REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.12192156
João Negrini Neto
RESUMO
O arcabouço normativo do Direito Administrativo brasileiro é nitidamente voltado ao combate à corrupção. Isso não impede, naturalmente, que atos administrativos viciados sejam emanados a todo instante. A questão que suscita alguma dúvida é se tais atos, maculados desde a sua expedição, que geram ou geraram efeitos, produzindo vantagens a indivíduos de boa-fé, podem ser objeto de imediata e definitiva expulsão do sistema jurídico pela declaração de sua invalidade com efeitos retroativos, ou se devem ser preservados.
O debate gera alguma controvérsia diante da afronta que o ato de corrupção promove ao ordenamento jurídico. No entanto, em algumas hipóteses, mesmo essa situação, pode gerar o dever de o administrador público promover a convalidação do ato de corrupção, como ao longo desse estudo sustentaremos.
Palavras-chave: corrupção; invalidade; invalidação; convalidação; estabilização.
INTRODUÇÃO
A corrupção é um fato, infelizmente, comum no desempenho da função administrativa no Brasil. De forma a refrear cada vez mais a sua ocorrência, o sistema jurídico nacional busca estabelecer, constantemente, uma série de medidas profiláticas e mecanismos legais de combate.
Mas, por maiores que sejam os esforços de combate à corrupção, fato é que ela está inserida, em grande parte, na cultura de muitos órgãos públicos no Brasil. Também é bastante grande a criatividade dos transgressores para inaugurar novas formas de se burlar o ordenamento jurídico.
Quando incidente no desempenho da função administrativa, a corrupção leva prima facie à invalidade do ato. Isso porque, o móvel espúrio do agente público na condução da sua atividade administrativa leva, na grande maioria das vezes, à sua invalidade por vício de formação.
Mas a questão que se coloca aqui é a seguinte: sob um viés neoconstitucionalista do direito, será que todo ato de corrupção implica necessariamente a invalidação do ato administrativo? O interesse público incidente no caso concreto que foi objeto do ato de corrupção com móvel espúrio interferirá na análise da validade do ato? Essas e algumas outras reflexões serão aduzidas no decorrer do presente estudo.
2. REGIME JURÍDICO DE DIREITO ADMINISTRATIVO: UM MODELO DE PROTEÇÃO
2.1. O Direito Administrativo brasileiro no combate ao patrimonialismo
O Direito Administrativo é disciplina relativamente recente da Ciência do Direito. Se o Direito Civil tem, ainda, muitos dos seus institutos relacionados à uma origem que remonta ao período da civilização romana, o mesmo não se pode dizer do direito administrativo. Este é um ramo do direito que nasceu em momento recente da história, como resultado de uma série de transformações político-institucionais que ocorreram em um dado período.
Costuma-se apontar o final do século XVIII e início do século XIX como o momento no qual começaram a despontar os ideais de autonomia do Direito Administrativo, como disciplina autônoma da ciência do Direito. Trata-se do período da história marcado pelo sucesso dos movimentos revolucionários em suas investidas contra o Antigo Regime e pela afirmação de um novo modelo de organização estatal, sobretudo no que concerne ao estabelecimento de mecanismos de contenção do poder pela lei. O marco desse momento é, sabidamente, a Revolução Francesa.
Como sintetizou Sabino Cassese, enquanto “O direito privado se afirma quando uma coletividade alcança um certo grau de estabilidade. O direito constitucional se desenvolve quando o governo de uma sociedade adquire um certo grau de complexidade. O direito administrativo somente se afirma na fase de maturidade do Estado, quando ele desenvolve uma estrutura de início executiva, depois reguladora, enfim, distributiva (tradução nossa).”1
Em adição, Fernando Dias Menezes de Almeida completa constatando que, realmente, fora desse contexto particular do final do século XVIII, “não se pode conceber o funcionamento do direito administrativo, ao menos no sentido como é compreendido hoje no Brasil e nos países que seguem o modelo das modernas democracias ocidentais”2.
Com efeito, também é corrente na literatura a afirmação de que a construção inicial do direito administrativo tem íntima relação com os acontecimentos ocorridos na França. De fato, sinteticamente, pode-se indicar que a experiência francesa lançou as bases do Direito Administrativo. Isso, pois a chegada ao poder de um novo grupo social – os revolucionários – ensejou algumas mudanças. Uma delas foi a decisão de criar uma instância de controle jurisdicional dos atos administrativos emanados pelo Poder Executivo, a fim de afastar o controle exercido até então pelo Poder Judiciário francês (que acabou sendo o local onde permaneciam encastelados a nobreza francesa). O órgão de cúpula dessa instância era o Conselho de Estado.
No período pós-revolucionário francês, e considerando a construção ideológica da época, ganhou força a separação de competências entre a jurisdição comum e a administrativa, que culminou na instituição do sistema da dualidade de jurisdição. As funções jurisdicionais passaram a ser divididas entre dois órgãos, o Judiciário, para questões comuns, e o Conselho do Estado, para questões que envolviam a Administração. As decisões proferidas pelo Conselho de Estado Francês, no âmbito da jurisdição administrativa, foram de fundamental importância para o desenvolvimento dos princípios informativos do Direito Administrativo.
Como bem ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello:
A evolução histórica responsável por esse encaminhamento que afastou o Poder Judiciário do exame dos atos administrativos e que culminou com a instituição de uma “Jurisdição Administrativa”, criadora do Direito Administrativo, advém de que, após a Revolução Francesa, desenvolveu-se naquele país uma singular concepção da tripartição do exercício do Poder, segundo à qual haveria uma violação dela se o Judiciário controlasse atos provenientes do Executivo. Em verdade, esta teorização foi simplesmente uma forma eufêmica de traduzir a prevenção que os revolucionários tinham com o Poder Judiciário (então denominado “Parlamento”), o qual, além e um arraigado conservantismo, de fato invadia competências administrativas e arvorava-se em administrador3.
