REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11406389
Gabriela Ferreira Soares da Silva; Gabrielle da Cunha Silva; Mariana Mendes Martins de Souza; Orientadora: Prof. Dra. Mariana Delfino Rodrigues.
Resumo: O aborto espontâneo no primeiro trimestre precisa ser manejado adequadamente objetivando a diminuição do sofrimento materno. Uma discussão relevante na comunidade acadêmica consiste em definir a melhor conduta obstétrica nessas circunstâncias, a ativa ou a expectante. O presente estudo tem por objetivo analisar as condutas propostas para o seguimento do abortamento espontâneo, classificando-as à luz da Medicina Baseada em Evidências e elucidar os riscos da conduta ativa. Trata-se de uma revisão integrativa na qual foram selecionados artigos dos últimos 20 anos, a partir de pesquisa nas bases de dados PubMed, BVSMS e Google Acadêmico, utilizando os descritores “aborto espontâneo”, “manejo” e “primeiro trimestre da gravidez”. Os estudos selecionados foram confrontados com as evidências mais recentes levantadas pela plataforma DynaMed para discussão dos prognósticos obtidos com as diferentes linhas terapêuticas. A conduta expectante é a forma mais fisiológica e menos invasiva das condutas abortivas, porém exige o prolongamento da duração de um processo de luto, tendo resolução em até 4 semanas. Na conduta ativa, a utilização de misoprostol se destaca, sendo um recurso de baixo custo e acessível para áreas remotas, com acesso limitado a intervenções cirúrgicas. A conduta cirúrgica, deve ser empregada para casos específicos, considerando as características individuais da paciente e a presença de complicações associadas. Independentemente da conduta escolhida, um acompanhamento meticuloso por equipe multiprofissional, com acolhimento psicológico e ênfase na participação ativa da paciente em seu plano de tratamento, é de suma importância no seguimento do abortamento.
Palavras-chave: Aborto espontâneo; Intervenção obstétrica; Conduta expectante; Conduta ativa; Medicina baseada em evidências.
Abstract: Miscarriage in the first trimester needs to be managed properly in order to reduce maternal suffering. A relevant discussion to the academic community consists in establishing the best management in these circumstances, active or expectant. The current study’s main goal is to analyze both approaches, discussing each type of management through the perspective of evidence based medicine. Additionally, the research aims to elucidate the risks related to active management and to highlight the importance of psychosocial support after pregnancy loss. This integrative review selected relevant studies from the last 20 years, that resulted from a research on PubMed, BVSMS and Google Scholar databases, using “spontaneous abortion”, “management” and “first trimester pregnancy” as medical subject headings. All selected studies were confronted with the most recent evidence gathered by DynaMed to discuss the outcomes of both therapeutic management options. Expectant management is the most physiological and less invasive type of management, though it demands extending the grief process furthermore, since its resolution only takes place in up to 4 weeks. Regarding active management, the use of misoprostol stands out, being a low cost resource with easy access for remote geographic regions that lack access to surgical interventions. Surgical management, on the other hand, should be applied to specific cases, taking into consideration the patient’s individual needs and associated complications. Regardless of the chosen approach, meticulous monitoring by a multidisciplinary team, psychological support and emphasis on the patient’s active participation in her treatment plan, is of utmost importance in following up the abortion.
Keywords: Spontaneous abortion; Obstetric intervention; Expectant management; Active management; Evidence based medicine.
Introdução: O aborto, definido como a interrupção gestacional com expulsão fetal antes de 20 semanas, acomete cerca de um quarto das mulheres em idade reprodutiva ao longo de suas vidas, sendo a maioria durante o primeiro trimestre de gestação (BURMANN et al., 2016).
Isto posto, é possível inferir que o aborto espontâneo é uma intercorrência obstétrica bastante comum para os profissionais de saúde, sendo de extrema importância que esse grupo obtenha acesso ao conhecimento sobre o manejo adequado dessa condição.
O abortamento pode ser completo, o qual ocorre expulsão fisiológica dos conteúdos da concepção, incompleto ou retido, quando ocorre aprisionamento parcial ou total, respectivamente, desse conteúdo (BURMANN et al., 2016). Desse modo, a conduta profissional para cada situação deve ser analisada conforme a sua indicação visando sempre o melhor para a saúde e bem-estar da mulher, respeitando as suas escolhas.
