CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: A EFETIVIDADE PUNITIVA AO AGRESSOR (ADULTO)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8007951


Maria da Paz Pereira de Sousa¹
Victor Emanoel da Silva Alves²
Izabel Herika G. M. Cronemberger³


RESUMO

A impunidade de agressores adultos que cometem crimes sexuais contra crianças e adolescentes é uma realidade no Brasil, para tanto este estudo objetiva analisar a efetividade da punição aos agressores adultos que cometem crimes sexuais contra crianças e adolescentes.  Este artigo recorreu-se metodologicamente a pesquisa qualitativa através de pesquisa bibliográfica e documental, inclusive recorrendo a autores como Capez (2019) , Leila Paiva (2020), e normativas como Estatuto da Criança e do Adolescentes- ECA, a atual carta magna do país a Constituição Federal de 1988, Lei n. 8.072 de 25 de julho de 1990, que tornou o estupro como um crime Hediondo.  Entende-se a necessidade de rigidez da punição dos agressores, através do aumento na pena da punição desses crimes, a retirada de algumas garantias processuais como o livramento condicional, e tornando esses crimes como crimes imprescritíveis, retirando assim o prazo prescricional para a realização da denúncia por parte da vítima contra seus agressores.

Palavras-Chave:  Crimes Sexuais. Criança e Adolescente.  Agressor, Prescrição.

ABSTRACT

The impunity of adult aggressors who commit sexual crimes against children and adolescents is not a rarity in Brazil, so this study aims to analyze the effectiveness of punishment for adult aggressors who commit sexual crimes against children and adolescents. This article resorted methodologically to qualitative research through bibliographic and documentary references in authors such as Fernando Capez, Leila Paiva, and regulations such as the Statute of Children and Adolescents – ECA, the current magna charter of the country, the Federal Constitution of 1988 and the Law n. 8072 of July 25, 1990, which made rape a heinous crime. As a conclusion, the need for an increase in the rigidity of the punishment of these aggressors will be addressed, through the increase in the punishment of these crimes, the withdrawal of some procedural guarantees such as parole, and making these crimes as imprescriptible crimes, thus removing the statute of limitations for the victim to file a complaint against their aggressors.

Keywords: Sexual Crimes, Aggressor, Prescription.

INTRODUÇÃO

A realidade de crianças e adolescentes no Brasil apresenta-se de múltiplas formas, pela Lei ou pela Estatuto da Criança e Adolescente deveria ser um caminho repleto de proteção, cuidado, guarda, dignidade e com um desenvolvimento saudável, no entanto, algumas questões ainda são muito latentes, tais como violência sexual, abuso sexual, e o trabalho infantil.

Para tanto o presente estudo objetiva investigar a efetividade na punição ao agressor (adulto) que comete crime sexuais contra crianças e adolescentes, partindo do seguinte problema de pesquisa, de que se existe efetividade na punição ao agressor (adulto) que comete crime sexual contra crianças e adolescentes.

Os dados que envolvem violências sexuais contra crianças e adolescentes revelam uma realidade assustadora, por isso mesmo o estudo percorreu um caminho metodológico em buscar esse entendimento a partir de autores como Fernando Capez (2019), Leila Paiva (2020), bem como, com aparo normativo a partir da Constituição Federal de 1988, Código Penal de 1940, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei n° 13.431/2017.

O estudo está divido em três momentos, onde inicialmente será abordado elementos sobre a tipificação de Crime Sexual, no segundo momento será abordado o percurso da punição ao agressor tendo em vista que se trata de um fato que ainda precisa ser amplamente debatido. No terceiro momento será abordado a questão da retirada do prazo prescricional como uma forma de facilitar que as vítimas venham a realizar a denúncia para que assim seja possível levar os agressores a justiça.

Diante tal tema há de se falar em um fenômeno complexo, onde há a necessidade do trabalho em conjunto de toda a sociedade para que assim seja possível alcançar um cenário melhor, já que a violência sexual está envolta de ameaças, medo, culpa e vergonha. E quando tal fato ocorre dentro do seio familiar, há a presença de uma relação de poder, em que existia, em alguns casos, entre a vítima e o agressor sentimentos de empatia e respeito.

