REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th10247301341
Roger Sherman Ferreira de Sousa
Abraão Henrique Salgado Rosa
Orientador: Prof. M.e Sílvio Roberto Dias da Silva
RESUMO
Este artigo apresenta um estudo de comportamento organizacional realizado na base das Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (RAIO) – unidade operacional da Polícia Militar do Ceará (PMCE) – sediada na cidade de Juazeiro do Norte/CE. O intuito da pesquisa foi captar as impressões do público interno sobre as práticas de gestão de pessoas daquela organização, visando ao aperfeiçoamento de métodos e processos gerenciais diretamente relacionados ao desempenho e à qualidade de vida do servidor e, por consequência, à qualidade dos serviços prestados aos cidadãos daquele município. A coleta de informações se deu através da aplicação de um instrumento de avaliação intitulado Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), cujo objetivo é explorar três dimensões distintas: Organização do Trabalho (OT); Condições de Trabalho (CT); Relações Socioprofissionais (RS). O estudo de campo levou em consideração, além dos aspectos já previstos na EACT, a prevalência da atividade desempenhada pelo respondente (administrativa ou operacional) e seu tempo de serviço na PMCE, no RAIO e na base RAIO de Juazeiro do Norte/CE, como forma de ampliar o escopo da análise dos dados, em razão da homogeneidade da população e da amostra. Os resultados mostraram que, apesar da prevalência de impressões satisfatórias na dimensão RS, de um modo geral, os servidores daquela unidade experimentam um contexto de trabalho classificado como crítico, condição que exige a adoção imediata de medidas corretivas de médio e longo prazo voltadas à redução do mal-estar e do adoecimento dos servidores. As conclusões revelaram ainda as limitações da metodologia empregada e a necessidade de complementação e aprofundamento, de modo a garantir a efetividade do estudo como ferramenta de planejamento e gestão das políticas de recursos humanos da organização.
Palavras-chave: Gestão de pessoas. Comportamento organizacional. Contexto de trabalho.
ABSTRACT
This article presents a study of organizational behavior carried out on the base of the Round of Intensive and Ostensive Actions (RIOA) – operational unit of the Military Police of Ceará (MPC) – based in the city of Juazeiro do Norte/CE. The purpose of the research was to capture the impressions of the internal public about the people management practices of that organization, aiming at the improvement of management methods and processes directly related to the performance and quality of life of the server and, consequently, to the quality of the services provided to the citizens of that municipality. The collection of information took place through the application of an evaluation instrument called the Work Context Assessment Scale (WCAS), whose objective is to explore three different dimensions: Work Organization (WO); Working Conditions (WC); Socio-Professional Relations (SPR). The field study took into account, in addition to the aspects already provided for in the WCAS, the prevalence of the activity performed by the respondent (administrative or operational) and his length of service at MPC, RIOA, and the RIOA base of Juazeiro do Norte/CE, as a way of expanding the scope of data analysis, due to the homogeneity of the population and the sample. The results showed that, despite the prevalence of satisfactory impressions in the SPR dimension, in general, the employees of that unit experience a work context classified as critical, a condition that requires the immediate adoption of medium and long-term corrective measures aimed at reducing the malaise and illness of the servers. The conclusions also revealed the limitations of the methodology used and the need to complement and deepen it, in order to guarantee the effectiveness of the study as a planning and management tool for the organization’s human resources policies.
Keywords: People management. Organizational behavior. Work context.
1 INTRODUÇÃO
O Comando de Policiamento de Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (CPRAIO) é uma unidade operacional da Polícia Militar do Ceará
(PMCE) criada em 2004, na cidade de Fortaleza, cuja interiorização teve início em 2015 com a implantação de uma base na cidade de Juazeiro do Norte/CE, como parte de um projeto que resultou na instalação de novas unidades policiais em 45 municípios do interior do Ceará, escolhidos basicamente em razão de seu número de habitantes.