Nessa perspectiva, algumas condutas são adotadas para o manejo do abortamento espontâneo, sendo elas a conduta expectante, método não invasivo que busca uma resposta fisiológica do organismo monitorada por um profissional, e a conduta ativa na qual o profissional poderá realizar o procedimento por meio de fármacos, por exemplo o misoprostol, ou de forma mecânica cujas principais técnicas utilizadas atualmente, de acordo com SACILOTO (2011), são a aspiração manual intrauterina (AMIU) e a dilatação e curetagem uterina.
Ainda, a conduta profissional pós manejo de perda gestacional é muito importante, sendo imprescindível que o profissional faça as orientações e recomendações necessárias sobre o planejamento reprodutivo, além da atenção relacionada aos cuidados psíquicos, sendo realizado um cuidado integral à saúde da paciente.
O presente trabalho irá realizar uma revisão integrativa com o objetivo de discutir as condutas obstétricas no abortamento espontâneo no primeiro trimestre de gestação à luz da Medicina Baseada em Evidências (MBE). Os objetivos específicos buscam reunir dados e informações sobre as condutas e suas indicações no abortamento espontâneo, verificar os riscos da conduta ativa para a gestante no primeiro trimestre de gestação e explicar a importância do acolhimento integral pós perda gestacional.
O estudo do tema é de extrema relevância para informar ao profissional de saúde e a mulher sobre suas escolhas frente ao abortamento, evitando exposição e riscos desnecessários decorrentes de condutas inadequadas por falta de esclarecimento, bem como sobre a
necessidade do cuidado integral, incluindo a atenção à esfera psíquica durante todo o processo. Assim, espera-se que esse trabalho, por meio de uma reunião de estudos sobre a temática, produza conhecimento científico relevante para fornecer à sociedade, sobretudo aos profissionais de saúde, fomentando o cuidado efetivo integral, e à mulher em situação de abortamento, promovendo autonomia e conhecimento sobre sua a saúde.
Materiais e Métodos:
A metodologia do presente trabalho consiste em uma revisão integrativa da literatura, método que agrupa diversos estudos relevantes publicados anteriormente, com objetivo de identificar aspectos importantes, analisar e resumir informações e resultados destes estudos, realizando uma observação do assunto de forma amplificada para posteriores discussões e conclusões a respeito das intervenções obstétricas no abortamento espontâneo no primeiro trimestre de gestação. O problema base estabelecido para a pesquisa foi a exposição da mulher em situação de perda gestacional a condutas inadequadas por falta de esclarecimento.
Para atender à proposta metodológica, foram seguidas as oito etapas da revisão integrativa, sendo elas: definição do problema, elaboração do tema, formulação dos objetivos, definição do método, coleta de dados, análise crítica dos estudos, discussão de resultados e apresentação da revisão.
Quanto à natureza, trata-se de uma pesquisa qualitativa com caráter explicativo, uma vez que os dados coletados serão observados com a finalidade de entender fenômenos complexos específicos, tais como os tipos de condutas abortivas existentes, qual a melhor indicação para cada tipo de caso de abortamento, evitando ao máximo a exposição da mulher a riscos desnecessários e a importância da assistência do profissional da saúde durante todo esse processo.
Para realização da coleta de dados, as bases de dados PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde (BVSMS) e Google Acadêmico foram utilizadas com a inserção dos descritores “aborto espontâneo”, “manejo” e “primeiro trimestre da gravidez”. A busca no PubMed resultou em 785 artigos, enquanto na BVSMS foram obtidos 45 resultados e 533 no Google Acadêmico, que foram então filtrados por idioma, incluindo inglês e português, e por data de publicação nos últimos 20 anos. A amostra final contou com 216 resultados na plataforma PubMed, 39 resultados obtidos na BVSMS e 119 correspondências no Google Acadêmico.
Como critérios de exclusão foram utilizados resumos, artigos que não estivessem na íntegra, artigos em outros idiomas, documentos publicados fora do período estipulado, estudos duplicados e que não atendessem a temática.
Por fim, 30 artigos foram selecionados para leitura na íntegra, com um acervo final de 25 referências bibliográficas escolhidas para integrar a presente revisão.
