CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DO CATFISHING: UMA ANÁLISE JURÍDICA

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11497684


João Gabriel Ribeiro Lima¹
Orientador: Prof. Carlos Alberto Maciel Públio²


RESUMO

O presente artigo analisa a prática criminosa do catfishing, conhecido por ser um cibercrime que envolve o uso de identidades falsas nas redes sociais para enganar e manipular as pessoas. O tema ilustra vividamente a interseção entre a inovação tecnológica e a vulnerabilidade humana. A habilidade de criar personas fictícias online e a crescente sofisticação das técnicas de manipulação emocional destacam os riscos inerentes à confiança cega no ambiente digital. Assim, o avanço tecnológico, ao mesmo tempo que amplia as oportunidades de interação social, também expõe os usuários a ameaças cada vez mais sofisticadas e intrusivas. Dessa forma, é necessário entender a relação entre direito e tecnologia na atualidade, uma vez que estamos expostos a ameaças dentro do ciberespaço. Dentro desse panorama, cibercrimes, como o catfishing, emergem como uma preocupação particularmente relevante, devido ao aumento no número de pessoas utilizando as redes sociais e consequentemente golpistas também. Assim, o presente  trabalho tenciona saber quais as principais consequências legais do catfishing e como a legislação brasileira aborda essa prática criminosa? Utilizando da pesquisa  bibliográfica exploratória  e do estudo de caso, buscou-se também  compreender do surgimento da prática do catfishing bem como vulnerabilidade das pessoas no ambiente virtual; por outro lado, observou-se que a alteração e atualização das leis para reger de forma adequada e efetiva esse tipo de prática criminosa, faz-se necessária. 

Palavras-chave: catfishing; cibercrime; enganar; vulnerabilidade; ciberespaço.

ABSTRACT

The present article analyzes the criminal practice of catfishing, known as a cybercrime that involves the use of fake identities on social networks to deceive and manipulate people. The theme vividly illustrates the intersection between technological innovation and human vulnerability. The ability to create fictitious personas online and the increasing sophistication of emotional manipulation techniques highlight the risks inherent in blind trust in the digital environment. Thus, while technological advancement expands opportunities for social interaction, it also exposes users to increasingly sophisticated and intrusive threats. Therefore, it is necessary to understand the relationship between law and technology today, since we are exposed to threats within cyberspace. Within this panorama, cybercrimes, such as catfishing, emerge as a particularly relevant concern, due to the increase in the number of people using social networks and consequently, scammers as well. Thus, this work intends to understand the main legal consequences of catfishing and how Brazilian legislation addresses this criminal practice. Using exploratory bibliographic research and case studies, the emergence of the practice of catfishing and the vulnerability of people in the virtual environment were also analyzed. On the other hand, it was observed that the amendment and updating laws to adequately and effectively govern this type of criminal practice is necessary

Keywords: catfishing; cybercrime; deceive; vulnerability; cyberspace.

1 – INTRODUÇÃO

O presente artigo  trata do catfishing, conhecido por ser um cibercrime que envolve o uso de identidades falsas nas redes sociais para enganar e manipular as pessoas. O tema ilustra vividamente a interseção entre a inovação tecnológica e a vulnerabilidade humana. A habilidade de criar personas fictícias online e a crescente sofisticação das técnicas de manipulação emocional destacam os riscos inerentes à confiança cega no ambiente digital. Assim, o avanço tecnológico, ao mesmo tempo que amplia as oportunidades de interação social, também expõe os usuários a ameaças cada vez mais sofisticadas e intrusivas. Dessa forma, é necessário entender a relação entre direito e tecnologia na atualidade, uma vez que estamos expostos a ameaças dentro do ciberespaço. 

Dentro desse panorama, cibercrimes, como o catfishing, emergem como uma preocupação particularmente relevante, devido ao aumento no número de pessoas utilizando as redes sociais e consequentemente golpistas também. O presente  trabalho tenciona saber as consequências legais do catfishing visto a ausência na legislação brasileira deste crime.

O termo “Catfish”, que se trata de uma gíria americana usada para pessoas mal-intencionadas, que se popularizou a partir de 2010 após o lançamento de um documentário da MTV, um canal de televisão norte-americano, chamado “Catfish”, dirigido por Henry Joost e Ariel Schulman, que demonstra a vivência de um jovem que é vítima do golpe na internet. 

Os golpistas se aproveitam da facilidade de criar perfis falsos e do anonimato proporcionado pelo ambiente online para estabelecerem conexões com suas vítimas, muitas vezes adotando uma abordagem amigável ou até mesmo simulando interesse romântico. Ao conquistar a confiança da vítima, eles passam a executar seus golpes, utilizando narrativas fictícias para solicitar favores financeiros ou pessoais. Em suma, os perpetradores desse tipo de crime buscam extorquir dinheiro das vítimas, empregando táticas manipulativas e invasivas para alcançar seus objetivos.

Uma vez que o crime se perpetra no ambiente virtual, sendo um lugar de natureza contemporânea, muitas vezes há uma dificuldade na lacuna de compreensão entre as diferentes faixas etárias da população. A falta de consciência sobre esse tipo específico de crime contribui significativamente para o aumento alarmante dos casos, uma vez que o ciberespaço é aberto para todos com acesso a internet, pessoas de todas as idades estão completamente vulneráveis a cair em golpes. 

Por se tratar de um crime relativamente recente e pela ausência de uma legislação específica que o aborde diretamente, demanda a aplicação de uma analogia legislativa para lidar com os casos que emergem no cenário jurídico brasileiro contemporâneo. Em relação a essa questão, há uma forte correlação entre o catfishing e o crime de falsa identidade, dado que ambos envolvem a criação e o uso de identidades falsas para enganar e obter vantagens indevidas sobre terceiros. Devido à falta de legislação específica, torna-se essencial adaptar as leis brasileiras existentes para incluir essa prática. Além disso, o catfishing também pode ser equiparado aos crimes de extorsão e estelionato, dada a similaridade em seus propósitos de obtenção de vantagens econômicas ou materiais por meio de fraudes. 

