CONEXÕES ENTRE O CURRÍCULO ESCOLAR E O CONTEXTO ESTUDANTIL: EDUCAÇÃO (EM TEMPO) INTEGRAL NA PARAÍBA – BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10778059


Paulo Célio Ramos Soares[1]


Resumo

Debater sobre currículo e escola integral tem sido essencial para o desenvolvimento de um currículo com maiores significados para os estudantes, preparando-os para a sociedade do século XXI. O artigo tem como objetivo inspirar um debate sobre a situação-problema do currículo das ECI paraibanas e seus desdobramentos nas unidades escolares que adotaram este método educacional e suas relações entre a teoria do modelo e a rotina escolar, o trabalho se divide em duas seções. A metodologia usada foi a de revisão bibliográfica, de alguns autores que têm debatido sobre currículo, escola integral e sua relação como Bittencourt (2019) e Soares (2019, 2021, 2023 a, 2023 b), este último tem aprofundado suas pesquisas sobre esta temática. Como resultado da pesquisa concluímos que currículo é mais que uma listagem de conteúdos.

Palavraschave: Educação integral, Currículo, BNCC.

Introdução

O conceito de currículo e suas consequências no fazer pedagógico é de suma importância para todos os profissionais da educação, em qualquer etapa da educação.

Nesse sentido, o presente trabalho, traz a discussão sobre a relação entre o currículo das Escolas cidadãs e integrais (ECI) do estado da Paraíba- Brasil, e o contexto da comunidade escolar. Considerando as mudanças na política educacional brasileira, com a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Novo Ensino Médio (NEM), cabe um estudo sobre como têm se dado tal relação.

Com o objetivo de inspirar um debate sobre a situação-problema do currículo das ECI paraibanas e seus desdobramentos nas unidades escolares que adotaram este método educacional e suas relações entre a teoria do modelo e a rotina escolar, o trabalho se divide em duas seções; a primeira em que apresento a situação-problema contextualizando-a com a realidade das comunidades escolares; na segunda discuto a temática na atualidade, trazendo para o debate a ideia de identidade cultural e a necessidade de formação do indivíduo para o século XXI, baseado nas ideias freirianas e nas bases da legislação educacional brasileira.

O currículo das ECI paraibanas tem:

Como foco principal auxiliar o aluno a desenvolver seu projeto de vida, estando orientado em três eixos formativos, a saber: uma formação acadêmica de excelência baseada nos conteúdos da BNCC; formação para a vida baseada na orientação do projeto de vida e a evolução do espírito protagonista; e, por fim, no desenvolvimento das competências para o século XXI. (Soares, 2021, p. 90).

Para nortear a pesquisa usamos como metodologia a revisão bibliográfica em alguns artigos publicados e livros sobre a temática, que aborda currículo de educação integral, formação de professores que atuarão em escolas do modelo e partes da legislação brasileira que se refere à educação, no nosso estudo educação básica.

Não é do meu interesse encerrar o debate neste espaço, e nem poderia visto ser um debate com muitas miudezas e riquezas de detalhes, mas situar a situação do currículo das ECI paraibanas no contexto da educação para o século XXI.

Faz-se necessário colocar em pauta o desenho curricular das escolas do modelo cidadã e integral paraibano, estudar possibilidades, analisar pesquisas sobre a temática, que são escassas, compreender a dinâmica entre a elaboração e execução do currículo, que observamos serem muito distantes, com pontos excludentes.

Currículo da escola integral no contexto paraibano

Para compreender o modelo ECI paraibano é imperioso discutir sobre o currículo de maneira nacional e local, iniciando pela história do debate de escola integral na educação brasileira.

O debate sobre escola integral não é recente na agenda da educação brasileira, Bittencourt (2019, p. 1761) relata experiências ocorridas nos anos de 1980 no Rio de Janeiro, sob influência de Anísio Teixeira, expõe, ainda, que na última década do século XX, com as mudanças na educação nacional e internacional, a educação integral passa a fazer parte de textos da legislação, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº8069/90; e de documentos que desenham o currículo nacional como é o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

No Rio de Janeiro, segundo Moreira (2000, p.115), já se pensava na escola (em tempo) integral, desde a década de 1980, liderados pelo pensamento de Darcy Ribeiro, a essência da escola em tempo integral vigora até os dias atuais no território paraibano; sem a preocupação, por parte dos poderes governamentais, sobre a estrutura e qualidade educacional ofertadas nas escolas. Apenas visando atingirem metas, que se tornam inviáveis à alguns contextos escolares, que passam a serem não vistos pelas autoridades competentes.