Com base no Fundo Nacional das Nações Unidas para a Infância (2018), o abuso sexual, a Violência em casa e o trabalho infantil fazem parte da realidade de milhões de crianças. Tais problemas são grandes causadores de danos emocionais, que se revelam como uma resposta do cérebro a um ou vários acontecimentos negativos que se passaram na vida de um indivíduo.

1 CRIMES SEXUAIS: DISCUSSÕES IMPRESCINDÍVEIS

Os Crimes Contra a Dignidade Sexual está prevista nos arts. 213 ao art. 218-C do Código Penal (Decreto-lei n. 2.848/1940), e possui como objetivo jurídico proteger a liberdade e a dignidade sexual da pessoa humana. O crime de estupro tipificado no art. 213 do CP traz dentro da sua tipificação as categorias de estupros existentes na legislação brasileira, que são: O Estupro de vulnerável, estupro simples, estupro coletivo e o estupro corretivo.

1.1 Conceito legal de Violência sexual, Abuso sexual, Exploração sexual comercial e Tráfico de pessoas

Com o advento da Lei n° 12.015/2009, há uma alteração na redação do Código Penal brasileiro, onde surgem os Crimes contra a Dignidade Sexual, onde surge a ideia de que a dignidade sexual é na verdade uma espécie da dignidade da pessoa humana. Ainda sobre esse tema, como forma de esclarecer ainda mais o entendimento envolto dessa temática, Sarlet nos traz o conceito de dignidade, onde ele nos diz que:

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2011, p. 60).

Consoante a Lei n° 13.431/2017, violência sexual é qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não.

A mesma Lei diz que o abuso sexual é caracterizado pela utilização da criança ou adolescente para praticar qualquer ato de natureza sexual, não há aqui qualquer intuito de lucro, ou relação de compra ou troca, podendo ele ser intrafamiliar (quando a agressão ocorreu dentro do âmbito familiar, existe entre vítima e agressor relação de parentesco) e extrafamiliar (quando não há entre vítima e agressor relação de parentesco) – art. 4°, inciso III, alínea “a”.

Sendo os crimes de Abuso Sexual: o estupro; o estupro de vulnerável; a violação sexual mediante fraude; a importunação sexual; o assédio sexual; a corrupção de menores; e a satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente – Código Penal de 1940.

Sobre o estupro de vulnerável, o Superior Tribunal de Justiça (2016) chegou ao entendimento de que a contemplação da lascívia já caracteriza o tipo penal, onde através de Decisão se afirma que:

A conduta de contemplar lascivamente, sem contato físico, mediante pagamento, menor de 14 anos desnuda em motel pode permitir a deflagração da ação penal para a apuração do delito de estupro de vulnerável. Segundo a posição majoritária na doutrina, a simples contemplação lasciva já configura o “ato libidinoso” descrito nos arts. 213 e 217-A do Código Penal, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido. (STJ. 5ª Turma. RHC 70.976-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 2/8/2016 (Info 587).

A exploração sexual comercial é caracterizada quando se utiliza crianças e adolescentes em uma atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação. Nesse cenário a criança ou adolescente foi vítima de um sistema de exploração de sua sexualidade, diante disso não podemos dizer que a vítima foi prostituída, mas sim explorada – art. 4°, III, “b”. Sendo os crimes de Exploração Sexual: o favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável; divulgação de cena de estupro ou cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia; violação sexual mediante fraude; favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual; rufianismo; e tráfico de pessoas – Código Penal de 1940.

O tráfico de pessoas é entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação – art. 4°, III, “c”.

1.2 Estupro como Crime Hediondo

Com a Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, o estupro passou a ser considerado crime hediondo e teve a pena aumentada, isso trouxe uma rigidez maior, contudo, diante do que está posto em debate, não é o suficiente. Os crimes são classificados como hediondos sempre que se revestem de excepcional gravidade, evidenciam insensibilidade ao sofrimento físico ou moral da vítima ou a condições especiais das mesmas (crianças, deficientes físicos, idosos). Os autores de crimes hediondos não têm direito a fiança, indulto ou diminuição de pena por bom comportamento.

Tal crime tem como alvo pessoas em formação, que precisam de constante ajuda dos adultos para que assim possam crescer em direção à independência, ele possui como vítimas pessoas que não possuem, na grande maioria dos casos, capacidade de resistir ou se defender (art. 6°, ECA, BRASIL, 1990).