A história do Conselho de Estado na França foi cambiante. Criado em 1799, o órgão, durante grande parte do século XIX, ocupou-se de funções meramente consultivas. Era visto, pois, como um mero auxiliar do Poder Executivo na tarefa de emitir parecer sobre litígios envolvendo a Administração pública. Aos poucos, no entanto, o Conselho de Estado firmou sua independência passando a exercer efetivamente função jurisdicional (jurisdição administrativa), decidindo, com força de coisa julgada, os casos envolvendo a Administração pública. Tem-se por marco dessa mudança de postura do Conselho de Estado a decisão exarada nos autos do processo do conhecido Agnes Blanco, em 18724.
De qualquer sorte, foi pelo trabalho promovido pelo Conselho de Estado francês e por autores daquele país – e, mais tarde, por autores de outros países, especialmente Itália e Alemanha5 – que se delinearam os traços fundamentais do Direito Administrativo.
Na sequência desse percurso histórico, já no início do século XX, as discussões acerca da existência de um direito administrativo como ramo autônomo da Ciência do Direito foram bastante recorrentes, ocupando espaço de destaque no Direito Administrativo.
Na França, esse debate opôs duas escolas: de um lado, a Escola da Puissance Publique, sob a liderança de Maurice Hauriou e, de outro, a Escola do Service Publique, cujo expoente foi León Dguit. Fundamentalmente, o debate era centrado na definição do direito administrativo e suas marcas características.
Não é a proposta do presente trabalho analisar as minúcias desse embate teórico. Mas importa fazer breves registros, uma vez que, de algum modo, estão nesses debates do início do século XX muitas das discussões envolvendo a concepção de regime jurídico administrativo.
Com efeito, Hauriou, trazendo uma perspectiva histórica do estudo do direito administrativo, ressalva que a construção da disciplina, desde seus primórdios, na legislação revolucionária, deu-se em torno dos meios oferecidos à Administração para que ela, munida desses poderes, prestasse serviços públicos. Para o autor, haveria, assim, um regime administrativo, incidente sobre todas as relações envolvendo a Administração pública6.
A proposta da Escola do Serviço Público, por seu turno, era conferir ao direito administrativo uma perspectiva funcional. Nesse sentido, Diguit prega a negação da soberania como fundamento do direito público, defendendo a sua substituição pela ideia de serviço público. Segundo essa proposta, à Administração compete uma função de servir, a despeito da incidência de um regime jurídico próprio da Administração (regime de direito público). Em outras palavras, para prestar serviços públicos7, a Administração pode se valer de qualquer regime, não estando, pois, constrangida a um regime específico8.
Nota-se que a posição da Escola do Serviço público se preocupava menos com os meios utilizados pela Administração para o cumprimento das obrigações que o ordenamento lhe impõe. O regime jurídico incidente sobre as relações administrativas seria amoldado conforme a melhor forma de se prestar um serviço público (lato sensu).
A teoria do Direito Administrativo brasileiro, como sabido, foi fortemente influenciada pela produção francesa9. Muito do que era discutido em território francês foi trazido para o Brasil – muitas vezes, inclusive, admitiu-se a mera transposição de institutos do direito francês para o direito brasileiro, o que gerou problemas, ante a realidade político-institucional brasileira diferente da francesa (foi o que ocorreu com o contrato administrativo, por exemplo).
Com efeito, ganhou destaque, notadamente a partir dos anos 1960, a proposta lançada por Celso Antônio Bandeira de Mello quanto à construção de um regime jurídico administrativo brasileiro, consubstanciado em prerrogativas da Administração e na posição de supremacia do interesse público, dando ênfase ao cumprimento de deveres a serem cumpridos pelo Estado em detrimento da ideia de Poder e de autoridade pública, e ao exercício de uma função administrativa, uma vez que, em sua visão – diga-se acertada – o Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito. O discurso teve ampla acolhida pelos doutrinadores brasileiros, que imediatamente difundiram a sua ideia.
Assim, a construção da ideia de um regime jurídico de direito público, ao menos no Brasil, assumiu contornos muito particulares, uma vez que se colocava como uma reação contra as mazelas da corrupção. É o regime de direito público, pois, vocacionado ao enfrentamento do patrimonialismo e da corrupção que marca a história da administração pública brasileira. Tanto é assim que o sentido fundamental do princípio indisponibilidade do interesse público é o de que ao agente público não é dada a faculdade de tomar para si interesses que pertencem à coletividade. Não pode o agente se colocar na posição de atuar contra interesses públicos em benefício próprio.
Também não é à toa que nesse momento da história brasileira e de evolução do direito administrativo brasileiro – a partir dos anos 1960 – passa-se a encontrar com maior facilidade apontamentos que questionam determinadas ações no âmbito da Administração Pública, como, por exemplo, o esforço pela fuga do regime jurídico de direito público e incidência nas regras de direito privado.
Era nessas ações que se concentravam considerável parte dos movimentos nefastos ao patrimônio público, reveladores dos desmandos dentro da Administração pública nacional. Nesse contexto, destacam-se, por exemplo, práticas como a assunção de cargos profissionais da Administração sem concurso público, a não realização de licitações em empresas estatais e a ausência de controles internos da administração, dentre várias outras.