Diante da análise jurídica do catfishing, é evidente uma lacuna preocupante na legislação atual, que não aborda de maneira específica essa prática de engano virtual. Sendo assim, este trabalho parte do seguinte questionamento: “quais são as principais consequências legais do catfishing e como a legislação brasileira aborda essa prática criminosa?”. Com a  metodologia de revisão bibliográfica exploratória a partir da leitura de artigos científicos publicados sobre o assunto e livros, além dos documentos selecionados com o Código Penal e a Constituição Federal de 1988.

O presente trabalho ficou dividido em três tópicos. No primeiro tópico, buscou-se abordar sobre o panorama histórico e conceitual a respeito do catfishing, procurando apresentar sobre o crime, como as práticas criminosas começaram e de onde surgiu esse nome de “catfishing”. No segundo tópico, trata-se da realidade de vulnerabilidade das vítimas no ambiente virtual, destacando como as pessoas estão expostas a uma série de golpes dentro da internet, muitas vezes desconhecidos pelas próprias vítimas devido à natureza contemporânea e sofisticada desse tipo de crime. Além disso, examinou-se os perfis das vítimas mais propensos ao catfishing, as dificuldades na identificação de perfis falsos em aplicativos de bate-papo e os impactos financeiros e psicológicos resultantes dessas práticas fraudulentas. Por fim, no terceiro e último tópico, abordou-se a ausência da legislação brasileira sobre o crime de catfishing, apresentado como estudo de caso as  jurisprudências que ilustram a necessidade de recorrer a analogias legislativas para lidar com esse tipo de crime, dada a inexistência de leis específicas para sua abordagem e assim chegando a conclusão da necessidade de uma revisão e atualização da legislação vigente para abranger adequadamente essa realidade emergente no ambiente digital.

2- PANORAMA HISTÓRICO E CONCEITUAL A RESPEITO DO CATFISHING

As origens históricas do crime de Catfishing podem ser traçadas antes mesmo da era da internet, quando as primeiras formas de engano e falsa representação já estavam presentes. Trata-se de um termo americano utilizado para descrever o ato de criar uma identidade falsa ou roubar a de outra pessoa com o objetivo de enganar indivíduos online e os seduzir a entrar em um relacionamento, para que assim consiga tirar vantagem em cima da vítima (CASTRO, Ana flávia Cera Daltro de; ZAGANELLI, Margareth Vetis, 2020).

Não é de hoje que a prática do crime de falsa identidade vem ocorrendo nos meios sociais, muitas vezes eram usadas para diversas finalidades, como escapar da realidade, criar personas literárias ou até mesmo cometer fraudes pessoais. Entretanto, os meios empregados para a propagação desse crime não tinham a abrangência e a facilidade que os meios de comunicação dos dias de hoje oferecem, eram limitados pelo alcance geográfico. No entanto, a verdadeira explosão do catfishing ocorreu com o surgimento da internet comercial nas décadas de 1990 e 2000. (CAMPELO, Marcelo 2023).

O advento da internet comercial  trouxe consigo novas oportunidades e desafios para a representação de identidades falsas. À medida que as pessoas começaram a se conectar em salas de bate-papo e fóruns online, o anonimato e a facilidade de criar perfis fictícios se tornaram uma característica marcante da comunicação na web, uma vez que os autores deste crime perceberam a facilidade que ela lhe proporcionava de se passar por outra pessoa e com um alcance muito maior. Isso permitiu que o catfishing se tornasse mais difundido e acessível.

Tais características essas que, com o surgimento da internet, desempenham um papel fundamental na proliferação deste crime, devido ao fato de que a sensação de anonimato na internet pode levar os catfishers a sentirem menos propensos a enfrentar consequências reais por suas ações, ou seja, encorajando-os a agir de maneira maliciosa a tentar tirar proveito de outras pessoas, como a criação de histórias fictícias e personagens fictícios que se encaixem nas expectativas e desejos de suas vítimas, e também protegendo sua identidade real, uma vez que ela não é revelada e a pessoa do “outro lado da tela” acredita estar conversando com uma pessoa real que na verdade não passa de uma farsa.

E a facilidade da criação das identidades falsas, com o surgimento da internet, foi outra influência significativa para que o crime se expandisse e aumentasse as quantidades de caso, uma vez que as plataformas de comunicação pelas quais as pessoas entram em um bate- papo e troquem mensagens entre si, frequentemente não têm mecanismos rigorosos de verificação de identidade sendo comum que os autores do crime utilizem fotos e informações pessoais de terceiros, que muita vezes nem tem a noção de que sua imagem está sendo utilizada, tornando o engano mais convincente, uma vez que o perfil não é denunciado. Ocorre que devido à falta de verificação das identidades dos perfis, qualquer pessoa com acesso à internet pode criar um perfil falso, permitindo assim que esses criminosos estabeleçam relações emocionais fraudulentas até cometer fraudes financeiras.

A combinação do anonimato online e da facilidade de criação de identidades falsas cria um ambiente propício para a proliferação do catfishing. Os catfishers podem explorar esses fatores para se esconderem atrás de uma fachada virtual, enganando suas vítimas com relativa impunidade.

2.1 – “CATFISH”

Esse termo, “catfish”, em sua tradução literal, “peixe-gato”, se deu origem por se tratar de uma gíria americana usada para pessoas mal-intencionadas, que criam perfis falsos para enganar as pessoas na internet. Ele ganhou essa notoriedade com o lançamento do documentário “Catfish”, dirigido por Henry Joost e Ariel Schulman. O documentário segue a história de Nev Schulman, irmão de Ariel, enquanto ele se envolve emocionalmente com uma  mulher que conheceu online, chamada Megan, uma suposta menina de 19 anos. Ao longo do filme, Nev fica cada vez mais suspeito de que Megan não é quem diz ser e inicia uma investigação para descobrir a verdade.

A reviravolta chocante do documentário ocorre quando Nev e sua equipe viajam para encontrar Megan pessoalmente. Eles descobrem que Megan não é real; na verdade, ela era uma persona fictícia criada por outra pessoa, Angela, que tinha uma vida muito diferente do que havia retratado online (TAGIAROLI, Guilherme).

