CONSUMO CULTURAL E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10247231659


Larissa Martins Faustino
Orientadora: Ana Lucia de Castro


Resumo

Pensar como as identidades são formadas na contemporaneidade é um desafio instigante nas Ciências Sociais quando consideramos a influência do consumo midiático em tal processo. As transformações tecnológicas e dos meios de comunicação que constituem a modernidade causaram impacto direto sobre as relações sociais e a questão da representatividade na mídia. Neste artigo serão levantadas reflexões sobre a relação entre esses temas destacando a relevância de aplicar uma abordagem interseccional na análise, bem como buscar entender as relações de poder que atravessam a estrutura de mídias dominantes, para enfim abordar a questão das formas de existência que sempre estiveram presentes. Para seguir tal caminho, a reflexão é iniciada pensando o movimento dessas estruturas na construção de uma narrativa e de uma identidade nacional, de acordo com Stuart Hall (1932-2014). O impacto do olhar opositor de mulheres negras espectadoras frente à violência da mídia dominante branca também é abordado neste artigo, norteado por bell hooks (1952-2021).

Palavras-chave: Consumo Cultural; Consumo Midiático Feminismo Negro

Introdução

O presente artigo carrega a proposta de pensar a relação entre os temas de consumo cultural e midiático e da formação de identidades no contexto da pós-modernidade.

Os autores selecionados para nortear o artigo são, principalmente: bell hooks (1952-2021), Stuart Hall (1932-2014) e Suelem Freitas. O fio condutor das reflexões levantadas neste artigo busca destacar a relevância do tema para pensar a sociedade contemporânea e seus desafios, bem como o impacto de uma abordagem interseccional que abre caminhos para tal reflexão.

Em um primeiro momento, para contextualização, será abordado o processo de construção de identidades na era pós-moderna de acordo com Stuart Hall em “Identidade Cultural na Pós Modernidade”, para em seguida trazer o debate sobre consumo de mídias pela perspectiva do olhar opositor das mulheres negras espectadoras, levantado tanto por bell hooks em “Olhares Negros” (2019), quanto por Suelem Freitas (2020), em “Consumo Cultural e Midiático de Mulheres Negras:

Construção de identidade e interseccionalidade”.

Stuart Hall e as Identidades na Pós-modernidade

Em “Identidade Cultural na Pós Modernidade” (2015), Stuart Hall trata da questão da identidade como algo que se descentraliza na modernidade ao mesmo tempo que o autor traz a concepção da própria modernidade também modificada.

Para iniciar o debate, no primeiro capítulo da obra temos a reflexão sobre conceitos de identidades mapeados pelo autor. O primeiro, o “Sujeito” único e individualista, originário do iluminismo. O segundo, o sujeito do sociólogo como aquele atravessado pelos processos de formação de identidade, integrando estrutura e sujeito, na relação público e privado. Por fim, Stuart Hall também aborda o sujeito pós-moderno entendido como aquele que é definido historicamente, e não biologicamente.

O autor, ao aprofundar sobre esses trê conceitos de sujeito, não deixa de também destacar processos históricos e sociais que se relacionam com cada um inclusive recupera autores como Marx e Giddens, para tratar a modernidade tardia, e Laclau em referência a modernidade constantemente descentrada, marcada por deslocamentos. Frisando sempre as diferentes posições ocupadas pelos sujeitos.

O segundo capítulo, intitulado “Nascimento e Morte do Sujeito Moderno”, é focado em discutir as mudanças conceituais nos conceitos de sujeito e identidade na era pós-moderna.

Para Hall, na era moderna o sujeito era concebido como unificado e centralizado. Já na pós-modernidade, o sujeito é descentralizado, fragmentado, ressaltando que a descentralização do sujeito entende a identidade como algo em constante transformação. Especificamente sobre identidade múltiplas e fragmentadas, o autor argumenta que na pós-modernidade as identidades são construídas em contexto específicos e em relação a diferentes grupos sociais.

Neste capítulo, Hall também aborda sobre a construção social da identidade, indicando que ela é moldada por influências sociais, culturais e históricas, estando em constante negociação.

Em “Culturas Nacionais Como Comunidades Imaginadas”, o terceiro capítulo do livro, Stuart Hall inicia com o questionamento sobre como as identidades culturais nacionais poderiam ser afetadas ou deslocadas pelo processo de globalização. No mundo moderno, a cultura nacional constitui-se como uma das fontes de identidade nacional. Tais identificações não estão nos nossos genes, mas carregam simbolismo e metaforicamente constituem a identidade.

