunicação era firmada em um elemento material de qualquer tipo, palavras escritas em papel, imagens representando conteúdo simbólicos, envolvendo a mobilização das condições sociais que estavam intrínsecas a produção e a circulação dessas mensagens.

Nessa linha de pensamento, Barradas et al., (2024) esclarecem que os objetivos dos indivíduos eram obter os seus anseios e usarem o que estivesse ao alcance deles em seu poder para tomar a melhor decisão possível. Quanto mais poder era dado a um indivíduo, mais eficaz ele era tido. Desta maneira, quanto mais instrumento ele tivesse em suas mãos, maiores seriam seus alcances, assim é que se construiu a política. Com o avanço da informação e das disseminações de mensagens, estas passavam a ter caráter de notícia.

Sobre a produção dos jornais, não há consenso na literatura sobre o exato momento em que se iniciou esse processo, mas, em geral, fala-se que a origem se deu no império de Júlio César, em que um filósofo alemão aprimorou os meios de produção daquilo que era escrito, dando origem às primeiras impressões digitais na sua forma de livros (Da Silva, Saladini; Bonavides, 2023).

Na década de 1940 é que foi dado aperfeiçoamento dos tipos móveis iniciados pelos chineses para imprimir os livros, alcançando o sistema de prensa tipográfica, explorando as possibilidades dadas pelo alfabeto romano, viabilizando a produção de livros em larga escala e dando origem aos jornais (Regassi, 2019).

As referidas produções evoluíram para uma imprensa de livros e produção de bíblias. As notícias passaram a ser divulgadas por longos anos e, posteriormente, poder de controle da informação, atrelado aos interesses econômicos, que fez surgir a Lei de Liberdade de Imprensa – Lei 2089 de 53, em que muitas nuances estavam atreladas ao Estado, sendo uma forma de controle da informação processada pelas imprensas.

Compreende-se que a mídia, na própria evolução da história, cumpria papel essencial em disseminar a política e na conformação da opinião pública. E já na antiguidade, com a divulgação da vontade popular mediante manifestações orais e, logo após, por meio de cartas e documentos escritos, a comunicação se definiu como um veículo de expressão dos desejos sociais, implicando diretamente as decisões dos governantes (Barradas, 2024).

A consolidação do poder midiático foi também acompanhada pela necessidade de controle da informação, refletido em legislações como a Lei de Liberdade de Imprensa de 1953, buscando regular a disseminação de notícias, muitas vezes com um viés de controle estatal. A evolução da imprensa e das tecnologias de comunicação no início do século XX, com a ascensão da indústria cultural, alterou profundamente a dinâmica social, econômica e política (Daher, De Paiva; Barcellos, 2022).

2.3 Breves considerações sobre a influência da mídia no sistema punitivo brasileiro

Os reflexos da mídia no escopo punitivo brasileiro é algo contatado, refletida tanto na opinião pública quanto nas políticas criminais. Da Silva Leal e Jeremias (2015) defendem que a mídia, em especial, mediante abordagens sensacionalistas, não só  informa, mas também tendência a interpretação e potencializa acontecimentos criminais, conformando as percepções da sociedade em relação ao crime, os agentes envolvidos e as respostas estatais.

A citada situação guarda desdobramentos diretos no fortalecimento de discursos punitivistas, na seleção de alvos da repressão penal e na própria execução da justiça. Regassi (2019) assinala que, no Brasil, a mídia responde por uma função central na formação de uma opinião pública, comumente amparada no medo e pela insegurança. Mediante cobertura de casos de ampla repercussão, em especial os que reverberam em violência ou figuras públicas, a mídia constrói uma narrativa que causa impacto direto no modo como a sociedade vislumbra o sistema de justiça. O referido impacto é caracterizado por enfatizar crimes violentos, diversas vezes tratados fora de contexto estatístico, consolidando a ideia de que a criminalidade está em constante ascensão, corroborando com o sentimento de insegurança coletiva.

Barradas et al., (2024) também destacam os casos de grande  exposição midiática comumente colocando a sociedade em posições extremas, como o anseio popular pela punição exemplar ou a absolvição incondicional, comprometendo os debates racionais acerca do sistema penal.