A opção pela realização da pesquisa nessa primeira base deveu-se a três fatores essenciais: maturidade organizacional, decorrente de seus quase seis anos de atividades; relevância regional, visto que se trata da segunda maior cidade do estado; e representatividade, pois se trata do maior efetivo dentre as unidades RAIO em funcionamento no interior. Definido, portanto, o objeto da pesquisa, apresentouse o seguinte questionamento inicial: quais são as representações dos servidores do órgão pesquisado sobre seu contexto de trabalho e como o conhecimento dessa realidade oferece aos gestores a possibilidade de adotar mudanças tanto no sentido da promoção do bem-estar no trabalho como da eficiência e da eficácia dos processos de trabalho adotados pela organização?
Essa proposição, construída ao longo dos estudos da disciplina de gestão de pessoas no setor público, após a assimilação de diversos conceitos relacionados ao comportamento organizacional, mostrou uma maior congruência com o tema
“contexto de trabalho”, cuja base conceitual engloba aspectos materiais, organizacionais e sociais que caracterizam a atividade estudada, bem como as estratégias individuais e coletivas de mediação utilizadas pelos servidores na interação com a realidade de trabalho, articulando múltiplas e diversificadas variáveis.
Escolhido o tema da pesquisa, no intuito de tentar responder à questão inicial, estabeleceu-se como objetivo geral: identificar as representações que os policiais militares lotados na base das Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (RAIO) do município de Juazeiro do Norte/CE fazem de seu contexto de trabalho. Como objetivos específicos correlatos, buscou-se: conhecer a organização do trabalho na base RAIO de Juazeiro do Norte/CE; levantar as condições de trabalho da unidade estudada; e entender as relações socioprofissionais encontradas na instituição.
Pretende-se, como resultado final deste trabalho, estimular o exercício da aprendizagem organizacional através da reflexão, avaliação e compartilhamento de informações e experiências, considerando as relações de interdependência que existem entre os diversos componentes da organização. As medições levadas a efeito visam à segmentação e compreensão do conjunto de atividades e processos da organização, de modo a orientar a tomada de decisões, agregando valor às partes interessadas (PALUDO, 2018, p. 298-299).
Na definição desse conjunto de intenções, também foram essenciais as reflexões sobre a validade acadêmica de uma pesquisa em segurança pública, cuja relevância decorre da amplitude dos danos associados ao crime violento e sua influência direta na vida das pessoas e nas relações comunitárias, bem como da necessidade de tornar as políticas de segurança pública efetivamente capazes de gerar resultados positivos em benefício de toda a coletividade. Daí a importância de manter ativo o processo de levantamento, coleta e análise de dados e informações relacionadas a esse campo das políticas públicas. Para se conhecer de fato uma unidade policial, estudos organizacionais são importantes, pois a significação do trabalho policial guarda estreita relação com as variações internas da organização, o que envolve aspectos individuais e coletivos (BAYLEY, 2006, p. 119).
No mundo inteiro, policiais se identificam e se reconhecem como missionários, atores de um trabalho que tem objetivos difusos e, por consequência, não tem uma finalidade claramente estabelecida, daí a necessidade de fortalecer em si mesmos a crença de que o trabalho policial não é um ofício, mas uma causa. Nesse sentido, não se mostra útil avaliar o trabalho da polícia pelo que ela produz. Ao contrário disso, mais importante é saber quem são e como pensam os homens aos quais a sociedade confia sua segurança, visto que, a despeito de todo o aparato jurídico que norteia e enquadrada a atividade policial, seu fazer cotidiano é indissociável da personalidade daqueles que de fato agem, de suas motivações mais íntimas e dos valores que os animam (MONET, 2006).
