CONSIDERAÇÕES SOBRE A INCLUSÃO NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS

CONSIDERATIONS ON INCLUSION IN THE LITERACY CYCLE THROUGH PUBLIC EDUCATIONAL POLICIES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410302157


Moisés Corrêa Ferreira1
Liliana Soares Ferreira2


Resumo

O presente estudo tem o objetivo de analisar as políticas públicas educacionais sobre alfabetização, considerando o processo de inclusão (ou exclusão) de estudantes no ciclo de alfabetização. Inclusão como participação no processo e, não, como aspecto relacionado à educação inclusiva somente. Foram produzidos dados por meio da análise documental de políticas públicas educacionais acerca da alfabetização.  Constatou-se que os textos das políticas analisadas apresentam e evidenciam a importância da alfabetização, seja por meio do incentivo à leitura à formação de professores alfabetizadores. Todavia, demanda-se avançar, enfatizando e promovendo ainda mais as possibilidades do trabalho com estudantes que estão à margem do processo de alfabetização.

Palavras-chave: Políticas públicas educacionais. Inclusão. Alfabetização. 

1  INTRODUÇÃO 

A inclusão no ciclo de alfabetização dentro do âmbito educacional é uma pauta que entra em contato diretamente com o trabalho pedagógico, nessa perspectiva a inclusão no ciclo de alfabetização tem a finalidade de garantir que todos os estudantes tenham a oportunidade de acessar o processo de aquisição de leitura e escrita. Para fins deste estudo, entende-se trabalho pedagógico como o trabalho dos professores, independentemente da modalidade, nível ou grau, partindo do suposto que os sujeitos, ao trabalharem, produzem historicidade e se autoproduzem (FERREIRA, 2017, 2018).  Trata-se de um trabalho imaterial, porque “[…] põe em interação, inter-relação, relação (esses termos não se substituem, por isso são citados) os sujeitos, com seus saberes, de modo sistemático, dialógico, produzindo conhecimentos a partir da interlocução acerca desses saberes” (FERREIRA, 2018, p. 595). Seu objetivo é a produção do conhecimento, de forma que os sujeitos possam contribuir na transformação da realidade (FERREIRA, 2017). 

A ideia da inclusão no ciclo aborda uma aprendizagem pautada na equidade em todas as instâncias: socioeconômicas, culturais, gênero, raça, etc. A inclusão é vista, então, em sua totalidade, para além da perspectiva da educação inclusiva. Considerando esses elementos iniciais, o estudo ora apresentado tem como foco os estudantes que ainda se encontram no processo de alfabetização e/ou com déficit de alfabetização. Para tanto, o estudo centrou-se na análise de políticas educacionais que abordam a alfabetização, conforme descrito a seguir.  O texto está organizado, de modo a contemplar o percurso metodológico da pesquisa; uma fundamentação teórica, descrevendo as categorias principais do estudo; a análise do material selecionado como corpus da pesquisa; por fim, considerações finais, alinhavando o que foi produzido.

2  METODOLOGIA 

Para a produção de dados aplicou-se análise documental. Esta técnica de pesquisa envolve a interpretação e análise de documentos. A autora Olinda Evangelista (2009) aponta que os documentos oferecem vestígios e sinais, mas que na posição dos pesquisadores, a averiguação minuciosa é essencial para a produção de dados, bem como para a interpretação deles. Em outra passagem, a autora afirma que:

[…] o método é absolutamente fundamental, pois implica uma determinada forma de tratar, analisar, contrapor, desconstruir ou construir uma interpretação dos documentos e, por essa via, dar acesso às várias “realidades” que incorpora. É essencial considerar a maior ou menor capacidade da teorização de dar conta de suas múltiplas determinações (EVANGELISTA, 2009, p. 13).