No estado da Paraíba, as escolas integrais passam a fazer parte da rede a partir do ano de 2016 (Soares, 2021, p.89), de forma tardia, baseado no modelo pernambucano, inclusive nos materiais de formação docente. A preocupação com o cumprimento de horário, independente da estrutura física e humana nos ambientes escolares, é a prioridade. O currículo é um conjunto entre as disciplinas ditas da BNCC, os itinerários formativos do NEM e uma parte diversificada (entre o NEM e as metodologias de êxito do modelo), infelizmente com falta de recursos financeiros e formações para os docentes a escola tem se tornado um espaço insalubre e, por consequência, doentio.

É importante frisar que na Paraíba o modelo tem sido alvo de críticas por ser um modelo mais burocrático do que democrático, Soares (2023 a, pp. 28-29), coloca ser:

Necessário fazer a crítica de momentos tradicionais que norteiam as escolas integrais paraibanas, apesar do currículo ser flexível, na prática existe um engessamento burocrático e poucos momentos em que os professores podem de fato inovar, muitas vezes os professores são vistos como reprodutores de conteúdo e materiais preestabelecidos.

Na Paraíba ainda existe o “desafio de integrar, entre o turno e o contraturno, os saberes e as experiências educativas introduzidas pelos projetos de educação/formação integral” (Bittencourt, 2019, p. 1770); o que tem sido alvo de críticas e desistências de muitos educandos, a realidade das escolas do modelo é preocupante, com o número reduzido de educandos nos espaços escolares e inchaço nas escolas que não são do modelo, algo que tem sido ignorado pelas autoridades competentes, ou que é jogado ao corpo pedagógico da escola como sendo não atrativos para os estudantes, mesmo sem condições materiais, e por vezes humanas, de trabalho e a falta de estrutura das escolas para a permanência dos educandos nestes ambientes.

Não há valorização do quadro docente, e poucos momentos que não sejam aulas tradicionais para os discentes, este quadro faz as escolas do modelo serem questionadas sobre o que necessita mudar para ser um espaço mais alegre, e de educação integral, não apenas em tempo integral.

A ampliação curricular nas escolas integrais deve incidir “nos tempos e nos espaços educativos, assim como na ampliação dos saberes escolares, conjuntamente às possibilidades de organização desses saberes na escola” (Bittencourt, 2019, p. 1763); no contexto paraibano isto deve ser mais observado e resolvido, para que a escola integral passe a fazer sua função social de formar cidadãos de forma integral, não apenas ver a escola como depósito de crianças e adolescentes.

Nos tópicos, a seguir, discutiremos temas que se apresentam no debate do currículo para o século XXI, portanto no currículo paraibano. Temas que justificam a necessidade do estudo sobre currículo para a compreensão do fazer pedagógico e a importância da educação para as transformações da sociedade do século atual.

Identidade cultural e sua relação com o currículo

O debate sobre currículo de escola integral, no Brasil, inicia com o discurso sobre ampliação curricular, tanto no que se refere à ampliação do tempo, quanto no espaço e ambientes educativos. Tendo diversas políticas governamentais, a partir do ano 2000, nesse intuito, Bittencourt (2019), como é o caso do “Mais Educação”; esta ampliação deveria ocorrer com as disciplinas tradicionais e uma gama de diversificadas, estas com a intenção de explorar as artes, culturas, práticas esportivas, o letramento e noções básicas de Matemática.

Há também, a criação de leis que complementam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9394/96; que instituem a obrigatoriedade do estudo das culturas afro-brasileiras e indígenas no currículo nacional. Em busca de compreender a identidade nacional? O problema é que não houve, na prática, este diálogo entre cultura e identidade, e o ambiente escolar se mantém um espaço de exclusão de identidades, de preconceito e intolerância religiosa.

Educar para o século XXI é tornar o ser responsável por si e pelo outro, valorizar as diferenças e promover a cultura da paz, é saber que “promover o desenvolvimento integral implica possibilitar aos estudantes experiências educativas diversificadas, tendo em vista contemplar, além do desenvolvimento cognitivo, outras dimensões fundamentais do desenvolvimento humano” (Bittencourt, 2019, p. 1767).