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O tema contexto de trabalho integra uma área de estudo multidisciplinar denominada Comportamento Organizacional (CO), cujas pesquisas buscam compreender, explicar e prever comportamentos nas organizações. Sua finalidade é a melhoria da eficácia organizacional, promovendo diferentes formas de diagnóstico, solução e intervenção dentro das organizações (COLINS; HUSSEY, 2005). A partir da análise dos comportamentos de grupos e indivíduos, traçam-se as relações destes elementos entre si, considerando a estrutura e os processos da organização. Nesse contexto, a psicologia e a administração são as ciências que contribuem de maneira mais relevante, concentrando a maior parte das pesquisas (SIQUEIRA, 2008).
2.1 Gestão de recursos humanos e psicologia organizacional
Estas são as subáreas da administração e da psicologia, respectivamente, que concentram iniciativas e estudos voltados à compreensão e ao aprimoramento do contexto de trabalho das mais diversas organizações. Na gestão de recursos humanos, por exemplo, busca-se fortalecer e aprimorar a estratégia da organização na direção de um ambiente de trabalho significativo, inovador e alinhado ao comportamento organizacional, promovendo a otimização do capital humano por meio do planejamento e da avaliação da força de trabalho disponível (DESSLER, 2014). A psicologia organizacional e do trabalho, por sua vez, foca no indivíduo e contribui com estudos sobre personalidade e processos de aprendizagem. O objetivo comum dessas duas subáreas de pesquisa é a conciliação do bem-estar dos indivíduos com o sucesso da organização. Em geral, os psicólogos atuam mais voltados às questões que afetam e formam o funcionário, enquanto os administradores buscam ferramentas para alcançar os objetivos da organização (ROTHMANN; COOPER, 2009).
Nesse contexto, que impõe aos administradores de um modo geral combinar as ferramentas gerenciais dessas duas ciências, o gestor público enfrenta uma série de barreiras de ordem política, econômica e organizacional que tornam seu trabalho muitas vezes ambíguo e contraproducente, em razão de influências externas e de uma atuação condicionada essencialmente aos ditames previamente estabelecidos pelo sistema jurídico, sendo-lhe permitido fazer exclusivamente aquilo que a lei determina (DENHARDT, 2015).
Em se tratando de gestão de segurança pública, apesar do crescimento do tema no cenário político e acadêmico brasileiro, estudos sobre elaboração e gestão de políticas de prevenção do crime e da violência são relativamente incipientes e não há uma tradição de avaliação estabelecida como parte integrante das políticas públicas de segurança (COSTA, 2005). Visando à redução dessa lacuna, é desejável que as pesquisas no campo da atividade policial identifiquem ao mesmo tempo aspectos que potencializam a violência e que inibem sua manifestação, reconhecendo as relações diretas e indiretas que existem entre eles, visando à formulação de políticas públicas que efetivamente promovam a paz social, o que inclui, necessariamente, compreender o contexto de trabalho dos policiais (BRODEUR, 2012).
2.2 Organização do trabalho
A gestão de desempenho dos servidores é um processo contínuo de verificação, identificação e medição do rendimento de indivíduos e equipes, cujo objetivo é garantir o desenvolvimento da capacidade de trabalho e o alinhamento entre as práticas cotidianas e os objetivos organizacionais, resultando em divisão equilibrada de tarefas, estabelecimento de normas de conduta razoáveis, adoção de controles claros e justos e fixação de ritmos de trabalho aceitáveis, tudo baseado em uma definição anterior de competências e metas (DESSLER, 2014, p. 223).
Organizar, como fase do processo administrativo, diz respeito essencialmente à distribuição de tarefas e alocação de recursos. No setor público, contudo, essa função tem como principal desafio o equilíbrio entre as necessidades de estabilidade estrutural e as constantes mudanças de rumo provocadas pelo viés político que conduz as ações dos órgãos públicos. A decorrente descontinuidade traz uma série de problemas que muitas vezes inviabilizam a prestação dos serviços públicos. A centralização de decisões e recursos provoca falhas no fluxo administrativo, gerando morosidade nas rotinas, perda de prazos, demora nos processos e no atendimento das demandas (SOUSA, 2019, p. 35).