A metáfora por trás do título do documentário, que hoje é usado para retratar este crime virtual, vem de uma analogia dada por Angela. Ela compara a prática de colocar os peixes-gatos “catfish” no mesmo tanque que lagostas para manter as lagostas ágeis, porque os “catfish” agitam a água e mantêm as lagostas em movimento. Angela usa essa metáfora para descrever como ela usou a criação da persona fictícia de Megan para escapar de sua própria realidade e manter sua vida “em movimento”.

Acontece que após o sucesso do filme os irmãos Schulman, protagonistas e produtores, começaram a receber e-mails de pessoas relatando casos parecidos com o retratado no filme. Yaniv conta que, apesar de suas expectativas, as pessoas pediam conselhos de como agir e contavam sobre como estavam desconfiando de seus relacionamentos virtuais. Dessa forma, após o lançamento do filme, o termo “catfish” se tornou uma gíria popular na cultura da internet, usado para descrever pessoas que criam identidades falsas ou enganosas na web para enganar outras pessoas. A popularidade do filme levou a MTV a lançar uma série de TV, na qual Yaniv Schulman e Max Joseph auxiliam os participantes na busca por respostas sobre a autenticidade de seus relacionamentos e parceiros, denominada “Catfish: The TV Show”, que contribuiu para popularizar o termo, já que continuou a expor casos de catfishing.

Sabendo-se que se trata de um crime virtual, pode-se concluir que a evolução tecnológica desempenhou um papel significativo em sua disseminação. Com a proliferação de redes sociais, aplicativos de namoro e outras plataformas online, os catfishers encontraram novas oportunidades para a prática desse crime. Fotos e informações pessoais de terceiros são frequentemente utilizadas, tornando o engano mais convincente.

O aumento no uso de redes sociais como Facebook, Instagram, Twitter e plataformas de mensagens instantâneas como WhatsApp e Telegram proporcionou aos criminosos um terreno fértil para suas atividades. Essas plataformas facilitam a criação de perfis falsos e a comunicação com potenciais vítimas, uma vez que os perfis criados para ter acesso a plataforma, não necessitam de uma verificação de identidade, podendo qualquer um criar quantos quiserem e com qualquer nome ou foto. E assim, tendo uma maior quantidade de pessoas com acesso a essas plataformas também, devido a sua facilidade de adentrar, significa que os autores desse tipo de crime podem encontrar uma base de potenciais vítimas cada vez maior.

Além disso, o catfishing tem um impacto social e emocional profundo nas vítimas. Trauma psicológico, depressão e vergonha são algumas das consequências emocionais comuns enfrentadas pelas pessoas enganadas. Casos notáveis de catfishing, que ganharam destaque na mídia, evidenciam as implicações sociais e jurídicas desse fenômeno.

Em suma, o catfishing se aproveita da natureza da internet, que permite o anonimato e a criação fácil de identidades falsas, para enganar pessoas online. A compreensão desses fatores é essencial para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e conscientização e para  lidar com os desafios que esse fenômeno apresenta na era digital.

Segundo Klusaitė, 

O catfishing é um tipo de fraude em que uma pessoa se faz passar por outra ou assume a identidade de outra na internet. Não se trata de alguém roubar a sua identidade (isso é outro tipo de crime), mas sim de alguém se “disfarçar” para ganhar a confiança da vítima e levá-la a cair num embuste, com consequências potencialmente muito sérias. (Laura, 2021, n.p)

A autora faz uma distinção fundamental entre o catfishing e outras formas de fraude online, como o roubo de identidade. Enquanto o roubo de identidade envolve a apropriação ilegal dos dados pessoais de alguém, o catfishing consiste em criar uma persona falsa ou assumir a identidade de outra pessoa para enganar as vítimas. O ponto crucial é que o catfishing se baseia na manipulação psicológica e na construção de confiança, muitas vezes levando as vítimas a situações enganosas e potencialmente perigosas.

Enfatiza-se a natureza complexa e os impactos significativos do catfishing na sociedade digital contemporânea. Além disso, destaca a importância de compreender as nuances desse fenômeno para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e proteção online.

3- REALIDADE DE VULNERABILIDADE DAS VÍTIMAS NO AMBIENTE VIRTUAL

No seguinte tópico vamos tratar acerca da vulnerabilidade a qual as pessoas estão expostas ao ter acesso e contato direto com o ambiente virtual e principalmente os aplicativos de relacionamento virtual e tentar entender quais são os principais traços de perfil das vítimas que acabam a cair em golpes das pessoas que falsificam suas identidades na internet.

O avanço da tecnologia e a crescente integração da internet em nossas vidas, o ambiente virtual tornou-se uma parte indispensável do nosso cotidiano. No mundo interconectado e digitalizado em que vivemos, a presença constante da internet e da tecnologia trouxe inúmeras conveniências, mas também expôs as pessoas a uma série de vulnerabilidades no ambiente virtual. 

Dentro do ambiente virtual, o que não falta são pessoas mostrando suas vidas, considerando que no ano de 2022 mais de 3,6 milhões de pessoas estavam conectadas nas redes sociais, fazendo isso a partir de aplicativos de interação social como o Instagram (ALVES, 2023). Entretanto, acontece que ao postar uma foto sua ou de uma viagem ou de qualquer momento de sua rotina, ela está compartilhando com todas as pessoas que tem acesso a seu perfil e caso esta pessoa não tenha uma conta privada, a foto estará disponível a qualquer outra pessoa com acesso ao site ou aplicativo.

Esse tipo de informação tem sido um “prato cheio” para os golpistas da internet, que têm se aproveitado cada vez mais da abundância de informações disponíveis para descobrir detalhes sobre a rotina das pessoas, o que lhes proporciona insights valiosos para planejar e executar golpes com maior eficácia. Através de redes sociais, aplicativos de mensagens e outras plataformas online, os golpistas podem coletar uma variedade de informações.

Com essas informações em mãos, os aplicadores do golpe podem criar cenários convincentes e personalizados para enganar as vítimas, tentando a partir delas criar um vínculo com a vítima para que se aproximem e posteriormente tentar aplicar algum golpe.

