CONSIDERATIONS ON THE INSTITUTE OF MORAL DAMAGE IN CONSUMER RELATIONS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7806353
HUMBERTO FREDERICO BRAUNS1
RESUMO
Este artigo busca fazer apontamentos significativos sobre os principais aspectos que envolvem o dano moral nas relações de consumo. Para tanto, adota-se pesquisa exploratória, consubstanciada na revisão bibliográfica, já que se busca na legislação, na doutrina e na jurisprudência elementos para melhor compreensão do assunto. Pode-se afirmar que o dano moral, apesar de já enraizado no direito brasileiro, ainda é assunto extremamente sensível na prática forense, tendo em vista sua subjetividade aliada à falta de consenso doutrinário conceitual. Tais fatores dificultam, não só a argumentação jurídica por parte do julgador, mas também a própria aplicação de uma indenização justa diante do caso concreto, implicando diretamente na qualidade da prestação jurisdicional. Num primeiro momento, busca-se demonstrar a origem e a conceituação do dano moral, os principais dispositivos legais que versam sobre o tema, assim como contextualizar sua diferença em relação ao dano material. Em seguida, foi exposta a tríplice função do dano moral, seu antagonismo em relação à construção jurisprudencial denominada “mero aborrecimento” para, ao final, realizar uma análise crítica sobre os critérios utilizados pelo Poder Judiciário brasileiro para fundamentar o “quantum” indenizatório a título de reparação por dano moral nas demandas de consumo.
PALAVRAS-CHAVE: Dano moral, Critérios de fixação, Mero aborrecimento, Quantum indenizatório.
ABSTRACT
This article seeks to make significant notes on the main aspects involving moral damage in consumer relations. In order to do so, an exploratory research is adopted, based on the bibliographic review, since it seeks in legislation, doctrine and jurisprudence elements for a better understanding of the subject. It can be said that moral damage, although already rooted in Brazilian law, is still an extremely sensitive issue in forensic practice, given its subjectivity combined with the lack of conceptual doctrinal consensus. Such factors make it difficult not only the legal argumentation by the judge, but also the application of fair compensation in the face of the concrete case, directly implying the quality of the jurisdictional provision. At first, we seek to demonstrate the origin and conceptualization of moral damage, the main legal provisions that deal with the subject, as well as contextualizing its difference in relation to material damage. Then, the triple function of moral damages was exposed, its antagonism in relation to the jurisprudential construction called “mere annoyance” to, in the end, perform a critical analysis on the criteria used by the Brazilian Judiciary to justify the “quantum” indemnity in the name of compensation for moral damage in consumer demands.
KEYWORDS: Moral damage, Fixation criteria, Mere annoyance, Indemnity amount.
INTRODUÇÃO
Inicialmente é importante elucidar que antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) o acesso à reparação por dano, no âmbito das relações de consumo, era muito mais difícil, já que não existia o instituto da inversão do ônus da prova, alçado ao direito brasileiro pelo artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Em contrapartida, com o advento da lei consumerista, tornou-se mais viável para o consumidor acessar o Poder Judiciário pleiteando reparação por dano, de qualquer natureza, uma vez que a inversão do ônus da prova passou a ser um direito básico do consumidor, bastando a verossimilhança das alegações autorais, isto é, ter aparência de verdade, para que a parte contrária (fornecedor e/ou fabricante) assuma a incumbência de desconstituí-las no decorrer do processo.
A inversão do ônus da prova somada à facilidade de acesso à justiça, através dos Juizados Especiais Cíveis, somada à expansão significativa do consumo, especialmente pela internet, desemborcou numa avalanche de ações judiciais pleiteando reparação por danos. Por conseguinte, os tribunais de justiça passaram a fazer um esforço gigantesco para não alimentar a famigerada “Indústria do dano moral”, que é uma expressão pejorativa utilizada para representar a tentativa de um ganho fácil diante de um infortúnio mínimo.
Embora o dano moral já esteja enraizado no direito brasileiro, ainda é tema bastante complexo, por ser dotado de subjetividade, sem consenso doutrinário conceitual, o que dificulta a própria argumentação jurídica sobre o assunto, impactando diretamente na essência da prestação jurisdicional, ou seja, se o indivíduo efetivamente teve acesso à justiça, quando lesado em sua personalidade.
Desta forma, a discussão sobre o dano moral nas relações de consumo possui grande relevância jurídica, pois, já há muito tempo, o Poder Judiciário brasileiro tem fundamentado, exaustivamente, suas decisões na construção jurisprudencial denominada “mero aborrecimento” ou “dissabor cotidiano”, para indeferir o pedido de reparação por dano moral, fato que tem gerado repercussão negativa na esfera jurídica, sendo denominado de “banalização do dano moral”, onde sérias ofensas à personalidade do consumidor são tratadas como “meros dissabores”.