Para Capez (2019, p.63), “vulnerável é qualquer pessoa em situação de fragilidade ou perigo. A lei não se refere aqui à capacidade para consentir ou à maturidade sexual da vítima, mas ao fato de se encontrar em situação de maior fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica etc”.

Diante disso, a legislação brasileira considera crianças e adolescentes como seres vulneráveis, por isso crimes como o estupro de vulnerável não levam em consideração o consentimento da vítima, bastando para a consumação do crime que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso (art. 277-A, Código Penal, 1940).

1.3 Institutos Legais de Proteção à Criança e Adolescente

Como expõe Leila Paiva (2019), ao abordar o tema sobre violência sexual, afirma que este tem uma inegável importância, não só na esfera social, política ou jurídica, pois, na medida em que constitui uma agressão à sexualidade dos indivíduos, representa um verdadeiro crime contra a pessoa humana e, como tal, necessita ter a sua análise ampliada.

A Constituição Federal de 1988 através do art. 227 aponta que toda criança e adolescente tem direito à dignidade e que eles devem ser protegidos de qualquer violência, exploração e negligência, sendo isso dever da família, da sociedade e do Estado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, através de seu art. 3° diz que as crianças e os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, está presente aqui o princípio da proteção integral, para assim tornar possível que eles possam ter um desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Ademais, em seu art. 5° o Estatuto da Criança e do Adolescente além de corroborar com o que já é dito na Constituição Federal ele também diz que deverá ser punido qualquer atentado, por ação ou omissão, aos direitos fundamentais da criança ou adolescente.

Tal cenário acontece, pois, as crianças e adolescentes são vistos como sujeitos de direito, em condição peculiar de desenvolvimento, por isso o ECA busca o bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos.

O Estatuto da Criança e Adolescente diz que é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente, mais uma vez a legislação brasileira vem para não só apontar que crianças e adolescentes precisam de proteção, mas também que isso é dever de todos, e que inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos desta Lei (BRASIL, 1990).

É possível então, diante disso, entender que toda violência é uma forma de violação dos direitos humanos, como expõe Florentino (2015) ao afirmar que a violência é a negação de três valores universais: a liberdade, a igualdade e a própria vida.

Apesar de tantos institutos legais para proteção de crianças e adolescentes, ainda assim, não foi possível alcançar uma sociedade livre de violações aos direitos desse público vulnerável e que precisa de amparo de todos. Isso reflete que, mesmo com tantos meios de proteção ainda há pontos que precisam ser debatidos e repensados, como também formas de aumentar a rigidez na punição e mecanismos que permitam ou facilitem a realização das denúncias para que assim seja possível a aplicação da sanção.

2 O PERCURSO DA PUNIÇÃO AO AGRESSOR (ADULTO) AUTOR DE CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES.

Para que ocorra um eficiente combate aos crimes sexuais, também se faz necessário um bom trabalho de prevenção desses crimes. Muitos desses crimes não são denunciados, e os fatores para que isso ocorra são vários, são exemplos disso a morosidade dos entes competentes, o medo das “consequências da denúncia”, entre outros. 

O percurso punitivo ao agressor é também um meio para que aqueles que cometeram tais crimes não venha a cometê-los mais e para ficar um aviso para que ninguém venha a cometê-los. Contudo, isso irá acontecer se todos os agentes envolvidos venham a cumprir o seu papel de forma competente e célere.

Segundo Ângelo Motti (2019) fatores preponderantes a serem considerados para o combate e prevenção a esses crimes são: o reconhecimento da legislação e das estruturas dos sistemas de segurança e justiça sobre a importância desse tema, a relevância desses novos cenários e a necessidade de formulação de políticas públicas garantidoras dos Direitos Humanos.

2.1 A organização entre as Instituições de Combate aos Crimes Sexuais

A demora para que ocorra a punição ao agressor acaba ocasionando com que, mesmo após as denúncias, crianças e adolescentes ainda sejam alvo de crimes sexuais. Segundo o Conselho Federal de Administração (2016), em média, a Justiça Estadual leva 4 anos e 4 meses para proferir uma sentença de um processo em 1º instância.