Em aplicativos de relacionamento, como Tinder, as pessoas estão à procura de conhecer alguém para se conectar de forma íntima, querendo suprir uma carência, ocorrendo frequentemente de essas pessoas investirem emocionalmente em seus relacionamentos virtuais. Acontece que dentro dos aplicativos e sites de namoro na internet, nem sempre a pessoa que aparece na foto do perfil é a mesma pessoa que está por trás das telas mantendo uma conversa. Pode ocorrer desses “enganadores” criarem histórias, que se encaixa com a personalidade da vítima com o intuito de ganhar a sua confiança, uma vez que ele já pode saber do que você gosta ou o que você faz, pois ele viu a partir de outra rede social.

Como já retratado anteriormente, acontece que esses criminosos tentam se aproximar o máximo intimamente da vítima para aplicar o golpe e dessa forma, as vítimas sofrem um engano emocional, depois de aplicado, abalando profundamente a confiança emocional, deixando-as vulneráveis a ciclos de tristeza, desconfiança e, em alguns casos, depressão, uma vez que a pessoa com quem ela estava se relacionando “passou a perna” nela.

Os catfishers muitas vezes utilizam fotos e informações pessoais de pessoas atraentes, para que assim crie um perfil que tenha mais engajamento dentro da rede social, para chamar a atenção e atrair os utilizadores de aplicativo de namoro a dar em “match” com ela e assim desenvolver uma história, buscando se aproximar ao máximo das características da vítima para ganhar sua confiança e assim começar a “aplicar o seu golpe”, que se trata das conversas via bate-papo pelo próprio aplicativo ou rede social.

Acontece que a partir dessas trocas de mensagens por um certo período de tempo, automaticamente, a pessoa vai criando uma confiança, uma vez que ela é mais inocente, e não tem o conhecimento adequado sobre o “catfishing”, ou seja, de que pode ser outra pessoa por trás das telas, não sendo aquela pessoa que ela realmente está conversando, acaba por compartilharam detalhes íntimos ou informações confidenciais com a pessoa falsa.

Quando as vítimas descobrem a falsidade, isso pode levar ao constrangimento, isolamento social e até mesmo ao estigma por parte da comunidade, fora alguns casos que a vítima pode ter uma desconstrução dolorosa de sua autoestima, levando a questões de autoimagem negativa.

Fora esses danos emocionais que as pessoas podem sofrer, o catfishing também pode ter repercussões financeiras. Algumas vítimas são levadas a enviar dinheiro ou realizar transações financeiras com base nas histórias fictícias criadas pelos catfishers ou até mesmo por meio de chantagem para não divulgarem as fotos íntimas, nos casos em que as pessoas façam essa troca de foto, resultando em perdas econômicas substanciais.

A vulnerabilidade das vítimas de catfishing é multifacetada, abrangendo desde aspectos emocionais até impactos sociais e financeiros. Essa prática não apenas desencadeia uma crise de confiança, mas também pode deixar cicatrizes duradouras na psique das vítimas. A conscientização sobre essa vulnerabilidade é crucial para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, apoio emocional e educação que visem proteger as pessoas contra os efeitos prejudiciais do catfishing. Além disso, abordar o catfishing não apenas como um problema tecnológico, mas também como uma questão complexa e humana, é fundamental para mitigar seus impactos e criar ambientes online mais seguros e resilientes (KLUSAITĖ, 2023).

3.1 – DESAFIOS NA IDENTIFICAÇÃO DE PERFIS FALSOS EM SITES E APLICATIVOS DE BATE-PAPO

Como já retratado, a proliferação de sites e aplicativos de bate-papo na internet tem proporcionado uma plataforma conveniente para a interação social. Acontece que essa facilidade de comunicação proporcionou também um aumento significativo na criação de perfis falsos,  que muitas vezes são criados e utilizados por pessoas de má-fé para atividades fraudulentas, enganosas ou até mesmo maliciosas. A falta de segurança na identificação desses perfis falsos representa um desafio significativo, colocando os usuários em risco de serem manipulados, enganados ou prejudicados de diversas maneiras.

Uma das principais razões para a falta de segurança na identificação de perfis falsos é a relativa facilidade com que esses perfis podem ser criados. Muitas plataformas de bate papo não são rigorosas quanto a criação do perfil e assim permitem que os usuários se registrem com poucas informações pessoais e sem a necessidade de verificação de identidade. Dessa forma, percebe-se que não há nenhum desafio para as pessoas mal-intencionadas criarem perfis falsos e se passarem por outra pessoa na internet. 

Além disso, os avanços na tecnologia tornaram mais fácil para os criadores de perfis falsos criarem identidades convincentes. A facilidade de copiar ou obter online fotos e informações pessoais, aplicativos que criam conversas fakes, permite que os fraudadores construam perfis falsos que parecem autênticos à primeira vista. Isso torna ainda mais difícil para os usuários discernir entre perfis genuínos e falsos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas na mídia social Facebook, o número de perfis falsos ou duplicados, já chega a 270 milhões, superando em aproximadamente, 60 milhões a população brasileira em 2020. Ainda de acordo com as informações do IBGE, desde 2020 esse dado vem sofrendo um aumento e o número de perfis falsos já atinge 13% dos 2,1 bilhões de usuários mensais ativos na plataforma, anteriormente o total somava 7% (BRITTO, 2021).  

Outro desafio é a falta de recursos e tecnologias eficazes de detecção de perfis falsos por parte das próprias plataformas. Embora muitas empresas investem em medidas de segurança, como algoritmos de detecção de atividades suspeitas, essas soluções nem sempre são totalmente eficazes. Os catfishers continuam a adaptar suas táticas para evitar a detecção, tornando-se mais sofisticados e difíceis de serem identificados.

Percebe-se que hoje em dia, as pessoas devem ser educadas informaticamente também, devido ao avanço tecnológico que vêm ocorrendo, o ciberespaço tem, cada vez mais, se tornado um espaço perigoso, onde as pessoas estão mais vulneráveis a sofrerem golpes e os golpistas se sentem mais seguros a ludibriar os internautas, uma vez que trata-se de um ambiente “mais fácil” de cometer o crime e não ser pego, além disso há uma grande quantidade de pessoas leigas sobre esse assunto.

