REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7740860
Lucas Emmanuel Rodrigues Lima1;
Raissa Cardoso dos Santos²;
Maria Clara Lima Barbosa Cardoso3;
Marcela Bezerra de Menezes Ponte2;
José Evando da Silva Flho3;
Ticiana Medeiros de Saboia Arnez4;
Maria Vieira de Lima Saintrain5.
INTRODUÇÃO:
Em dezembro de 2019, um novo vírus causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), originou-se em Wuhan, China; oficialmente nomeado pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus como SARS-CoV-2. Este agente infeccioso é responsável pela doença Coronavírus 2019, popularmente conhecida como COVID-19, que rapidamente se espalhou por todo o mundo, dando início a uma pandemia (WHO, 2019; SOHRABI et al., 2019).
A COVID-19 chegou à América Latina em 25 de fevereiro de 2020, quando o Ministério da Saúde do Brasil confirmou o primeiro caso da doença, um homem brasileiro, de 61 anos, que viajou de 9 a 20 de fevereiro de 2020 para a Lombardia, norte da Itália, onde estava ocorrendo um surto significativo. Até o dia 26.03.2020, de acordo com os dados do Ministério da Saúde, o Brasil já apresentava 2.915 casos confirmados da COVID-19 e 77 óbitos. Enquanto isso ocorria, no mundo, um aumento do número de casos e mortes, chegando a 526.006 pessoas contaminadas com 23.720 óbitos (BRASIL-MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020; LIMA et al., 2020).
Enquanto isso, na data de 30 de maio, foi contabilizado mundialmente 5.796.257 casos de COVID-19 e 362.483 óbitos, sendo, destes, 2.698.714 registrados nas Américas, com 76.253 óbitos (WHO, 2020). No cenário nacional, em 11 de junho de 2020 o Brasil já registrava 498.440 casos confirmados e 100 mil novos em três dias. Neste período, o Estado do Ceará acumulava mais mortes do que a China, quando alcançou 4.708 vítimas fatais resultante da COVID-19, o que significa que a doença se encontrava em transmissão descontrolada (BRASIL-MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).
Pesquisadores constataram que no Brasil, 40,4% dos pesquisados, durante a pandemia da COVID-19, se perceberam tristes ou deprimidos, e 52,6% ansiosos ou nervosos; 43,5% relataram problemas de sono, enquanto 48,0%, este problema de sono foi agravado após a pandemia (BARROS et al., 2020).
Bezerra et al. (2020) inferiram diferenças significativas quanto ao medo de ser infectado; preocupação se alguém tivesse que sair de casa; mudanças na rotina; sentir-se triste; incapacidade de imaginar uma solução para esse problema; e alterações no padrão de sono entre as pessoas que estavam em isolamento social decorrente da pandemia da COVID-19 das que não estavam.
No mesmo entendimento, Souza et al. (2021) exibiram que a prevalência do estresse severo foi de 21,5%, ansiedade 19,4% e depressão 21,5%, principalmente entre mulheres com histórico de ansiedade e depressão, aumento do uso de medicamentos e sintomas de COVID-19.
Consequentemente, a elevada taxa de disseminação da COVID-19 tem despertado a curiosidade da comunidade científica, uma vez que um dos fatores mais importantes na avaliação do perigo representado por uma epidemia é a transmissibilidade de seus patógenos (MORAES et al., 2021). Desde o surto dessa pandemia, o distanciamento social tem sido proposto pelos governos locais como medida de saúde pública fundamental para controle da disseminação da COVID-19 (ADALJA; TONER; INGLESBY, 2020). No Brasil, foi adotada a Lei da Quarentena, n. º 13979 (Presidência da República, 2020), com o objetivo de barrar a transmissão do vírus (RABELO et al., 2021).