A globalização e a ideia de identidades modernas também estão “mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados” (Hall, 2006, p. 9); o que caracteriza uma transformação a nível individual e coletivo da ideia de identidade; este tema, junto a outros como gênero, etnia dentre outros, passam a integrar o currículo oculto nas relações entre os atores da comunidade escolar, devendo ser também ponto de reflexão para o currículo oficial, e tornar-se uma prática de diálogo na rotina escolar.

Esta identidade é também, pensada no currículo a partir do professor, que deve considerar a ideia de protagonismo juvenil, o protagonismo para o século XXI, em que o papel docente ganha novo significadocomo afirma Soares (2019, p. 34):

o protagonismo juvenil vai surgir com a aplicação de uma ação pedagógica que vá ao encontro da sua realidade, o currículo deve ser pensado para uma realidade vivenciada de fato, os docentes devem compreender que isso não os menospreza, pelo contrário, a função do docente ganha outro significado, um significado ainda mais essencial.

Sendo o professor responsável por pensar no currículo a ser desenvolvidos, ou pelo menos deve ser, Soares (2019, p. 43) conclui

Orientado pela BNCC, o professor deve partir das competências gerais desse documento e repensar sobre suas práticas, sendo um facilitador do conhecimento, mas permitindo ao aluno ser o protagonista no processo de aprendizagem, oportunizando pesquisas, contextos e incentivando o discente a buscar suas conclusões baseadas em argumentos e sistemas lógicos.

Partindo do pressuposto de que “o próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático” (Hall, 2006, p. 12); devemos tornar o diálogo sobre o tema mais vivo, é através da prática de ouvir e ser escutado que podemos debater valores sociais e emocionais que vão além do cognitivo, consolidando assim uma formação integral do indivíduo, que seja capaz de conviver em sociedade, baseado na cultura de paz, aceitando as identidades e não apenas tolerando-as.

As identidades assumidas por um sujeito são modificadas, ampliadas e até mesmo trocadas pelas fases de maturidade que o sujeito vai passando em sua vida, coo Hall (2006, p. 13) clareia ao dizer que “o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não sã unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente”; o que suscita a ideia de vencer a educação bancária (Freire, 2021) em busca de uma formação crítica, em que o sujeito observe as possibilidades de mudar de ideia, pois as ciências também se moldam Às necessidades da sociedade, ao menos as ciências humanas e sociais aplicadas; pois a formação de identidade, assim como a cognitiva, é um processo que deve ter bases sólidas, capaz de instrumentalizar o indivíduo para tomar suas decisões de maneira responsável.

Outro ponto a ser observado quanto a identidade é o que se refere a linguagem, que serve como característica, muitas vezes, de segregação. Soares (2023 a, p. 42) diz que “a sociedade brasileira é composta por uma diversidade cultural, linguística, étnica, com isso fica evidente a existência de grupos sociais e, em consequência, numerosas normas linguísticas”. Um currículo para o Brasil deve se preocupar com a diversidade identitária dos vários povos que constituem a nação.

Influências freirianas no currículo ECI

Ao pensar no currículo para uma escola integral, recorro às influências freirianas, cujo pensamento era de que a escola é espaço de diálogo, que o currículo deve considerar o contexto em que o educando se encontra, o currículo é um instrumento social; Moreira (2000, p. 114) afirma que “os currículos pautados nos princípios de Freira deveriam ter como eixo organizador as necessidades e as exigências da vida social, não as disciplinas tradicionais”. Esclarecendo que o currículo deve ser um instrumento próximo à realidade escolar, trabalhando com temas geradores (temas de interesse do educando para o debate mais profundo), Moreira continua argumentando “daí a preocupação em codificar e decodificar temas geradores, trabalhados nas salas de aula por meio do diálogo entre professores e estudantes” (p.114).

