CONFLITOS PARENTAIS E OS IMPACTOS PSICOSSOCIAIS NA VIDA DAS CRIANÇAS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7429256


Claudianne Gomes Ribeiro1
Gerlane Carolina da Costa Silva1
Iara Araújo da Silva1
Jaqueline Ariele Carvalho1
Maria Gleiciene Nogueira Rabelo Casimiro1
Simone Garcia de Oliveira1
Virginia Larissa Melo da Silva1
Ruth Raquel Soares de Farias2


Resumo

O conflito interparental tem sido consistentemente associado a resultados negativos no que diz respeito ao desenvolvimento saudável da criança, em termos de bem-estar físico, psicológico, social e emocional. Nesse contexto a presente pesquisa buscou avaliar as implicações emocionais, comportamentais e psicossocial da criança em situação de conflitos parentais no panorama familiar e trazer perspectivas dos aspectos que afetam a boa convivência das crianças com os pais no contexto de destituição conjugal através de fundamentos teóricos. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica qualitativa, e de caráter exploratório, através de uma revisão integrativa apresentando os impactos sofridos sobre o estado emocional de crianças elegendo 12 artigos para leitura e estudo na íntegra, como resultados da presente revisão. Dessa forma descobriu-se que os conflitos parentais podem ter efeitos devastadores no bem-estar e no comportamento social das crianças sendo um dos fatores mais proeminentes, motivados pelos pais, que influenciam negativamente os ambientes domésticos de crianças. Concluiu-se que a evidência empírica também sugere que os efeitos prejudiciais do conflito parental são persistentes quando se utilizam medidas relatadas por crianças e adolescentes, confirmando os relatos de pais e professores.

Palavras-Chave: Conflito parental. Crianças. Divórcio. Estado emocional.

Abstract

Interparental conflict has been consistently associated with negative outcomes with regard to the healthy development of the child, in terms of physical, psychological, social and emotional well-being. In this context, this research sought to assess the emotional, behavioral and psychosocial implications of children in situations of parental conflict in the family context and bring perspectives on aspects that affect the good relationship between children and parents in the context of marital destitution through theoretical foundations. This is a qualitative and exploratory bibliographical research, through an integrative review, presenting the impacts suffered on the emotional state of children, choosing 12 articles for reading and study in full, as results of this review. Thus, it was discovered that parental conflicts can have devastating effects on children’s well-being and social behavior, being one of the most prominent factors, motivated by parents, that negatively influence children’s home environments. It was concluded that empirical evidence also suggests that the harmful effects of parental conflict are persistent when using measures reported by children and adolescents, confirming the reports of parents and teachers. 

Keywords: Parental conflict. Children. Divorce. Emotional state.

Introdução

Atualmente a conjuntura familiar não está baseada em uma vivência onde exista um comprometimento profundo emocional entre os casais. É percebível o índice contínuo de divórcios ao longo dos anos, que consequentemente vem ocasionando grandes mudanças na vida dos filhos, sendo elas mudanças ambientais e psicológicas (depressão, baixo rendimento escolar e ansiedade). Além disso, é comprovado que o sofrimento decorrente da ausência dos pais, pode resultar em inúmeros conflitos para os filhos (SILVA; GONÇALVES, 2016; DAVIES et al., 2022).

A realidade de crianças em processo de conflitos conjugais pode provocar alterações de natureza psicológica que por sua vez pode desencadear em deficiência no desenvolvimento das atividades educativas no ambiente escolar e familiar. Além disso, pode trazer sérias consequências futuras no aspecto emocional individual e social da criança (BENETTI, 2006). Dentre as consequências de uma separação, tem-se a desestrutura do conceito familiar da criança, desencadeando dificuldades em modificar o desenvolvimento da criança, concepções do eu, bem como a sua autonomia (MARTINS, 2010).

Nota-se que uma criança vítima de conflitos parentais pode sofrer com variações de comportamentos na medida em que os mesmos constituem uma violência ao equilíbrio emocional. Dessa forma, o conflito conjugal pode ensejar transtorno como déficit de atenção, dificuldade de interação, comportamentos inadequados (LEUSIN et al., 2018).