A escolha destes documentos se deu através do objetivo/descrição, sendo assim, foram escolhidas Políticas Públicas Educacionais que tem sua finalidade alinhada à alfabetização, tendo a Lei nº 9.394/96 como a atual legislação que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

Para a análise documental foram selecionados os seguintes textos:

Quadro 1 – Documentos para análise documental

DocumentoAnoObjetivo/Descrição
Lei nº 9.3941996Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Portaria nº 8672012Institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as ações do Pacto e define suas diretrizes gerais.
Lei nº 13.0052014Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências.
Pacto Nacional pelaAlfabetização na Idade Certa2015Currículo na perspectiva da inclusão e da diversidade: as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e o Ciclo de Alfabetização.
Decreto nº 9.7652019Institui a Política Nacional de Alfabetização.
Decreto nº 11.5562023Institui o Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada.

Fonte: Ferreira (2024).

Sendo assim, a análise destes documentos tem o objetivo de investigar e produzir informações sobre o que estas Políticas Públicas Educacionais apresentam referente à temática da pesquisa, bem como, um embasamento mais aprofundado dos dados promovendo a relevância da pesquisa.

A análise aconteceu mediante a busca de categorias. Comparou-se essas categorias entre si e sistematizou-se a análise, mediante os argumentos ora apresentados, configurando um estudo de natureza qualitativa.

3  FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, conhecido popularmente como FHC, foi sancionada a Lei nº 9.394 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. A partir desta Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) são estabelecidos os níveis, as etapas e as modalidades de ensino. De acordo com a Lei, a educação brasileira apresenta dois níveis de ensino: a Educação Básica e o Ensino Superior. 

A Educação Básica tem como objetivo promover o desenvolvimento do estudante, assegurando a formação comum fundamental para o exercício da cidadania, assim como oferecer recursos para progredir no trabalho. As etapas da Educação Básica são: Educação Infantil – oferecida em creches (crianças de 0 a 3 anos) e pré-escola (crianças de 4 a 5 anos); Ensino Fundamental – composto por Anos Iniciais (1º ao 5º) e os Anos Finais (6º ao 9º); Ensino Médio – etapa final da Educação Básica (duração mínima 3 anos). 

Já o Ensino Superior tem as seguintes finalidades: desenvolver o espírito científico e o pensamento reflexivo; estimular a atividade de pesquisa e investigação científica; formar profissionais aptos para atuar em diferentes áreas de conhecimento; colaborar no desenvolvimento da sociedade. As etapas do Ensino Superior são: graduação – formação inicial no ensino superior (disponível apenas para concluintes do Ensino Médio); pós-graduação – Mestrado e Doutorado (disponível apenas para diplomados da graduação).

A LDB de 1996 desenvolve melhor as pautas que antes eram obsoletas e também elabora novas pautas que não foram abordadas pelas LDBs anteriores. Por exemplo, inclui a Educação Infantil na etapa da Educação Básica. Sendo assim, a Educação Básica ficou formada por três etapas – Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio; a organização da carga horária mínima de 800 horas, distribuídos em pelo menos 200 dias 29 letivos durante o ano para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio; a criação do Plano Nacional de Educação com diretrizes e metas para os próximos dez anos.

Na publicação original da Lei nº 9.394 não consta nenhuma menção à alfabetização. Essa menção só ocorreu em 12 de julho de 2022, durante o governo Bolsonaro, com a Lei nº 14.407, que altera a LDB para estabelecer o compromisso da Educação Básica com a formação do leitor e o estímulo à leitura. Na LDB de 1996 foi incluído o inciso XI (que pertence ao art.

4) que pauta a “alfabetização plena e capacitação gradual para a leitura ao longo da educação básica como requisitos indispensáveis para a efetivação dos direitos e objetivos de aprendizagem e para o desenvolvimento dos indivíduos” (BRASIL, 2022, art. 1). Também foi incluído o parágrafo único que agrega mais uma finalidade da Educação Básica: “a alfabetização plena e formação de leitores” (BRASIL, 2022, art. 2).

A alfabetização plena só ganha notoriedade na LDB após esta lei de 2022. Vale destacar que o direito à Educação e o dever de educar já estavam assegurados na LDB 9.394/96. Mas do ponto de vista realista não é possível que a Educação Básica tenha a disposição geral de desenvolver o estudante quando o mesmo não se encontra com a sua alfabetização plena; para que o processo ocorra, de fato, o estímulo à leitura é crucial.