O pedagogo Paulo Freire (2021) teceu críticas fortes sobre o ensino tradicional, em que coloca o professor como detentor do conhecimento e o aluno mero aprendiz, o que ele chamou de educação bancária; e elaborou a ideia de uma educação problematizadora, que considerasse o diálogo como construtor de pontes, de caminhos, de currículo. Além do mais, “o currículo não pode ser um conjunto de conteúdos e metodologias a serem depositados em alunos ‘vazios’ desses conteúdos e metodologias” (Scocuglia, 2005, p. 84)

Nesse sentido, o pensamento de Freire (2021) contribui para a reflexão sobre um currículo democrático, envolto ao diálogo, cuja construção “deve ser coletiva e envolver todos os protagonistas do processo educativo” (Scocuglia, 2005, p. 85), marcado pela prática crítico-reflexiva do mundo em que os educandos pertencem; de tal forma que “no momento em que o educador ‘bancário’ vivesse a superação da contradição já não seria ‘bancário’. Já não faria depósitos. Já não tentaria domesticar. Já não prescreveria.” (Freire, 2021, p.86). E é este o currículo que em teoria foi pensado para as escolas do modelo ECI, e desconsiderado ao colocá-lo em prática.

Mudanças (necessárias) curriculares

Conforme já mencionado, o currículo nacional passa por uma releitura no Brasil na última década do século XX, logo após a promulgação da constituição da República, conhecida como constituição cidadã, no ano de 1988; num contexto de muitas lutas sociais; e a educação é colocada como direito de todos e dever do Estado.

A partir da constituição cidadã, outros documentos passam a mencionar a educação como prioridade na sociedade; e, mais, passam a considerar educação como integral (formação humana integral), é o caso do ECA que considera “a educação um direito fundamental da criança e do adolescente e afirma que a garantia da proteção integral, associada às metas de educar e cuidar, como a principal finalidade da educação” (Bittencourt, 2019, pp. 1761-1762). Um primeiro pensamento sobre educação de forma integral e como direito fundamental da sociedade transcrito na legislação brasileira.

Quando falamos em mudanças necessárias para o currículo, afirmamos que essas devem convergirem para as necessidades da sociedade atual, um currículo que converse não apenas com o mercado de trabalho, mas que também converse com o ser humano em sua essência. Em outras palavras, o currículo conteudista não contempla à necessidade da comunidade escolar (visando a sociedade) em seus conhecimentos de mundo. Como afirma Furtado e Carmo (2121, p. 3) “o currículo não é apenas conteudista, mas põe em jogo nas escolas as relações culturais”.

Ao observar o contexto escolar de uma escola cidadã integral e técnica (ECIT) paraibana Soares (2023 b, p. 64) assevera que “Nas escolas do modelo ECIT o currículo considera o protagonismo que vai se materializando no aluno autônomo, solidário e competente”. Este protagonismo deve ser entendido como uma construção, um currículo que desenvolva este protagonismo deve ser desenhado baseado em competências, refletido e plausível de ajustes, sempre que necessário.

Falo de um currículo que seja real ao estudante, em que ele se sinta parte, pois “o currículo torna-se crítico e reflexivo quanto mais pertencer aos principais protagonistas educacionais/escolares” (Scocuglia, 2005, p. 83). Dito de outra forma, o currículo faz sentido quanto está próximo de quem fará, dele, uso.

Não podemos mais considerar o currículo engessado que temos, mesmo com a BNCC vemos um currículo conteudista e que visa apenas o mercado de trabalho, sem considerar o ser humano em formação, devemos aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver, sendo assim o currículo “deve interligar os saberes e inventar outras lógicas de ensino e de aprendizagens” (Furtado e Carmo, 2021, p. 2).

As mudanças no currículo devem ocorrer pela própria dinâmica da sociedade, precisamos, urgentemente, discutir as possibilidades de um currículo que vença as dificuldades já observadas, um currículo real, que considere as nuanças do indivíduo e da sociedade, que repense a avaliação e as metodologias usadas, afinal “a sociedade não é, como os sociólogos pensaram muitas vezes, um todo unificado e bem delimitado, uma totalidade, produzindo-se através de mudanças evolucionárias a partir de si mesma”(Hall, 2006, p.17). Sendo assim, não faz sentido padronizar a educação em sua totalidade, engessar, como as escolas ECI paraibanas, horários para aplicação de avaliações e outras disciplinas, não ouvir o protagonista que será afetado pelas práticas curriculares é torna-lo um indivíduo oprimido e sem esperanças.

A BNCC, assim como o NEM, são tentativas (que carecem mais diálogo e melhorias) de uma mudança curricular para tal devem estarem amalgamadas de “tentativas de implantação de um sistema nacional de avaliação e de alteração dos arranjos pelos quais se firmam e se aperfeiçoam os docentes” (Apple 1994; Gordon 1994; Moreira 1995 citado por Moreira, 20000, p. 110).