A metodologia aqui aplicada é de cunho essencialmente bibliográfica, baseando-se na pesquisa de doutrina especializada no assunto, artigos acadêmicos, fontes da internet e jurisprudência atualizada do Superior Tribunal de Justiça.
2 HISTÓRICO E CONCEITO DE DANO MORAL
Ainda que de forma sucinta, é essencial fazer alguns apontamentos sobre a origem e a evolução do dano moral para que haja uma melhor compreensão do assunto analisado.
Segundo aponta a doutrina, o instituto do dano moral teve origem no Código de Hamurabi (conjunto de leis criadas no século XVIII, a.C., na Mesopotâmia). Com o passar do tempo, o instituto foi evoluindo, deixando de ser aplicado o castigo corporal àquele que causasse prejuízo a outrem, até, acertadamente, chegar ao modelo de compensação financeira conhecido atualmente.
No Brasil, uma das mais antigas referências à compensação por dano moral está no Título XXIII do Livro V das Ordenações do Reino (1603), que previa a condenação do homem que dormisse com uma mulher virgem e com ela não se casasse, devendo pagar um determinado valor, a título de indenização, um tipo de “dote”, a ser arbitrado pelo julgador em razão das posses do homem ou de seu pai.
Se a existência do direito à reparação por dano moral é, atualmente, indiscutível, o mesmo não se pode dizer quanto ao seu conceito e à sua extensão. A doutrina ainda não estabeleceu bases sólidas, isto é, um conceito uníssono acerca do instituto do dano moral, dividindo-se, portanto, em algumas correntes.
Carlos Roberto Gonçalves ao conceituar o dano moral assevera que:
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação (GONCALVES, 2009, p.359).
Corrente diversa conceitua dano moral como o efeito da lesão, e não a lesão em si, como faz o renomado doutrinador Yussef Said Cahali que assim o conceitua:
Dano moral, portanto, é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja dor física – dor-sensação, como a denomina Carpenter – nascida de uma lesão material; seja a dor moral – dor-sentimento, de causa imaterial. (CAHALI, 2011, pág. 28)
Ainda que existam diferentes entendimentos doutrinários acerca do conceito de dano moral, trata-se de um instituto que conta com proteção constitucional, incluído na Constituição Federal entre os Direitos e Garantias fundamentais, com direito à reparação civil, em caso de ofensa ou lesão grave à personalidade do indivíduo.
Assim, a grande celeuma que versa sobre o assunto, não gira em torno da sua conceituação, tampouco sobre sua aplicabilidade na prática forense, mas repousa na dicotomia: “indústria do dano moral” x “banalização do dano moral”, expressões pejorativas utilizadas para representarem os dois extremos da reparação civil, onde o primeiro seria uma tentativa de lucro rápido e fácil, utilizando-se do Judiciário, e o segundo uma espécie de menosprezo à real ofensa moral, seja por arbitramento de indenizações irrisórias, seja por rebaixar graves ofensas à personalidade do indivíduo à dissabores do cotidiano.
2.1 Dispositivos legais que tratam do dano moral
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, que trata dos Direitos e Garantias fundamentais, trouxe nos incisos V e X não somente o fundamento legal para o ressarcimento por dano moral, como também determinou sua independência, ou seja, a possibilidade de reparação por dano moral, independentemente da existência de dano material, veja:
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[…]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Com esteio na Carta-Magna, o novo Código Civil de 2002, nos seus artigos 186 e 927, determina que aquele que violar direito de outrem, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causando-lhe prejuízo, ainda que exclusivamente moral, pratica ato ilícito, passível de indenização por responsabilidade civil, material (patrimonial) ou moral (extrapatrimonial), vejamos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 6º, que trata dos direitos básicos do consumidor, especificamente no inciso VI, garantiu ao consumidor não só a reparação, mas também a efetiva prevenção de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Observemos:
Art. 6. São direitos básicos do consumidor:
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
2.1.1 Dano moral x dano material
A principal diferença entre o dano moral e o dano material está na própria natureza da lesão. Enquanto a ofensa moral afeta o íntimo do indivíduo (imagem, honra, boa-fé, etc.) sendo capaz de desequilibrar seu bem-estar interior, a ofensa material se caracteriza com a ofensa direta ao patrimônio do ofendido, causando-lhe diminuição.