Neste contexto, o Governo do Estado do Ceará, através de um decreto estadual com início a partir do dia 20.03.2020, determinou o distanciamento social visando conter propagação da primeira onda (GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, 2020; LIMA et al., 2020) da COVID-19 que, naquele momento, contava com 20 casos notificados, sendo o estado da Região Nordeste com maior número de pacientes infectados e o quarto lugar dentre todos os estados brasileiros. Em 26.03.2020, os casos positivados para a COVID-19 subiram para 235 pessoas, com 3 mortes, passando o estado a ocupar a terceira posição no País. Apesar de ser uma das medidas mais eficazes no combate à propagação da pandemia, o distanciamento pode ter influências sociais e psicológicas diretas e indiretas agora e no futuro, o que requer atenção das autoridades de saúde (HOLMES et al., 2020).
A pandemia COVID-19 que levou as autoridades de saúde pública a impor medidas de bloqueio como uma estratégia de controle epidemiológico pode afetar a saúde física e mental das pessoas e, portanto, tem um forte impacto negativo nos comportamentos de estilo de vida saudáveis (BALANZÁ-MARTÍNEZ et al., 2020).
Por exemplo, a permanência prolongada em casa pode levar a um crescimento de comportamentos sedentários devido a uma redução na quantidade de atividade física diária realizada (CHEN et al., 2020). Da mesma forma, tem sido sugerido que devido a este período de atenuação abrupta da atividade física, mudanças nas atitudes alimentares, como comer demais começarão a surgir (MARTINEZ-FERRAN et al., 2020), colocando as pessoas em risco de desenvolver ou exibir um transtorno alimentar. Essa falta de exercício físico diário devido ao isolamento social também foi considerado um fator de risco potencial que afeta negativamente a qualidade do sono (CELLINI et al., 2020).
O distanciamento social ocasiona mudanças no padrão de convivência nos ambientes de trabalho e familiares, despertando sentimentos de solidão, medo, depressão e ansiedade generalizada, juntamente ao temor ocasionado pela alta taxa de transmissão viral, em decorrência da rapidez, invisibilidade, e morbimortalidade da COVID-19 (LIN, 2020). Consequentemente, a contaminação viral induz a outros desafios psicossociais, incluindo estigmatização e discriminação de pessoas infectadas, (PAPPAS et al., 2009), além de desenvolver desumanização alimentada pela distância entre as pessoas (HUANG; ZHAO, 2020). Com isso, é preciso incitar uma compreensão oportuna de que manter o status da saúde mental é urgentemente necessário para a sociedade (XIANG et al., 2020).
Uma revisão de literatura mostra tais impactos sociais, principalmente psicológicos como estresse pós-traumático, raiva e confusão, resultado dos efeitos da quarentena em 11 mil residentes ou médicos acometidos por vírus causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio MERS, Síndrome Respiratória Aguda Grave SARS, Influenza H1N1 e Ebola (BROOKS et al., 2020). Dois estudos demonstraram que a depressão durante o período da pandemia do coronavírus teve um aumento, de acordo com as seguintes variáveis: menor nível de escolaridade, desemprego, ser mulher, ter um conhecido infectado com COVID-19, ter histórico de situações estressantes e problemas médicos. (DUARTE et al., 2020; MAZZA et al., 2020). Conhecer os impactos de uma pandemia, considerando a alta velocidade de disseminação da COVID-19, que ocasionou o colapso dos sistemas de saúde pública em todo o mundo, ainda são imprescindíveis para melhor elucidar a relação entre a COVID-19 e os fatores associados ao seu resultante estresse psicossocial (BEZERRA et al., 2020).
Desta forma, o estudo teve como objetivo avaliar o impacto social na primeira onda da pandemia COVID-19 no estado do Ceará.
Tornando-se relevante pelo intuito de resgatar e analisar o conjunto de variáveis que afetaram as comunidades.
METODOLOGIA
Estudo transversal, descritivo e analítico que faz parte de um projeto maior, intitulado “Do novo coronavírus SARS CoV-2 à pandemia da COVID-19: A carga da doença e desdobramento para ações de prevenção em Saúde Coletiva no Estado Brasileiro”, aprovado pelo Edital 01/2020 e desenvolvido com apoio da Diretoria de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, da Universidade de Fortaleza–UNIFOR. Esta pesquisa foi viabilizada em ambiente virtual, por meio de redes sociais Instagram e/ou WhatsApp, cujo método se justifica em consequência do estado pandêmico da COVID-19. O questionário ficou disponibilizado nas redes sociais no período de 24 de junho a 01 de julho de 2020, obedecendo todos os critérios éticos, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza, Parecer 4.074.087, garantindo o cumprimento das normas constantes das Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil (BRASIL 2012, BRASIL, 2016).