Os três eixos norteadores para as mudanças curriculares ocorridas na última década do século XX, permanecem em pauta, pois não conseguimos ainda resolvê-los exaustivamente, que são: “a interdisciplinaridade, a avaliação emancipatória e a educação popular” (Moreira, 2000, p.121). Vejamos que nas ECI paraibanas a interdisciplinaridade é tratada de maneira, ainda, superficial em algumas disciplinas da parte diversificada do currículo, ou quando os professores conseguem concatenar a ideia à alguns eventos; quanto a avaliação permanece tradicional, com testes semanais e padronizados; como sendo uma das notas obrigatórias, por disciplina, nem cada unidade.

A organização disciplinar é importante e, inegável, necessidade; não é uma questão de não trabalhar conteúdos importantes para a compreensão de mundo e formação das ciências estudadas na educação básica, não é retirar as disciplinas, mas pensar formas de agregar mais do que segregar, é adaptar à realidade da comunidade escolar, é avaliar mais do que mensurar e rotular, mudar o currículo não é tarefa fácil, e nem podemos torna-la vulgar; a mudança curricular precisa ser mais dialogada com os pares que dele lança mão para trabalhar.

A mudança não é suprimir conteúdos, ou trocar conteúdos por desejo, é uma discussão dos porquês, devemos pensar em um currículo capaz de auxiliar a “sistematização de conceitos, ideias e princípios, garantindo, por conseguinte, melhores assimilação e retenção de um material que precisa ser aprendido” (Moreira, 2000, p. 128).

No entanto, para Bittencourt (2019, p. 1774) o que temos, com a BNCC, é “um desenho curricular marcado por listagens de objetivos de aprendizagem (as denominadas habilidades) diversificados, bastante delimitados dentro de cada área do conhecimento, de natureza estritamente disciplinar”. E necessitamos superar esta visão, e tornar o espaço das ECI um ambiente mais sociável, de respeito, de enriquecimento sociocultural.

Nas ECI paraibanas, Soares (2023 a, p. 34), pontua que “ainda tem muito que melhorar quando se trata do tradicionalismo, ainda muito forte nos professores e na estrutura curricular das escolas cidadãs integrais e técnicas, e a reflexão sobre o currículo oculto”. Soares (2023 b, p. 100) denuncia que

O currículo real aplicado se afasta do currículo teórico, muitas são as interpretações sobre as disciplinas do chamado currículo diversificado, a disciplina de estudo orientado, por exemplo, é muito ampla e não há um direcionamento único, as disciplinas eletivas se resumem a um programa estruturado que no dia a dia se vai fazendo o que se pode, as práticas experimentais não há um roteiro, não há laboratórios e, os materiais são escassos se tornando, assim, mais aulas teóricas; lembrando que estas disciplinas que acabo de citar são também metodologias de êxito do modelo, sendo as práticas experimentais o desenvolvimento do pensamento científico.

Uma vez definido os conteúdos a serem ministrados, e delineado os objetivos, devemos “definir técnicas de ensino que sejam mais adequadas para a consecução dos objetivos” (Castoldi e Polinarski, 2909, p. 685); para tanto o docente deve ter conhecimento sobre metodologias variadas e escolher a(s) mais apropriada(s) para o desenvolvimento de suas aulas, pautado no desenvolvimento da aprendizagem do educando.

Uma aula torna-se mais atrativa quando usamos recursos pedagógicos mais significativos para os educandos, uma aula mais próxima, digamos, de sua realidade, considerando seu conhecimento prévio e incentivando a adquirir novas habilidades, Castolti e Polinarski (2009, p. 689) afirma que “pode-se considerar que uma aula aliada a recursos didático-pedagógicos torna-se mais motivadora e menos cansativa, quando comparada com a aula expositiva tradicional, normalmente utilizada nas salas de aula do ensino fundamental, médio e até superior”.

Conceito de currículo na legislação brasileira

A ideia de currículo permeia alguns instrumentos legais brasileiros, em especial a LDB e o ECA, assim como todos decretos e resoluções do ministério da educação e dos conselhos educacionais, nacional e paraibano.