Nesse mesmo pensamento, Da Silva, Saladini e Bonavides (2023) analisam que a influência midiática no sistema punitivo brasileiro também é constatada no reforço do populismo penal, compreendido como a adoção de políticas criminais mais rigorosas e direcionadas à resposta emocional da sociedade.  A citada relação é sustentada por coberturas constantes e intensas de crimes que posiciona o sistema de justiça sob pressão, demandando decisões céleres que nem sempre obedecem aos ritos processuais adequados.

Também são considerados legisladores e gestores públicos, na busca de aprovação popular, com frequência criam leis e medidas punitivas que se baseiam mais na resposta midiática do que em análises técnicas ou evidências científicas. E a mídia muitas vezes assume uma atuação catalisadora da adoção de políticas de encarceramento massivo, implicando no agravamento de questões  estruturais, como a superlotação carcerária (Abreu; Da silva, 2024).

Da Silva Leal e Jeremias (2015) sustentam que a influência midiática no sistema punitivo brasileiro revela implicações profundas, que alcançam desde a formulação de políticas até a execução da justiça. Isso ocorre em casos de grande repercussão, em que o julgamento midiático pode antecipar o julgamento judicial, refletindo na percepção de juízes, jurados e da sociedade em geral.

Na perspectiva de Daher, De Paiva: Barcellos (2022), a exposição midiática muitas vezes não leva em consideração, os direitos à privacidade e à dignidade, estigmatizando indivíduos anteriormente a conclusão dos processos legais. E a mídia muitas vezes segue na proposta de focar em crimes cometidos por grupos marginalizados, dando amparo às desigualdades estruturais e negligenciando a criminalidade relacionada a setores privilegiados.

 Ao compreender esses entraves, Regassi (2019) defende que é imprescindível buscar soluções que equilibrem o direito à informação com a proteção dos direitos fundamentais. Considera-se criar e aplicar de códigos de conduta que limitem práticas sensacionalistas e cumpram os direitos de acusados e vítimas. É preciso promover a alfabetização crítica da sociedade sobre o consumo de informações, minimizando o impacto de narrativas punitivistas e pode-se adotar instrumentos que protejam o devido processo legal contra a influência de julgamentos paralelos na esfera midiática.

2.4 Criminologia midiática e seus impactos no direito penal

A criminologia midiática adentra a relação entre a mídia, o crime e a sociedade, demonstrando como as narrativas midiáticas acerca de ações delitivas e seus protagonistas atingem não só a opinião pública, mas os processos penais e os direitos fundamentais dos envolvidos (Da Silva, Saladini; Bonavides, 2023).

Segundo Barradas et al., (2024), no Brasil, a intensa cobertura de casos criminais de ampla repercussão evidencia um conflito central, que é o direito à informação e à liberdade de expressão contra a proteção da presunção de inocência, da privacidade e da dignidade das partes.

Póvoa (2019, p.5)  afirma:

Com o movimento de globalização, fato que garantiu a aproximação dos povos de maneira mais operativa, acarretando a disseminação de informações e hábitos provenientes de todos os lugares do globo. O desenvolvimento tecnológico e cultural adquirido pelos países com tal evento foi sem escalas, vez que o conhecimento angariado nas mais diversas áreas proporcionou grandes acordos internacionais, desenvolvimento de projetos revolucionários e acessibilidade a informações de maneira mais célere e eficaz provindas de qualquer país, independente da distância entre fronteiras e diversidade linguística. (…) O constante bombardeamento de opiniões “prontas” criado pela comercialização de informações e acontecimentos fez nascer uma linha de pensamento “único” no meio social, passando a ser rotulado como “senso comum”, que começou a reger a moral e a conduta dos indivíduos, sem qualquer questionamento. Essas mensagens captadas e absorvidas proferidas pela mídia vêm gerando um sentimento transcendente a moral intrínseca do sujeito individual, vez que porções significativas da população recebem as mesmas informações, logo, criou-se conceitos basilares da vida em comunidade e em relação ao próximo singular a Era Digital.

Em que pese a presunção de inocência, estar consagrada no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, estabelecendo que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, o referido princípio fundamental busca assegurar que o acusado não receba tratamento como culpado antes de restada a comprovação legal de sua responsabilidade (Ribeiro, 2021).

Porém, a atuação midiática, diversas vezes desafia essa garantia ao promover julgamentos paralelos que expõem os acusados à julgamento social prévio. Ou seja, a exposição midiática de casos criminais acaba fomentando um tribunal da opinião pública, em que fatos, especulações e julgamentos são demonstrados de modo sensacionalista, diversas vezes ignorando os ritos processuais (Regassi, 2019).