Resultados e Discussão:
MÉTODO PASSIVO DO ABORTAMENTO: CONDUTA EXPECTANTE
No abortamento espontâneo há o procedimento de expulsão do concepto antes da sua viabilidade, tendo a interrupção da gestação prematuramente antes das 20 semanas com o material conceptual pesando menos de 500g. O aborto é uma intercorrência obstétrica mais comum do que se imagina em mulheres em idade reprodutiva, uma vez que 25 em cada 100 mulheres terão um abortamento espontâneo ao longo de sua vida. A maioria dos abortamentos acontece durante o primeiro trimestre da gestação e tem como a principal causa – responsável por 80% dos casos – as alterações genéticas, como, por exemplo, a trissomia autossômica. Além disso, fatores como idade materna, diabetes não controlada, síndromes do ovário policístico, tabagismo, alcoolismo e grandes traumas também contribuem para essa intercorrência. Ademais, o abortamento pode ser categorizado como completo, incompleto ou retido. No completo, há a expulsão completa dos produtos da concepção, sendo realizado de forma fisiológica. O incompleto, é quando há uma eliminação parcial do conteúdo fetal, necessitando de uma intervenção ativa para a sua retirada total e o retido é quando há a interrupção da gestação e os produtos conceptuais ficam retidos por mais de 4 semanas (BURMANN et al., 2016).
Assim, por ser uma ocorrência obstétrica tão comum, deve-se ter uma atenção especial para a temática, necessitando de um esclarecimento tanto para os profissionais da saúde que vão realizar o manejo das mulheres em situações de abortamento, quanto para as próprias mulheres que estão passando por esse processo. Além disso, como o aborto é dividido em diferentes categorias, faz-se necessário reconhecer cada uma delas para que a conduta realizada seja a mais adequada para cada caso de perda gestacional, levando em consideração as diferenças básicas entre cada procedimento a ser realizado.
De acordo com Postingher (2018), no Brasil, 15% das gestações tem como fim o aborto espontâneo, sendo a maioria nas primeiras 12 semanas de gestação, ocorrendo de forma involuntária e natural. Nessa perspectiva, torna-se de extrema importância fazer a análise das condutas obstétricas de intervenção ao abortamento para definir qual é a melhor conduta e qual é a menos invasiva para cada tipo de situação de perda gestacional, visando, nesse processo, a atenção humanizada e o aconselhamento médico adequado e esclarecedor, tornando a mulher capaz de decidir qual conduta ela deseja seguir.
A conduta expectante dá-se pelo aguardo da eliminação espontânea do produto gestacional presente no interior do útero após um aborto, sendo a forma mais fisiológica e menos invasiva das condutas abortivas. O acompanhamento deve ser feito até que haja a eliminação completa do concepto gestacional, o que geralmente ocorre em até 4 semanas (ZUGAIB, 2016). Dessa forma, como essa eliminação é imprevisível, faz-se necessário o total esclarecimento à mulher para que o acompanhamento da evolução da conduta expectante seja seguido de forma segura, sem colocar em risco a sua saúde ou submetê-la a procedimentos cirúrgicos sem necessidade, uma vez que a conduta expectante é indicada para o seu caso.
Entretanto, apesar de ser a forma mais fisiológica de conduta para o abortamento quando a mulher está hemodinamicamente estável e sem sinais de infecção, nem sempre o seu resultado é alcançado, e quando isso ocorre, deve-se realizar uma conduta ativa para a retirada do concepto gestacional. Com base nisso, a conduta expectante deve ser aplicada em pacientes que foram orientados sobre se tratar de uma conduta sem interferência médica, porém com evolução imprevisível. Além disso, como o tempo de espera é longo, na maior parte dos casos entre 2 e 4 semanas, requer um preparo psicológico da mulher, pois essa espera pode gerar sentimentos de desconforto, angústia, tristeza e solidão, fazendo com que muitas aceitem a conduta inicialmente, entretanto, devido ao sofrimento psicológico gerado, desistam e se submetam a cirurgias ou condutas medicamentosas para a realização do abortamento (POSTINGHER, 2018).