O prejuízo no desenvolvimento dependerá da exposição dessa criança à intensidade, a frequência, do conteúdo e da forma da resolução dos conflitos (BENETTI, 2006). Existem relações entre os fatores precipitantes e os fatores preventivos ou solucionantes, que podem servir como termômetro desses impactos na vida e saúde dessas crianças. As famílias podem amenizar esses impactos, quando atuam de forma voluntária e coordenada ou quando procuram  ajudas especializadas diante das consequências expressadas em comportamentos inesperados, mudanças de humor, prejuízos escolares, adoecimentos recorrentes físico ou emocionais das crianças. É importante perceber que a diversidade de configurações familiares e suas possibilidades intelectuais, financeiras e culturais poderão afetar diretamente o desempenho e resultado dessas ajudas interventivas que muitas vezes precisam ser buscadas através de políticas públicas e suas redes de acesso.

A percepção da necessidade interventiva de caráter familiar ou psicológico pode ser notada nos diversos ambientes que a criança frequenta, que pode ser o próprio ambiente familiar, escolar, de lazer ou outro eventual. As mudanças de comportamento, na atenção, em ambientes escolares ou alterações de humor podem apresentar-se nesses ambientes com indicadores de sofrimento psicológico. O psicólogo poderá ser sugerido através de professores,  de um familiar mais atento ou mais próximo ou até mesmo através de consulta médica. Segundo o trabalho de Gomide (2001), é necessário esclarecer que o comportamento da criança, esperado  pela família, advém da educação e do ambiente vivenciado por elas. 

O autor Martins (2017) afirma que o processo interventivo terapêutico deverá abranger aspetos mais amplos, contextualizado e inclusivo, visando soluções integrativas de transformação construtiva dos comportamentos e atitudes da dinâmica familiar destrutiva, com o objetivo de proporcionar às famílias uma situação de parentalidade mais saudável para o bem-estar físico, social, emocional e comportamental dos filhos. Nesta prática interventiva, o psicólogo atuará com um verdadeiro papel de gestor familiar.

Baseado nessa problematização, o presente artigo consiste em avaliar as implicações emocionais, comportamentais e psicossocial da criança em situação de conflitos parentais no panorama familiar e trazer perspectivas dos aspectos que afetam a boa convivência das crianças  com os pais no contexto de destituição conjugal através de fundamentos teóricos. Cabendo ressaltar o entendimento dos efeitos que afetam o desenvolvimento emocional da criança em decorrência desses conflitos e identificar suas causas geradoras, bem como as principais estratégias do psicólogo para a promoção da saúde mental e física da criança no ambiente familiar.

Métodos

O artigo foi realizado como pesquisa bibliográfica qualitativa, e de caráter exploratório, através de uma revisão integrativa que foi desenvolvida com base em materiais de pesquisas em relação aos impactos sofridos sobre o estado emocional de crianças em conflitos parentais, de modo sistemático e ordenado, colaborando para o aprofundamento do conhecimento acerca do tema pesquisado. 

A elaboração dos resultados e discussões foram feitas adotando critérios de integração baseado em artigos no idioma português e inglês, associado ao tema, publicados de 2016 a 2022. Também foram determinados como critérios de inclusão: artigos relacionados ao tema em estudo e sua questão norteadora, publicações cuja metodologia adotada permitiu obter evidências claras sobre o tema (ou seja, os objetivos), artigos com associações entre a psicologia da criança e conflitos parentais. Excluídos os artigos que não se enquadraram nos objetivos do trabalho, aqueles cujos textos não estavam de forma integral, além de cartas, editoriais e comentários. 

  O levantamento de informações foi realizado nas seguintes bases de dados: Scientific Eletronic Library Oline (ScieLO), PubMed e Science Direct. Para elaboração da presente revisão foram utilizados os seguintes descritores nos idiomas Português e Inglês: “crianças” e “conflitos parentais”, “divórcio” e “criança” “children” and “parental conflicts”, “divorce” and “child, e posteriomente foram seguidas as etapas: formulação do problema de pesquisa; estabelecimento dos critérios de inclusão e seleção dos artigos; aquisição dos artigos que estabeleceram a amostra; ponderação dos artigos: explicação dos resultados e exposição da revisão integrativa.