3.2– PERFIS DAS VÍTIMAS QUE SE ENCONTRAM MAIS VULNERÁVEIS AO GOLPE DE CATFISHING

Atualmente, é certo que há muitas pessoas que convivem, diariamente, com seus celulares em mão, não sendo novidade também que muitas dessas pessoas utilizam do seu aparelho celular ou computador para se manter em contato com outra pessoa por meio de web-sites de namoro e aplicativos de bate-papo. Isso acontece, devido ao acesso que a internet proporciona para poder conversar com uma pessoa distante com facilidade, entretanto, ocorre que nesse meio da internet, onde aplicativos de bate-papo e relacionamento não possuem nenhum meio de segurança de verificação de identidade, não se sabe se a pessoa que está do outro lado da tela mantendo um contato é a mesma pessoa que consta no perfil dela.

Em uma pesquisa realizado pelo Poder Data, afirmam que só pouco mais de 1/5 da população brasileira, cerca de 22%, diz utilizar ou já ter utilizado aplicativos de relacionamento, 40% afirmam nunca terem usado e 37% dos entrevistados preferiram não responder à pergunta (KARTER, 2023).

Em uma outra pesquisa, de acordo com os dados do Pew Research, mais da metade dos adultos com menos de 29 anos declara ter utilizado um aplicativo de namoro, superando todas as outras faixas etárias, sendo a primeira faixa etária a ultrapassar a marca de 50%. Com 75 milhões de usuários, metade deles na faixa dos 20 anos, segundo – Tinder Statistics in 2023, Roast, esse é o cenário predominante (BAILEY, 2024).

Mesmo não apresentando uma porcentagem relativamente alta de brasileiros que utilizam ou já utilizaram de aplicativos de relacionamento, de acordo com a pesquisa, Elisa Brietzke, médica psiquiatra e professora da Queen’s University no Canadá, aponta sobre o potencial de crescimento do uso de aplicativos de namoro e paquera no Brasil e afirma: “[…] o Brasil ainda tem como crescer muito nesse front aí”. (KARTER, 2023).

Afirma a professora também que a ideia de que a sociedade conseguirá diminuir a prevalência desses aplicativos deve ser descartada e destaca que a tecnologia já superou a sociedade nesse aspecto. Em sua visão, o foco agora deve ser direcionado para discutir maneiras de tornar o ambiente mais seguro.

Dentro desse ambiente há um grande número de pessoas idosas que acessam essas redes, afirmado pela ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro) que: 

“Estamos falando de gente mais velha que está entrando no mercado amoroso de novo sem ter sido educada em relação a questões como ghosting, abuso financeiro, de como construir relação com uma pessoa que nunca viu, de como as pessoas criam uma persona on-line que nunca correspondem à realidade. Essas pessoas entram nesse mercado vulneráveis a essas questões. É o cara que manda nudes sem segurança, que vai encontrar o outro e é assaltado” (SANTOS, 2023)

A falta de familiaridade com essas questões pode deixar as pessoas mais velhas suscetíveis a serem enganadas por catfishers, que criam personas online fictícias e enganosas. Essas personas podem parecer encantadoras e genuínas, mas na realidade não correspondem à pessoa por trás da tela. Esse tipo de manipulação pode levar a uma série de consequências emocionais e até mesmo financeiras para as vítimas.

E ocorre que dentro da pesquisa realizada pelo Poder Data, entre as 2.500 pessoas que foram entrevistadas com 16 anos de idade ou mais, em 233 municípios, nas 27 Federações, grande parte da porcentagem, cerca de 45% tratam-se de pessoas acima dos 45 anos e como afirmado acima por Karina Santos, Head de Mídias e Democracia do ITS Rio, “há uma necessidade de se preocupar com essas pessoas, devido ao fato que elas não tem o mesmo conhecimento das questões de crimes que podem acontecer dentro do ambiente virtual” (KARTER Johnathan).

Como visto, pelos dados que as pesquisam apresentaram, há uma enorme quantidade de pessoas que acessam sites e aplicativos de relacionamento, ocorre que não há uma garantia de segurança nesse ciberespaço, acontecendo de muitas pessoas que não tem a noção, nem o conhecimento do que é o catfishing, acabam por cair em golpes que podem lhe causar tanto um dano material quanto um dano moral.

3.3 – IMPACTO PSICOLÓGICO E FINANCEIRO NAS VÍTIMAS

É notório que dentro do espaço virtual há todos os tipos de pessoas conectadas, desde gente mais nova, da criança que está jogando online e se comunicando com qualquer pessoa através do bate-papo, até os mais idosos, que podem estar buscando algum tipo de relacionamento por meio da internet devido à facilidade que a mesma proporciona. Neste contexto, a vulnerabilidade das pessoas no ambiente virtual é um tema relevante e cada vez mais preocupante. A facilidade de se conectar com outras pessoas no mundo digital pode dar uma falsa sensação de segurança, levando muitos a compartilhar informações pessoais ou a confiar em desconhecidos. No entanto, essa mesma facilidade também expõe as pessoas a uma série de riscos, principalmente quando se trata de interações sociais e relacionamentos online. O impacto psicológico e financeiro que podem sofrer ao caírem em um golpe de catfishing é significativo e pode afetar profundamente a vida das vítimas.

Primeiramente, é importante destacar que a vulnerabilidade no ambiente virtual pode decorrer de diversos fatores, incluindo falta de experiência em lidar com tecnologia, busca por conexões emocionais, solidão, confiança excessiva nas pessoas online, entre outros. Muitas vezes, as vítimas de catfishing são indivíduos que estão em momentos vulneráveis de suas vidas, buscando companhia, amizade ou romance.

O impacto psicológico do catfishing pode ser profundo e duradouro. Quando uma pessoa é enganada por um catfisher, ela pode experimentar sentimentos intensos de traição, humilhação, vergonha e desespero. A descoberta de que uma conexão emocional significativa era falsa pode abalar profundamente a confiança da vítima em si mesma e nos outros, levando a problemas de autoestima, ansiedade, depressão e isolamento social. A sensação de ter sido manipulada e ludibriada por alguém pode deixar cicatrizes emocionais que demoram a cicatrizar.