Enquanto autores como Roger Scruton e Ernest Gellner, apontados por Hall, seguem a linha de que o nacionalismo e o sentimento de nacionalidade é subjetivamente essencial na experiência do sujeito moderno, Hall observa que nossas identidades nacionais não são inerentes, mas formadas e transformadas no interior de tal representação.

O autor também destaca as culturas nacionais como uma forma distintivamente moderna e traz o argumento de que em outras eras (como a pré moderna) a lealdade e identificação era dada à tribo ou religião e gradualmente transferidas nas sociedades ocidentais à cultura nacional. Hall também aponta que o processo de formação da cultura nacional contribui para criar padronização de alfabetização universal e generalização da língua, impactando a dominação sobre comunicação. Como exemplo, o autor traz a homogeneização cultural por instituições como as escolas e sistema educacional nacional.

Para dar continuidade no debate, Hall ainda traz a provocação sobre o quanto as identidades culturais seriam realmente tão unificadas e homogêneas quanto aparentam ser. Para esse exercício, o autor então propõe o caminho de tratar a nação como comunidade imaginada. Nela a cultura nacional é entendida como um discurso, formada por instituições culturais, mas também de símbolos e representação.

Hall também recupera o trabalho de Benedict Anderson (1936-2015) para trazer a concepção sobre culturais nacionais como produtoras de sentidos (histórias, memórias e imagens que conectam presente e passado) sobre a nação. Para Anderson, ao mesmo tempo que construímos identidade ao nos identificar com eles, a diferença está nas formas como são imaginadas.

Stuart Hall então abre a reflexão sobre como é contada e representada a narrativa nacional na modernidade. O autor destaca possibilidades e formas de entendimento sobre esse processo.

A primeira, se refere à narrativa da nação com ênfase na história e literatura nacional – incluindo mídias e a cultura popular que carregam e imprimem imagens, panoramas, eventos históricos, símbolos e rituais que simbolizam ou representam experiências que dão sentido à nação e os membros de tal comunidade imaginada, ao conectar a vida ao destino nacional, se vêem como compartilhando dessa narrativa.

Hall também aponta para a explicação a partir de origens e tradição, que carregam o sentido de que a identidade nacional “sempre está lá”, uma existência inquebravel. O autor também explica que eventualmente essa narrativa pode estar “adormecida”, porém os elementos essenciais do caráter nacional permanecem.

O autor também recupera Hobsbawm (1917-2012), para tratar da narrativa na modernidade, sob a perspectiva de que seja de natureza simbólica ou ritual, ela remete a valores e normas do comportamento por meio de repetições, implicando continuidade porém com um passado específico.

Stuart Hall também traz o mito funcional como aquele que localiza a narrativa com a origem da nação, onde o povo e o caráter nacional se misturam com desastres históricos. No mito funcional, a desordem se transforma em comunidades e desastres se transformam em triunfos.

Por fim, o autor destaca a identidade nacional fincada na ideia de um povo puro e original, e aponta que no desenvolvimento nacional raramente esse povo primordial persiste ou chega a exercitar o poder. Portanto, de acordo com Hall, o discurso da cultura nacional, levando em conta esses pontos, não é tão moderno como pode aparentar ser, e está constantemente localizando a identidade entre passado e futuro.

Voltando à questão da homogeneidade e unificação das identidades que a cultura nacional constrói, a obra também utiliza Ernest Renan para iniciar essa reflexão com 3 conceitos sobre a unidade de uma nação imaginada: memórias do passado, desejo por viver em conjunto e perpetuação das heranças.

Tomando como norte tais conceitos, Hall traz a ideia de que a unificação cultural, no sentido de anular diferenças, também está sujeita à dúvidas principalmente pelas perspectivas de lealdade, união e simbolismo. [2]

Como argumento, encontramos na teoria de Hall as razões que ancoram essa dúvida: Para o autor, a cultura nacional também é uma estrutura de poder cultural, as nações são compostas por diferentes classes sociais e grupos étnicos e de gênero, além de que as nações ocidentais modernas foram também centros de impérios de influência que exercem hegemonia sobre culturas colonizadas, trazendo como exemplo a Inglaterra e sua posição enquanto país colonizador.