Como assinalam Pereira e De Melo (2017), o citado fenômeno pode fazer com que juízes e jurados sejam influenciados pela pressão social resultante da cobertura midiática. Pode favorecer a estigmatização precoce, o que  dificulta a reintegração social mesmo após eventual absolvição e favorecer a parcialidade provocada pela mídia, de maneira a comprometer a aplicação justa e equitativa da lei.

Ainda que aliberdade de imprensa seja um direito constitucional, ela encontra limites nos direitos fundamentais, como a proteção da privacidade, da honra e da imagem. A abordagem midiática sensacionalista, que privilegia a audiência em detrimento da precisão e do respeito aos direitos humanos, frequentemente ultrapassa esses limites (Da Silva, Saladini; Bonavides, 2023).

O conflito envolvendoa liberdade de imprensa e os direitos fundamentais pode ser entendido da seguinte forma, a divulgação de detalhes sobre a vida pessoal de acusados ou vítimas diversas vezes viola o direito à privacidade. Não obstante, a justificativa a despeito do “interesse público” para coberturas midiáticas precisa ser equilibrada com a necessidade de evitar danos desnecessários às partes envolvidas (Ribeiro, 2021).

Abreu e Da Silva (2024) reforçam que a interferência da mídia nos processos penais prejudica a isenção dos agentes públicos e estimula práticas incompatíveis com o devido processo legal, a citar as divulgações seletivas de provas; exposições desnecessárias de suspeitos e aumenta a pressão pública para decisões judiciais precipitadas.

A criminologia midiática evidencia os desafios impostos pela cobertura midiática de crimes e processos penais, principalmente no que se refere à preservação dos direitos fundamentais e à garantia da presunção de inocência. No Brasil, onde a influência da mídia é marcante, é essencial adotar medidas que protejam a dignidade das partes envolvidas e assegurem o devido processo legal, fortalecendo os pilares do Estado Democrático de Direito. Somente por meio de uma abordagem ética e equilibrada será possível conciliar o direito à informação com o respeito aos princípios constitucionais.

3 CRIMINOLOGIA MIDIÁTICA: INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO DEVIDO PROCESSO LEGAL E REFLEXOS NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

A alcance da mídia no devido processo legal é assunto latente na seara do Direito Penal brasileiro em que a exposição midiática vem impactando desde a formação da opinião pública até mesmo na forma de conduzir de processos judiciais, implicando nos princípios fundamentais como a presunção de inocência, o contraditório e a imparcialidade judicial. Segundo Fleury et al., (2024), o referido fenômeno da criminologia midiática foi estudado por operadores do Direito e colocou em debate a exigência de um equilíbrio entre a liberdade de imprensa e a proteção dos direitos individuais dos acusados.

De acordo com Santos (2023, p.12945) é possível fazer a distinção da criminologia midiática em relação às demais criminologias para, a partir de então, conhecer seus desdobramentos:

Enquanto outras formas de criminologia se concentram principalmente no  estudo  do  crime,  dos  criminosos  e  do  sistema  de  justiça  criminal,  a criminologia  midiática  enfoca  o  papel  da  mídia  na  representação  e  na influência  da  percepção  do  público  sobre  o  crime  e  a  justiça  criminal. A  criminologia  midiática  reconhece  que  a  mídia  é  uma  influência significativa  na  sociedade  contemporânea  e  que  a  maneira  como  a  mídia representa o crime e a justiça criminal pode ter um impacto substancial na opinião pública, na política criminal e no comportamento criminal. Portanto,  a  criminologia  midiática  não  apenas  complementa,  mas também expande o escopo da criminologia, ao incorporar a análise da mídia e de suas práticas na compreensão do crime e da justiça criminal.

Daher, De Paiva e Barcellos (2022) Santos (2023) e Fleury et al., (2024) convergem na opinião acerca da prática da criminologia midiática ser extremamente perigosa e nociva, que segue na construção e um estereótipo criminoso, de maneira a estigmatizar certos aspectos físicos, psicológicos e mesmo econômicos à prática de um crime, reforçando o que chama de teoria do etiquetamento.