Os principais problemas estruturais relacionados à função organização dizem respeito a divisões inadequadas de setores, falta de padronização de procedimentos, sobreposição de órgãos em uma mesma atividade ou até mesmo desconhecimento das funções do órgão por parte dos servidores. Nesse contexto, algumas das principais medidas para solucionar os problemas na função organização são a manutenção de um bom clima organizacional, o maior comprometimento da hierarquia superior, a flexibilização dos horários dos servidores, a efetividade dos sistemas de controle e a adoção de um programa de treinamento continuado (SANTOS, 1987, p. 91-116).
2.3 Condições de trabalho
Garantir um local de trabalho seguro e saudável para o servidor deve ser uma preocupação em qualquer tipo de organização e em todos os níveis gerenciais, visto que acidentes e mortes no trabalho não devem ser naturalizados em nenhum ramo de atividade profissional. Há basicamente três causas para periculosidade e insalubridade no ambiente de trabalho: ocorrências causais, condições de trabalho e comportamento inseguro. Além disso, o horário de trabalho e o clima organizacional também contribuem de maneira relevante para a ocorrência de acidentes e para o adoecimento. Nesse contexto, promover condições de trabalho mais adequadas contribui para a redução dos fatores de risco e, consequentemente, dos acidentes e das doenças do trabalho (DESSLER, 2014, p. 408).
Estudos mostram uma relação entre insatisfação no trabalho e acidentes e incidentes de trabalho, mau desempenho, ansiedade e depressão. Em geral, as exigências do cargo, especialmente aquelas que resultam em custos fisiológicos e psicológicos, aliadas à ausência ou insuficiência de recursos para o cargo, resultam em estresse negativo. Aspectos específicos como ser responsável por outras pessoas, sofrer pressões individuais constantes, ter um ambiente de más relações interpessoais e ser submetido a condições de trabalho extremas – calor excessivo, frio, umidade, aridez, ruído – também são responsáveis pelo aumento considerável do estresse ocupacional, comprometendo seriamente o bem-estar dos servidores (ROTHMANN, COOPER, 2009, p. 261-263).
Em contrapartida, a satisfação no trabalho traz resultados reconhecidamente positivos, influenciando diretamente o desempenho, a produtividade e a adesão do indivíduo à missão da organização. Isso decorre do vínculo afetivo entre servidor e organização criado pela integração de interesses, aumentando o nível de envolvimento com o trabalho e o comprometimento com a organização. Conclui-se, portanto, que satisfação, envolvimento e comprometimento são aspectos correlatos, que guardam relação diretamente proporcional entre si (ZANELLI, BORGES-ANDRADE, BASTOS, 2014, p. 321).
2.4 Relações socioprofissionais
O tratamento isonômico entre os servidores é uma questão ética central para a gestão de recursos humanos, pois a injustiça reduz o moral e aumenta o estresse no local de trabalho, contribuindo para uma severa queda no desempenho individual, o que obviamente produz efeitos negativos na capacidade da organização em atingir suas metas. Por isso é tão importante monitorar o respeito aos princípios de conduta que orientam indivíduos e grupos dentro da organização, especialmente quanto ao papel da chefia, das políticas e da cultura da organização. Nesse sentido, a gestão de recursos humanos tem o importante papel de induzir relacionamentos positivos dentro da organização, de modo que aspectos intrínsecos como coesão, motivação e disciplina sejam a base da adesão dos servidores à missão organizacional (DESSLER, 2014, p. 347).
A congruência entre a organização e os grupos que a compõem são um fator determinante para o alcance das metas organizacionais, servindo como base para a cooperação e a colaboração. A intensidade desse efeito, contudo, guarda relação direta com o padrão de interdependência entre os diversos grupos, ou seja, quanto uma mudança em determinado grupo afeta outros. Em casos de interdependência sequencial, quando o trabalho de um grupo depende diretamente de outro, a probabilidade de conflitos aumenta, gerando a necessidade de maior concentração nas funções de planejamento e coordenação (BOWDITCH, BUONO, 2013, p. 109-110).