Destarte, independente da escolha da mulher, sua decisão, entre as opções de seguimento cabíveis para o seu caso, deve ser sempre respeitada e alinhada com o seu médico para um resultado mais eficiente e menos traumático.
MÉTODO ATIVO DO ABORTAMENTO: INTERVENÇÃO FARMACOLÓGICA E CIRÚRGICA
Tendo em vista a incidência do aborto espontâneo no primeiro trimestre gestacional, pode-se destacar entre essas causas, as alterações anatômicas e funcionais do feto, desenvolvimento embrionário incompleto e anomalias genéticas incompatíveis com a vida (RODRIGUES,2021), sendo imprescindível a realização de procedimentos intervencionais, a fim de minimizar o sofrimento materno e resguardar a sua saúde.
Nesse sentido, a conduta ativa pode ser utilizada como manejo para os diversos tipos de abortamento “incompleto, inevitável, retido, infectado, gestação anembrionada, mola hidatiforme e interrupção legal da gestação”, sendo indicada também nos casos de patologias maternas como a pré-eclâmpsia, descolamento prematuro de placenta, rotura anteparto de membranas, placenta prévia, incisões uterinas prévias e risco de isoimunização-Rh (RODRIGUES, 2021; FEITOSA, 2021). Nessa perspectiva, vale mencionar que o método ativo é bastante utilizado nos dias atuais e é indicado geralmente nas perdas gestacionais do segundo trimestre, podendo ser efetuado através de intervenção farmacológica ou mecânica (cirúrgica), a fim de se realizar o esvaziamento uterino ativo de maneira rápida.
Na conduta ativa farmacológica, o manejo clínico mais comum é a utilização do misoprostol, tendo em vista que este se comporta como um uterotônico, ou seja, um fármaco capaz de gerar contração uterina que empurra os produtos gestacionais, sendo um análogo sintético da prostaglandina E1. Além disso, é uma medicação estável à temperatura ambiente, barato e de fácil administração e absorção, tanto via vaginal, quanto via oral (KIM,. et al 2017)
Além disso, um estudo feito por KIM,. et al (2017), evidencia que a utilização de um pré-tratamento com mifepristone, seguido de um tratamento com misoprostol é superior ao uso isolado de misoprostol, resultando em uma taxa significativa de expulsão completa do saco gestacional, diminuindo a necessidade de intervenção cirúrgica, como a aspiração uterina. Entretanto, o mifepristone não está disponível no Brasil, sendo utilizado apenas o misoprostol de maneira isolada (SILVA,. et al 2023 )
Sendo assim, o misoprostol possui ótimas indicações para esse método farmacológico, principalmente para locais de baixo recurso e acesso limitado a procedimentos cirúrgicos. Ademais, outro benefício, é a característica de se assemelhar a respostas fisiológicas, comportando-se, portanto, de maneira menos invasiva e agressiva à mulher. Nesse sentido, como se prioriza medicações menos onerosas no Sistema Único de Saúde (SUS) objetivando uma ampla disponibilidade para atender à demanda, essa medicação apresenta um ótimo custo-benefício.
A partir disso, sobre o tratamento medicamentoso nos abortos de primeiro trimestre, pode-se dizer que os protocolos recentes utilizam a dosagem de 800mcg de misoprostol via vaginal e indicam, quando necessário, a administração de segunda dose após 4 ou 6 horas da primeira. Nesse viés, é importante que a ultrassonografia seja realizada entre o 7º e o 14º dia após a intervenção e nos casos de falha do procedimento, indica-se o tratamento expectante ou cirúrgico (RODRIGUES, 2021).
Nessa perspectiva, é crucial mencionar que a principal vantagem da conduta ativa farmacológica é a ausência de risco anestésico ou cirúrgico. Entretanto, entre suas desvantagens, pode-se citar a necessidade de uso analgésico, tempo maior de sangramento, efeitos gastrintestinais indesejáveis, como náuseas, vômitos e diarreia, incerteza quanto ao tempo de tratamento e risco de intervenção cirúrgica, por conta de ineficácia do procedimento ou complicações emergenciais (KIM,. et al 2017). Desse modo, nota-se que até mesmo abordagens menos invasivas, apesar de determinadas facilidades da técnica, geram riscos de complicações para a paciente, mesmo que de maneira reduzida.