Além do impacto psicológico, às vítimas de catfishing também podem sofrer consequências financeiras devastadoras. Muitas vezes, os catfishers visam explorar financeiramente suas vítimas, manipulando-as para enviar dinheiro, presentes ou informações pessoais valiosas. As vítimas podem ser persuadidas a realizar transferências bancárias, compartilhar informações de cartão de crédito ou até mesmo enviar grandes quantias de dinheiro para o catfisher sob falsos pretextos. O resultado é um prejuízo financeiro significativo que pode afetar negativamente o bem-estar econômico e a estabilidade financeira da vítima.

4 – CATFISH: A AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO

Por se tratar de um crime mais recente e que não há uma legislação específica que o aborde, apesar da necessidade de proteção por parte do Estado, deve ser feito uma analogia legislativa para retratar os casos presentes no cenário jurídico brasileiro hoje em dia. Segundo Bortot (2017, p. 4)  “qualquer comportamento ilegal, aético, ou não autorizado envolvendo processamento automático de dados e/ou transmissão de dados” é considerado crime de computador, entratanto, devido a ausência de lei específica, qual deve ser aplicada ao crime?

Podemos perceber que há uma forte relação entre o crime de catfishing e o de falsa identidade, uma vez que ambos envolvem a criação e o uso de identidades falsas para tirar proveito de outra pessoa. Acontece que o crime de falsa identidade é tipificado por diversas legislações ao redor do mundo, já o catfishing é uma prática mais recente que se tornou proeminente com o avanço da tecnologia e da internet.

Assim, é crucial que adaptem leis brasileiras existentes para incluir essa prática. Nesse contexto, podemos observar as semelhanças dos crimes e enquadrar como um tipo de falsa identidade. Por isso, é importante entendermos as classificações desses crimes para entender suas relações e o por que da legislação de um ser utilizado pelo outro.

Pode-se encontrar o crime de falsa identidade elencado no artigo 307 do Código Penal de 1940:

Art. 307 – Atribuir-se ou a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: 

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave (BRASIL, 1940)

Essa definição abrange uma ampla gama de situações em que alguém utiliza uma identidade falsa com o objetivo de obter benefícios ou causar prejuízos a outras pessoas. Como já retratado, é passivel o entendimento, a partir da leitura do artigo, que este pode ser aplicado porque o catfishing envolve precisamente o uso de uma identidade falsa para enganar outras pessoas, muitas vezes visando obter vantagens pessoais ou causar danos emocionais, financeiros ou reputacionais às vítimas.

Por exemplo, se alguém cria um perfil falso em uma rede social, usando fotos e informações inventadas, e utiliza esse perfil para iniciar um relacionamento romântico com outra pessoa, essa conduta pode ser enquadrada como crime de falsa identidade. O indivíduo está se atribuindo uma identidade falsa para obter vantagens pessoais (como a atenção ou afeto da vítima) em detrimento da outra pessoa, o que se enquadra perfeitamente na definição do artigo 307.

Além dessa relação com a criação da falsa identidade, o crime de catfishing também se enquadra no artigo 307 do CP, pois ele causa um dano a outrem. Essa prática pode causar danos emocionais significativos às vítimas, que podem sofrer com a descoberta de que foram enganadas e manipuladas por alguém que não era quem dizia ser.

Entendendo que o crime de falsa identidade e de catfishing estão correlacionados, podemos dizer que suas classificações são as mesmas, se tratando de um crime comum, ou seja, não exige qualidade especial para o sujeito ativo, qualquer um pode cometer. Entende-se também que é um crime formal, ou seja, o delito restará consumado no momento da prática da ação, independentemente do resultado, que se torna mero exaurimento do delito.

É importante ressaltar que o crime de falsa identidade sempre ocorre de forma intencional, não sendo possível atribuir culposidade a esse tipo de conduta. Portanto, o agente deve agir com a intenção de obter o resultado, caracterizando-se como dolo direto, ou assumir o risco de produzi-lo, configurando o dolo eventual.

Além da analogia legislativa que pode ser feita entre o crime de catfishing e o de falsa identidade, podemos fazer com o crime de Extorsão e Estelionato. Pode ser feita também com o crime de extorsão, encontrado no artigo 158 do Código Penal Brasileiro, se o praticante exigir alguma atitude da vítima mediante violência ou grave ameaça.

Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

 Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (BRASIL, 1940)

                     Ademais, é perceptível a semelhança com o crime de estelionato, previsto no

artigo 171 do CP também, uma vez que os dois são praticados com o propósito de obter vantagem econômica ou material, pode-se argumentar que o comportamento se assemelham. Por exemplo, se um indivíduo cria um perfil falso em uma rede social para se passar por outra pessoa e, assim, convencer a vítima a transferir dinheiro ou outros bens, essa conduta pode ser equiparada ao estelionato.

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (BRASIL, 1940)

Devido a alta quantidade de golpes em casos de relacionamentos amorosos pela internet que se assemelham tanto ao crime de estelionato, ou seja, o fato de obter vantagem para si, em prejuízo alheio por meio de fraude, que está tramitando na Câmara dos Deputados o projeto de lei n. 6444/2019, criado por Julio César Ribeiro (REPUBLICA-DF) para que se inclua ao artigo 171 o crime de “estelionato sentimental” que diz: “VII – induz a vítima, com a promessa de constituição de relação afetiva, a entregar bens ou valores para si ou para outrem.”

Entretanto, é crucial ressaltar que a aplicação da analogia legislativa deve ser feita com prudência e considerando as particularidades de cada caso, devendo ser aplicada se houver semelhança entre os casos e as normas de cada crime. Os tribunais devem garantir que a interpretação analógica da legislação seja coerente com os princípios fundamentais do direito, como a proporcionalidade, a justiça e a igualdade perante a lei.

4.1 – JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência a seguir destaca um caso emblemático no qual todo o contexto começa a partir do ato de catfishing, que não é citado diretamente na emenda devido a sua precariedade na legislação a respeito do delito e das suas leis que o regem, porém foi utilizado como instrumento para perpetrar um crime violento, especificamente uma tentativa de homicídio qualificado. 