Sem embargo, a concepção da tese de existência de um regime jurídico administrativo vem justamente para afirmar a total contrariedade com práticas estatais patrimonialistas. Todo o arcabouço criado em torno dessa tese tem como ponto fundamental, justamente, estabelecer controles sobre a atuação do agente público, para o fim de evitar que este pratique atos contrários aos interesses públicos.
Com efeito, esse regime, verdadeiramente, protetor do interesse público foi amplamente acolhido pelo Constituinte de 1988. Não à toa estão no texto constitucional regras que exigem de todos os entes da administração direta e indireta, inclusive as estatais, a realização de licitações para suas aquisições no mercado; o concurso público como regra; a sujeição de atos e contratos administrativos ao controle dos tribunais de contas, entre outras normas que expressamente estão relacionadas à acolhida do regime de direito público no Brasil.
Adiante, ainda, foram promulgadas leis infraconstitucionais cujo sentido que lhes foram impingidas relacionavam-se com a proteção aos desvios dos agentes públicos – vide Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal nº 8.429/1992) e Lei Geral de Licitações e Contratos (Lei Federal nº 8.666/1993 e 14.133/21).
Contudo, parece ser facilmente observado, que apesar de certo avanço na disciplina da matéria, a corrupção, nas suas mais diversas formas, ainda se encontra enraizada na Administração pública brasileira. Portanto, é sem sombra de dúvidas uma das funções primordiais do Direito Administrativo, ao menos no Brasil, dadas as mazelas que o patrimonialismo provoca na administração pública brasileira, ser um vetor de combate à corrupção. Em última instância, com isso se garante também os direitos fundamentais dos cidadãos, pois inibe-se ou, no mínimo, dificulta-se a emissão de atos corruptos que, afinal, impactam a vida da coletividade.
3. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A CORRUPÇÃO NO BRASIL
A realidade do mundo fenomênico interfere na criação e interpretação das normas jurídicas de maneira que não é possível analisarmos a corrupção no Brasil sem antes nos atermos a alguns dados e particularidades do tema.
O Brasil vive desde a sua colonização um processo cultural de exploração em que o amiguismo e a confusão entre o dinheiro público e o dinheiro privado são marca bastante presentes10. Nos dias de hoje, para se ter uma pequena ideia da expressividade do dinheiro desperdiçado com corrupção no país, estudos da fundação Getúlio Vargas11 e da Fiesp12 indicam que o Brasil perde por ano algo em torno de 1 a 4% de seu PIB com corrupção. Tomando-se por base o PIB brasileiro do ano de 2023, falamos em uma cifra entre 109 e 436 bilhões de reais. Impunidade, morosidade do Poder Judiciário e burocracia são elementos apontados por esses mesmos estudos como fatores que contribuem para este cenário.
É bem verdade que nos últimos anos notou-se uma série de medidas tendentes ao combate da corrupção. A título de exemplo podemos citar o endurecimento das leis eleitorais; o aumento de penas para as fraudes cometidas em processos licitatórios; a promulgação da Lei Anticorrupção, medidas essas que não foram suficientes para extirpá-la da nossa realidade.
Realmente, a corrupção afeta diretamente o bem-estar dos cidadãos pois implica redução efetiva dos investimentos do Estado nas prestações positivas como saúde, educação, infraestrutura etc. Mas, além de um fenômeno sociocultural, a corrupção é também um fenômeno jurídico, dado que o ordenamento jurídico o repele em um sem número de previsões legais estabelecendo penalidades e consequências para os atos praticados com esse vício, sendo o seu combate um dos principais vetores do regime jurídico de direito administrativo.
Tratar de corrupção, todavia, nos obriga falar não somente das maneiras mais graves e evidentes (como corrupção ativa, passiva, prevaricação, etc.), mas também de formas mais sutis ou imperceptíveis de sua ocorrência num primeiro plano de observação, e esse fato pode dificultar a discussão de uma proposta científica acerca do tema da validade do ato administrativo cometido com suporte em ato de corrupção uma vez que evidentemente o vocábulo pode ser utilizado para identificar o cometimento de fraudes de vários níveis e intensidades.
Dessa forma, analisar a particularidade do ato de corrupção cometido pelo agente público com a finalidade de se avaliar a validade do ato administrativo é um desafio dotado de extremas dificuldades e necessariamente relacionada ao ato de corrupção do caso em concreto.
É que da mesma forma que a corrupção pode se materializar de forma bastante evidente, como com o pedido e o pagamento de propina para a adoção de determinada decisão, mas ela também pode ocorrer de maneiras menos perceptíveis por meio da prática de atos que violam os princípios da boa administração pública, mas de difícil constatação e comprovação.
A título de exemplo, veja-se que o Ministério Público Federal em sua cartilha de combate à corrupção elenca mais de 18 tipos diferentes de corrupção13, sendo elas: 1) tráfico de influência; 2) advocacia administrativa; 3) crimes da lei de licitações; 4) corrupção eleitoral; 5) concussão; 6) condescendência criminosa; 7) inserção de dados falsos em sistemas de informação; 8) crimes de responsabilidade de Prefeitos e Vereadores; 9) prevaricação; 10) improbidade administrativa; 11) violação de sigilo funcional; 12) corrupção ativa; 13) corrupção passiva; 14) facilitação de contrabando ou descaminho; 15) emprego irregular de verbas ou rendas públicas; 16) peculato; 17) modificação ou alteração não autorizada de sistema de informação e 18) corrupção ativa em transação comercial internacional.