Nesse processo de interação, a comunicação organizacional tem papel fundamental, pois exerce funções de controle e socialização, contribuindo para o cumprimento dos objetivos da organização, a partir do envolvimento e da motivação das pessoas. Dirigir a comunicação de maneira adequada, determinando a grau de acessibilidade que os interessados terão a informações indispensáveis ao exercício de suas funções, é fator essencial à solução de problemas, ao controle e à tomada de decisões (BOWDITCH, BUONO, 2013, p. 87-88).
3 METODOLOGIA
Conforme dito anteriormente, escolheu-se como objeto desta pesquisa a primeira base RAIO instalada no interior do Ceará, em funcionamento no município de Juazeiro do Norte/CE desde 2015, cabendo aqui ressaltar que esta unidade operacional nunca passou por qualquer tipo de investigação de seu contexto de trabalho. Diante da impossibilidade de considerar constantes os fatores que compõem e afetam os fenômenos investigados, optou-se pelo método estatístico que, segundo Crespo (2009, p. 3), apesar de relativamente difícil e impreciso, permite lidar com a variabilidade das inúmeras causas presentes, determinando as influências de cada uma delas no resultado final.
Nesse sentido, utilizou-se uma escala de avaliação comportamental que combina exemplos de comportamentos relacionados a determinado trabalho com avaliações quantitativas, vinculando esses exemplos a uma escala cujos valores indicam quanto o comportamento observado no caso concreto corresponde ao exemplo dado. (DESSLER, 2014, p. 213). A Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT) possui validação acadêmica, aplicação e apuração simples e ampla aceitação em pesquisas nos campos da gestão de pessoas e da psicologia organizacional do trabalho. (SIQUEIRA, 2008).
A construção conceitual da categoria “contexto de trabalho” teve como objetivo central superar as sobreposições conceituais e o uso disperso e ambíguo de expressões como “processo de trabalho”, “ambiente de trabalho”, “relações de trabalho”, “organização do trabalho”, dentre outros que estão fortemente presentes na sociologia do trabalho, psicologia organizacional e medicina do trabalho. O conceito busca fornecer uma definição ampla, que articule, explicite e dê visibilidade às distintas dimensões que integram o espaço institucional público e privado de trabalho, expressando de maneira sintética uma parte do mundo objetivo do trabalho com base na perspectiva da abordagem tridimensional representada pela interação sujeito-atividade-mundo, que serve de fundamento teórico nas abordagens da ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho (SIQUEIRA, 2008, p. 112).
A população da pesquisa é formada por 82 policiais militares que serviam na base RAIO da cidade de Juazeiro do Norte/CE no momento da pesquisa de campo, realizada em outubro de 2020, tendo sido a amostra formada por 80 respondentes. Nesse caso, aplicando-se a fórmula de Gauss, considerando a homogeneidade da amostra, obteve-se um nível de confiança de 99% e margem de erro de 3%. Conforme nos explicam Bowditch e Buono (2013, p. 258), uma margem de erro de 5% é o nível até onde os cientistas comportamentais admitem que seja possível realizar inferências a partir dos dados.
A intenção da pesquisa foi medir o impacto que o contexto de trabalho tem sobre os indivíduos e o desempenho da instituição estudada, visando ao aperfeiçoamento de sua gestão de pessoal. Nesse sentido, buscou-se determinar as características do fenômeno coletivamente típico, cujos fatores heterogêneos observados isoladamente geraram conclusões homogêneas quando analisados em conjunto. A coleta foi seguida de uma crítica interna cuidadosa dos dados em busca de falhas e imperfeições nos registros que pudessem influenciar negativamente os resultados e de uma criteriosa tabulação utilizando recursos de planilha eletrônica. (CRESPO, 2009, p. 8-11).