Para uma eficiente prevenção e punição é necessário o repasse de informações entre as instituições que combatem os crimes contra a dignidade sexual, para que assim seja possível obter o bom funcionamento de todo o conjunto. São essas instituições: Conselho Tutelar, Ministério Público, Tribunal de Justiça, serviços do Poder Executivo, sejam das políticas de assistência social ou da saúde, e a própria Polícia.

2.2 A Morosidade como Mecanismo de Apoio para a Continuação das Agressões

A morosidade do judiciário também coloca as crianças e adolescentes em uma situação perigosa, pois o tempo que se leva para obter uma sentença também é muito longo, levando meses para isso, e esse atraso também pode a vim permitir que a criança ou adolescente continue sofrendo a violência, mesmo depois da notificação da sua situação.

Ainda há a questão da descrença com o judiciário, que leva há uma falta de confiança na capacidade do judiciário em resolver o conflito, o que também leva em mais uma situação que desencoraja a vítima para a realização da denúncia. Afinal, assim como diz Gobbi (2017) a descrença nas leis e no Judiciário é a porta aberta para a barbárie, diante disso é fácil notar que essa descrença não é algo recorrente e que pode à vim a atrapalhar e desencorajar diversas pessoas a adentraram a porta do Judiciário para tentarem terem seus direitos atendidos.

Segundo Pereira (2020) essa descrença fica clara através de diversos relatos de indivíduos que buscam obter a efetivação de um direito, mas que quando adentram as portas do judiciário são travados diante da burocracia e também da morosidade. Com vários episódios em que textos legais claros são questionados demonstram o verdadeiro enfraquecimento do sentimento constitucional. Ao se buscar um bem jurídico o primeiro desejo do agente é se o resultado será ágil ou não.

Como solução para essa morosidade do trâmite processual de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, deve-se trazer a possibilidade de se colocar esses casos como prioridade no trâmite processual para que se obtivesse uma celeridade nos julgamentos desse crime.

2.3 Apontamento de um Caso Real

Em 2022, mais precisamente no mês de setembro, a história sobre uma menina de 11 anos que reside no munícipio de Teresina/PI veio átona, onde a mesma causou grande revolta àqueles que a ouviram, haja vista, por conta de que a menina estava grávida pela segunda vez após sofrer um estupro. A primeira violência sexual foi ocasionada pelo seu próprio primo de 25 anos em janeiro de 2021, onde ela veio a engravidar e dar à luz em setembro do mesmo ano. Segundo meios de comunicação (G1, Folha de S. Paulo, Fantástico, 2022) a mãe da criança não autorizou a realização do aborto legal.

No ano de 2022 a menina foi novamente foi vítima do mesmo crime, ocasionada pelo seu próprio tio, onde como resultado gerou-se uma nova gravidez oriunda do estupro. A mãe continua a negar a realização do aborto legal. E enquanto todo esse drama ocorre a jovem continua a não frequentar a escola, tem uma relação conflituosa com os pais e passou a morar em um abrigo. Foram os educadores do espaço que desconfiaram que ela estava novamente grávida.

Essa morosidade trouxe como consequência a impunidade e possibilidade dos agressores continuarem em liberdade e praticando os abusos contra a menor, esses abusos contínuos resultaram na gravidez da menor, e para piorar a situação, com essa falta de impunidade ao estupro sofrido pela criança e pela ausência de proteção e punição, mantiveram a menor em situação de vulnerabilidade e convivendo com os agressores, e sem nenhum acompanhamento e proteção judicial, o que possibilitou que ele fosse estuprada pela segunda vez o que resultou em uma segunda gravidez também fruto de outro estupro.

Mesmo que tentem correr atrás de uma resposta para tamanha situação de abandono, nada irá mudar todo o trauma sofrido pela criança, e pensar que tudo isso poderia ser evitado, pois a primeira gravidez não precisaria ter acontecido se toda a rede de proteção estivesse presente no caso, cada qual com sua responsabilidade.

2.4 A Necessidade de mais Rigidez na Punição

Segundo dados do Ministério da Saúde (2021) o Brasil chegou a registrar 47 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, onde cerca de 84% das vítimas eram mulheres, onde 56% eram negras e 71% de todos os casos ocorrem dentro do seu ambiente familiar.