Dessa forma, quando falamos em corrupção é preciso termos em mente que não nos reportamos apenas aos casos mais evidentes como nos crimes de corrupção ativa, passiva, improbidade e prevaricação. Há, também, formas outras, e por vezes bastante sutis, de materialização da corrupção no exercício da função administrativa, como a inserção de informações falsas em sistemas oficiais ou a violação ao sigilo de informação.
No presente estudo, portanto, pretende-se avaliar a questão da corrupção (fenômeno sociocultural presente no processo de tomada da decisão administrativa) à luz do interesse público e dos princípios constitucionais satisfeitos pelo ato administrativo inquinado pelo móvel da corrupção.
3.1. Corrupção no desempenho das funções públicas
Dos mecanismos hoje existentes no nosso ordenamento jurídico que funcionam como elementos tendentes ao estabelecimento de obstáculos para o avanço da corrupção, sem dúvida nenhuma, o regime jurídico de direito público exerce um papel fundamental.
Como visto acima, é exatamente em função da sua compreensão que se extraem as noções mais básicas do direito público, como a do exercício de função administrativa, da indisponibilidade dos interesses públicos e da sua supremacia em relação aos interesses dos particulares.
O Direito Administrativo certamente apresenta uma série de entraves ao administrador. Mas o faz calcado na noção de que ao administrador impõe-se gerir os recursos de terceiros, os cidadãos. Não há, portanto, a mesma margem de liberdade no exercício de gestão desses recursos que na gestão dos recursos privados, e isso se dá evidentemente com fundamento nas noções mais elementares de direito público, como já mencionado acima.
Os particulares, ao administrarem os seus bens pessoais, podem até mesmo optar por comprar um produto pelo preço mais caro a fim de prestigiar um amigo, ou um parente, ou colega mais afinado à sua própria opção política. Mas o regime jurídico de direito público não tolera esse mesmo tipo de conduta quando o agente público está no exercício de sua função administrativa.
Por isso mesmo, é de destaque fundamental, por sua completude e acurácia, a sempre atual lição do ilustre professor Celso Antonio Bandeira de Mello, que bem cunhou ser o regime jurídico de direito administrativo marcado pelas pedras angulares da indisponibilidade dos interesses públicos e da supremacia do interesse público sobre o interesse individual, dos quais decorrem uma série de outros princípios que informam o ordenamento jurídico14.
Referidos princípios estabelecem uma noção fundamental: juridicizam o preceito de que a atuação do administrador, compreendida como o exercício de uma função e em atenção aos interesses de terceiros, deve, inexoravelmente, atender aos preceitos de honestidade, probidade administrativa, moralidade, impessoalidade etc.
Todos esses preceitos conformam o regime jurídico de direito administrativo e, portanto, são de observância obrigatória do administrador na medida em que decorrem de um dever constitucional de se consagrar os direitos sociais dos cidadãos com a adoção de políticas positivas em atenção ao Estado Social Democrático de Direito.
Não podemos deixar de pontuar, ainda, que na realidade brasileira grande parte dos serviços essenciais não estão à disposição de toda a população. Deixar de aplicar recursos públicos em prestações positivas decorrentes de direitos fundamentais dos cidadãos, desviando-os com a finalidade de consagrar interesses particulares ou individuais é, sem sombra de dúvidas, um ato de violação à dignidade da pessoa humana e, portanto, violador de direitos humanos fundamentais.
Mas considerando-se que a corrupção e a escassez de serviços públicos são empiricamente constatados e que, portanto, fazem parte da realidade brasileira, a reflexão que se coloca aqui é a seguinte: haverá hipóteses em que a retirada do ato viciado seria mais penosa (sob o prisma dos direitos fundamentais dos cidadãos) que a sua manutenção?
À guisa de exemplo, um contrato administrativo viciado por ato de corrupção, celebrado com fundamento em hipótese de inexigibilidade quando, indubitavelmente, não incidente qualquer inviabilidade de competição, mas que de fato atenda inúmeros cidadãos na área da saúde, em uma localidade extremamente carente e desprovida de recursos materiais, deve ser interrompido, de uma hora para a outra, levando aquela mesma população a um pronto desatendimento?
Evidentemente não! Haverá hipóteses em que analisar o tema da validade ou invalidade do ato praticado no exercício de uma função administrativa com vício de corrupção demandará um aprofundado juízo de ponderação de normas incidentes no caso concreto.
Afinal, reconhecer a existência de um regime jurídico próprio do Direito Administrativo não implica dizer que o Direito Administrativo se apresenta em uma posição antagônica aos direitos e garantias dos cidadãos. Essa é uma apresentação equivocada que tem gerado intensos debates na doutrina do Direito Administrativo a respeito de um suposto duelo entre a supremacia do interesse público15 e a consagração de direitos fundamentais16.
A bem da verdade, a ideia de um regime de direito público ancorado na supremacia do interesse público não é antiética ao dever do Estado em atuar na busca da satisfação dos direitos fundamentais dos indivíduos. Pelo contrário: um modelo que tem como ideia primeira o combate à corrupção em todos os seus aspectos em confronto a paradigmas patrimonialistas ainda presentes no seio do Estado brasileiro, ainda que reduzindo a discricionariedade administrativa, satisfaz em enorme medida os interesses fundamentais, uma vez que inibe ou dificulta a ocorrência de desvios ético-morais, apresentando-se como um meio efetivo de embaraço à ocorrência de desvio de recursos destinado a prestações positivas aos indivíduos da coletividade.