Por se tratar de uma pesquisa que exige alto grau de confiança por parte dos respondentes, visando à obtenção da verdadeira opinião de cada um sobre as diversas questões levantadas, optou-se por não adotar qualquer tipo de identificação. Desta forma, em nenhuma hipótese os dados obtidos poderão ser utilizados para fins que não sejam essencialmente técnicos e acadêmicos. A população foi submetida à EACT pelo método de amostragem aleatória simples, de modo a garantir que cada elemento da população tivesse a mesma chance de ser selecionado. Por não haver grupos críticos (diferenças relevantes de sexo, idade, etnia, etc.), não foi necessário estratificar o conjunto de respondentes, caracterizando a homogeneidade da amostra, formada integralmente por homens adultos, com idades entre 25 e 45 anos, oriundos da carreira de praças da Polícia Militar do Ceará.
O tratamento estatístico da presente pesquisa foi feito com o software livre R package, que oferece possibilidades de análises de natureza descritiva e inferencial. O tratamento descritivo, baseado em distribuição de frequências, percentuais, médias e desvios-padrão, considerados separadamente por fatores e itens, pode revelar tendências, polarizações e diferenciações, além de pareamento combinado. Uma análise inferencial, por sua vez, pode demonstrar o impacto do perfil dos respondentes sobre cada um dos fatores e verificar quais fatores influenciam em maior ou menor grau esse perfil (SIQUEIRA, 2008, p. 119).
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo Siqueira (2008, p. 112-113), o Contexto de Trabalho é constituído por três dimensões analíticas interdependentes, que constituem os alicerces teóricos para a definição dos fatores que compõem a Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), a saber:
- Organização do trabalho (OT): constituída por elementos que expressam, formal ou informalmente, as concepções e as práticas de gestão de pessoas e do trabalho e que balizam o seu funcionamento. Expressa a divisão das tarefas, normas, controles e ritmos de trabalho (SIQUEIRA, 2008, p. 115).
- Condições de trabalho (CT): constituída por elementos estruturais que expressam as condições de trabalho e caracterizam sua infraestrutura e apoio institucional. Expressa a qualidade do ambiente físico, posto de trabalho, equipamentos e materiais disponibilizados para a execução do trabalho (SIQUEIRA, 2008, p. 116).
- Relações socioprofissionais (RS): constituída pelos elementos institucionais que expressam as relações socioprofissionais de trabalho e caracterizam sua dimensão social. Expressa os modos de gestão do trabalho, da comunicação e da interação profissional (SIQUEIRA, 2008, p. 116).
Tais dimensões analíticas fornecem as bases para se compreender a atividade de trabalho dos indivíduos, a partir de estratégias de medição individual ou coletiva voltadas à gestão das exigências presentes no contexto de trabalho. Nesse sentido, a EACT se caracteriza como medida psicométrica útil para identificar as representações que os trabalhadores fazem de seu contexto de trabalho (SIQUEIRA, 2008, p. 114).
Siqueira (2008, p. 117) destaca que a EACT produz um diagnóstico rápido dos principais indicadores existentes no ambiente de trabalho, identificando quais aspectos encontram-se satisfatórios, críticos e graves, gerando subsídios para o planejamento de ações globais e especificas. Além disso, seus resultados fornecem valiosas pistas para o aprofundamento e o refinamento do diagnóstico organizacional, possibilitando a formulação de novas hipóteses de investigação e indicando aspectos a serem explorados por meio da realização de entrevistas.
Contudo, a diversidade e a multiplicidade de variáveis que podem influenciar o comportamento dos indivíduos nos ambientes organizacionais limitam a aplicação da EACT, exigindo sua combinação com outras ferramentas, em caráter complementar. A análise da EACT, construída com base em itens negativos, deve ser feita por fator, considerando-se o desvio-padrão em relação ao ponto médio (escore médio – EM). Os resultados obtidos (médias e desvios-padrão) devem ser interpretados conforme os parâmetros apresentados na tabela 1.