Ainda sobre o tema, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estáticas (IBGE) em junho de 2022, através de uma pesquisa constatou que um em cada sete adolescentes já sofreu algum tipo de violência sexual. Os dados foram fornecidos pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) nos anos de 2009 a 2019, onde foram ouvidos alunos do 9ª ano do ensino fundamental de capitais do país.

Em outra pesquisa, feita pelo Fórum de Segurança, foi mostrado que em nosso país por hora pelo menos quatro meninas menores de 13 anos são vítimas de estupro. Onde, por ano, mais de 21 mil ficam grávidas antes dos 14 anos. Sendo que a maioria das vítimas de estupro possuíam algum vínculo com o autor.

É necessário mudar esses dados, não se deve mais permitir nem normalizar crimes sexuais contra a criança e adolescente, nem permitir que esses crimes continuem a ser praticados sem uma resposta à altura de sua gravidade. Afinal, a proteção da criança e do adolescente, além de ser um dever do Estado, também é uma responsabilidade de todos. É necessário um aumento do dobro da pena já existente, que mesmo com suas qualificadoras não atingem a pena máxima de 40 anos trazidas pelo pacote anticrime.      

Como visto  acima, a  pena do crime de estupro de vulneráveis praticamente se equivale a sanção do estupro simples, porém é preciso que haja um debate macro em torno de uma punição por meio de sanção maior e superior do que tange a punição dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, principalmente pelas sequelas como até a morte, o ato em si já consolida a morte de uma fase adulta, a morte de uma juventude, porque ceifa toda as etapas da vida que são tão importantes de serem vivenciadas de forma protetiva, tranquila, harmoniosa.

Faz-se necessário ter um olhar mais crítico de todas os meios legais de proteção em relação a crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes, pois é nítido que a punição existente para tais crimes é uma punição branda diante da gravidade e das consequências que traz para as vítimas.

Se faz necessário, no caso de tais crimes, uma punição mais rígida que traga uma mensagem para tais agressores, mensagem que diga que tal crime não será tolerável, é que se faz necessário o Estado entrar com uma mão de ferro. É triste ver que tais dados de abusos só aumentam com o passar dos dias, isso mostra um triste reflexo da realidade.

3 A RETIRADA DO PRAZO PRESCRICIONAL EXISTENTE PARA OS CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Antes de dar início a abordagem do tema faz-se necessário primeiro falar sobre o que é prescrição, segundo Beviláqua (apud 2021) prescrição é a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, por causa ao não-uso delas, em um determinado espaço de tempo.

Nesse sentido, a prescrição é a perda do direito de ação, no âmbito penal ela se relaciona a perda do direito de oferecimento da denúncia, ou seja, a prescrição determina o prazo que o Estado tem para punir um crime, que varia de acordo com a pena do ilícito.

3.1 A Lei Joana Maranhão

Para tentar oferecer mais segurança e fazer com que aqueles que cometeram tal crime sejam punidos, em decorrência da Lei Joana Maranhão, a contagem de tempo para a prescrição, ou seja, o tempo para oferecimento da denúncia só começa a contar da data em que a vítima fizer 18 anos, na hipótese em que o Ministério Público antes da vítima completar a idade citada, não tenha aberto a ação penal contra o agressor. Diante disso, as vítimas de estupro possuem até 20 anos após a prática do crime para denunciarem o agressor.

Tal ideia surge por conta de ser mais fácil após a maturidade compreender o que aconteceu e ter independência para fazer a denúncia, pois, muitas vezes, há a dependência financeira da vítima em relação ao abusador. Havendo também, aqueles casos em que a criança se sente protegida por seu abusador e que caso falasse para alguém o que ocorreu, estaria, de certa forma, traindo o abusador, por muitas vezes não compreender o que estava acontecendo. Com o intuito de manter o ato em segredo, o abusador se utiliza do medo, da humilhação ou tenta passar a ideia de que a culpa é da vítima e que a está protegendo.

De acordo com Watson (apud Regiane Bueno Araújo; Jéssica Riélly Katchorovski; Géssika Wroblewski, 2018):

O abuso sexual deixa a maioria das pessoas incomodadas. É triste pensar que os adultos causem dor física e psicológica nas crianças para satisfazer seus próprios desejos, especialmente quando esses adultos são amigos confiáveis membros da família (WATSON 1994, p.12).