No ano de 2012, o Ministério da Educação (MEC) assume um compromisso entre as três esferas de governo (federal, estadual e municipal) com o objetivo de alfabetizar todas as crianças até os oitos anos de idade ao final do 3º ano do ensino fundamental. Esse compromisso foi instituído pela Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012 que institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as ações do Pacto e define suas diretrizes gerais. Além disso, a Portaria nº 867 apresenta o art. 6 que contempla os seguintes eixos: “I – formação continuada de professores alfabetizadores; II – materiais didáticos, literatura e tecnologias educacionais; III – avaliação e; IV – gestão, controle e mobilização social”. (BRASIL, 2012, art. 6). O inciso I aborda a questão da formação continuada para professores alfabetizadores, discorrendo que a formação ocorre com os professores das escolas que aderiram ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e esse processo conta com uma rede de professores orientadores e é caracterizada no art. 7 da portaria. 

O PNAIC conta com um vasto material didático, são eles: Alfabetização Matemática (2014) – aborda a alfabetização matemática no ponto de vista do letramento, entendendo e considerando que a alfabetização matemática é um instrumento essencial para a leitura de mundo; Formação do Professor Alfabetizador (2014) – tem o objetivo de desenvolver práticas docente no âmbito da alfabetização, fazendo com que os professores qualifiquem eacompanhe m as mudanças no campo da alfabetização, bem como as demandas dos estudantes; Educação Matemática no Campo (2014) – aborda e aprofunda a relação entre educação do campo e a educação matemática, explorando a variedade das práticas sociais presentes na realidade rural como ponto de partida para educação matemática.

4   ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS SOBRE ALFABETIZAÇÃO 

Nessa seção do texto, indica-se os aspectos analisados nas políticas educacionais selecionadas e, com isso, estabelece-se parâmetros para se entender o processo de inclusão na alfabetização.

No PNAIC, referente à temática desta pesquisa, o caderno 1, intitulado Currículo na perspectiva da inclusão e da diversidade: as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e o ciclo de alfabetização, do PNAIC faz menção aos ciclos de formação e à internalização da exclusão nas escolas e redes de ensino (SÁ; LIMA, 2015). As autoras afirmam que: 

O pressuposto da homogeneidade de ritmos de aprendizagem no sistema seriado implicou formas de avaliação que culpabilizavam individualmente o sujeito (ou seu meio social), por sua suposta “falta de cultura” ou por “patologias” que tornariam determinadas pessoas menos capazes de aprender (BRASIL, 2012b). Nesse sentido, a eliminação daqueles considerados “não aptos” a passarem para a série seguinte era naturalizada como de responsabilidade exclusiva do aprendiz (SÁ; LIMA, 2015, p. 21). 

A culpabilização dos estudantes expõe a falta da formação continuada de professores que estão atuando no ciclo de alfabetização dos sujeitos com déficit nesta competência tão essencial para o desenvolvimento pessoal e social. Ainda em evidência, as autoras alertam para a questão da tradicional abordagem de avaliação, que não leva em consideração a especificidade de cada estudante, bem como, utilização da avaliação de modo punitivo. Bem, o que ocorre de fato é que muitas escolas e/ou professores, sob o discurso da inclusão, acabam por legitimar a exclusão (SÁ; LIMA, 2015, p. 22).

Sancionado pela Presidenta Dilma Rousseff e decretada pelo Congresso Federal em 2014, a Lei Federal nº 13.005/14, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências, expõe diretrizes, metas e estratégias que buscam a melhoria da qualidade da educação no Brasil. O plano conta com a vigência de 10 anos e, sendo assim, estará em vigor até o ano 2024. 

O PNE conta um total de 10 diretrizes, são elas:

I – erradicação do analfabetismo ; II – universalização do atendimento escolar; III – superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação; IV – melhoria da qualidade da 31 educação; V – formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; VI – promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; VII – promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País; VIII – estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto – PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade; IX – valorização dos (as) profissionais da educação; X – promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental (BRASIL, 2014, art. 2).

