COVID-19 E O IMPACTO NA VIGILÂNGIA E ASSOCIAÇÃO DE OUTRAS DOENÇAS TROPICAIS E DERMATOLÓGICAS NEGLIGENCIADAS

COVID-19 AND THE IMPACT ON SURVEILLANCE AND ASSOCIATION OF OTHER NEGLECTED TROPICAL AND DERMATOLOGICAL DISEASES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412101602


Isa Gabrielle Jesus Mendes Moura Medeiros 1
Maria Simone Lopes 1
Milena Débora Cardoso 1
Denise Evelyn Machado de Almeida 2
Karina Rodrigues dos Santos 3


Resumo

O presente artigo buscou analisar, com base na literatura científica, o impacto da COVID-19 na vigilância e associação de outras doenças tropicais e dermatológicas, em um serviço de atenção à saúde em Dermatologia. Foi realizado um estudo epidemiológico, transversal, exploratório e quantitativo a partir da coleta de dados de um Centro de Especialidades em Saúde em Parnaíba-PI. Ao todo foram analisados 1864 prontuários de pacientes atendidos entre 2020 e julho de 2024. Aplicando-se os critérios de exclusão, 324 prontuários (17,4%) foram selecionados por se referirem a doenças que tiveram o curso impactado pela COVID-19.As doenças dermatológicas mais prevalentes no período analisado foram a acne e  a psoríase. O estudo demonstrou  que o carcinoma baso celular foi a patologia com maior redução do número de atendimentos durante a pandemia. Palavras-chave: COVID-19. Pandemia. Doenças Dermatológicas. Impacto.

1  INTRODUÇÃO

A COVID-19,infecção causada pelo vírus SARS-CoV-2 apresenta alta infectividade, promovendo a rápida transmissão entre as pessoas, principalmente, por meio da inalação de secreções respiratórias contaminadas. As manifestações clínicas do novo coronavírus são polimórficas, variando de manifestações restritas à pele ao comprometimento de vários órgãos (SOUZA, D. A.,2020). Durante a infecção viral, as apresentações cutâneas mais identificadas foram erupções cutâneas maculo papulares eritematosas, erupções vesiculares e urticar formes, além de livedo, púrpuras e erupções semelhantes a eritema multiforme, com a predominância das lesões em tronco e extremidade(FERNANDES etal.,2021).

Tais alterações na pele podem estar relacionadas à própria infecção viral ou a efeitos adversos de medicações utilizadas para tratar sintomas clínicos (FERNANDES et al.,2021).Nessa perspectiva, diagnóstico clínico epidemiológico é de suma importância, haja vista que a COVID-19 é uma doença com amplo diagnóstico diferencial e as lesões dermatológicas ,muitas vezes ,podem ser indistinguíveis de outras condições clínicas.

Outrossim, as medidas de segurança utilizadas para atenuar a  propagação do vírus, tais como o uso de equipamentos de proteção individual(EPI’s) e álcool-gel acarretam lesões de pele secundárias. Na maioria dos casos, o uso de EPI acarreta alterações na pele induzidas pela pressão, dermatites de contato, prurido e escoriações, urticárias físicas e exacerbação de doenças de pele pré-existentes. Além  disso, medidas de higiene pessoal como o uso do álcool-gel estão relacionadas ao aumento de prurido e dermatites de contato (PONTE; CABETE; TAVARES-BELLO, 2020), inclusive após a resolução do quadro infeccioso(FERNANDE Setal.,2021).

Ademais, durante o período pandêmico, houve uma reorganização do sistema de saúde, no qual assistência a pacientes infectados pelo vírus SARS-CoV-2 tornou-se uma prioridade. Dessa forma, a redução da disponibilidade de consultas e de procedimentos cirúrgicos eletivos dermatológicos tornou-se uma realidade (FELIPE et al., 2021). Tal cenário, aliado aos protocolos de distanciamento social e ao medo da população diante de uma nova doença impactaram na vigilância epidemiológica das enfermidades dermatológicas, visto que ,muitos pacientes com lesões de pele não realizaram atendimento médico.