Tabela 1 – Parâmetros básicos para interpretação da EACT.
Resultado (Escore Médio) | Li | mites |
Inferior | Superior | |
Satisfatório (S) | 1,0 | < 2,3 |
Crítico (C) | 2,3 | < 3,7 |
Grave (G) | 3,7 | 5,0 |
Fonte: Siqueira (2008. p. 118).
Para fins de análise, um resultado satisfatório indica um contexto de trabalho positivo e gerador de bem-estar, condição que deve ser mantida e consolidada no ambiente organizacional. Um resultado crítico corresponde a um contexto de trabalho razoável, indicador de situação-limite, que potencializa o malestar no trabalho e o risco de adoecimento, sinaliza um estado de alerta e requer providências a médio e longo prazo. Um resultado grave revela um contexto de trabalho negativo e produtor de mal-estar no trabalho, que gera um forte risco de adoecimento e requer providências imediatas no sentido de eliminar ou atenuar suas causas (SIQUEIRA, 2008, p. 118).
A proporção de respondentes por atividade predominante (1/9) e o tempo de serviço na PMCE (tabela 2) foram levados em consideração para fins de enriquecimento da análise dos resultados, especialmente em razão da elasticidade do tempo de serviço da amostra (334 meses).
Tabela 2 – Tempo de serviço por atividade predominante (meses).
Âmbito do Tempo de Serviço | Medidas Estatísticas Consideradas | Valores Encontrados | ||
Administrativa | Operacional | |||
(n=8) | (n=72) | |||
PMCE | Média (Desvio-Padrão) | 122 (126) | 112 (74,7) | |
[Mínimo; Máximo] | [28; 342] | [8; 324] | ||
RAIO | Média (Desvio-Padrão) | 35,8 (21,4) | 48,4 (16,7) | |
[Mínimo; Máximo] | [5; 63] | [10; 84] | ||
RAIO Juazeiro do Norte/CE | Média (Desvio-Padrão) | 31,9 (24,9) | 43,8 (20,1) | |
[Mínimo; Máximo] | [5; 63] | [5; 69] |
Fonte: dados da pesquisa (2020).
Gráfico 1 – Fator Organização do Trabalho (Item/tempo de serviço na PMCE/atividade predominante).
Fonte: dados da pesquisa (2020).
No fator Organização do Trabalho (gráfico 1), em termos gerais, observa- se uma prevalência de resultados críticos (43/55 – 78,18%), independentemente da atividade predominante e do tempo de serviço dos respondentes.
Contudo, resultados satisfatórios (8/55 – 14,55%) podem ser vistos em 3 dos 11 itens respondidos: “os resultados esperados estão fora da realidade”, em todas as suas variáveis, excetuando-se o operacional com mais de 20 anos; “falta tempo para realizar pausa de descanso no trabalho”, dentre os respondentes da atividade operacional com mais de 20 anos de serviço; e “as tarefas executadas sofrem descontinuidade”, dentre os respondentes da atividade administrativa com menos de 10 anos de serviço e da atividade operacional com menos de 10 e mais de 20 anos de serviço.
Foram obtidos resultados graves (4/55 – 7,27%) em 2 itens: “as normas para a execução das tarefas são rígidas”, dentre os respondentes da atividade operacional com menos de 10 anos de serviço; e “existe fiscalização do desempenho”, dentre os respondentes com menos de 20 anos de serviço, independentemente da atividade.
Gráfico 2 – Fator Condições de Trabalho (Item/tempo de serviço na PMCE/atividade predominante).
Fonte: dados da pesquisa (2020).