Por isso a legislação brasileira reconhece a importância desse tema, reconhecer a situação especial das crianças e dos adolescentes é o primeiro passo, contudo isso não é a única medida que deve ser tomada, criar mecanismos legais para a proteção e prevenção, estabelecer eles como prioridade nas medidas públicas, ter o apoio em conjunto de todos, e ter uma efetividade punitiva são exemplos de medidas a serem tomadas para assim impedir a violação dos direitos das crianças e adolescentes. 

3.2 Equiparação Legal aos Crimes Imprescritíveis

O crime de racismo por grande pressão social tornou-se, através da Lei n° 7.716/1989, um crime imprescritível, tendo como umas das justificativas que o racismo é um crime que agride a dignidade humana. Diante disso, foi apresentado no presente artigo o questionamento do porque o legislador ainda não tornou os crimes sexuais contra criança e adolescente um crime imprescritível, já que é um crime tão repugnante, desprezível e danoso às vítimas e a sociedade como os outros que se tornaram imprescritíveis.

A violência sexual é a quarta violação mais recorrente no Disque Direitos Humanos, a porcentagem seria bem maior com crimes sexuais praticados contra criança e adolescente se estes fossem computados, já que existe uma enorme de dificuldade para realizar a denúncia por diversos motivos já citados nesse artigo.

Os crimes sexuais contra crianças e adolescentes violam os direitos humanos, e não permite que a criança se desenvolva de forma digna, atrapalhando seu desenvolvimento social.  A violência pode gerar nas crianças e adolescentes problemas sociais, emocionais e psicológicos capazes de impactar fortemente a sua saúde ao longo de sua existência.

As consequências do abuso sexual são várias, aponta Santo Miranda (2012, p. 96 a 97) que as consequências se dividem em emocionais, cognitivas e comportamentais, tendo efeitos a curto, médio e a longo prazo. Por conta de tais crimes ocorrerem quando as vítimas estão em uma fase de desenvolvimento, o reconhecimento da ocorrência do crime até o surgimento da coragem necessária para oferecimento da denúncia pode demorar muito e por conta de diversas barreiras, podem a vir nunca a acontecer.

Portanto, o combate aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes necessita das políticas de ações preventivas e do comprometimento das instituições, garantindo proteção integral de crianças e adolescentes.

Trazer a discussão sobre tornar os crimes sexuais contra crianças e adolescentes como um crime imprescritível é uma alternativa que irá facilitar a realização da denúncia, e a punição ao agressor juntamente com o aumento na rigidez da punição aos agressores que cometem esse crime.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os agressores que cometeram crimes sexuais contra crianças e adolescentes, enquanto não são punidos acabam por novamente tornarem a criança/adolescente vítima desse crime, podendo até mesmo fazer novas vítimas. Para que ocorra um combate eficiente aos crimes sexuais é necessário um trabalho em conjunto de toda a sociedade para que assim seja possível alcançar um cenário melhor, pois tais crimes estão envoltos de ameaças, medo, culpa e vergonha.

O problema de pesquisa inicialmente apontado pode se desenvolver da seguinte perspectiva, de que só será possível alcançar a efetividade punitiva se ocorrer a adesão de medidas que facilitem as vítimas de realizarem a denúncia, a adesão de medidas protetivas adequadas e fazer com que o agressor receba uma punição mais rígida com aumento de pena e retirada de garantias processuais, isso de forma célere e efetiva.

Não se trata aqui de um caminho fácil de percorrer, mas de um caminho que deve ser vencido para se alcançar uma sociedade mais segura para que as crianças e adolescentes possam crescer e se desenvolver de forma saudável e protegida.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Código Penal, DECRETO LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940, TÍTULO VIDOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES, CAPÍTULO IDOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL, TÍTULO VIDOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), CAPÍTULO IDOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), art.s 213 ao 216-A,  CAPÍTULO IIDOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), arts. 217-A ao 218-C, Disponível em: <DEL2848 (planalto.gov.br)>;

BRASIL, Constituição Federal, 1988, CAPÍTULO VII – Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010), art. 227, Disponível em: <Constituição (planalto.gov.br)>;

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990, Título I – Das Disposições Preliminares, arts. 3°, 5° e 6°, Título III – Da Prevenção, Capítulo IDisposições Gerais, arts. 70 e 71, Disponível em: <L8069 (planalto.gov.br)>;