4. A CONVALIDAÇÃO DO ATO DE CORRUPÇÃO
Malgrado se compreenda que o regime jurídico administrativo, com todo o sentido que lhe foi impingido no Direito brasileiro, tenha por finalidade precípua o combate à corrupção, isso não significa dizer que todo e qualquer ato expedido com o mais elevado grau de contaminação e ofensa ao Direito, isto é, um ato administrativo que é produzido para atender a uma demanda que, na origem, apresenta-se viciada pela mácula da corrupção (em sentido amplo), deve necessariamente merecer o destino da pronta invalidação.
Está em questão, portanto, a hipótese de um ato cujo objeto é francamente contrário ao Direito, destarte, inválido (não meramente irregular), poder (ou mesmo dever, ante um interesse público do caso concreto) não ser invalidado pela Administração.
Dito de outro modo, já que o ato inválido gera o dever, para a Administração, de corrigi-lo17, é de se questionar se existe a possibilidade, diante de um interesse público relevante, de a Administração Pública decidir – mesmo em caso de ato compreendido de corrupção – pela convalidação do ato administrativo de objeto viciado, em vez de simplesmente invalidá-lo.
Acerca do assunto, como bem destaca o ilustre professor Ricardo Marcondes Martins, durante muito tempo, esteve presente entre grande parte dos doutrinadores brasileiros a tese de que todo ato inválido, dada à sua contrariedade ao direito – e, pois, ao princípio da legalidade – deveria, necessariamente, ser retirado do ordenamento jurídico, sem a possibilidade de realizar-se a sua correção, com a finalidade de se preservar os efeitos por ele produzidos durante o período em que foi eficaz.
Aludida reflexão seria impensável, até mais recentemente, em relação aos atos maculados pela pecha da corrupção. Afinal, o móvel do agente faz presunção absoluta quanto ao vício de finalidade do ato, o que poderia suscitar a sua invalidação, a se considerar a proteção que o ordenamento jurídico – e o regime jurídico administrativo em particular – confere à moralidade pública (e, portanto, à contenção aos atos de corrupção). Nesse sentido, a invalidação seria o remédio amargo – porém necessário – aos atos de corrupção na Administração pública.
No entanto, diante de uma realidade brasileira em que a corrupção está entranhada nas práticas administrativas, produzindo os mais diversos efeitos jurídicos em relações que envolvem interesses públicos, parece ser de alguma importância analisar em que hipóteses – se é que elas existem – o ordenamento jurídico pode conviver com ato qualificado como de corrupção, admitindo-se, desse modo, a sua convalidação.
Contudo, antes de adentrar à teoria da convalidação, são importantes algumas considerações acerca da invalidação dos atos administrativos.
4.1. A invalidação dos atos administrativos
A invalidação compreende uma forma de extinção de um ato administrativo produzido em contrariedade ao ordenamento jurídico. Isso significa, grosso modo, que a invalidação é o ato pelo qual a Administração pública ou o Poder Judiciário retiram um ato administrativo do ordenamento jurídico. Nesse sentido, consoante expõe Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a invalidação é o desfazimento do ato administrativo por razões de ilegalidade”18. O motivo da invalidação de um ato administrativo é, desse modo, um vício – embora nem todo vício tenha o condão de gerar a invalidade do ato (vide atos meramente irregulares).
Ocorre, no entanto, que está longe de ser pacífica a compreensão quanto ao alcance dos efeitos do ato de invalidação: se ex tunc, ou seja, possui efeitos retroativos à data da expedição do ato inválido ou ex nunc.
A já mencionada professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que a declaração de invalidade do ato administrativo pela Administração ou pelo Poder Judiciário alcança os efeitos produzidos pelo ato administrativo inválido desde a sua expedição (ex tunc)19. Esse foi o entendimento majoritário da doutrina por muito tempo. Mais recentemente, entretanto, tem havido uma flexibilização maior em relação a essa avaliação. Há o entendimento de que nem sempre – e, portanto, depende de avaliação casuística – a invalidação do ato viciado importa em retroatividade absoluta, de sorte que, na linha do que foi construído em relação aos efeitos da declaração de invalidade das leis, que, assim como os atos administrativos, são normas jurídicas, admite-se, em determinadas hipóteses, a irretroatividade dos efeitos da declaração de invalidação. Celso Antônio Bandeira de Mello vai além e pondera que a irretroatividade sempre ocorre na hipótese de atos ampliativos de direitos dos administrados e quando houver boa-fé do beneficiado20.
Ricardo Marcondes Martins, por seu turno, oferece uma solução a esse debate pela teoria da ponderação dos princípios. Conforme destaca o publicista21:
(…) a boa-fé do administrado, a confiança legítima, a instituição de várias situações jurídicas, a ampliação da esfera jurídica do administrado, o decurso de longo período de tempo, são fortes razões prima facie em favor da invalidação irretroativa; a má-fé do administrado, a restrição de sua esfera jurídica, a não geração de efeitos, o decurso de curto período de tempo são fortes razões prima facie em favor da invalidação retroativa.
Sem embargo, é possível dizer, em breve síntese, que a invalidação retroativa ou irretroativa depende da análise concreta de cada caso. A ponderação de princípios constitui, nesse sentido, resposta a adequada, porque permite identificar a preponderância valorativa de um dado interesse público.
Outra questão sempre debatida em matéria de invalidação do ato administrativo diz respeito à faculdade ou não da Administração declarar a invalidade da norma administrativa expedida. Em regra, o direito, enquanto conjunto de normas que obedecem a um padrão hierárquico, segundo uma perspectiva positivista, não admitiria a existência de preceitos que contrariassem a ordem jurídica objetivamente consagrada. No âmbito do Direito Administrativo, tem-se ainda a existência do princípio reitor da legalidade que pode dificultar a discussão se compreendido sob o viés eminentemente positivista.