Após a seleção e reunião dos artigos que se enquadraram no tema, foi realizada a leitura e, posteriormente, uma análise para a construção de cada elemento textual, no sentido de buscar compreensão crítica dos trabalhos e extrair as informações necessárias para construir os tópicos e atender os objetivos propostos no presente artigo. Foram inseridos dados devidamente referenciados, identificando e respeitando os autores envolvidos nas publicações e obtendo a ética quanto aos trabalhos científicos pesquisados e as demais fontes de pesquisa. 

Os resultados e discussão dos dados foram dispostos de forma descritiva e revelados em um quadro para permitir ao leitor a avaliação crítica dos resultados e sua aplicabilidade. Durante a busca, encontrou-se um total de 254 estudos distribuídos de forma diferenciada em relação às bases de dados: PubMed (144), ScieLO (17) e Science Direct (93). Durante a etapa de triagem, os artigos que não preenchiam aos critérios de exclusão foram eliminados, retirando-se um total de 200 artigos. 

Assim, resultaram 54 artigos analisados e verificados se compatíveis com os objetivos de pesquisa (etapa de elegibilidade). Ao fim, após a leitura integral das publicações, excluíram-se 42 artigos fora do delineamento de pesquisa, elegendo 12 artigos para leitura e estudo na íntegra, como resultados da presente revisão. 

Análise e discussão dos resultados 

Após um processo de filtragem utilizando os critérios de inclusão e exclusão citados anteriormente, houve um resultado final de doze artigos que foram selecionados. O quadro a seguir apresenta a relação de artigos caracterizados de acordo com os referidos itens:

Autor/AnoObjetivoMetodologiaConsiderações
Tavassolie et al. (2016)Concentra-se nas relações entre o estilo parental percebido materno e paterno, o conflito conjugal e os resultados do comportamento infantil.Estudo de coorteAs implicações para a terapia conjugal e familiar são discutidas e os resultados foram melhores quando os pais se consideravam mais permissivos do que as mães e quando as mães eram mais autoritárias do que os pais.
Bolze et al. (2017)Compreender as características e as estratégias de resolução de conflitos conjugais e parentais em famílias com crianças.Estudo empírico, de delineamento qualitativoOs conflitos pais-criança abarcaram motivos relacionados à dificuldade parental para imposição de limites, com uso de estratégias construtivas, caracterizadas pela disciplina não violenta, bem como estratégias destrutivas, com agressão física e psicológica. 
Mosmann et al. (2017)Avaliar as associações da conjugalidade, parentalidade e coparentalidade com sintomas internalizantes e externalizantes dos filhos.Estudo explicativo, quantitativo e transversaA interdependência das variáveis reforça a premissa de que as intervenções familiares, tanto com relação à prevenção quanto ao tratamento, devam atentar para todo o sistema familiar.
Kopystynska et al. (2017)Examinar as relações entre conflitos interparentais, comportamentos parentais  e insegurança emocional das crianças na primeira infância.Estudo transversalHá necessidade de considerar a unidade familiar ao planejar intervenções ou fornecer aconselhamento.
Schaan et al. (2019)Investigar diferenças no cuidado parental, conexão social, estresse crônico e experiências traumáticas entre filhos de pais divorciados e não divorciados.Estudo transversalO aumento da vulnerabilidade dos filhos de pais divorciados para desenvolver transtornos mentais e experimentar mais estresse crônico, solidão, evitação de apego, ansiedade de apego e experiências traumáticas durante a infância é alarmante e destaca a importância de programas de prevenção e psicoeducação durante o processo de divórcio dos pais. 
Vahedi, Krug e Westrupp (2019)Investigar o potencial cruzamento do conflito trabalho-família de mães e pais e as influências subsequentes na saúde mental de crianças e adolescentes.Estudo longitudinal retropectivo Demonstram o potencial do conflito trabalho-família para passar para a parentalidade, influenciando assim a saúde mental infantil a longo prazo .
Sorek (2020)Examinar como os fatores de risco (conflito parental) e resiliência estão relacionados com a qualidade de vida  dos filhos no divórcio dos pais.Estudo transversalSugerem a necessidade de reduzir o envolvimento dos filhos do divórcio no conflito parental e de reforçar os seus sistemas de apoio social, nomeadamente as suas relações com os avós.
Davies et al. (2020) Examinar se a cascata de mediação envolvendo a exposição das crianças ao conflito interparental, suas respostas inseguras ao conflito interparental e seus problemas psicológicos variavam em função dos vieses preexistentes das crianças para atender a sentimentos de raiva, medo, tristeza e felicidade e expressões.Estudo transversalO estudo é consistente com as teorias de sensibilidade ambiental, crianças com viés de atenção para emoções de raiva e medo exibiram níveis desproporcionalmente mais altos de insegurança emocional após a exposição a conflitos interparentais intensos, mas também níveis mais baixos de insegurança emocional após experimentarem conflitos interparentais mínimos.
Hafsa, Aqeel e Shuja (2021)Verificar o papel moderador da inteligência emocional entre os conflitos interparentais e a solidão em criaças do sexo masculino e feminino.Estudo transversal Sugere que o sexo masculino pode obter mais benefícios ao abordar os conflitos interparentais. Seria útil para as configurações pedagógicas e também útil para a clínica para resolver o conflito de adolescentes do sexo masculino por meio da inteligência emocional.
Laletas e Khasin (2021)Explorar as experiências de professores que trabalham com crianças expostas a altos conflitos parentais antes, durante e após o divórcio/separação. Estudo descritivo quantitativo Foi observados que os alunos lidam com o sofrimento emocional relacionados a altos níveis de estresse dos pais e conflitos dos pais associados à ruptura familiar e ao processo de divórcio de alto conflito.
Giallo et al. (2022)Investigar a relação entre a gravidade e a cronicidade do conflito interparental na primeira e segunda infância e o funcionamento emocional-comportamental das crianças aos 10 a 11 anos. Estudo de coorte trasversal O alto conflito parental em qualquer momento da vida de uma criança é uma forma de adversidade que pode ter consequências adversas para sua saúde mental, e que intervenções precoces para pais e cuidadores com alto conflito interparental são críticas.
Davies et al. (2022)Examinar o conflito interparental como um preditor curvilíneo da reatividade das crianças ao conflito interparental e, por sua vez, seus problemas escolares em três medições anuais. Estudo de coorte O conflito interparental predisse mais fortemente a reatividade emocional das crianças à medida que a exposição ao conflito aumentava. A reatividade emocional das crianças, por sua vez, predisse seus maiores problemas escolares 1 ano depois.