Segundo Hall (2015), alguns historiadores argumentam, atualmente, que foi nesse processo de comparação entre”virtudes ” da”inglesidade ” (Englishness) e os traços negativos de outras culturas que muitas das características distintivas das identidades inglesas foram primeiro definidas. (p. 61)

Os pontos levantados neste trabalho, até o momento, são para iniciar o debate sobre o consumo cultural e de mídias na construção de identidades na pós-modernidade. Abrir esse caminho trazendo Stuart Hall se justifica porque o autor traz a proposta de abordagem em não pensar culturas nacionais como unificadas. Além disso, o autor também defende pensar constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade

são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo “unificadas” apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural. Entretanto – como nas fantasias do eu “inteiro” de que fala a psicanálise lacaniana – as identidades nacionais continuam a ser representadas como unificadas. (p.62)

Para avançar na reflexão, convém mapear como Stuart Hall e bell hooks são referências com a proposta do presente artigo – que é pensar relações entre consumo de cultural e de mídias com a construção de identidades na pós-modernidade.

De maneira introdutória, é possível traçar paralelos entre “Identidade Cultural na Pós-Modernidade” de Stuart Hall e “Olhares Negros” de bell hooks.

Ambos os autores discutem sobre abordam a formação da identidade como moldada e influenciada pelas representações culturais dominantes – Em Hall temos a exploração da natureza fluida e fragmentada da identidade na era pós moderna; já em hooks, temos um aprofundamento sobre a representação de mulheres negras na cultura mainstream e o quanto isso afeta a autoestima, a autoimagem, a percepção sobre si.


em constante mutação.” (FREITAS, Suelem. CONSUMO CULTURAL E MIDIÁTICO DE MULHERES NEGRAS: Construção de identidade e interseccionalidade. p. 28)

Tanto Hall quanto hooks consideram as intersecções de raça, gênero e classe na construção de identidade além de também considerarem os conceitos de poder e controle na produção de representações culturais dominantes. Hall traz o exame das estruturas de poder que moldam as identidades culturais, e hooks se concentra na análise crítica das representações estereotipadas de mulheres negras abrindo espaço para o questionamento sobre quem, dentro de tal estrutura, tem o poder de definir essas representações.

Ambos apontam para uma abordagem interseccional como um caminho fundamental para dar conta da relação de consumo cultural com a formação de identidades.

bell hooks e o Poder do Olhar

Em “Olhares Negros”, de bell hooks, especificamente no capítulo sete, que apresenta a questão do olhar opositor da mulher negra espectadora, a autora inicia com o convite para refletir sobre o poder que existe no ato de olhar. E a fim de ressaltar a importância dessa reflexão para seguir com a análise, hooks (2019) argumenta que as políticas da escravidão, das relações de poder racializadas, eram tais que os escravizados foram privados de seu direito de olhar.

A autora então traz Michel Foucault para pensar as conexões sobre a reprodução do poder através da dominação de aparatos, estratégias e mecanismo de controle semelhantes trazendo como exemplo sua experiência de infância em que sentia essa privação e censura sobre o olhar, ao mesmo tempo que também se lembra de que isso nunca impossibilitou de arriscar e espiar escondida:

Que todas as tentativas de reprimir o nosso direito — das pessoas negras — de olhar produziram em nós um desejo avassalador de ver, um anseio rebelde, um olhar opositor. Ao olhar corajosamente, declaramos em desafio: “Eu não só vou olhar. Eu quero que meu olhar mude a realidade.(p.183)

Ainda tratando de Foucault[3], a autora ressalta o desafio de pensar o poder como sistema de denominação absoluto e, ao mesmo tempo, entender que nas relações de poder há possibilidade de resistência – trazendo o convite de pensar criticamente que no e através do corpo a agência pode ser encontrada.

Para pensar especificamente o consumo de mídia pelo olhar como lugar de resistência, a autora também traz a obra “Identidade Cultural e Representação Cinemática” (1989), de Stuart Hall, para entender o olhar como lugar dessa resistência às relações de poder:

O erro não é conceituar essa “presença” em termos de poder, mas localizar esse poder como completamente externo a nós — uma força extrínseca, cuja influência pode ser despida como uma serpente troca de pele. O que Frantz Fanon nos lembra em Pele negra, máscaras brancas é como o poder está do lado de dentro, assim como de fora: “o outro, através de gestos, atitudes, olhares, fixou me como se fixa uma solução com um estabilizador. Fiquei furioso, exigi explicações… Não adiantou nada. Explodi. Aqui estão os farelos reunidos por um outro eu”. Esse “olhar” a partir do lugar do Outro — por assim dizer — nos fixa, não apenas com sua violência, hostilidade e agressão, mas com a ambivalência de seu desejo. (p.184)

De acordo bom bell hooks, na relação entre espectadores negros e o cinema dominante, os momentos de ruptura são aquele em que ha resistencia de identificação com o discurso do filme em questão – a autora então apresenta como referência o trabalho Manthia Diawara e o entendimento de que a a posição de espectador possui agência a medadia que raça, classe e genero influenciam “a forma como essa posição do sujeito é preenchida pelo espectador”.