Nessa linha de pensamento, Regassi (2019) assinala que é visto, especialmente em países da América Latina, que o estereótipo está sempre se amparando em  características de homens jovens, em classes sociais menos abastadas e, assim sendo, o sistema penal atua de modo seletivo, sem apoio nos estigmas já construídos, o que faz com que haja certa inércia de dados indivíduos que violam a legislação penal.

Não obstante, Póvoa (2019) postula que criminologia midiática articula imagens, de modo que escolhe aquelas que evidenciam os poucos estereotipados que delinquem e, posteriormente os que não praticaram crimes ou que apenas cometeram infrações menores, contudo, são parecidos.

Na ação julgada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais exemplificam a influência da mídia no caso:

Processo: Apelação Cível. 1.0000.24.029221-9/0015019910-18.2020.8.13.0024 (1)

Relator(a): Des.(a) Marco Aurélio Ferrara Marcolino

Data de Julgamento: 22/08/2024.

Data da publicação da súmula: 27/08/2024

Ementa:

EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO. DIVULGAÇÃO DE ACUSAÇÕES DE ABUSO SEXUAL. REPERCUSSÃO MIDIÁTICA DOS FATOS E CONSEQUÊNCIAS NA VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL DO AUTOR. DEMISSÃO INJUSTA. AMEAÇAS DE MORTE. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO. CONSTATAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE ABUSO. RESPONSABILIDADE DA RÉ PELA DISSEMINAÇÃO DA ACUSAÇÃO. DANO MORAL. CABIMENTO. INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO.

– O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório

– A divulgação de acusações infundadas de abuso sexual de menor de idade, sem a devida comprovação e antes da conclusão das investigações oficiais, configura ato ilícito passível de responsabilização civil, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil.

– A repercussão midiática dos fatos, aliada às ameaças de morte recebidas pelo ofendido e à sua demissão injusta do emprego, evidencia o grave impacto emocional, profissional e social causado pelas condutas da ofensora, o que justifica a majoração do valor da indenização por danos morais.

Compreende-se que a mídia assume função  essencial na transmissão de informações e na fiscalização dos poderes instituídos. Contudo, há de se observar que, sua atuação pode provocar desdobramentos graves quando supera os limites do interesse público e infere na área da influência acerca dos processos judiciais. É também a percepção defendida por Ribeiro (2021), em que sustenta que a cobertura midiática de casos criminais pode ter contribuição no esclarecimento social, porém, há o risco de implicar no comprometimento da imparcialidade do julgamento.

A despeito desse posicionamento, tem-se os dizeres do Desembargador  Amauri Pinto Ferreira (2021) julgado no TJMG:

Processo: Apelação Cível

1.0000.21.224206-9/0015128946-34.2016.8.13.0024

Relator(a): Des.(a) Amauri Pinto Ferreira

Data de Julgamento: 17/11/2021

Data da publicação da súmula: 19/11/2021

Ementa:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. REQUISITOS LEGAIS. PRESENÇA. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. INFORMAÇÕES INVERÍDICAS E EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA INFORMAÇÃO. OFENSA À HONRA E À IMAGEM. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. Para a configuração do dever de indenizar, sob a ótica da responsabilidade civil subjetiva, adotada, como regra, no CC/2002, deve ficar demonstrado o ato ilícito, a culpa lata sensu, o dano, e o nexo de causalidade. Presentes tais requisitos, impõe-se a responsabilização civil. A divulgação de informações sabidamente inverídicas, envolvendo o nome de ocupante de relevante cargo público, tendo o fato ganhado grande repercussão midiática, é capaz de causar transtornos muito além do razoável, configurando dano moral. A fixação do quantum a ser solvido a tal título deve ser feita com lastro nas circunstâncias do caso em concreto e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A ampla divulgação de crimes pode fomentar um sentimento de insegurança na população, aumentando a pressão por punição rápida e exemplar. Como observa Mendes (2020, p. 213), “o tribunal midiático frequentemente antecipa a condenação antes mesmo da formação da culpa no âmbito judicial“. Esse comportamento pode influenciar até mesmo a elaboração de leis mais rigorosas em resposta a casos de grande repercussão. Grifo Meu.