Fonte: Dados coletados pelas autoras, 2022

Conflito parental como fator de risco

O conflito parental é comumente visto como o principal fator de estresse das crianças (DAVIES et al., 2022). Esse fator tem sido associado a múltiplas dificuldades, incluindo depressão e ansiedade, baixa autoestima, problemas de comportamentos de externalização e menor eficácia social e acadêmica (HAFSA; AQEEL; SHUJA, 2021). 

No entanto, diferentes padrões de conflito parental estão associados de forma diferente aos problemas de ajustamento das crianças (DAVIES et al., 2020). Constatou-se que conflitos parentais intensos e violentos envolvendo as crianças têm implicações negativas – fisiológicas (atrasos ou interrupções hormonais, hipertensão e queixas somáticas como dores de estômago e dores de cabeça); psicológico (altos níveis de estresse e ansiedade, depressão, abuso de substâncias); e cognitiva (desenvolvimento cerebral, habilidades de pensamento e aprendizagem, concentração e curiosidade) (TAVASSOLIE et al., 2016; BOLZE et al., 2017; HAFSA; AQEEL; SHUJA, 2021). 

A teoria da aprendizagem social sugere que os indivíduos adquirem certos traços de personalidade e seu comportamento (social) por meio da interação frequente com vários modelos – crianças e adolescentes são influenciados pelo comportamento de seus pais em particular (TAVASSOLIE et al., 2016).

Assim, é provável que crianças que observam conflitos interparentais frequentes em sua casa percebam conflitos frequentes como um comportamento social aceitável e imitem a interação de seus pais na escola, tendo assim conflitos mais frequentes com seus pares (LALETAS; KHASIN, 2021).

Além disso, os conflitos diretamente relacionados aos filhos, incluindo a incitação contra o outro genitor, foram associados a problemas mentais mais graves e maiores dificuldades em lidar com tarefas de desenvolvimento (VAHEDI; KRUG; WESTRUPP, 2019).