No fator Condições de Trabalho (gráfico 2), em termos gerais, assim como observado no fator Organização do Trabalho, há uma prevalência de resultados críticos (32/50 – 64%), independentemente da atividade predominante e do tempo de serviço dos respondentes. Porém, há uma proporção maior de resultados satisfatórios (17/50 – 34%), distribuídos em 9 dos 10 itens respondidos, e apenas um resultado grave (1/50 – 2%), observado no item “o material de consumo é insuficiente” pelos respondentes da atividade administrativa com mais 20 anos de serviço.
Gráfico 3 – Fator Relações Socioprofissionais (Item/tempo de serviço na PMCE/atividade predominante).
Fonte: dados da pesquisa (2020).
No fator Relações Socioprofissionais (gráfico 3), diferentemente do que foi constatado nos dois outros fatores, observa-se uma prevalência de resultados satisfatórios (42/50 – 84%), independentemente da atividade predominante e do tempo de serviço dos respondentes.
Os resultados críticos (8/50 – 16%), distribuídos em 4 dos 10 itens respondidos, têm em sua maioria valores muito próximos ao limite inferior (EM ≥ 2,3), indicando uma tendência ao resultado satisfatório. A exceção a essa constatação encontra-se no item “existem disputas profissionais no local de trabalho”, que teve escore médio discrepante atribuído pelos servidores administrativos com mais de 20 anos de serviço. Neste fator não foi registrado nenhum resultado grave.
Gráfico 4 – Valores agregados (Fator/tempo de serviço na PMCE/atividade predominante).
Fonte: dados da pesquisa (2020)
Procedendo-se a uma análise empírica da tendência dos valores agregados de cada um dos 3 fatores (gráfico 4), identifica-se uma única diferença acentuada de escore médio no fator Condições de Trabalho, para servidores com mais de 20 anos de serviço. No mais, tendo como referência os parâmetros básicos para interpretação da EACT (tabela 1), não se observam diferenças significativas entre os resultados, indicando que a atividade predominantemente desempenhada e o tempo de serviço tiveram pouca influência no resultado final de cada fator. Nesse mesmo sentido, excluindo-se as estratificações por atividade predominante e tempo de serviço, vê-se que os fatores Organização do Trabalho (EM = 2,88) e Condições de Trabalho (EM = 2,34) apresentaram resultados críticos (EM ≥ 2,3), enquanto o fator Relações Socioprofissionais (EM = 2,04) apresentou resultado satisfatório (EM < 2,3), acompanhando a predominância de resultados da análise item por item.
CONCLUSÃO
Considerando-se os resultados obtidos, conclui-se que os objetivos da pesquisa foram atingidos, pois as representações dos integrantes da base RAIO de Juazeiro do Norte/CE sobre seu contexto de trabalho foram satisfatoriamente coletadas e analisadas, à luz do instrumento de trabalho escolhido, destinado especificamente a explorar as categorias Organização do Trabalho, Condições de Trabalho e Relações Socioprofissionais naquela unidade operacional da Polícia Militar do Ceará.
Por óbvio, entende-se que para fins de diagnóstico organizacional, a presente pesquisa simplesmente abriu um caminho que pode ser explorado de várias maneiras e combinado com tantos outros, visto que o considerável volume de dados obtidos permite uma série de análises complementares e suplementares. Contudo, de maneira preliminar, é possível afirmar que o contexto predominantemente crítico encontrado nas duas atividades consideradas – administrativa e operacional – sugere a existência de uma situação limítrofe, potencialmente favorável ao mal-estar e ao adoecimento dos servidores, exigindo a adoção imediata de medidas corretivas de médio e longo prazo.
Seguindo-se na mesma linha de raciocínio, há também que se formular questionamentos acerca da plena validade da aplicação da EACT ao caso concreto estudado, em razão da generalidade do instrumento, das especificidades da organização e da fixação relativamente abstrata dos parâmetros básicos para a interpretação dos resultados. Supõe-se que a consideração futura desses aspectos terá o potencial de promover o enriquecimento de pesquisas similares realizadas em organizações congêneres, produzindo resultados mais consistentes e reveladores.
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