Dentre todas as diretrizes, existe o recorte específico para erradicar o analfabetismo no Brasil, ou seja, acabar com o analfabetismo e tornar o país um território de sujeitos amplamente alfabetizados. Essa diretriz como vanguarda indica que, antes de pensar e/ou projetar novas diretrizes, a alfabetização é o ponto de partida para alcançar novas metas e, consequentemente, a melhoria da educação. 

Com relação às metas, o PNE estabelece 20, sendo a meta 5 e 9 referentes à alfabetização. Em relação à meta 5 – “alfabetizar todas as crianças até o 3º ano do ensino fundamental”, algumas estratégias são mencionadas na lei para que a meta se concretize. No total são 7 estratégias, como por exemplo: apoiar a alfabetização de crianças do campo, indígenas e quilombolas; alinhar os processos pedagógicos de alfabetização dos anos iniciais com estratégias desenvolvidas na pré-escola; etc. A meta 9 trata da alfabetização de jovens e adultos, indicando “elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, […], erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional” (BRASIL, 2014). 

No âmbito da alfabetização de crianças, todas as estratégias são bem estruturadas, mas, ao longo destes 10 anos, algumas estratégias ganharam maior notoriedade durante o processo, como a estratégia de promover e estimular a formação inicial e continuada de professores alfabetizadores; a implantação de avaliação anual e específica para medir a alfabetização de crianças; divulgação e certificação de tecnologias educacionais para alfabetizar crianças. 

O Inep expõe quatro relatórios de monitoramento de metas do PNE, sendo o primeiro ciclo de 2014 a 2016. Nele a meta 5 expõe que pelo menos 78% dos estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental conseguem ler textos simples e possuem habilidades matemáticas; já a meta 9 apresenta que o indicador ficou 1,8 pontos percentuais abaixo do previsto para a meta, e que a desigualdade social e o acesso à educação de grupos raciais escancaram a diferença nas taxas de analfabetismo de pessoas brancas e negras, sendo a comunidade negra a com maior taxa (BRASIL, 2016). 

No segundo ciclo, de 2016 a 2018, a meta 5 apresenta uma ligeira melhora em relação ao ciclo anterior; 2,0 pontos percentuais para os estudantes do nível 4. Na matemática, cerca de 30% dos estudantes aparecem no nível 2. A meta 9 expõe que a média de escolaridade de jovens de 18 a 29 anos era de 10,2 e que a desigualdade social entre pessoas negras e brancas ainda estava muito abaixo do proposto; especificamente, 12 pontos percentuais (BRASIL, 2019). 

Por sua vez, no terceiro ciclo, de 2018 a 2020, a meta 5 aponta que cerca de 22% dos estudantes estão no nível 1 e mais de 50% nos níveis 1 e 2 nas duas edições consideradas (2014 e 2016). Na Matemática a maior concentração de estudantes está no nível 2, com mais de 30% dos estudantes. Já a meta 9 aborda que a alfabetização de jovens com 15 anos ou mais foi de 93,4% em 2019. A desigualdade social entre alfabetização de negros e brancos também teve aumento e a diferença que antes era brusca tem diminuído (BRASIL, 2020). 

Quanto ao quarto e último ciclos, de 2020 a 2022, na meta 5, os dados apontam que 40% dos estudantes estão no nível 5 e cerca de 4,6% abaixo do nível 1. Na matemática 33% dos estudantes estão no nível 5 e 6 e cerca de 2,8% abaixo do nível 1. A meta 9 expõe que a taxa de alfabetização de jovens com mais de 15 anos foi de 95% em 2011 e a desigualdade das taxas de alfabetização de negros e brancos permaneceu igual ao ciclo passado (BRASIL, 2022). 