Importante refletir que o devido processo legal é garantido na CF de 88 e tem como um de seus eixos norteadores, a presunção de inocência, tal como já mencionado no art. 5º, inciso LVII. Mas, em casos em que a mídia tem postura precoce ao Judiciário, pode acontecer a inversão desse princípio, de modo que se fomenta um prejulgamento midiático que acaba implicando na percepção social em relação ao caso em questão.

Não resta dúvida de que a presunção de inocência precisa ser reforçada e a execução provisória da pena representa uma violação de princípios constitucionais. Compreende-se que existe certa preocupação do Judiciário na manutenção da integridade do processo, de maneira a evitar que desdobramentos externos desvirtuem sua finalidade como ponderam Barradas et al., (2024).

Necessário discutir o sensacionalismo midiático como fenômeno que acaba por criar um contexto de pressão acerca dos operadores do Direito, implicando em sentenças mais duras ou mesmo tornando mais ágil e indevidamente o trânsito do processo. De acordo com Ribeiro (2021), tornar o processo em um espetáculo do crime acaba por comprometer a análise imparcial e equilibrada das provas, formando uma opinião pública muitas vezes ávida por punição.

2329110-97.2024.8.26.0000  

Classe/Assunto: Desaforamento de Julgamento / Homicídio Qualificado

Relator(a): Marcelo Semer

Comarca: Piracicaba

Órgão julgador: 13ª Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 27/02/2025

Data de publicação: 27/02/2025

Ementa: DIREITO PENAL. AÇÃO PENAL. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO, POR DUAS VEZES, E TENTADO, POR TRÊS VEZES. DESAFORAMENTO. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. INDEFERIMENTO. I. CASO EM EXAME  Pedido de desaforamento formulado pela defesa do réu, pronunciado por homicídio qualificado, com alegações de clamor público e parcialidade do júri. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO  Discute-se se há risco à ordem pública e/ou se há dúvida sobre a imparcialidade do júri. III. RAZÕES DE DECIDIR  Ausência de elementos concretos que demonstrem o comprometimento da imparcialidade dos jurados. Divulgação do caso pela mídia local que, por si só, não justifica o desaforamento. Precedentes do STJ e deste E. Tribunal. Ausência de interesse da ordem pública. Pedido indeferido. IV. DISPOSITIVO Pedido indeferido. Legislação e Jurisprudência Relevantes Citadas: CPP, arts. 427 e 428; STJ, HC n. 492.964/MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 23/03/2020; STJ, HC n. 56.384/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 30/03/2009.

Foi alegado pela defesa  que o clamor público e a ampla cobertura midiática sobre o caso em reportagens televisivas e em jornais locais, acabou por colocar em risco a ordem pública. Em razão das discussões que ocorreram  nas sessões da plenária do júri, o promotor e o juiz também deram entrevistas na mídia, com dados distorcidos,  significando uma afronta o princípio da paridade de armas. Além disso, a defesa tentou argumentar que o promotor reforçou uma narrativa de condenação, trazendo influência negativa na formação da opinião pública, quando o utiliza sua posição institucional para reforçar a narrativa unilateral à sociedade.

Ademais, a exposição midiática do réu, juntamente dom a atuação ativista no promotor, acabavam por questionar a parcialidade do júri, razão pela qual deve haver o desaforamento do julgamento. Contudo, o relator Marcelo Semer alegou que o desaforamento é medido excepcional, admitida só em casos que restam comprovados os fatos objetivos e concretos a parcialidade do Conselho de Sentença, o que não aconteceu no caso e indeferiu o pedido.

Outro exemplo é visto em decisão do Supremo Tribunal Federa, STF:

HC 236023 / MG – MINAS GERAIS

HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. CRISTIANO ZANIN

Julgamento: 08/12/2023

Publicação: 11/12/2023

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 07/12/2023 PUBLIC 11/12/2023

Partes

PACTE.(S) : DANIEL SOARES VIOL IMPTE.(S) : VICTOR MATHEUS CAMPOS DE SOUZA COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 871.916 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão

Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática proferida por Ministro do Superior Tribunal de Justiça – STJ, assim redigida: “Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de DANIEL SOARES VIOL, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (HC n. 1.0000.23.251277-2/000). Consta dos autos que o paciente foi preso temporariamente (e-STJ fl. 100), em 20/9/2023 a prisão foi convertida em preventiva (e-STJ fl. 94) e denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no art. 121 §2°, III, IV e VI, no contexto da Lei n. 11.340/2006, art. 347, parágrafo único, e art. 211, na forma do artigo 69, todos do CP (eSTJ fl. 101), porque no dia 16/7/2023 teria praticado o crime de feminicídio consumado contra sua namorada. Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus na Corte estadual alegando, em síntese, que não estariam presentes os requisitos do art. 312 do CPP para a manutenção da prisão preventiva. Destacou as condições pessoais favoráveis do denunciado – é primário, com bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita – e defende a aplicação de medidas cautelares mais brandas, declarando que DANIEL não possui vínculo com organizações criminosas e não evadirá do distrito de culpa. Por fim, invocou o princípio da presunção de inocência e declarou que a manutenção da prisão cautelar representaria a condenação antecipada do paciente.(…) no caso, assim foi fundamentada a prisão (e-STJ fls. 90/94): Compulsando os autos, verifico que a materialidade dos ilícitos está amplamente provada, o que também se verifica quanto aos contundentes indícios da autoria, os quais convergem para o investigado DANIEL.     Diante das situações narradas nos autos, a garantia da ordem pública se mostra ameaçada caso o ora investigado seja solto, tendo em vista principalmente a gravidade concreta dos fatos imputados, um feminicídio praticado com crueldade que saltam aos olhos, que gerou substancial clamor e inquietude social, com repercussão midiática de larga escala. Como se não bastasse, as provas até agora amealhadas aos autos indicam que a soltura do réu frustrará a garantia da ordem pública, da instrução processual e potencial aplicação da Lei penal, eis que há nos autos elementos indicativos de que, livrando-se solto, irá ele evadir-se do distrito da culpa. Cabe salientar, por oportuno, que não se trata aqui de antecipação do cumprimento da pena. Ainda que vigore no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da presunção de inocência, esse não absoluto, vez que a prisão antes do trânsito em julgado do edito condenatório pode ser admitida a título de cautela, em virtude do periculum libertatis. É o que ocorre no presente caso.

Ministro Cristiano Zanin negou seguimento a esta impetração (art. 21, § 1°, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Compreende-se que os tribunais brasileiros têm se manifestado de modo consolidado acerca dos riscos do prejulgamento midiático e mostram que o Poder Judiciário constantemente é buscado para socorro nos casos em que a  mídia exerce implica em excesso acerca do desfecho processual. De fato, que os desdobramentos da mídia no Direito Penal pátrio contemplam, seja a criação de legislação mais dura como resposta à pressão popular, seja no aumento do punitivismo judicial. Vale destacar que comumente a legislação penal segue uma reestruturação acelerada como resposta a casos de ampla divulgação, sem  que se tenha uma necessária análise das consequências.

A reflexão envolveu a certeza da inocência, o que sustenta o Estado Democrático de Direito e princípio basilar do processo legal, sendo alvo de descaso pela mídia, ao adiantar julgamentos e promover “tribunais paralelos“, a mídia não respeita os direitos fundamentais e adjetiva a integridade da justiça como frágil. A pesquisa demonstrou que a construção da opinião pública, mediada pelos meios de comunicação, que frequentemente são geridos por discursos que incentivam a insegurança e o medo, culminando em um protesto social por respostas penais e imediatas e mais bem construídas. Esse movimento se  mostrou como reverteu populismo penal e faz com que os legisladores adotem políticas criminalizadoras.

Ficou evidenciado que o sistema de punição brasileira tem sido formado, em diversos casos, mas pela emoção de todo coletivo fomentado pelas mídias do que por critérios técnicos-jurídicos. Nota-se isso tanto na atuação de magistrados quanto na promulgação de leis penais mais duras, na maioria das vezes aprovadas em respostas a crimes de grande repercussão.

Casos práticos mostrados ao longo deste estudo exemplificaram graves consequências da exibição incorreta dos acusados: ameaças, demissões injustas, danos à imagem, e até condenações sociais irreversíveis. em alguns casos, mesmo perante de absolvições judiciais, o preconceito permanece, dificultando a integração social. Há de se enfatizar o fenômeno da “teoria do etiqueta” expondo como a mídia ajuda a estigmatizar certos grupos sociais- jovens, negros, pobres- como potenciais delinquentes, reafirmando padrões discriminatórios e seletivos do sistema penal.