Vislumbrar o dano material é tarefa mais fácil, conseqüentemente, mais prático apurar sua liquidez e transformá-lo em dinheiro, por exemplo: um motorista, ao dar ré, colide com o carro que estava parado atrás, constatando-se o responsável pelo incidente, determinar-se-á que o causador do dano efetue o conserto do veículo danificado, entregando-o ao seu proprietário como estava em seu estado anterior à colisão. Ao passo que no dano moral, de difícil percepção, não há como medir o quanto a ofensa perpetrada foi capaz de abalar a personalidade do indivíduo, o que torna mais difícil uma compensação justa, que seja capaz de mitigar o sofrimento experimentado.
Conforme os ensinamentos de Antônio Jeová Santos:
Já foi afirmado neste trabalho que o dinheiro que a vítima ou o beneficiário indireto do dano moral recebem, não serve para apagar, nem borrar o dano causado. O mal perdura ainda que o dinheiro recebido seja suficiente para a aquisição de bens materiais que podem trazer algum conforto para o ofendido (2001 p.200):
Portanto, no dano material a compensação financeira, além de ser calculável, tem a finalidade precípua de ressarcir o patrimônio do ofendido, fazendo-o retornar exatamente ao estado que era antes. Já no dano moral o dinheiro não serve para “apagar” o sentimento de humilhação, por exemplo, pois o mesmo pode perdurar por um longo período, o que se busca é diminuir os prejuízos causados à personalidade do ofendido.
3 FUNÇÕES DO DANO MORAL
È pacífico na doutrina que o instituto do dano moral exerce três funções basilares: compensar financeiramente a pessoa lesada na esfera de sua personalidade, punir o agente causador do dano e, por último, dissuadir/prevenir nova prática do mesmo tipo de ato danoso.
Importante frisar que esta última função tem duplo objetivo – dissuadir o responsável pelo dano a cometer novamente a mesma modalidade de violação e prevenir que outra pessoa pratique ilícito semelhante – por isso também é chamada de função punitivo-pedagógica.
Sobre a importância da função punitivo-pedagógica do dano moral, assevera Noronha:
Esta função da responsabilidade civil é paralela à função sancionatória e, como esta, tem finalidades similares às que encontramos na responsabilidade penal, desempenhando, como está, funções de prevenção geral e especial: obrigando o lesante a reparar o dano causado, contribui-se para coibir a prática de outros atos danosos, não só pela mesma pessoa como, sobretudo por quaisquer outras. Isto é importante especialmente no que se refere a danos que podem ser evitados (danos culposos) (NORONHA. Fernando. 2003. P. 441)
3.1 Origem e definição do termo “mero aborrecimento”
De início, cabe esclarecer que não existe amparo legal para fundamentar o chamado “mero aborrecimento” ou “mero dissabor cotidiano”. Contudo, seguindo o exemplo de outras construções jurídicas, a expressão “mero aborrecimento” se originou de decisões judiciais reiteradas dos tribunais, isto é, trata-se de construção jurisprudencial, sem fundamento em qualquer legislação.
A jurisprudência atualizada se posiciona no sentido de que o “mero aborrecimento” ou “dissabor cotidiano” é o fato contumaz e imperceptível, incapaz de atingir a esfera jurídica personalíssima do indivíduo, sendo um fato da vida e, portanto, não repercutindo ou alterando o aspecto psicológico ou emocional de alguém, sendo impassível de indenização.
Em recentes julgamentos, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça vem aplicando jurisprudência consolidada, vejamos:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL AÇÃO CONDENATÓRIA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE DEMANDADA.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o simples inadimplemento contratual, em regra, não configura dano moral indenizável, devendo haver consequências fáticas capazes de ensejar o sofrimento psicológico.
1.1. No caso concreto, o Tribunal de origem fundamentou a ocorrência do dano moral apenas no mero atraso na entrega da obra, aduzindo de forma genérica a ofensa à dignidade dos consumidores, sem demonstrar, de forma clara e específica, a ocorrência de sofrimento, angústia ou abalo psicológico ocasionado aos recorridos.
1.2. A inexistência de circunstância especial que extrapole o mero aborrecimento, decorrente do atraso na entrega do imóvel, enseja a manutenção da decisão agravada que determinou o afastamento da indenização por danos morais. Precedentes.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 2.005.466/RJ, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/10/2022, DJe de 6/10/2022.)
DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CANCELAMENTO DE VOO. DANO MORAL. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROVAS DO DANO. AUSÊNCIA. MERO ABORRECIMENTO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO 1. Decisão agravada reconsiderada, na medida em que o agravo em recurso especial impugnou devidamente os fundamentos da decisão que inadmitiu o apelo nobre, exarada na instância a quo.