COLETA DE DADOS
Para este estudo foi realizado um recorte do questionário principal, tendo como abrangência a população do Estado do Ceará. O questionário foi construído a partir de perguntas fechadas contendo aspectos sociodemográficos e seis perguntas versando sobre as características de saúde dos participantes durante a primeira onda da COVID-19 no Ceará. Foram investigados: gênero (masculino/feminino), faixa etária (18/19 anos, 20-29 anos, 30-39 anos, 40-49 anos, 50-59 anos, 60 anos ou mais), estado civil (casado/união estável, divorciado, solteiro ou viúvo), nível de escolaridade (fundamental completo/incompleto, médio completo/incompleto, superior completo/incompleto, pós-graduado completo/incompleto), vínculo empregatício (aposentado/pensionista, autônomo, desempregado, emprego com carteira assinada, servidor público), renda familiar (1 e 2 salários mínimos, 2 e 5 salários mínimos, 5 e 8 salários mínimos, mais de 8 salários mínimos, menos de 1 salário mínimo) e se precisou de algum apoio financeiro decorrente da pandemia da COVID-19 (sim/não).
As perguntas realizadas foram: P1: Onde você mora as pessoas estão em isolamento social? (muitos não estão cumprindo o isolamento social/sim, todos/ só não os trabalhadores de funções essenciais); P2: Algum familiar teve COVID-19? (sim/não); P3: Teve óbito por COVID-19 na família? (sim/não); P4: Relacionado à sua saúde você apresenta doença (s) crônica (s)? (sim/não); P5: Como se sente em relação a sua saúde atual? (estou satisfeito com meu estado de saúde/não estou satisfeito com meu estado de saúde); P6: Foi hospitalizado? (sim/não).
ANÁLISE ESTATÍSTICA
A análise de dados foi realizada com auxílio do software “Statistical Package for Social Science” SPSS versão 24.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA), tendo sido calculadas frequências absoluta e relativa para variáveis qualitativas, bem como, média, desvio padrão, mínimo e máximo para as quantitativas. As associações entre as variáveis foram verificadas por meio do teste Qui-quadrado. A magnitude da associação entre variáveis explicativas e desfecho foi expressa em estimativas pontuais e intervalares de razão de prevalências (RP). Na obtenção das estimativas de RP ajustadas para variáveis de confusão, foi realizada a análise multivariada, utilizando o modelo de regressão de Poisson. Ficaram selecionadas para a análise multivariada as variáveis que se associaram com o desfecho na análise bivariada, com valor de p<0,20, e mantidas no modelo final somente aquelas com associação significante no nível de p <0,05.