Durante o governo Bolsonaro foi decretada a Política Nacional de Alfabetização (PNA), através do Decreto nº 9.765 de 11 de abril de 2019. Esta política pública movimentou diversas opiniões de professores alfabetizadores e pesquisadores da área, pelo fato de ser uma política negacionista e extremamente obsoleta. Neste sentido, Morais (2019) afirma que: 

A Política Nacional de Alfabetização (doravante, PNA; cf. BRASIL, 2019) revela duas faces que estamos vivendo, quando o tema é política pública em Educação no Brasil: a face do autoritarismo e a da mercantilização. Sem nenhum debate, empresários e especialistas, que desde 2003 queriam impor o método fônico como única forma de alfabetizar (cf. BRASIL, 2003), se aliaram a um governo nada democrático, para contrariar esse direito constitucional que é o de escolas e docentes escolherem as metodologias que julgam adequadas para ensinar qualquer conteúdo de ensino, tanto na Educação Básica como na Superior. (MORAIS, 2019, p. 66). 

A face do autoritarismo sem dúvidas estava estampada nesta política pública indo de encontro a todas as pesquisas e estudos realizados no âmbito da alfabetização, bem como, a própria contraposição citada no art. 1 da PNA, que expôs que “[…] implementará programas e ações voltados à promoção da alfabetização baseada em evidências científicas” (BRASIL, 2019). Este tipo de afirmação tem a função de justificar e apresentar a PNA como uma política pública irrefutável apenas por estar “baseada em evidências científicas”, porém, é tanta incoerência que abre margem para dúvida destas “evidências científicas”.

Outro ponto que deve ser destacado da PNA é sobre o espaço que os professores alfabetizadores ocupariam. Morais (2019, p. 74) afirma que “Ela, a PNA, não quer que o professor seja um agente pensante, que decide sobre como alfabetizar seus alunos, buscando ajustar-se às necessidades e interesses de cada menino e de cada menina”. Considera que a meta da PNA é padronizar métodos obsoletos de alfabetização, sem considerar o contexto social e cultural de cada sujeito. Nessa perspectiva, os professores alfabetizadores não teriam a autonomia necessária para alfabetizar as crianças, o que eventualmente poderia comprometer a função dos professores, tornando-os obsoletos para o processo de alfabetização.

A mais recente política referente à alfabetização foi decretada pelo governo Lula através do Decreto nº 11.556, de junho de 2023, que institui o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. Esse revogou o Decreto nº 9.765, extinguindo o PNA. Neste Decreto fica instituído o compromisso, por meio da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, de garantir a alfabetização das nossas crianças.

O art. 3 do Decreto trata dos princípios, como por exemplo, a garantia do direito à alfabetização; a promoção da equidade educacional; e a valorização dos profissionais da educação infantil e dos anos iniciais. Já o art. 4 aborda as diretrizes, como por exemplo, a assistência técnica e financeira; enfrentamento das desigualdades regionais, socioeconômicas, étnico-raciais e de gênero; e a política de formação destinada a professores, técnicos e gestores educacionais. Os objetivos do compromisso apresentados no art. 5 são:

I – implementar políticas, programas e ações para que as crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao final do segundo ano do ensino fundamental; e II – promover medidas para a recomposição das aprendizagens, com foco na alfabetização e na ampliação e no aprofundamento das competências em leitura e escrita das crianças matriculadas na rede de ensino até o final dos anos iniciais do ensino fundamental, prioritariamente aquelas que não alcançaram os padrões adequados de alfabetização até o segundo ano do ensino fundamental. (BRASIL, 2023). 

Tais objetivos são acessíveis à compreensão do leitor e têm uma concordância com outros materiais, como por exemplo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Considerando que a política anterior tinha a reputação de ser divergente da BNCC no sentido de impor o método fonético e não considerar as multiplicidades (MORAES, 2019). Destaque também para a ênfase que o artigo dá sobre as competências de leitura e escrita, bem como, o movimento de adotar medidas específicas para garantir a alfabetização das crianças até o segundo ano.

Em março de 2024, foi divulgada a 1º Avaliação do Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada, apresentando os resultados alcançados até o final de 2023. Os dados obtidos apontam que o compromisso já implantou 61,1% das ações previstas durante o período, resultado notável considerando que ainda virão novas implantações neste ano de 2024. 