2. Não enseja a interposição de recurso especial matéria que não tenha sido debatida no acórdão recorrido e sobre a qual não tenham sido opostos embargos de declaração, a fim de suprir eventual omissão. Ausente o indispensável prequestionamento, aplicando-se, por analogia, as Súmulas 282 e 356 do STF.
3. “A jurisprudência mais recente desta Corte Superior tem entendido que, na hipótese de atraso de voo, o dano moral não é presumido em decorrência da mera demora, devendo ser comprovada, pelo passageiro, a efetiva ocorrência da lesão extrapatrimonial sofrida ” (AgInt no AREsp n. 1.520.449/SP, de minha relatoria, Quarta Turma, julgado em 19/10/2020, DJe de 16/11/2020).
4. Na hipótese dos autos, não houve comprovação de circunstância excepcional que extrapole o mero aborrecimento como, por exemplo, a perda de um compromisso em decorrência do cancelamento do voo, e que justifique a condenação em danos morais.
5. Agravo interno provido para conhecer do agravo e dar parcial provimento ao recurso especial.
(AgInt no AREsp n. 2.088.130/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 15/8/2022, DJe de 26/8/2022.)
Muitos consumidores, pode-se dizer que é algo cultural, enxergam no dano moral uma possibilidade de ganho fácil, tentam utilizar o judiciário como meio para o fim desejado, lucro fácil, buscando indenização por fatos diminutos, que sequer chegam perto de arranhar sua dignidade.
Pode-se citar, como fatos corriqueiros do cotidiano, isto é, aqueles que todos que estão inseridos no contexto social estão sujeitos a suportar, o exemplo de um consumidor que após inserir uma cédula na máquina de refrigerantes, a mesma acaba por ejetar a nota, fazendo com que o indivíduo fique sem sua bebida por um defeito casual, ou aquele usuário de transporte público que recebe um leve empurrão no horário de rush.
Por mais banal que pareça, a justiça brasileira é obrigada a julgar, todos os anos, milhares de processos semelhantes aos exemplos supracitados, pois o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 garante a todos, na prática, o direito à apreciação pelo Poder Judiciário de praticamente toda e qualquer pretensão. Sendo esta a maior razão da sobrecarga da máquina judiciária.
3,1,1 Parâmetros para a diferenciação entre o dano moral e o “mero aborrecimento”
Por causa da natureza subjetiva do dano moral, definir sua caracterização e, principalmente, sua extensão, torna-se tarefa demasiadamente complexa para o julgador, pois diferente do dano material, não existe valor mensurável, não há como aferir o quanto da personalidade do indivíduo foi abalada, tampouco se o “quantum” indenizatório será capaz de mitigar o sofrimento interno daquele que foi lesado no seu íntimo.
Sobre a prova do dano moral, ensina o renomado doutrinador Sergio Cavalieri Filho:
Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza, a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia. […] neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. (2009 p.86)
Na tentativa de afastarem de si próprios um pouco da subjetividade do dano moral e torná-lo um pouco mais “palpável”, os magistrados acabam por seguir determinados parâmetros para identificar a existência do dano moral e estabelecer o quantum indenizatório, norteiam-se por teorias e critérios.
O código civil não estabeleceu um rol exemplificativo para a fixação do quantum indenizatório por dano moral. Desta forma, leis especiais, como o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4117/62), parcialmente revogado, e a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67), julgada inconstitucional, estabeleciam valores pré-fixados e critérios para a indenização por dano moral.
É possível afirmar que dois sistemas ou correntes foram adotados no Brasil: o Sistema Tarifado e o Sistema Ilimitado ou por Arbitramento judicial. No primeiro, os valores são pré-determinados por lei ou pela aplicação da analogia. No segundo, a fixação do dano moral é deixada a critério do julgador.
O sistema tarifado é aquele em que o legislador estabelece critérios objetivos para se chegar a um valor que considere justo, capaz de reparar o dano. A antiga Lei de Imprensa estabelecia em seus artigos 51 e 52 o limite máximo para o arbitramento do dano moral em 200 salários mínimos.
Sobre o Sistema Tarifado, professa Carlos Roberto Gonçalves:
Não tem aplicação, em nosso país, o critério de tarifação, pelo qual o quantum das indenizações é prefixado. O inconveniente desse critério é que, conhecendo antecipadamente o valor a ser pago, as pessoas podem avaliar as conseqüências da prática do ato ilícito e as confrontar com as vantagens que, em contrapartida, poderão obter, como no caso do dano à imagem, e concluir que vale a pena infringir a lei. (GONÇALVES, Carlos Roberto. 2012. p.506.)