No passado, em um ambiente de complexidade menor das relações sociais, entendia-se – e isso se coaduna com o que se verá a seguir a respeito da convalidação – que o ato inválido deveria logo ser fulminado, como forma a recompor a ordem jurídica. Haveria, destarte, um dever jurídico da Administração, no exercício de uma competência vinculada, proceder à invalidação do ato em desconformidade com a ordem legal.
Essa compreensão, contudo, logo passou a ser rechaçada22. Entendeu-se que em determinadas circunstâncias a decisão de invalidar o ato expedido anteriormente, cessando todos os seus efeitos, repercutiria de forma negativa ao interesse público. Em certos casos, o prejuízo consequente da declaração administrativa de invalidade do ato pode ser pior que a manutenção (ou a convalidação) do ato na ordem jurídica. Geralmente, essas hipóteses estão relacionadas a situações em que a declaração de invalidade do ato contraria os ditames de segurança jurídica e, eventualmente, prejudica a boa-fé de quem foi beneficiado pelos efeitos da norma administrativa.
De todo modo, existe um dever jurídico da Administração promover a correção do ato, o que pode ser feito, a depender das circunstâncias do caso concreto (quando não possível a convalidação do ato, por exemplo) e dos efeitos produzidos pelo ato viciado – sobretudo em face dos direitos dos administrados – pela via da invalidação. E, mesmo nessa hipótese, na linha do que se apontou acima, não necessariamente a invalidação terá efeitos retroativos. É o que aliás, de um modo ou de outro, consignou o art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)23.
4.2. Teoria da convalidação
Outra forma de restauração da ordem jurídica provocada pela introdução ao ordenamento de um ato contrário ao direito é a convalidação24. Na linha do que se anotou acima, até mais recentemente a convalidação, entendida como um modo específico de modificação do ato produzido em contrariedade à legalidade, não era um instituto de grande atenção no direito administrativo brasileiro. Prevalecia a tese de que o ato inválido deveria ser de pronto fulminado porquanto o ordenamento não toleraria a presença de norma desafiadora da ordem erigida pelo positivo.
No entanto, essa tese foi aos poucos sendo enfraquecida. Isso se deu, fundamentalmente, com a construção de uma teoria neoconstitucionalista do ato administrativo25, que toma por premissa a ponderação de princípios. Ademais disso, a própria dinâmica e praxe administrativa passou a revelar que era possível que a Administração realizasse seu dever de correção dos atos carregados pela marca da invalidade através de medida menos vigorosa que a fulminação do ato administrativo do sistema jurídico – junto, em muitas oportunidades, com os seus efeitos jurídicos produzidos durante o tempo que permaneceu válido. A convalidação seria, assim, um remédio menos amargo que a invalidação.
Ainda, houve uma constatação que, em muitas oportunidades, a própria declaração de invalidade, nem sempre bem ponderada ou sem modulação de efeitos, contribuía para um cenário de maior insegurança jurídica e imprevisibilidade26. A convalidação seria, assim, um remédio menos amargo que a invalidação, a controlar os efeitos negativos da presença de um ato inválido na ordem jurídica.
Conforme aduz Vladmir da Rocha França acerca da convalidação:
Ao lado da invalidação, encontra-se a convalidação como meio de restauração da juridicidade violada com o ato administrativo. Neste caso, a própria Administração mantém o ato viciado no sistema do direito positivo, corrigindo-lhe sua anulabilidade com a preservação dos efeitos jurídicos já produzidos. Mas não basta que haja uma invalidade sanável, sendo exigido ainda que o beneficiário do ato esteja de boa-fé e o ato não tenha sido impugnado27.
Na mesma linha, Carlos Ari Sundfeld pondera:
(…) a convalidação é um novo ato administrativo, que difere dos demais por produzir efeitos ex tunc, é dizer, retroativos. Não é mera repetição do ato inválido com a correção do vício; vai além disto. Por tal motivo, a possibilidade de praticá-lo depende, teoricamente, de dois fatores: (a) da possibilidade de se repetir, sem vícios, o ato ilegal, porque assim poderia ter sido praticado à época; e (b) da possibilidade de este novo ato retroagir28.
Nesse sentido, ademais, a convalidação, quando presentes os pressupostos e seja sanável o vício, no exercício de uma atividade de ponderação, constitui um dever do agente público responsável por sua veiculação30. Aliás, mais recentemente, o já mencionado art. 24 da LINDB corrobora essa prescrição.
As observações acima nos permitem apresentar a proposição de uma lei ponderativa consoante a qual quanto maior for o grau de satisfação de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos pelo ato viciado, maior deverá ser a tendência convalidá-lo ou de conforma-lo. Note-se que consoante a referida proposta o grau de afronta ao ordenamento jurídico não necessariamente precisa ser medida para a decisão de invalidar o ato. Ainda que o ato administrativo tenha sido produzido a partir de uma finalidade corrupta, em contrariedade ao regime jurídico administrativo, a invalidade pode não ser, necessariamente, o destino adequado deste ato.
Veja-se, não se está a defender, aqui, a impunidade do agente público corrupto nem sequer a do particular corruptor. Certamente as consequências e a responsabilização do agente público e do particular que agiram com base em ato de corrupção devem ser perquiridas de todas as formas admitidas em direito.
Quer-se sustentar, apenas, que o remédio administrado para o combate à corrupção não pode ser tão amargo a ponto de levar a um desatendimento de direitos fundamentais dos cidadãos. Nesse sentido, o cerne fundamental do juízo de invalidação do ato deverá ser o interesse público por ele consubstanciado. Sendo ele direito fundamental da população, a tendência deverá ser prima facie pela convalidação e, portanto, pela conformação do ato ao direito.