A ideia de escola em tempo integral está presente no ECA, como já debatido acima e na LDB que prevê, em seu artigo 34, a ampliação progressiva da jornada escolar (Bittencourt, 2019, p. 1763); que não pode ser resumida à permanência dos estudantes no espaço escolar, conforme tem ocorrido. Esta ampliação deve ser vista como oportunidade para formação artística, cultural, histórico-social, deve ser a oportunidade de desenvolver uma formação integral do ser, que vai além do aspecto cognitivo.

Podemos observar que concepção de educação integral na BNCC “se refere à construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea” (Brasil, 2018, p.14 citado por Bittencourt, 2019, p. 1773).

O artigo 22 da LDB versa que a educação básica “tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Brasil, 2017, p. 17 citado por Soares, 2023 a, p. 17); a pergunta que podemos fazer é “como isto tem acontecido nas ECI?”. Em partes a BNCC já assegura a formação comum, através das competências e habilidades a serem desenvolvidas, na rotina das ECI existem espaços para discutir o exercício da cidadania, de forma discreta ainda, e o mercado de trabalho.

Abordar sobre currículo é analisar os progressos, ou não, do processo ensino e aprendizagem. Para isso devemos pensar sobre a avaliação, Soares (2023 a, p. 20) discorre sobre o fracasso escolar nas escolas do modelo ECI paraibano, afirmando ser “fortemente, considerado como déficit de aprendizagem associado ao discurso de classes, de condições de trabalho, de aspectos psicológicos. A cultura homogeneizadora é muito presente na prática e rotina escolar, fortalecendo os estereótipos e segregações”. Ou seja, o fracasso escolar serve como justificativa para rotular indivíduos, o que denota uma avaliação punitiva, tradicional e que não considera as competências a serem desenvolvidas pelos educandos ao longo do processo.

Para reforçar a ideia de cultura homogeneizadora, Soares (2023 a) continua debatendo sobre conceitos de currículo baseado nas leis e na sua pesquisa nas ECI, e afirma que o “currículo é uma escolha, existe uma intencionalidade em sua organização, não é neutro” (p. 24); Apesar da ideia desse modelo inspirar democracia e protagonismo, parece ainda haver percalços a serem superados, lembrando que o modelo é relativamente novo no estado paraibano, portanto, exige muito estudo e debate sobre o mesmo.

Formação para o professor das ECI

É importante que esta formação seja capaz de inculcar no educador uma nova forma de compreender o currículo e suas implicações para a formação integral dos indivíduos que participam das escolas deste modelo, pois, a “cultura escolar continua fortemente marcada pela lógica da homogeneização e da uniformização das estratégias pedagógicas” (Candau, 2011, p.245 citado por Soares, 2023 a, p. 13).

Infelizmente, o que podemos observar é que não há uma formação inicial para estes profissionais e a formação inicial deixa muito a desejar, passando a ser uma cartilha que exemplifica rotinas pedagógicas, mas que não há um acompanhamento do processo, apenas momentos que a escola recebe o “ciclo de acompanhamento” que observa a parte burocrática, em amostras dos documentos, e os números das metas, faz comentários sobre o visto e a escola deve refazer ou repensar os dados numéricos questionados; não há um acompanhamento do processo do ponto de vista humano, a impressão é de que o que importa são as metas numéricas e não os progressos humanos. Soares (2021, p. 85) pondera que:

O inquietante é observar que a formação, ou mesmo o material teórico sobre o método, é distorcida na rotina escolar; se tornando ainda muito tradicional, inspirando a uma parcela dos discentes e não a totalidade, um currículo pensado como padrão, uma parte diversificada que se resume a mais conteúdos.

Comentários finais

Podemos observar que há necessidade de mudanças no currículo das ECI paraibanas, inclusive fazendo-se valer a lei, como no caso da cultura afro-brasileira e indígena que pouco tem sido feito, ações contra a intimidação sistemática, lei no Brasil, e ignorada no currículo das escolas do modelo, não tendo nenhum indício de que algo deve ser feito nas diretrizes operacionais escolares ou no calendário das instituições.

Deve-se discutir sobre “a seleção e organização do conhecimento escolar; paradigmas curriculares; reprodução e resistência na escola; currículo oculto; relações entre currículo; ideologia e poder” (Moreira, 2000, p. 120). Estes temas têm sido ignorados sempre que os educandos tentam debater com representantes da secretaria de educação estadual, que tenta a todo custo resumir o trabalho docente à um trabalho meramente técnico.