Nessa perspectiva, o presente trabalho buscou analisar o impacto da COVID-19 na vigilância e associação de outras doenças tropicais e dermatológicas em um Centro de Especialidades em Saúde no município de Parnaíba, no estado do Piauí. O serviço de atenção em saúde em questão é responsável por atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em diversas especialidades, incluindo a Dermatologia.

2    REVISÃO DA LITERATURA

A pandemia de COVID-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, configura íntima relação com quadros dermatológicos. As manifestações dermatológicas têm sido um achado comum entre os pacientes infectados pelo SARS-CoV-2. Nessa perspectiva, é imprescindível analisar a exacerbação de doenças de pele pré-existentes, durante o período pandêmico. A exemplo disso, tem-se o aumento de lesões de acne desencadeadas por equipamentos que auxiliam a mitigar a transmissão do vírus, tais como as máscaras. O surgimento ou piora da acne pode ser devido ao aumento da temperatura e umidade local provocada pela oclusão da máscara, o que propicia um desequilíbrio da flora bacteriana(ZORTÉA;MATTOS;FAGUNDES,2021).

Concomitante a isso, algumas doenças crônicas de pele, como a Dermatite Atópica e a Psoríase tiveram seu curso alterado no período pandêmico. Acredita-se que diversos fatores ambientais estressantes, como o medo do adoecimento, da morte e o isolamento social contribuíram para a piora de lesões pré-existentes (DE OLIVEIRA, et al.,2022). Aliado a isso, a redução do atendimento dermatológico, dificultou o acesso de prescrições e orientações médicas frequentes, afetando o seguimento dos pacientes. Consoante a Sociedade Brasileira de Dermatologia, durante a pandemia, ocorreu queda de atendimento dermatológico em cerca de 50 a 60%, acometendo os indivíduos de diferentes faixas etárias (EDUARDA et al., 2023).

A liberação de citocinas pró-inflamatórias nos pacientes acometidos pelo vírus contribuíram para a queda capilar, verificada principalmente em mulheres. Agentes estressores como a situação imprevisível da pandemia e o medo do adoecimento também contribuíram para o eflúvio telógeno nos pacientes não acometidos pelo vírus, geralmente com apresentação autolimitada de alguns meses(FERNANDES etal.,2021).

Assim, muitas doenças dermatológicas foram negligenciadas durante  esse período, fator que afeta de forma direta a qualidade de vida dos pacientes, primordialmente no que tange o  diagnóstico precoce de doenças de pele e o seguimento de tratamentos. A negligência relatada configura um imbróglio que  precisa  ser abordado, a fim de garantir que os pacientes recebam o tratamento necessário para manter sua saúde e bem-estar.

3  METODOLOGIA

Foi realizado um estudo epidemiológico, exploratório, transversal de abordagem quantitativa. Segundo Knechtel (2014), a pesquisa quantitativa é uma modalidade de pesquisa que atua sobre um problema humano ou social, sendo baseada no teste de uma teoria é composta por variáveis quantificadas em números, as quais são analisadas de modo estatístico, com o objetivo de determinar se as generalizações previstas na teoria se sustentam ou não.

O estudo foi desenvolvido no Centro de Especialidades em Saúde (CES), referência em Dermatologia ,localizado no município de Parnaíba-PI. Esse centro atende pacientes encaminhados das Unidades Básicas de Saúde de toda a Planície Litorânea. O espaço físico é composto por 11 salas destinadas a consultas e exames, previamente agendados. Dentre as especialidades disponíveis, além da Dermatologia, estão Ginecologia, Neurologia, Pediatria, Endocrinologia, Oftalmologia, Psiquiatria, Psicologia, Nutrição e Fonoaudiologia.

A população do estudo foi formada por pacientes e seus respectivos prontuários que realizaram consultas dermatológicas no local do estudo no período de 01 de janeiro de 2020 a 31 de julho de 2024.Foram excluídos os prontuários o quais o campo destinado ao diagnóstico ou à hipótese diagnóstica não foi preenchido, os prontuários que não tinham a data do atendimento , pacientes com menos de 18 anos e pacientes que procuram o serviço de dermatologia por outras causas, que não o tratamento de doenças. Dentre os prontuários incluídos, foram selecionadas as doenças mais prevalentes durante o período pandêmico.