De fato, constitui fundamento do Estado Social Democrático de Direito a preservação da dignidade da pessoa humana e a cidadania (incisos II e III do art. 1º da Constituição Federal), assim como constituem objetivos fundamentais da República Brasileira a construção de uma sociedade justa e solidária, erradicar a pobreza; a marginalização e reduzir as desigualdades; e promover o bem de todos (incisos I; III; IV do art. 3º da C.F). Destarte não há o menor sentido em se determinar a pronta interrupção do contrato celebrado sem licitação na área de saúde, como mencionamos acima, deixando-se toda uma população desatendida.
O esforço deverá ser, portanto, de preservação dos interesses sociais dos cidadãos, ainda que a saída para o caso concreto seja a modulação dos efeitos da invalidade para que seja fixada uma saída transitória para o momento, como a preservação dos efeitos do contrato até que se consagre um novo certame licitatório tendente à substituição do prestador dos serviços.
Há outras medidas que poderão ser adotadas em consonância com o regime jurídico de direito público como nos casos de transferência compulsória de gestores da companhia privada que cometeram o ato de corrupção; a obrigatoriedade de transferência da titularidade do contrato a outra empresa ou pessoa jurídica; a transferência de ações dos acionistas da companhia que foram coniventes ou que praticaram o ato ilegal; a intervenção na operação da empresa privada e até mesmo requisição do material utilizado para a prestação dos serviços, etc.
4. CONCLUSÃO
Os atos de corrupção constituem, ainda, um grande mal da gestão pública brasileira. Essa situação exige um intenso sistema de controle dos atos dos agentes públicos. A finalidade principal do Direito Administrativo, portanto, enquanto direito que disciplina o exercício da função administrativa, é propiciar o desenvolvimento nacional em combate à corrupção. Sem embargo, essa finalidade não é incompatível com outras missões da disciplina. Pelo contrário: o combate à corrupção está intimamente vinculado à satisfação de direitos fundamentais.
Nesse sentido, tentou-se encarecer, no presente texto, que nem todo ato de corrupção, por mais agressivo que possa ser ao ordenamento jurídico brasileiro, merece a pena de inválido. Ante circunstâncias específicas, ponderados os interesses públicos incidentes no eventual serviço ou prestação colocada à disposição da coletividade em um caso concreto, um ato de corrupção deve ser convalidado, em nome da estabilidade das relações jurídicas constituídas pelo ato inválido e a boa-fé dos sujeitos que foram beneficiados por tal ato.
A corrupção e a carência por serviços públicos são fatores evidentemente presentes na realidade sociocultural brasileira. A responsabilidade dos agentes corruptos e dos particulares corruptores deve, evidentemente, ser perquirida em todas as instâncias juridicamente admitidas, levando-os à correspondente punição. Contudo, os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos não podem sofrer pelo amargor do remédio administrado. Tanto quanto possível, as relações jurídicas viciadas devem ser estabilizadas para que a população não venha a sofrer duas vezes, uma pelo ato de corrupção e outra pela retirada de serviços essenciais já escassos em nossa realidade.
1 CASSESE, Sabino. Il Diritto Amministrativo: Storia e Prospettive. Milão: Giuffrè, 2010, p. 7
2 ALMEIDA, Fernando Menezes. Conceito de direito administrativo. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/14/edicao-1/conceito-de-direito-administrativo
3 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 40.
4 Tratava o caso de uma menina – Agnes Blanco – que forra atropelada por uma vagonete, vale dizer, por um carro descoberto, de uma Companhia Nacional de Manufatura de Fumo (Estatal), que transportava matéria-prima de um para outro edifício. O pai da garota propôs uma ação pedindo indenização, argumentando que o dano decorria de um serviço público prestado pelo Estado. Instaurou-se, nesta época, um conflito negativo de competência entre o Conselho de Estado e Corte de Cassação, suscitado perante o Tribunal de Conflitos, que acabou por concluir pela competência do Conselho de Estado para julgar a demanda, justamente porque o Estado não somente estava presente em um dos seus polos da ação, como compunha a relação jurídica, tendo, por conseguinte, natureza tipicamente publicista. O Conselho de Estado, por sua vez, não só confirmou a competência da jurisdição administrativa para decisão sobre a questão, já que o Estado era parte na relação jurídica, como o responsabilizou pelos danos causados em razão de uma prestação defeituosa do serviço público, trazendo com isto grandes inovações jurisprudenciais, pois não somente adotava, para a solução do caso, o critério do serviço público, como trespassava o instituto da responsabilidade civil para o campo do Direito Administrativo, dando o primeiro passo para a elaboração das teorias publicistas de responsabilidade do Estado.
5 Cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 17ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 46.
6 Cf. HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public. Paris: Dalloz, 2002, p. 20
7 Cf. DUGUIT, Léon. Les transformations du droit public. Paris: Libreairie Armand Colin, 1913, pp. 33 e ss.
8 Cf. JÈZE, Gaston. Princípios Generales del Derecho AdministrativoI. Vol. I. Buenos Aires: Depalma, 1948, pp. 1-2
9 Confira-se, por todos, ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Formação da Teoria do Direito Administrativo no Brasil. São Paulo: Quartier, Latin, 2015, p. 197 e ss.
10 Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 146; FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 866 et. seq.
11 Disponível em: https://catracalivre.com.br/quem-inova/corrupcao-pode-custar-ate-4-do-pib-do-brasil-dizem-estudos/. Acesso em 21 de junho de 2021.