RESULTADOS
Um total de 1958 participantes respondeu o questionário. Houve predominância do sexo feminino (74,8%), casados/união estável (54,5%), faixa etária de 30 a 39 anos (30,5%), pós-graduação completa ou incompleta (54,1%), atuação de emprego no serviço público (28,2%) e renda de 8 salários mínimos (32,4%). (Tabela 1)
Tabela 1. Distribuição de frequências das características sociodemográficas de pessoas durante a primeira onda da COVID-19. (N=1.540). Ceará – Brasil, 2020
Variáveis | N | % |
Faixa etária | ||
Até 19 anos | 41 | 2,1 |
20 a 29 anos | 541 | 27,6 |
30 a 39 anos | 598 | 30,5 |
40 a 49 anos | 393 | 20,1 |
50 a 59 anos | 265 | 13,5 |
60 ou mais | 120 | 6,1 |
Sexo | ||
Masculino | 493 | 25,2 |
Feminino | 1465 | 74,8 |
Qual sua escolaridade? | ||
Nível fundamental completo ou incompleto | 24 | 1,2 |
Nível médio completo ou incompleto | 162 | 8,3 |
Nível superior completo ou incompleto | 713 | 36,4 |
Pós-Graduado Completo ou incompleto | 1059 | 54,1 |
Qual seu estado civil? | ||
Casado (a) /União estável | 1068 | 54,5 |
Divorciado (a) | 132 | 6,7 |
Solteiro | 746 | 38,1 |
Viúvo (a) | 12 | ,6 |
Qual seu vínculo empregatício? Estado civil | ||
Aposentado/Pensionista | 77 | 3,9 |
Autônomo | 523 | 26,7 |
Desempregado | 276 | 14,1 |
Emprego com carteira assinada | 530 | 27,1 |
Servidor público | 552 | 28,2 |
Qual a sua renda familiar? | ||
Entre 1 e 2 salários-mínimos | 360 | 18,4 |
Entre 2 e 5 salários-mínimos | 566 | 28,9 |
Entre 5 e 8 salários-mínimos | 313 | 16,0 |
Mais de 8 salários-mínimos | 635 | 32,4 |
Menos de 1 salário-mínimo | 84 | 4,3 |
Você precisou de apoio financeiro por consequências da pandemia de COVID-19? | ||
Sim | 531 | 27,1 |
Não | 1427 | 72,9 |
A Tabela 2 apresenta os resultados relativos às perguntas realizadas com o total dos participantes (n=1540), o fato de que 39,0% não cumpriram o isolamento social porque eram trabalhadores em funções essenciais; 58,5% tiveram algum familiar com COVID-19; 10,7% tiveram óbito na família; 77,3% não apresentavam doenças crônicas; 81,3% estavam satisfeitos com seu estado de saúde.
Tabela 2. Distribuição de frequências das características de saúde de pessoas acometidas pela COVID-19 durante a primeira onda. Ceará – Brasil, 2020
Variáveis | N | % |
Onde você mora as pessoas estão em isolamento social? | ||
Muitos não estão cumprindo o isolamento social | 711 | 36,3 |
Sim, todos | 483 | 24,7 |
Só não estão os trabalhadores de funções essenciais | 764 | 39,0 |
Algum familiar teve COVID-19? | ||
Sim | 1145 | 58,5 |
Não | 813 | 41,5 |
Teve óbito por COVID-19 na família? | ||
Sim | 209 | 10,7 |
Não | 1749 | 89,3 |
Relacionado à sua saúde, você apresenta doença (s) crônica (s)? | ||
Sim | 445 | 22,7 |
Não | 1513 | 77,3 |
Como se sente em relação à sua saúde atual? | ||
Estou satisfeito com o meu estado de saúde | 1591 | 81,3 |
Não estou satisfeito com o meu estado de saúde | 367 | 18,7 |
Na tabela 3, observa-se uma análise bivariada sobre o desfecho de ter tido COVID-19, segundo as características sociodemográficas de pessoas durante a primeira onda no Estado do Ceará, Brasil 2020. Em relação a variável ‘faixa etária’ foi observada que a idade mais acometida pela COVID-19 foi de 30-39 anos de idade. A variável ‘estado civil’, os casados/união estável foi o grupo mais acometido e a variável ‘vínculo empregatício’ com carteira assinada, o tipo de emprego mais acometido pela doença. Na análise das demais varáveis independentes, não se constataram diferenças significativas na comparação dos grupos.
Tabela 3. Análise bivariada do desfecho ter tido COVID-19, segundo características sociodemográficas de pessoas durante a primeira onda no Estado do Ceará – Brasil, 2020
Fonte: dados da pesquisa. RP = Razão de Prevalência. Teste qui-quadrado
A tabela 4 expõe análise bivariada sobre o desfecho ter tido COVID-19, segundo características de saúde de pessoas durante a primeira onda da pandemia no Estado do Ceará – Brasil, 2020. A variável ‘algum familiar teve COVID-19’ resultou em 446 respostas (77,1%) dos entrevistados apresentaram COVID-19, contra 699 respostas (50,9%) não desenvolveram a doença causada pelo vírus SARS-CoV-2. Na variável ‘como se sente em relação a sua saúde atual’ dos 456 participantes (77,8) diz está satisfeito com seu estado de saúde contra 1135 (82,7%) que não tiveram COVID-19 e estão satisfeitos com seu estado de saúde. Na análise das demais variáveis, não se constataram diferenças significativas na comparação das características de saúde.