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A partir da análise documental, evidencia-se que as políticas abordam a alfabetização de maneira ampla, como na questão de erradicar o analfabetismo (BRASIL, 2014), garantir o direito à alfabetização (BRASIL, 2023) e a alfabetização ao final do 2º ano do Ensino Fundamental (BRASIL, 2023). Através da Portaria nº 867/12, o PNAIC, em especial o caderno Currículo na perspectiva da inclusão e da diversidade: as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e o Ciclo de Alfabetização é o documento que mais faz referência à inclusão de estudantes no ciclo de alfabetização, conseguiu-se compreender os aspectos que envolvem as práticas de inclusão e exclusão dos estudantes não alfabetizados. Destaca-se a questão da culpabilização dos sujeitos, a uniformidade e homogeneidade da aprendizagem e, especialmente, a formação continuada de professores para trabalhar na alfabetização desses estudantes. Fatores como estes citados contribuem para a internalização da exclusão, dando ênfase para o ciclo de alfabetização e o direito de aprendizagem já que são cruciais para a inclusão de estudantes com déficit de alfabetização.

As demais políticas destacaram outros elementos que também pertencem à alfabetização, como a formação inicial e continuada de professores, a concepção de formação continuada de professores alfabetizadores é assegurada pelo governo, assim como o apoio e incentivo a todos os professores que atuam no ciclo de alfabetização; metas e estratégias referentes à alfabetização do PNE, no contexto geral, o PNE 2014-2024 foi visto como um grande fracasso da educação, um balanço realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, no ano de 2024, aponta que apenas 4 dos dispositivos das metas foram concluídos de maneira satisfatória e que apenas 3 metas tiveram seu objetivo parcialmente concluído. Para as metas 5 e 9 nenhum dispositivo foi alcançado. Além disso, a meta 9 teve um retrocesso, visto que os avanços que ocorreram não foram suficientes ou não atenderam ao prazo estipulado; a garantia do direito à alfabetização

As políticas públicas educacionais analisadas apresentam e evidenciam a importância da alfabetização, seja por meio do incentivo à leitura, seja por meio da formação de professores alfabetizadores. Todavia, ainda se demanda avançar na inclusão dos estudantes no ciclo de alfabetização, dando ênfase e promovendo ainda mais as possibilidades do trabalho pedagógico com estudantes que estão à margem do processo de alfabetização.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação – 2018.
2. ed. – Brasília, DF: Inep, 2019.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Relatório do 4º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação – 2022. – Brasília, DF: Inep, 2022

BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 26 jun. 2014.

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FERREIRA, Liliana Soares. Trabalho pedagógico na escola: sujeitos, conhecimentos e tempo. Curitiba: Editora CRV, 2017.

FERREIRA, Liliana Soares. Trabalho Pedagógico na Escola: do que se fala? Educação e Realidade, Porto Alegre, v.43, n 2, p. 591-608, 2018.

EVANGELISTA, Olinda. Apontamentos para o trabalho com documentos de política educacional. Anais eletrônicos: I Colóquio A Pesquisa em Trabalho, Educação e Políticas Educacionais. Belém: UFPA, 2009.

MORAIS, Artur Gomes de. Análise crítica da PNA (Política Nacional de Alfabetização) imposta pelo MEC através de decreto em 2019. Revista Brasileira de Alfabetização, [S. l.], v. 1, n. 10, 2020. DOI: 10.47249/rba.2019.v1.357.

SÁ, Carolina Figueiredo de; LIMA, Leila Britto de Amorim. Ciclo de Alfabetização e os direitos de aprendizagem. In: BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Currículo na perspectiva da inclusão e da diversidade: as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e o ciclo de alfabetização. Caderno 01 / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2015


1Mestrando no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Federal de Santa Maria Campus Santa Maria. e-mail: moises.ferreira@acad.ufsm.br
2Professora no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Federal de Santa Maria Campus Santa
Maria. Doutora em Educação (PPGE/UFSM). e-mail: anaililferreira@yahoo.com.br