12Disponível em: https://www.fiesp.com.br/noticias/custo-da-corrupcao-no-brasil-chega-a-r-69-bi-por-ano/#:~:text=Custo%20da%20corrup%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil,69%20bi%20por%20ano%20%E2%80%93%20FIESP. Acesso em 20 de junho de 2021.
13 Disponível em: http://combateacorrupcao.mpf.mp.br/tipos-de-corrupcao. Acesso em 20 de junho de 2021.
14 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33ªed. São Paulo: Malheiros. 2016, p. 70 et seq.
15 Vide, por todos, HACHEM, Daniel Wunder. Princípio Constitucional da Supremacia do Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
16 Cf. BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o Direito Administrativo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 18, n. 8, p.77-113, jan./ mar. 2005.
17 Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 283 et. seq.
18 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Forense, 2016, p. 281.
19 DI PIETRO, Direito Administrativo, op. cit., p. 281.
20 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, op. cit., p. 448.
21 MARTINS, Ricardo Marcondes. Ato administrativo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. (coord). Tratado de Direito Administrativo. Volume 5. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 372.
22 Já Seabra Fagundes entendia pela possibilidade de, sob certas circunstâncias, não ser adequada a invalidação do ato pela Administração, e sim a convalidação (FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Freitas Batos, 1941, pp. 48-49).
23 “Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”.
24 Cf., nesse sentido, FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação do ato administrativo por iniciativa do Ministério Público no Direito brasileiro. Revista Trimestral de Direito Público – RTDP, ano 8, n. 56, p. página 98-116, jan./ mar. 2014.
25 Vide, por todos, MARTINS, Ricardo Marcondes. As alterações da LINDB e a ponderação dos atos administrativos. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – A&C, ano 24, n. 79, p. 259-283, jan./ mar. 2020.
26 Cf. C MARA, Jacintho Arruda. Art. 24 da LINDB: Irretroatividade de nova orientação geral para anular deliberações administrativas. Revista de Direito Administrativo – RDA, ano 15, n. Especial, p. 113-134, out. 2018.
27 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação do ato administrativo por iniciativa do Ministério Público no Direito brasileiro. Revista Trimestral de Direito Público – RTDP, ano 8, n. 56, p. página 98-116, jan./ mar. 2014.
28 SUNDFELD, Carlos Ari. Ato Administrativo Inválido. São Paulo: Revista dos Tribunais, p 72.
29 Cf. OLIVEIRA, Simone Zanotello de. A ponderação na convalidação do ato administrativo. Revista Internacional de Direito Público – RIDP, Belo Horizonte, ano 3, n. 04, p. 127-145, jan./jun. 2018
30 Z ANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 66
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Fernando Menezes. Conceito de direito administrativo. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/14/edicao-1/conceito-de-direito-administrativo.
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Formação da Teoria do Direito Administrativo no Brasil. São Paulo: Quartier, Latin, 2015.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o Direito Administrativo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 18, n. 8, p.77-113, jan./ mar. 2005.
CÂMARA, Jacintho Arruda. Art. 24 da LINDB: Irretroatividade de nova orientação geral para anular deliberações administrativas. Revista de Direito Administrativo – RDA, ano 15, n. Especial, p. 113-134, out. 2018.
CASSESE, Sabino. Il Diritto Amministrativo: Storia e Prospettive. Milão: Giuffrè, 2010.
CORTÊS, Luis Francisco Aguilar Cortês. O combate à corrupção e o Direito Administrativo. Disponível https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/CadernosJuridicos/47.11.pdf?d=6369 09377789222583
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Forense, 2016.
DUGUIT, Léon. Les transformations du droit public. Paris: Libreairie Armand Colin, 1913.
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Freitas Batos, 1941.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo: Globo, 2001.
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação do ato administrativo por iniciativa do Ministério Público no Direito brasileiro. Revista Trimestral de Direito Público – RTDP, ano 8, n. 56, p. página 98-116, jan./ mar. 2014.
HACHEM, Daniel Wunder. Princípio Constitucional da Supremacia do Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public. Paris: Dalloz, 2002.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
JÈZE, Gaston. Princípios Generales del Derecho Administrativo. Vol. I. Buenos Aires: Depalma, 1948.
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros, 2008.
__________. Ricardo Marcondes. Ato administrativo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. (coord). Tratado de Direito Administrativo. Volume 5. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014
__________. Ricardo Marcondes. As alterações da LINDB e a ponderação dos atos administrativos. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – A&C, ano 24, n. 79, p. 259-283, jan./ mar. 2020.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 17ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
OLIVEIRA, Simone Zanotello de. A ponderação na convalidação do ato administrativo. Revista Internacional de Direito Público – RIDP, Belo Horizonte, ano 3, n. 04, p. 127-145, jan./jun. 2018
SUNDFELD, Carlos Ari. Ato Administrativo Inválido. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
Sítios eletrônicos
Corrupção pode custar até 4% do PIB do Brasil. Catraca Livre, 2021. Disponível em: https://catracalivre.com.br/quem-inova/corrupcao-pode-custar-ate-4-do-pib-do-brasil-dizem-estudos/. Acesso em 21 de junho de 2021.
Custo da corrupção no Brasil chega a 69 bi por ano. FIESP, 2021. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/noticias/custo-da-corrupcao-no-brasil-chega-a-r-69-bi-por-ano/#:~:text=Custo%20da%20corrup%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil,69%20bi%20por%20ano%20%E2%80%93%20FIESP. Acesso em 20 de junho de 2021. Tipos de corrupção. Combate à Corrupção, 2021. Disponível em: http://combateacorrupcao.mpf.mp.br/tipos-de-corrupcao. Acesso em 20 de junho de 2021.