Tabela 4. Análise bivariada do Desfecho Ter tido COVID-19 segundo características de saúde de pessoas durante a primeira onda da pandemia no Estado do Ceará – Brasil, 2020
A tabela 5 apresenta resultados finais da análise de regressão logística multivariada convencional. Dentre as cinco, variáveis que obtiveram uma significância na análise bivariada e que, portanto, foram incluídas no modelo multivariado, três delas permaneceram no modelo final: faixa etária; vínculo empregatício e familiar que teve COVID-19.
Tabela 5. Modelo multivariado Regressão de Poisson para o desfecho “Ter tido COVID-19” em pessoas durante a primeira onda da pandemia no Estado do Ceará – Brasil, 2020
Variáveis | RP ajustada | IC 95% | Valor p |
Faixa etária | |||
Até 19 anos | 2,64 | 1,39 – 4,99 | 0,003 |
20 a 29 anos | 2,11 | 1,32 – 3,37 | 0,002 |
30 a 39 anos | 2,43 | 1,54 – 3,85 | <0,001 |
40 a 49 anos | 2,95 | 1,86 – 4,66 | <0,001 |
50 a 59 anos | 2,14 | 1,36 – 3,36 | 0,001 |
60 ou mais | 1 | . | |
Qual seu vínculo empregatício? | |||
Aposentado/Pensionista | 1,93 | 1,25 – 2,98 | 0,003 |
Autônomo | 1,31 | 1,03 – 1,67 | 0,029 |
Emprego com carteira assinada | 1,35 | 1,06 – 1,73 | 0,015 |
Servidor público | 1,09 | 0,84 – 1,41 | 0,537 |
Desempregado | 1 | ||
Algum familiar teve COVID-19? | |||
Sim | 2,25 | 1,9 – 2,66 | <0,001 |
Não | 1 |
DISCUSSÃO
Iniciada na cidade de Wuhan, na província de Hubei, localizada no sudeste da China, a COVID-19 teve seus primeiros pacientes diagnosticados em novembro de 2019 e, cedo, espalhou-se pelo resto do país (WHO, 2019). Logo, países próximos e que recebem grande quantidade de viajantes oriundos da China, como Japão e Coreia do Sul, apresentaram seus primeiros casos. Contudo, a propagação maior deu-se de leste para oeste, atingindo países asiáticos e, posteriormente, os europeus (ZHUANG et al., 2020).
A realidade do mundo modifica-se diante do novo coronavírus (WHO, 2020) Até março de 2020, o vírus se espalhou por 203 países e foi oficialmente declarado o estado de pandemia pela Organização Mundial da Saúde. Em um curto intervalo de tempo, o distanciamento social tornou-se mandatório para que a velocidade de disseminação do vírus fosse minimizada tanto para proteção de toda a população — especialmente os mais vulneráveis — como para evitar sobrecarga e consequente colapso dos sistemas de saúde (STEFANA et al., 2020)
Objetivando o achatamento da curva de infecções e internações por COVID-19, o discurso quase consensual pelo isolamento e distanciamento social, apesar de conflitante entre as esferas municipais, estaduais e federais no Brasil, reverberou como a mais potente estratégia de prevenção em meio à pandemia, e foi assim que o mundo respondeu (ZHUANG et al., 2020).
Instituíram-se medidas protetivas, sobretudo direcionadas ao grupo de mais elevado risco, idosos portadores de doenças crônicas, porém essa relevante intervenção tem seus potenciais efeitos deletérios. A redução da frequência de atividades físicas é um exemplo do que já se antevia; o aumento da violência domiciliar, um exemplo do inesperado. Entre esses potenciais danos não intencionais, os impactos sobre a saúde mental e as barreiras ao acompanhamento e o manejo das doenças crônicas tornaram-se dois dos maiores problemas de geriatras e especialistas em gerontologia (SOHRABI et al., 2020).