BRASIL, Sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, Lei n° 13.431/2017, TÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS, art. 4°, inciso III, alíneas “a”, “b” e “c”, Disponível em: <L13431 (planalto.gov.br)>;

BRASIL, Lei do Crime Racial, Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, Disponível em: < L7716 (planalto.gov.br)>;

CAPEZ, Curso de Direito Penal Vol. 3 – Parte Especial, Ed. 17°, 2019, p.63;

CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO, Quanto tempo a Justiça do Brasil leva para julgar um processo?, 1 de novembro de 2016, Disponível em: <Quanto tempo a Justiça do Brasil leva para julgar um processo? – CFA>, Acesso em: 13/03/2023 às 12h50;

FLORENTINO, Bruno Ricardo Bérgamo, As possíveis consequências do abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes, Fractal, rev. psicol. 27 (2), Scielo – Brasil, junho de 2015, Disponível em: < SciELO – Brasil – As possíveis consequências do abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes As possíveis consequências do abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes>, Acessado em: 15/10/2022;

FACHINI, Tiago, Prescrição e decadência: conceitos, quando ocorre e prazos, PROJURIS – 09 de fevereiro de 2021, Disponível em: <Prescrição e decadência: conceitos, quando ocorre e prazos (projuris.com.br)>, Acessado em: 19/03/2023, 17h33;

G1 BA, 13/10/2022 17h15, Violência sexual contra crianças e adolescentes é crime e deve ser denunciado; ‘Disque 100’ é ferramenta segura para denúncias, Disponível em: <Violência sexual contra crianças e adolescentes é crime e deve ser denunciado; ‘Disque 100’ é ferramenta segura para denúncias | Bahia | G1 (globo.com)>, Acesso em: 14/10/2022, 10h34

GOBBI, José Tadeu, 01/09/2017 às 02h, ‘A descrença nas leis e no Judiciário é a porta aberta para a barbárie’, diz leitor, Disponível em: < ‘A descrença nas leis e no Judiciário é a porta aberta para a barbárie’, diz leitor – 01/09/2017 – Painel do Leitor – Folha de S.Paulo (uol.com.br)>, Acessado em: 11/04/2023 às 10h43.

HOSPITAL SANTA MÔNICA, 27/09/2018, Traumas na infância: como influenciam na saúde mental?, Disponível em: < Traumas na infância: como influenciam na saúde mental? – Hospital Santa Mônica (hospitalsantamonica.com.br)>, Acessado em: 09/09/2022, 13h45.

MOTTI, Ângelo, F4 – VIOLENCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: Marcos Conceituas – Abuso Sexual, Fundação Demócrito Rocha, 2019;

MARIE CLAIRE, 11 SET 2022 – 12H54, Menina de 11 anos que teve aborto negado volta a engravidar por estupro, Disponível em: <Menina de 11 anos que teve aborto negado volta a engravidar por estupro no Piauí – Revista Marie Claire | Violência de Gênero (globo.com)>, Acesso em: 13/10/2022 – 17h56.

PAIVA, Leila, F1 – DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: Contexto histórico e fundamentos, Fundação Demócrito Rocha, 2019;

PEREIRA, Adfran Gonçalves, 11/05/2020 às 15h51, A distopia entre a eficiência e a ineficácia judicial, Disponível em: <A distopia entre a eficiência e a ineficácia judicial – Jus.com.br | Jus Navigandi>, Acesso em: 10/03/2023 às 07h38;

REGIANE BUENO ARAÚJO, JÉSSICA RIÉLLY KATCHOROVSKI E GÉSSIKA WROBLEWSKI, 24/11/2018 às 12h04, O abuso sexual na infância e suas repercussões na vida adulta, Disponível em: < O abuso sexual na infância e suas repercussões na vida adulta – Jus.com.br | Jus Navigandi>, Acesso em: 12/09/2022, 13h08.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, 2011, p. 60.


¹Bacharelanda em Direito – UNIFSA. Email: mpereiradesousa644@gmail.com
²Bacharelando em Direito – UNIFSA. Email: victoremanoelal14@gmail.com
³Professora e Orientadora do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). Mestre e Doutora em Políticas Públicas (UFPI) . Email: izabelherika@unifsa.com.br