Na literatura pesquisada, várias explicações têm sido propostas para compreender a forma como o conflito parental envolvendo os filhos está associado às dificuldades de adaptação dos filhos a curto e longo prazo. Uma explicação é que as crianças expostas a discussões entre os pais e à culpabilização mútua correm o risco de se encontrar em conflito de lealdade se um dos pais tentar convencê-los a formar uma aliança hostil contra o outro. Em tal situação, a criança é “dividida em dois” ou pega no meio, e a experiência cria dissonância, dado o desejo natural da maioria das crianças de manter um bom relacionamento com ambos os pais (TAVASSOLIE et al., 2016; BOLZE et al., 2017; HAFSA; AQEEL; SHUJA, 2021; GIALLO et al., 2022).

Sorek (2020) examinou a relação entre o conflito parental e as próprias avaliações das crianças sobre sua qualidade de vida. Constatou-se que crianças submetidas a anos de dupla lealdade e incitação apresentavam maior risco de evitação e insatisfação geral com a vida e eram caracterizadas por menor felicidade e autoestima.

Um estudo com crianças de 10 a 11 anos examinou esse vínculo em uma amostra que incluiu também filhos de pais casados e descobriu que o bem-estar subjetivo dos filhos do divórcio era menor em comparação que o bem-estar subjetivo dos filhos de pais casados nos filhos do divórcio o conflito parental em curso foi o mais baixo (GIALLO et al., 2022).

Outra pesquisa com crianças americanas examinou a relação entre sua satisfação com a vida e estressores relacionados à família; de todos os fatores de estresse examinados, o conflito parental foi o mais forte preditor de satisfação, ainda mais do que a estrutura familiar (DAVIES et al., 2022).

Avaliações de Conflito Parental

As avaliações são percepções subjetivas das crianças sobre as divergências dos pais e refletem seu esforço para entender as causas e consequências do conflito. As avaliações de ameaças refletem a percepção das crianças de que o conflito parental é prejudicial ao seu bem-estar ou ao funcionamento da família; por exemplo, as crianças podem se preocupar que a raiva dos pais possa levar a conflitos entre pais e filhos, dissolução conjugal ou mesmo violência (MOSMANN et al., 2017).

Os conflitos entre os pais têm sido identificados repetidamente na literatura como fatores de risco cruciais para a saúde mental das crianças, problemas comportamentais e emocionais e comportamento social, dessa forma propondo mecanismos para explicar essa associação, que podem ser agrupados em efeitos diretos e indiretos (BOLZE et al., 2017).

Na primeira categoria, foi demonstrado que o conflito interparental influencia diretamente o bem-estar das crianças, prejudicando seu sentimento de segurança dentro do sistema familiar e enfraquecendo o vínculo entre pais e filhos. Como efeito indireto, o conflito interparental pode interferir severamente no comportamento dos pais, o que pode, por sua vez, levar a maiores problemas para as crianças (BOLZE et al., 2017).

Além dos argumentos teóricos mencionados, há ampla evidência empírica de que a vida, a saúde mental e a felicidade dos pais moldam decisivamente o bem-estar de crianças e adolescentes. Atributos e comportamentos dos pais podem determinar se as crianças se opõem a hábitos deletérios como fumar, são mentalmente saudáveis e se comportam de maneira socialmente aceitável (DAVIES et al., 2022).

A autoculpabilização pode ocorrer quando as crianças acreditam que o desacordo foi causado por seu comportamento ou se elas se sentem responsáveis por encerrar ou resolver o conflito (KOPYSTYNSKA et al., 2017).

As avaliações têm sido muitas vezes lançadas como construções puramente cognitivas, mas o processo de avaliação do significado de uma interação que pode ser hostil e agressiva envolve tanto afeto quanto cognição. Por exemplo, a percepção de ameaça é acompanhada pelo sentimento de medo, e a autoculpa pode provocar vergonha. Pesquisas transversais e longitudinais apoiam o papel das avaliações das crianças de ameaça e auto-culpa como mecanismos através dos quais o conflito está ligado a problemas de ajuste (SCHAAN et al., 2019; GIALLO et al., 2022).

Respostas emocionais ao conflito parental

A exposição repetida ao conflito parental pode afetar a experiência, a expressão e o controle das emoções das crianças. Davies et al. (2020) propuseram que observar a hostilidade entre seus cuidadores é uma experiência desreguladora que pode levar a uma maior reatividade emocional em crianças.