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), em um Recurso em Sentido Estrito com o número XXXXX20218130024, julgado em Belo Horizonte em 06/10/2022, pela 8ª Câmara Criminal e relatado pelo Desembargador Anacleto Rodrigues: 

Havendo indícios suficientes da autoria, cumulado com a materialidade do fato, deve o juiz sumariante proceder à pronúncia, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal. O deslinde da controvérsia sobre o elemento subjetivo do crime reserva-se ao Conselho de Sentença, juiz natural da causa (TJ-MG, 2022).

Através da criação de um perfil falso em um aplicativo de relacionamento, o acusado enganou a vítima, estabelecendo um relacionamento afetivo baseado em falsidades e manipulações. Este caso revela a complexidade das interações entre crimes virtuais e crimes violentos, evidenciando a facilidade com que indivíduos mal-intencionados podem explorar a vulnerabilidade de terceiros por meio da internet. O catfishing, definido como a criação de identidades falsas online para manipular ou enganar terceiros, tornou-se uma ferramenta cada vez mais comum em diversos tipos de crimes, incluindo tentativas de homicídio qualificado, como demonstrado neste caso.

Segundo o Inteiro Teor da própria jurisprudência (TJ-MG, 2022):

Segundo se apurou, denunciado e vítima se conheceram por acesso ao aplicativo de relacionamento tinder, tendo aquele criado um perfil falso, com inserção de nome e fotografia de terceira pessoa do sexo feminino, conforme fls. 22A, se passando pela personagem fictícia Juliana Gonçalves dias Peixoto, e iniciando um relacionamento afetivo mediante investida amorosa enganosa – porque como se Juliana fosse – com intensa troca de mensagens com Victor durante o período aproximado de 3 meses.

A partir deste caso, é notável a ausência de uma legislação específica para tratar do catfishing no contexto jurídico brasileiro, uma vez que sequer é dada importância pelo ato do denunciado de usar um perfil falso, com nome e foto de terceira pessoa e não se classificar como um concurso de crimes e o autor não ser julgado pelas suas falsas identidades também. 

Apesar da crescente prevalência dessa prática criminosa, muitas vezes resultando em danos graves para as vítimas, o sistema legal ainda não possui disposições claras ou penalidades específicas para o catfishing, deixando uma lacuna significativa na abordagem legal de crimes cometidos através da manipulação de identidades online. 

Como retratado no tópico anterior, por mais que não existam leis específicas sobre o crime de catfishing, haveria ainda a possibilidade de se fazer uma analogia legislativa com o crime de falsa identidade elencado no artigo 307 do Código Penal de 1940, sendo que o autor do crime utilizou de imagens e nome de terceira pessoa para obter vantagem em proveito próprio.

Essa lacuna na legislação pode dificultar a responsabilização efetiva dos autores de catfishing, fazendo com que se sintam mais à vontade para a prática do crime, e limitar a capacidade do sistema jurídico em lidar adequadamente com esse tipo de crime. A falta de uma definição legal e clara para o catfishing pode levar a interpretações variadas pelos tribunais e resultar em decisões inconsistentes ou injustas, como no caso acima, que o fato não foi julgado como poderia e deveria ser.

Além disso, a ausência de legislação específica para o catfishing reflete os desafios enfrentados pelo sistema jurídico em adaptar-se às mudanças e evoluções tecnológicas. O rápido avanço da tecnologia e o surgimento de novas formas de comunicação online exigem uma resposta legislativa ágil e eficaz para proteger os cidadãos e garantir a justiça.

4.2 – PERSPECTIVAS FUTURAS E RECOMENDAÇÕES LEGISLATIVAS

Feita a análise jurídica do catfishing percebe-se uma lacuna preocupante na legislação atual, que não aborda de maneira específica essa prática de engano virtual. Diante desse cenário, é essencial considerar as perspectivas futuras e recomendações legislativas para lidar eficazmente com o catfishing e seus impactos.

Primeiramente, é essencial reconhecer a necessidade premente da criação de uma legislação específica que defina o catfishing como um crime e estabeleça penalidades proporcionais à sua gravidade. Essa necessidade está intrinsecamente ligada à Lei n° 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que visa proteger os dados pessoais dos indivíduos. A LGPD fornece um arcabouço legal sólido que pode ser fundamental na criação da legislação relacionada ao catfishing. Por exemplo, a definição precisa do catfishing poderia abranger a manipulação ilícita de dados pessoais para enganar as vítimas, o que constituiria uma violação direta dos princípios da LGPD como citado no seu 1° artigo da lei:

 “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (Lei n° 13.709, 2018). 

Além disso, a legislação sobre catfishing poderia se beneficiar dos mecanismos de fiscalização e penalidades já estabelecidos pela LGPD para garantir a conformidade e a responsabilização adequada.

A ausência de uma definição clara e de consequências legais para essa conduta enganosa pode resultar na impunidade dos perpetradores e na desproteção das vítimas, como no caso da jurisprudência abordada acima, que por meio do catfishing, o infrator conseguiu convencer a vítima da situação e quase o matou. Portanto, é fundamental que os legisladores ajam proativamente para preencher essa lacuna legal, garantindo que o catfishing seja reconhecido como uma ofensa criminal passível de punição adequada.

Além disso, é necessário incluir medidas preventivas e punitivas no escopo da legislação relacionada ao catfishing, como o projeto de lei 6444/2019, que não aborda diretamente o crime, mas já é um passo a frente em relação a falta de medidas punitivas do catfishing. Há as legislações brasileira que abordam sobre a informática, entre elas estão, Marco  Civil  da  Internet  (Lei  12.695/2014),  a  Lei  Carolina  Dieckmann  (Lei 12.737/2012) e a Lei Azeredo (Lei 12.735/2012), entretanto, essas leis falham em lidar com muitas das circunstâncias reais que demandam proteção neste momento, como o catfishing. Isso ocorre principalmente porque os embates tratados nessas legislações são restritos, não acompanhando o avanço tecnológico que ocorre de forma acelerada e gera uma crescente necessidade de proteção diante de novas situações.