Ao pensar em currículo para escolas integrais devemos ter a compreensão de que o currículo se refere “não só à seleção e ao modo de organização das disciplinas escolares, mas ao conjunto de atividades educativas intencionais” (Bittencourt, 2019, p. 1762). Devendo superar a visão de aula em que o professor é detentor, exclusivo, do conhecimento; é observar a escola como um todo, como um espaço propício de socialização de saberes, de convivência e de formação humana (de todos que a ele pertence); é reconhecer o currículo oculto como existente – muito esquecido no contexto das ECI paraibanas.

Endossamos que o currículo “não se trata de listar conteúdo ou criar fórmulas mágicas para o processo de ensino e aprendizagem, e sim de refletir meios de proporcionar que o currículo seja real, tanto o formal quanto o oculto” (Soares, 2023 a, p. 12); o que conversa com a pedagogia do oprimido (Freire, 2021), no que se refere a construir um currículo democrático, dialogado com os protagonistas, não impondo o que se acredita ser “melhor” para o estudante, mas, trazendo este “melhor” para o mundo do educando.

A avaliação do modelo ECI deve superar as barreiras das avaliações semanais padronizadas, deve permitir que seja analisado o processo, o percurso, sendo currículo um território de poder, é a avaliação que demonstra as desigualdades deste poder. A avaliação da forma que tem sido aplicada, nesses espaços, permanece punitiva e momento em que o docente pode demonstrar seu poder e frustrações diante dos discentes.

Por isso, podemos aferir que “os direitos ao conhecimento defendidos por Freire implicam no direito de poder participar da construção do currículo (escolar ou não) por parte de todos os atores escolares, desde sua elaboração e planejamento” (Scocuglia, 2005, p. 87). O que não existe, primeiro por as escolas replicarem a BNCC, segundo por muitos docentes não quererem ouvir os discentes, nem no planejamento nem na execução do “seu currículo”. Vimos, ainda, muitos docentes com a visão “bancária” do ensino.

Referências

Bittencourt, J. (2019). Educação integral no contexto da BNCC. Revista e-Curriculum, 17(4), 1759-1780.

Castoldi, R. e Polinarski, C. A. (2009). A Utilização de Recursos Didático-Pedagógicos na Motivação da Aprendizagem (pp. 684-692). I Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia.

Freire, P. (2021). Pedagogia do oprimido. Paz & Terra.

Furtado, L. S. e Carmo, E. S. (2021). Os saberes silenciados pelo currículo: a epistemologia e o currículo na educação do campo. Revista Espaço do Currículo, 14(2), 1-8.

Hall, S. (2006). A identidade cultural na pós-modernidade. DP&A.

Moreira, A. F. B. (2000). Propostas Curriculares alternativas: Limites e avanços. Educação & Sociedade (73), 109 – 138.

Scocuglia, A. C. (2005). As Reflexões Curriculares de Paulo Freire. Revista Lusófona de Educação (6), 81 – 92.

Soares, P.C.R. (2019).  Estudo do currículo de matemática do ensino médio: protagonismo juvenil em escolas integrais do Estado da Paraíba. (Monografia não Publicada). Universidade Cruzeiro do Sul.

Soares, P.C.R. (2021). Reflexões sobre a formação docente continuada para professores das escolas cidadãs e integrais da Paraíba. In: I. Dickmann (org.), Mosaico temático, volume 6 (pp. 84-101). Livrologia.

Soares, P. C. R. (2023 a). Leis, Intolerância e Preconceito nas Escolas. Paco Editorial.

Soares, P. C. R. (2023 b). Estudo dos currículos das Escolas Cidadãs Integrais e Técnicas do Estado da Paraíba, Brasil: Prática escolar versus proposta do modelo para o século XXI.  [Dissertação de mestrado não publicada). UNINI.


[1] Mestre em educação pela UNINI (2003), licenciado em Matemática pela UFCG – PB (2007), e em Filosofia pelo centro universitário Ítalo Brasileiro – SP (2021). Professor do quadro permanente da educação básica do Estado da Paraíba. Doutorando em educação, com foco em formação de professores, pela Funiber. Orcid:  0000-0002-2869-1128. e-mail: pcelio85matematica@gmail.com