Da mesma forma, as teorias do trauma sustentam que a exposição repetida a eventos de excitação afetiva prejudica a capacidade das crianças de regular suas emoções e os problemas que modulam o afeto, por sua vez, aumentam o risco de problemas de ajuste (VAHEDI; KRUG; WESTRUPP, 2019; SOREK, 2020).

Vahedi, Krug e Westrupp (2019) postularam que a saúde mental das crianças pode se beneficiar quando os pais se comportam de forma construtiva em relação aos seus conflitos, quando os pais têm diferenças, eles podem conversar com calma e se concentrar na solução do problema. Isso pode até ter um efeito positivo nas crianças – elas veem que seus pais podem resolver as diferenças para que sintam que sua família está segura e protegida.

Consistente com essas ideias, crianças de famílias altamente conflituosas exibem maior sensibilidade a argumentos parentais posteriores, como evidenciado pelo aumento do afeto negativo e reatividade fisiológica (SOREK, 2020). 

Grande parte da pesquisa sobre a reatividade emocional das crianças ao conflito tem sido guiada pelo modelo de segurança emocional, que vê a reatividade como um componente da segurança emocional, juntamente com as percepções das crianças sobre as relações familiares e sua resposta comportamental ao conflito (SCHAAN et al., 2019).

A maioria dos estudos combinou esses três indicadores em um único construto, mas dois estudos que os avaliaram separadamente mostraram que a reatividade emocional media exclusivamente associações entre conflito interparental e problemas internalizantes e externalizantes (TAVASSOLIE et al., 2016; MOSMANN et al., 2017).

Outro estudo avaliou as reações emocionais das crianças ao conflito parental como um processo distinto, em vez do construto mais amplo de segurança emocional, para examinar um aspecto específico da resposta das crianças ao estresse que também foi destacado em outros modelos teóricos (GIALLO et al., 2022).

Integrando Processos Cognitivos, Emocionais e Sistemas Familiares

Davies et al. (2020) examinaram uma amostra da comunidade de avaliações e segurança emocional de crianças que inclui medidas de sofrimento emocional e reatividade, cognições negativas sobre relacionamentos conjugais e pais-filhos e tentativas comportamentais de intervir ou evitar conflitos parentais. Eles descobriram que as avaliações de ameaça e culpa estavam associadas à segurança emocional, que por sua vez predizia diretamente os problemas de internalização das crianças.

Os problemas de externalização foram examinados em um modelo separado e foram previstos de maneira única tanto pela segurança emocional quanto pelas avaliações de auto culpa das crianças. Essas descobertas podem sugerir que a ameaça percebida está apenas indiretamente ligada ao desajuste das crianças, mas essa interpretação é complicada pela tentativa dos pesquisadores de distinguir mais claramente o componente cognitivo das avaliações das crianças (DAVIES et al., 2020).

Alguns estudos relacionam o conflito interparental e o bem-estar social das crianças, ou seja, a uma variedade de comportamentos sociais das crianças no ambiente escolar. Descobriu-se que o conflito parental, incluindo o conflito conjugal e a violência do parceiro íntimo entre os pais, prediz a diminuição do comportamento pró-social, habilidades sociais mais pobres, comportamento agressivo, autocontrole prejudicado, menor cooperação e solidão em crianças (SCHAAN et al., 2019; SOREK, 2020).

Como os aspectos cognitivos e emocionais das avaliações estão intimamente interligados, tentar isolar o elemento cognitivo não reflete com precisão a natureza dos processos de avaliação e, portanto, provavelmente subestima a relação entre avaliações e ajustes. Além disso, como os componentes cognitivos, afetivos e comportamentais da segurança emocional foram combinados em uma única variável latente, não está claro qual pode ter tido associações únicas com o ajuste da criança (HAFSA; AQEEL; SHUJA, 2021; LALETAS; KHASIN, 2021).

Mais recentemente, Giallo et al. (2022) testaram um modelo que integra as avaliações das crianças e os componentes da segurança emocional. Para abordar a sobreposição entre as medidas de avaliação e reatividade emocional, eles realizaram uma análise fatorial das subescalas Ameaça, Eficácia de Enfrentamento e Auto Culpa da escala de percepção de conflito interparental das crianças e as subescalas de Reatividade Emocional, Representação Interna e Regulação Comportamental do questionário segurança no subsistema interparental (GIALLO et al., 2022).