A implementação de políticas eficazes para combater o catfishing exige uma abordagem abrangente que vá além das fronteiras nacionais. Nesse sentido, a Convenção de Budapeste sobre o Cibercrime, um tratado internacional adotado na Sessão 109 do Comitê de Ministros do Conselho da Europa, em 2001, desempenha um papel crucial. Esta convenção estabelece um conjunto de diretrizes e princípios para lidar com crimes cibernéticos, fornecendo um quadro legal abrangente para os países signatários, incluindo o Brasil, que promulgou a Convenção de Budapeste a partir do Decreto n° 11.491 em 17/04/2023.

Acontece que ao ratificar e aderir à Convenção de Budapeste, o Brasil se compromete não apenas a fortalecer suas próprias leis e políticas de combate ao cibercrime, mas também a cooperar internacionalmente na prevenção, investigação e punição de atividades fraudulentas, como o catfishing. A convenção facilita a troca rápida de informações e evidências entre os países signatários, permitindo que as autoridades brasileiras ajam com maior eficácia na identificação e responsabilização dos perpetradores de catfishing, mesmo quando operam além das fronteiras nacionais.

Além disso, a Convenção de Budapeste estabelece padrões internacionais para a aplicação de sanções e a reparação dos danos causados às vítimas de crimes cibernéticos. Ao alinhar suas políticas com os princípios estabelecidos nesta convenção, o Brasil pode garantir a imposição de sanções severas contra os indivíduos envolvidos em atividades fraudulentas, com ênfase na obrigação de reparar integralmente os danos causados às vítimas. Isso não apenas desencoraja comportamentos ilícitos, mas também promoverá a responsabilidade e a segurança dentro das plataformas online, contribuindo assim para um ambiente digital mais seguro e confiável para todos os usuários.

Além da implementação de leis, para combater efetivamente o crescente problema dos perfis falsos e atividades fraudulentas em plataformas online, é fundamental que além da promulgação de leis, implementar políticas de verificação de identidade mais rigorosas. Essas medidas visam não apenas dificultar, mas também reduzir significativamente a incidência de catfishing e outras formas de engano nos aplicativos de relacionamento, uma vez que se torna mais complexo a criação do perfil falso.

Outro aspecto importante a ser considerado é a promoção da conscientização pública sobre os riscos do catfishing e a educação digital para capacitar os usuários a identificar e evitar situações de engano online. Isso pode ser alcançado por meio de campanhas de sensibilização, programas de educação nas escolas e iniciativas de formação para profissionais que trabalham com tecnologia e mídias sociais. A conscientização e a educação são ferramentas essenciais para fortalecer a resiliência das pessoas contra o catfishing e para criar uma cultura de segurança digital, visto que hoje em dia tudo é feito a partir da internet, é necessário que a pessoa tenha um conhecimento a respeito de como os cibercrimes funcionam e como podem ser evitados, tantos os jovens, que estão tendo contato com os aparelhos e sites sem a consciência da maldade que existe nos meios da internet, quanto os idosos que durante sua geração não era algo de muito acesso como hoje e também não tem esse conhecimento.

Por fim, é crucial adotar uma abordagem colaborativa entre legisladores, especialistas em direito digital, representantes da sociedade civil e empresas de tecnologia na formulação de políticas e práticas eficazes para enfrentar o catfishing. A colaboração entre esses diferentes atores pode proporcionar insights valiosos, promover a implementação de soluções inovadoras e garantir que as medidas adotadas sejam abrangentes, equitativas e eficientes.

Em suma, diante dos desafios apresentados pelo catfishing, é essencial que as perspectivas futuras e as recomendações legislativas sejam direcionadas para preencher a lacuna legal, prevenir a prática do catfishing, proteger as vítimas e promover um ambiente online seguro e confiável para todos os usuários. Esta é uma responsabilidade compartilhada que exige ação coordenada e compromisso de todos os envolvidos na defesa dos direitos e na segurança dos cidadãos no espaço digital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, foi possível explorar profundamente o fenômeno do catfishing e suas implicações legais no contexto brasileiro. Inicialmente, investigamos suas origens e conceitos, retratando sobre o panorama histórico e conceitual desse tipo de crime. A partir dessa análise, foi possível compreender como as práticas de catfishing evoluíram ao longo do tempo e como o termo “catfishing” se tornou reconhecido para descrever essa forma de fraude online.

Em seguida, direcionamos nossa atenção para a vulnerabilidade das vítimas no ambiente virtual, destacando como indivíduos de todas as idades e perfis estão suscetíveis a cair nos golpes dos catfishers. Demonstrar as diversas facetas dessa vulnerabilidade, desde a dificuldade em identificar perfis falsos dentro dos sites ou aplicativos de bate-papo online, até os impactos financeiros e psicológicos devastadores, reforça a urgência de abordar esse tema com seriedade.

Ao analisar o quadro legal brasileiro, fica evidente uma lacuna preocupante: a ausência de leis específicas que abordem o catfishing de forma direta e abrangente. A falta de uma legislação específica deixa um espaço vazio no âmbito jurídico que dificulta a aplicação da justiça e a proteção das vítimas. Nos deparamos com o desafio de recorrer a analogias legislativas para julgar casos de catfishing, o que ressalta a necessidade premente de uma legislação mais atualizada e adaptada à era digital.

A jurisprudência apresentada neste trabalho ilustra claramente a complexidade enfrentada pelos tribunais ao lidar com casos de catfishing sem uma base legal sólida. A necessidade de interpretar leis existentes de forma criativa para abordar um crime tão peculiar destaca a importância de uma reforma legislativa que reconheça e combata especificamente o catfishing.

Portanto, concluímos que é fundamental que o poder legislativo brasileiro reconheça a gravidade do catfishing e tome medidas para preencher essa lacuna legal. A proteção das vítimas, a prevenção de crimes e a promoção da segurança online são imperativos que não podem ser negligenciados. Esperamos que este trabalho contribua para ampliar o debate sobre o catfishing e influencie positivamente as políticas públicas e as iniciativas legislativas voltadas para a proteção dos cidadãos brasileiros no ambiente digital.

REFERÊNCIAS

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¹Graduando do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR).
²Graduado em Direito (UFBA), Mestre em Ciência Sociais (PUC/SP), Doutor em Memória, Linguagem e Sociedade (UESB).