Os dados obtidos foram armazenados em um banco eletrônico criado no programa Excel 2010 (Windows 7) e posteriormente analisados estatisticamente com a estatística descritiva e inferencial.  Foi utilizado o Statistical Package for the Social Sciences–SPSS (versão 17.0) para esta análise, no qual foi avaliado as doenças dermatológicas mais prevalentes durante a pandemia de COVID-19, e como se deu a proporção dos atendimentos durante o período em estudo.

Ressalta-se que o presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Delta do Parnaíba sob número CAAE 45641321.5.0000.5669.

4  RESULTADOS E DISCUSSÕES

Ao todo foram analisados 1864 prontuários de pacientes atendidos pelo   serviço de Dermatologia do Centro de Especialidades em Saúde de Parnaíba-PI entre 2020 e julho de 2024. Devido ao isolamento social e alteração na disponibilidade de consultas decorridos da pandemia de COVID-19, durante a análise de dados do estudo, realizou-se uma comparação entre os anos com maior isolamento social (2020-2022) e anos de menor isolamento social (2023-2024)

Entre os anos de 2020 a 2022 foram analisados 1500 prontuários. Foram excluídos prontuários com pacientes em idade menor que 18 anos, e também os prontuários os quais não foi possível identificar o ano do atendimento ou a hipótese diagnóstica. Foram incluídos nos resultados 183 prontuários que se enquadram nas doenças mais relatadas durante o período pandêmico, como é possível ver na seguinte tabela:

Tabela 01: Perfil de prevalência de doenças dermatológicas de um Centro de Especialidades em Saúde em Parnaíba –PI , entre 2020- 2022. ( Fonte: autoria própria).

Durante o acompanhamento das consultas foi observado a prevalência de algumas dermatoses, em detrimento das outras, das quais muitas tiveram o seu curso e tratamento alterado. Entre elas estão: acne, psoríase, melasma, câncer de pele, urticária, dermatite e eflúvio telógeno.

Ademais, no ano de 2023 foram atendidos 311 pacientes, dos quais 209 eram mulheres e 102 eram homens.

Tabela 02: Dermatoses mais prevalentes no ano de 2023 por sexo. (Fonte: autoria própria)

O carcinoma baso celular (CBC) foi a patologia com maior índice de impacto, entre as principais dermatoses observadas no período de estudo, haja vista que em 2020,2021 e 2022 – anos de maior isolamento social – foram registrados no total apenas 18 casos de CBC. Em contrapartida no ano de 2023 – ano de afrouxamento das medidas de isolamento- houveram 27 casos, correspondendo a um aumento de 50% entre o total de casos somados entre 2020 e 2022, como é possível ver no gráfico 01.

Gráfico 01: Comparação entre o número de casos de carcinoma baso celular entre 2020,2021,2022 e 2023 .(Fonte: autoria própria)

Nessa perspectiva, tal realidade limitou o acesso da população ao diagnóstico e tratamento continuado das lesões cancerígenas. O atraso desse atendimento pode ocasionar a identificação de lesões mais avançadas, com maior risco de metástase (SARMENGHI et al., 2021). Dessa forma, pode haver redução da sobrevida e funcionalidade do paciente.

Além disso, a alteração na arquitetura dos atendimentos durante a pandemia de COVID-19 reverberou um grande impacto no tratamento de pacientes portadores de doenças crônicas, como as dermatites, uma vez que em 2021- ano de maior isolamento social- houveram apenas 7 atendimentos de pessoas portadoras dessa condição de pele.

Em 2024, entre os meses de janeiro e julho, 32 mulheres e 21 homens foram atendidos, totalizando 53 pacientes. Desses, 41,5 % dos atendimentos correspondiam às doenças que também foram comuns no período pandêmico (tabela 03).