Depois de eliminar quaisquer itens que carregassem significativamente em mais de um fator, a solução de melhor ajuste incluiu tais subescalas. Mais pertinente para o presente estudo, a análise fatorial mostrou que os itens que medem as avaliações das crianças se mantiveram juntos e puderam ser distinguidos dos itens focados exclusivamente em suas reações emocionais (GIALLO et al., 2022).

Estudos revelaram uma série de processos de transmissão que explicam o mecanismo por trás do efeito do conflito interparental no bem-estar das crianças. O principal transmissor parece ser o comportamento parental de mães e pais em que o comportamento parental caloroso em relação a uma criança, bem como práticas parentais negativas, como controle psicológico e comunicação, têm sido repetidamente identificados como os fatores mediadores na interseção do conflito interparental e comportamento pró-social das crianças, adaptação escolar e bem-estar gera (VAHEDI; KRUG; WESTRUPP, 2019; AQEEL; SHUJA, 2021; LALETAS; KHASIN, 2021).

Os problemas internalizantes foram mediados por avaliações de autoculpa, desregulação emocional, representações familiares negativas, evitação e internalização de sentimentos, enquanto os problemas externalizantes foram mediados por avaliações de autoculpa e ameaças. Esse estudo indica, portanto, que tanto a avaliação quanto aos processos desempenha papéis únicos de mediação na relação entre o conflito interparental e o ajustamento da criança (TAVASSOLIE et al., 2016; BOLZE et al., 2017; HAFSA; AQEEL; SHUJA, 2021; LALETAS; KHASIN, 2021).

Segundo Bolze et al. (2017) as crianças veem como seus pais demonstram emoções e interagem com outras pessoas, e imitam o que veem seus pais fazerem para regular as emoções. Embora o temperamento de uma criança possa afetar sua capacidade de regular suas emoções, é significativamente guiado pelos estilos parentais que recebem e pelas interações que observam. De fato, crianças que são mais propensas a emoções negativas podem ser particularmente vulneráveis a episódios de raiva ou pais e interações hostis e negligentes.

Davies et al. (2020) postulam que as avaliações de auto culpa e ameaça mediaram independentemente a relação entre o construto triangulação-conflito e os problemas interna e externalizantes, embora a triangulação-conflito também tenha mantido uma relação direta significativa com os índices de ajuste.

Esses estudos fornecem evidências iniciais de que avaliações, processos emocionais e triangulação desempenham papéis únicos na mediação do impacto do conflito parental nas crianças. No entanto, as conclusões que podem ser tiradas sobre esses processos não são claras porque os três estudos revelam padrões um tanto diferentes de relacionamentos entre conflito, mediadores e ajuste, e nenhum incluiu todos os três domínios em uma única análise (TAVASSOLIE et al., 2016; BOLZE et al., 2017; HAFSA; AQEEL; SHUJA, 2021; LALETAS; KHASIN, 2021; GIALLO et al., 2022).

Conclusão 

A ampla gama de resultados de saúde mental associados ao conflito parental sugere que vários mecanismos podem estar envolvidos. Um caminho está relacionado ao senso de segurança emocional das crianças: elas precisam sentir que seu sistema familiar está seguro e protegido. 

A evidência empírica também sugere que os efeitos prejudiciais do conflito parental são persistentes quando se utilizam medidas relatadas por crianças, confirmando os relatos de pais e professores.

A presente investigação foi projetada para abordar essas lacunas na literatura existente verificando avaliações e reatividade emocional em um único modelo e testando três modelos alternativos que postulam diferentes padrões de relacionamento entre eles. 

O desafio será integrar esses níveis de análise de uma maneira conceitualmente significativa que promova a compreensão de como os pensamentos, sentimentos e comportamentos das crianças estão relacionados às suas respostas fisiológicas e como esses processos afetam e são afetados pela natureza das relações dentro de sua família.

Referências

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1Graduandas do curso de Psicologia da Faculdade de Ensino Superior do Piauí (FAESPI)
2Prof.ª Drª. do curso de Psicologia da Faculdade de Ensino Superior do Piauí (FAESPI)