A autora destaca e aprofunda sobre a especificidade apresentada pelo escopo do olhar da mulher negra espectadoras. Para iniciar, hooks destaca que desde “O nascimento de uma nação” (1915), filme seminal e representante do cinema dominante branco, as políticas de gênero e raça já estavam inscritas – tal filme indica quais são os papéis a serem ocupados por mulheres brancas, ao mesmo tempo que delimita de forma evidente que não havia lugar para a mulher negra.

bell hooks conversou com mulheres negras de diferentes idades e classes,

de diferentes regiões do EUA sobre a relação delas com o cinema e, de acordo com a autora, se deparou com respostas ambivalentes.

A maioria das mulheres negras com quem conversei era irredutível ao dizer que nunca ia ao cinema esperando ver representações convincentes de feminilidade negra. Elas estavam conscientes do racismo cinematográfico
— o apagamento violento das mulheres negras. (p.187)

Ainda sobre relações de olhar e poder, a autora aponta também que a resposta para essa violência não é única. De acordo com hooks (2019), para espectadoras negras que olhavam “com profundidade”, o encontro com a tela machucava. Para algumas de nós, parar de olhar era um gesto de resistência, nos afastar era uma forma de protesto, de rejeitar a negação. (p.192)

Assertivamente, neste momento a autora também traz o quanto a experiência das espectadoras negras também é apagado dentro da critica de cinema feminista dominante que predominantemente é branca.

Apesar das intervenções críticas feministas mirarem na desconstrução da categoria “mulher” que destaca a importância da raça, muitas críticas de cinema feministas continuam a estruturar seus discursos como se falassem pelas “mulheres”, quando na verdade falam apenas pelas mulheres brancas. (p.192-193)

Para hooks, isso não é apenas um resultado simplista do racismo, mas também um sintoma sobre o conceito de “mulher” dentro da teoria feminista do cinema e como ele é aplicado apagando diferenças entre mulheres em contextos especficios – seguindo essa linha:

Assim como o cinema dominante historicamente forçou as mulheres negras conscientes a não olhar, muitas críticas feministas não abrem a possibilidade de um diálogo teórico que possa incluir as vozes das mulheres negras. É difícil falar quando não há ninguém ouvindo, quando você sente que há um jargão ou narrativa especial que apenas os escolhidos conseguem entender. Não surpreende então que nós mulheres negras tenhamos confinado a maior parte dos nossos comentários críticos a conversas. (p. 195)

Ainda sobre a concepção do conceito de mulher dentro do feminismo, convém trazer Suelem Freitas (2020), em “Consumo Cultural e Midiático de Mulheres Negras: Construção de identidade e interseccionalidade”, quando a autora aborda o tema de divergências dentro da teoria feminista:

Em um primeiro momento, o feminismo negro pode ser reconhecido por causar uma cisão no movimento feminista, mas a permanência do termo “feminismo” é justamente uma forma de endossar a importância do que já foi construído até então. Lélia Gonzalez (1988), intelectual e feminista negra, reconhece o papel fundamental do feminismo para as mulheres negras, conforme a autora: o feminismo, “ao apresentar novas perguntas, não somente estimulou a formação de grupos e redes, também desenvolveu a busca de uma nova forma de ser mulher” (GONZALEZ, 1988). Porém as contribuições iniciais do feminismo foram projetadas às mulheres brancas de classe média, o que não aconteceu em relação às discriminações sofridas por mulheres negras. Gonzalez, já na década de 1980, foi uma das grandes responsáveis por dar visibilidade a problemas específicos da mulher negra sinalizando as distintas valorações atribuídas às brancas e negras: “branca para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar”. (p.45)

A partir desse entendimento, bell hooks afirma a teoria e a produção do cinema, sobretudo dos Estados Unidos, como um terreno que ainda é influenciado pela dominação branca. E nele, o olhar não deixa de aparecer como ponto de resistência:

Sem se identificar com o olhar falocêntrico nem com a construção da feminilidade branca como falta, a espectadora negra crítica constrói uma teoria de relações do olhar onde o prazer visual proporcionado pelo cinema é um prazer de questionar. Toda mulher negra espectadora com quem conversei, com raras exceções, falou de estar “na defensiva” no cinema. (p. 196)

Para hooks, as conexões entre o domínio da representação na mídia de massa e a capacidade das mulheres negras de se construírem como sujeitas na vida cotidiana – no sentido de que o sentimento de desvalorização, objetificação e desumanização das mulheres negras na sociedade é determinante sobre suas relações com o olhar. Ao mesmo tempo, hooks garante trazer essa reflexão sem cair em essencialismo e pontua:

A habilidade crítica da espectadora negra surge de um lugar de resistência apenas quando as mulheres negras individualmente resistem de modo ativo à imposição de formas dominantes de ver e de saber. Ainda que todas as mulheres negras com quem falei estivessem conscientes do racismo, essa consciência não correspondia automaticamente à politização, ao desenvolvimento de um olhar opositor. Quando correspondia, mulheres negras individualmente nomeavam o processo de modo consciente. (p. 199)

A autora ainda complementa explicando que esse olhar não apenas resiste, mas também provoca textos e obras alternativas que não são apenas reações – são obras e textos produzidos por cineastas negras que carregam um espectro de questionamentos, contestações e invenção em muitos níveis.

É essa prática crítica que permite a produção de uma teoria feminista do cinema que teorize a experiência da espectadora negra. Ao olharmos e nos vermos, nós mulheres negras nos envolvemos em um processo por meio do qual enxergamos nossa história como contramemória, usando-a como forma de conhecer o presente e inventar o futuro. (p. 203)

Conclusão

As referências e pontos de reflexão desenvolvidos aqui auxiliam o entendimento de que, entre todas as esferas de investigação sobre o consumo, tratando-se especificamente de consumo cultural e midiático, encontramos um terreno fértil para pensar a construção de identidades e narrativas nacionais, a construção dos sujeitos na pós-modernidade, bem como entender o quanto esses processos são atravessados ou influenciados pelas transformações da globalização.

De acordo com Suelem Freitas (2020), em “Consumo Cultural e Midiático de Mulheres Negras: Construção de identidade e interseccionalidade”, a relação entre consumo cultural e midiático com a construção de identidades “se dá, não apenas de um modo passivo, num sentido dos sujeitos apenas reiteraram as representações, mas ocorre também de um modo ativo, através dos usos eapropriações das produções simbólicas que representam as identidades.” (p. 26)

Por fim, o desenvolvimento deste artigo também indica que uma abordagem com perspectiva de interseção entre raça e gênero são uma oportunidade para abranger o que atravessa a vida de mulheres negras de maneira assertiva frente aos desafios que esse exercício carrega. E, indo além e recuperando bell hooks, uma abordagem interseccional contribui para pensar questões de gênero e raça de maneira transformadora e subversiva, no sentido de criar alternativas, questionar imagens e construir alternativas que fogem de uma lógica dualista de interpretação.

Referências Bibliográficas

FREITAS,   Suelem.   CONSUMO   CULTURAL   E   MIDIÁTICO   DE               MULHERES

NEGRAS: Construção de identidade e interseccionalidade. 2020

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 12 ed. Rio de Janeiro:Lamparina, 2015

HOOKS, bell. Olhares Negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019


[1] Artigo redigido como forma de avaliação para a disciplina “Pensamento Feminista Negro e Teoria Social Contemporânea”, ministrado pela Prof. Dra. Elisângela de Jesus Santos, no curso de Mestrado Acadêmico de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras/ UNESP, campus de Araraquara.

[2] “A identidade ganha sentido através de múltiplos fatores, entre eles encontram-se a linguagem, os sistemas simbólicos e o social. A questão da linguagem passa pela nomeação, pois, por exemplo, quando chamamos alguém de brasileira, este nome está carregado de sentidos, tanto valores positivos quanto negativos, sendo que estes foram construídos ao longo da história, e podem estar

[3] Em “Microfísica do Poder”(1970), Foucault traz a concepção de que relações de dominação não se restringem ao âmbito das ações de força do Estado, mas elas contam com dispositivos, está nas escolas, no sistema penitenciário, nos hospitais psiquiátricos, nas academias e lugares de produção de conhecimento. A partir do trabalho de Foucault, situado entre as décadas de 1960 e 1980, com a concepção de que o macro contém o micro, mas também é possível o micro conter o macro, as ciências sociais encontram novas possibilidades de análise.