Sistema Ilimitado ou por Arbitramento judicial é aquele em o juiz fixa o dano moral com base na sua livre convicção, de maneira discricionária, ponderando os elementos probatórios de forma prudente, equânime e justa, sendo em verdade a própria expressão do Poder Jurisdicional, no qual o juiz forma seu julgamento com base nas condições pessoais das partes (autor e réu) e das repercussões causadas por aquela ofensa.
Conforme o ensinamento de Sérgio Cavalieri Filho:
Não há, realmente, outro meio mais eficiente para se fixar o dano moral a não ser pelo arbitramento judicial. Cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentar para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano moral. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. 2012. p.103).
Sendo a Constituição Federal a norma hierarquicamente superior da pirâmide normativa, os princípios constitucionais nela contidos devem servir de base às decisões judiciais. Dois princípios constitucionais devem estar presentes no julgamento do dano moral, como base, fundamento à sentença proferida, sendo essenciais à sua existência e validade, quais sejam: a razoabilidade e a proporcionalidade.
Provavelmente o grande desafio de todo magistrado, no âmbito do dano moral, é não só se convencer de que, de fato, ocorreu uma lesão de cunho moral, subjetiva e peculiar daquele ofendido, mas também, principalmente, determinar um valor indenizatório que seja, a um só tempo, justo, equilibrado, e, ao mesmo tempo, igualitário, respeitando, pois, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
CONCLUSÃO
O dano moral, embora seja amplamente reconhecido no direito brasileiro, é assunto extremamente sensível, devido a sua subjetividade conceitual, pois a simples definição de dano moral já se mostra bastante complexa e envolve diversos aspectos de ordem subjetiva, os quais integram o âmago da personalidade do indivíduo, impossíveis de medição para aferir a liquidez do dano.
Se por um lado o Código Consumerista garantiu ao consumidor o acesso à prestação jurisdicional mais equânime, por outro lado o Poder Judiciário se viu abarrotado de ações pleiteando indenização, especialmente por dano moral. A problemática que surge, não gira em torno da quantidade desmedida de ações, porque é papel do Estado fomentar e gerir a máquina pública, mas está na difícil missão de diferenciar as justas pretensões daquelas que configuram a tentativa de um ganho fácil diante de um infortúnio mínimo.
A partir da análise dos critérios apresentados, conclui-se que o Sistema Ilimitado ou por arbitramento judicial, conjugado com os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, que devem estar presentes nas decisões em geral, é o mais recorrente no Brasil. Decerto que tanto a lei quanto a doutrina deixaram a cargo do julgador, decidir sobre a existência ou não do dano moral, o que fazem ponderando o acervo probatório e observando as condições sócio-econômicas das partes.
Portanto, é medida necessária que os magistrados não se eximem da responsabilidade da decisão, isto é, que analisem a peculiaridade de cada caso e, principalmente, coloquem-se no lugar do consumidor lesado, sem se apartaram da imparcialidade das decisões, por óbvio, mas com o mínimo de ponderação, tudo isso para garantir uma justa prestação jurisdicional a quem de fato foi lesado, eliminando, assim, o estigma da banalização do dano moral.
Pelo outro vértice, a solução para coibir a famigerada “indústria do dano moral”, e, consequentemente, reduzir a sobrecarga de ações no judiciário, não é causar o desestímulo ao consumidor, tampouco, restringir o acesso à justiça, longe disso, o caminho perpassa por investir em campanhas educativas de massa, com o fito de educar o consumidor brasileiro acerca de seus direitos e deveres na cadeia de consumo, principalmente, conscientizá-los sobre o real propósito de uma demanda judicial, principalmente, conscientizá-los de que o dano moral foi criado para reparar um injusto, não enriquecer alguém sem causa.
Espera-se, com o presente artigo, ser possível trazer alguma contribuição efetivo a este instituto já tão discutido chamado dano moral.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 03 de outubro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988, artigo 5º, inciso V;
BRASIL. Constituição Federal de 03 de outubro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988, artigo 5º, inciso X;
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2011;
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. Ed.8.Editora Atlas. São Paulo 2009.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.103.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. IV;
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 506.
NORONHA. Fernando. 2003. P. 441;
SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável. 3 ed. São Paulo. Editora Método. 2001
1Especialista em Direito do Consumidor. E Mail: humbertofredericobrauns@yahoo.com.br