Tabela 03: Dermatoses mais prevalentes no ano de 2024 por sexo. (Fonte: autoria própria)

Com o decreto do fim do período pandêmico observou-se uma tendência de aumento no número de atendimentos de pacientes com queixas dermatológicas.

5  CONCLUSÃO

Portanto, conclui-se que a pandemia teve impacto significativo no cuidado em saúde de pacientes com doenças dermatológicas, haja vista que entre o período de 2020 a 2022 houve uma significativa redução no número de atendimentos no setor de Dermatologia, principalmente patologias que requerem a realização de tratamento cirúrgico, como o câncer de pele não melanoma do tipo carcinoma baso celular, e também de doenças de pele crônicas como as dermatites.

Com o decreto do fim da emergência em saúde pelo coronavírus, e o fim do isolamento social, houve uma ampliação dos atendimentos médicos dermatológicos. Como limitações desse trabalho, mencionam-se a amostragem não tão robusta de prontuários no período pós pandêmico. Assim, espera-se que novos trabalhos enriqueçam a discussão acerca desse tema.

REFERÊNCIAS

DE  OLIVEIRA, Caroline Dos Santos Mendes, et al. Dermatite Tópica em Crianças Adolescentes durante a pandemia COVID-19: piora clínica associada ao medo de infecção. Clinical and Biomedical Research,2022,42.1.

EDUARDA, M. et al. Impacto da pandemia de COVID-19 nos procedimentos dermatológicos no Brasil. Brazilian Medical Students, v. 8, n. 11, 31 mar. 2023.

Fernandes, I.M.,de Barros, B. R. M., de Oliveira, G.A., Teixeira, L. G.,  de Aragão Peixoto, M. E., & Aires, M. M. G. (2021). Manifestações dermatológicas durante e após aCOVID-19: Uma revisão narrativa/Dermatological Manifestations During And After Covid-19:Anarrativereview.Brazilian Journal of Health Review,4(5),20999-21009.

Manifestações dermatológicas em pacientes com COVID-19: uma revisão epidemiológica da literatura nacional | Revista Eletrônica Acervo Científico. acervomais.com.br, 13 abr.2021.

PONTE,P.;CABETE,J.;TAVARES-BELLO,R. Manifestações Cutâneas Pandemia CONVID-19.Lusiadas Scientific Journal,v.1,n.3,p.117–128,30 dez.2020

SARMENGHI, Í. et al. Impacto da pandemia da covid-19 em um programa de triagem de câncer de pele no espírito santo covid-19 pandemic impacto skin cancer screening program in espírito santo. Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research -BJSCR BJSCR, v. 36, n. 1, p. 2317–4404, 2021.

SOUSA. C.  DE;  RODRIGUES.  O.  S.;  VASCONCELOS.  G.  Manifestações dermatológicas em pacientes com COVID-19:uma revisão epidemiológica da literatura nacional. Revista Eletrônica Acervo Científico,v.23,p.e 7141,13 abr.2021.

SOUZA, D.A.etal. MANIFESTAÇÃO DERMATOLÓGICA EMPACIENTECOMCOVID-19.Revista Científica da Faculdade de Medicina de Campos,v.15,n.2,p. 47-50,14 out.2020.

ZORTÉA,N.B.;MATTOS,A.B.N.DE;FAGUNDES,M.A.ACNEVULGARISPROVOCADAPELAMÁSCARA.COVID-19:Trabalho os Profissionais Saúde em Tempos De Pandemia,p.44–49,2021.


1Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Federal do Delta do Parnaíba( UFDPar), Campus Parnaíba, e-mail: isamoura030812@gmail.com
1Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Federal do Delta do Parnaíba(UFDPar), Campus Parnaíba ,e-mail: mariasimonemed@ufpi.edu.br
1Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Federal do Delta do Parnaíba( UFDPar), Campus Parnaíba ,e-mail: milenacardoso@ufdpar.edu.br
2Médica Dermatologista pela Universidade Federal do Piauí(UFPI) , email: linechado89@gmail.com
3Docente do Curso Superior de Medicina da Universidade Federal do Delta do Parnaíba ( UFDPar), Campus Parnaíba ,email: krsantos2004@yahoo.com.br