Dessa forma, foi possível entender  que a criminologia mediática aumenta o escopo da criminologia tradicional, ao incluir a mídia como variável determinante no estudo da criminalidade. Essa ampliação é essencial para compreender como se formam os discursos de criminalização e quais são os interesses que se encontram por trás deles. Apesar de a liberdade da informação ser constitucionalmente garantida, ela não é absoluta, devendo ser equilibrada com o respeito à honra, privacidade, imagem e presunção de inocência dos envolvidos.

As jurisprudências mencionadas deixam evidente que o judiciário tem enfrentado esse dilema com cuidado, ora identificando o dano moral provocado pela mídia, compreendendo que a pouca repercussão não compromete, por si só, a imparcialidade do julgamento. Ao caracterizar casos como habeas corpus negados ou pedidos de desaforamento,  evidencia-se que nem sempre os impactos morais provocados pela exposição da mídia são plenamente identificados ou reparados pelos sistema de justiça, o que deixa o sentimento de justiça fragilizado.

Sugere-se a criação de códigos e conduta para a mídia e o incentivo à educação mediático da população como uma alternativa, oferecendo a capacidade de consumir Informações de forma consciente e crítica, diminuindo os efeitos da manipulação de narrativas e efeitos do discurso punitivo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo abordou a criminologia midiática e esta apresentou-se como uma área de estudo crítica que relaciona mídia, sociedade e crime, promovendo reflexões importantes acerca dos efeitos da cobertura jornalística na persecução penal.  Buscou-se saber até que ponto a imprensa leva em consideração os limites do devido processo legal ao noticiar crimes de grande impacto.

O estudo aqui construído fez uma reflexão de uma realidade preocupante: a espetacular ação midiática de crimes, essencialmente os de violência extrema ou com relação a figuras públicas.  A referida prática compromete a neutralidade imprescindível ao processo penal, com a substituição da investigação técnica por narrativa sensacionalistas que diversas vezes, julgam publicamente os acusados antes das suas respectivas audiências.  

Ficou evidenciado que a influência da mídia pode ser prejudicial ao equilíbrio do processo penal. Especialmente, quando veículos de imprensa se encarregam do papel de jogadores morais, distribuindo na ativa de culpa antes do término legal dos fatos, origina-se um “tribunal mediático“ paralelo, que prejudica o direito de defesa e alimento o preconceito social contra o acusado.

Conclui-se que a criminologia mediática, mesmo que não seja um fenômeno atual, ganha contornos especialmente perigosos nos dias de hoje de hiperconectividade, jornalismo instantâneo e redes sociais.  Verifica-se que é um desgaste no limite entre o interesse público e no interesse pelo espetáculo , resultando na transformação do processo penal em narrativa medi ética, de acordo com a audiência e não pela justiça. Esse cenário prejudica não só o direito do acusado, mas a própria credibilidade do sistema de justiça.

Como sugestão de aperfeiçoamento jurídico, se propõe a criação de um uma regulamentação que estabeleça, parâmetros legais e claros para cobertura mediático de processos penais que estão em andamento, principalmente no assunto da preservação da identidade e da imagem de acusados, responsabilidade civil e penal por danos decorrentes julgamentos antecipados e a divulgação seletiva de provas. É imprescindível dar força aos mecanismos de responsabilização da imprensa quando ela viola, de forma reiterada e consciente, dos direitos fundamentais assegurados pela constituição.

As limitações do presente estudo devem ser reconhecidas. Por Abordar de um assunto teórico, a pesquisa não inclui a coleta de dados experimentais por meio de entrevistas com profissionais dos sistema de justiça ou da comunicação, o que possivelmente dar informações suficientes para compreensão do fenômeno sobre um olhar prático e interdisciplinar. Também não foram  estudadas estatísticas sobre o impacto direto da mídia nas decisões judiciais, o que poderia aumentar com mais precisão os efeitos observados qualitativamente.

Portanto, como sugestão para pesquisas futuras, mas estudos empíricos e avaliem a visão de magistrados, defensores públicos, promotores e jornalistas sobre o papel da média nos processos penais é recomendado. Ademais, seria importante explorar como a formação ética jurídica dos profissionais da comunicação pode ajudar para uma cobertura mais responsável de casos criminais. Outro olhar promissor de investigação fala sobre o impacto das redes sociais e da desinformação na construção de narrativas criminais e no reforço do punitivismo penal.

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