A grande responsabilidade da comunidade em conter a progressão da pandemia estava no fato de que muitos sistemas de saúde poderiam colapsar, como de fato ocorreu em alguns países. Em estudo com 182 países, constatou-se que 33% tinham baixa capacidade de responder a um evento de saúde pública e 24% possuíam pouca capacidade funcional disponível, mesmo com o apoio de recursos vindos de outros lugares. Entre esses eventos incluem-se as doenças infecciosas (KANDEL et al., 2020; LIMA et al., 2020).
No presente estudo, no total de 1958 participantes, 39,0% não cumpriram o isolamento social porque eram trabalhadores em funções essenciais (Tabela II). Existe uma discussão na mídia e no senso comum de que a parcela com menor renda está praticando menos o isolamento social em relação àquela com maior renda, principalmente em função da necessidade de locomoção para o trabalho, uma vez que a população mais pobre está vinculada a atividades essenciais que não pararam, e a população com maior renda está, de forma geral, mais vinculada às atividades que pararam e/ou estabeleceram o trabalho remoto (BEZERRA et al., 2020).
As pandemias já causaram graves danos durante toda a História. Nos últimos três séculos ocorreram pelo menos dez grandes pandemias, que em poucas semanas, causaram grande impacto na morbimortalidade, afetando principalmente crianças e adultos jovens e provocando situações de ruptura social. A cidade de Fortaleza chegou a ter mil mortos em um só dia na epidemia de varíola ocorrida em 1868 (REIS, 2001; BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). Pessoas de todas as idades podem ser infectadas por coronavírus (CHENG; SHAN, 2019).
Os resultados da pesquisa revelam que 58,5% tiveram algum familiar com COVID-19 (Tabela II) e que em relação a variável “faixa etária” foi observado maior acometimento da faixa etária de 30-39 anos de idade (Tabela III). Os dados obtidos no vigente estudo demonstram a mesma prevalência, isso pode ser explicado pelo perfil da população brasileira, a qual é composta, majoritariamente, por jovens adultos e que provavelmente, isso ocorre por que essa faixa etária tem uma baixa adesão ao isolamento social. (RENTE et al., 2020; CRODA et al., 2020; SANTOS et al., 2020; GIRÃO et al., 2020).
CONCLUSÃO
É possível constar que a aproximação da COVID-19 no estado do Ceará gerou impactos significativos em relação ao isolamento social, que se refletem nos diversos segmentos da sociedade, seja em função da renda, sexo, escolaridade, condições de habitação etc. Essa pesquisa buscou fazer isso, ao estabelecer algumas correlações entre variáveis que podem guiar diferentes estratégias para distintos públicos. É notório, e os dados também revelaram, que as populações mais pobres sofrem um impacto maior do isolamento, especialmente em relação à renda.
Mesmo diante da vulnerabilidade social que a pandemia tem gerado, um ponto chave para seu enfrentamento é a diminuição da circulação de pessoas nas ruas e nos espaços públicos coletivos. Os dados da pesquisa mostraram que a faixa etária mais acometida foram adultos jovens de 30 a 39 anos de idade, que a variável “vínculo empregatício” com carteira assinada o tipo de emprego mais acometido pela SARS-CoV-2, assim como, a variável “algum familiar teve COVID-19”. Diante desse quadro é necessário o melhor entendimento possível de como a estratégia de isolamento social é percebida pela sociedade e quais os impactos dessa estratégia na vida das pessoas. Assim, também, investigar diferentes formas de ação para que o isolamento afete menos o bem-estar social e a condição financeira, sendo um desafio a ser enfrentado daqui para frente.
REFERÊNCIAS
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1 Cirurgião-Dentista pela Universidade de Fortaleza – Bolsista de IC (CNPq)
2 Cirurgiã-Dentista pela Universidade de Fortaleza
3 Graduando em Odontontologia Pela Universidade de Fortaleza
4 Docente do Departamento de Odontopediatria da Universidade de Fortaleza
5 Docente do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Fortaleza