Na conduta Ativa Cirúrgica, existem duas opções de abordagem: a Técnica de Aspiração Manual Intrauterina (AMIU) e a Dilatação e Curetagem Uterina (D & C)(SILVA,. et al 2023 ).
Nesse contexto, no Brasil, têm se preconizado pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia a aspiração a vácuo, que pode ser feita de forma elétrica ou de forma manual. A técnica de Aspiração Manual Intrauterina (AMIU) é a mais utilizada nas últimas três décadas e
consiste no uso de um aspirador portátil e reutilizável, carregado à vácuo, com o intuito de remover o conteúdo uterino através de uma pressão negativa. Assim, a técnica de Aspiração a Vácuo (AMV), tem eficácia reconhecida e apesar de apresentar baixa incidência de complicações, existem riscos de perfuração uterina, infecção e retenção de material gravídico. É imprescindível expor, ainda, que entre os benefícios do AMV está a utilização da anestesia local ao invés da geral, maior aceitabilidade de pacientes e profissionais, menor tempo de permanência no ambiente hospitalar e consequentemente, a redução de custos hospitalares e morbidade materna (ROSAS, 2016).
Ademais, uma outra abordagem cirúrgica é a Dilatação e Curetagem Uterina, que precisa de anestesia geral para ser realizada e é caracterizada por repetidas raspagens na cavidade endometrial, com uso de cânulas e curetas, podendo ser cortantes ou não, a fim de retirar conteúdos ovulares (ZUGAIB, 2016). Esse procedimento é mais invasivo, quando comparado à AMIU, gerando maiores riscos para a paciente como hemorragias e infecções, apresentando assim mais desvantagens do que pontos positivos.
CONDUTA PROFISSIONAL PÓS MANEJO DE PERDA GESTACIONAL
A perda de um familiar, na maioria das vezes, é um acontecimento traumático na vida de muitos indivíduos. Nesse contexto, a perda gestacional pode ser considerada um dos acontecimentos mais frustrantes na vida de uma mulher, e, em muitos casos, para o profissional uma vez que a gestação mal sucedida pode ser vivenciada como um insucesso em seu trabalho repercutindo negativamente na relação médico-paciente (CORREA et al., 2022).
Nessa senda, o profissional deve estar preparado para a conduta após o manejo da perda gestacional, tanto no âmbito da recuperação fisiológica com o fito de se evitar as possíveis complicações e elucidar sobre as indicações de uma nova gravidez, como na realização de um manejo adequado no acolhimento psíquico.
PLANEJAMENTO REPRODUTIVO
Devem ser oferecidos à mulher em situação pós abortamento todo o acolhimento, informações e condutas indicadas, respeitando o desejo da paciente, assim como afirma BORGES, 2016, p.3:
O cuidado integral à saúde da mulher em situação de abortamento deve incluir, além do tratamento de emergência, o acesso universal ao planejamento reprodutivo, inclusive orientações para mulheres que desejam uma nova gestação possam engravidar em condições clínicas apropriadas para o desenvolvimento saudável da gravidez. Isso é possível por meio do fortalecimento das redes de cuidado em todos os níveis de atenção, assim como a capacitação dos trabalhadores para a efetiva implementação dos protocolos já disponíveis.
Nesse contexto, é imprescindível que a mulher tenha ciência de que, apesar da perda recente, ela pode estar suscetível a uma nova gestação no momento em que desejar retornar a sua vida sexual.
Em relação ao manejo realizado pelo profissional, de acordo com a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento do Ministério da Saúde de 2014, deve ser agendado um retorno em 15 dias após o abortamento, além de orientar sobre as possíveis complicações e serviços que podem ser buscados em caso de emergência, realizando imediatamente as recomendações de acordo com as particularidades de cada paciente com o objetivo de evitar um novo aborto. Nesse contexto, a norma supracitada institui que, para as mulheres que desejam ter uma nova gestação, o profissional deve recomendar, nos casos gerais, que a paciente espere três meses para que seu corpo e sua mente estejam mais preparados para uma nova gestação, sendo para isso, indicado o uso de métodos contraceptivos nesse período visto que do ponto de vista restrito à fisiologia, a mulher poderia engravidar no mês posterior à perda e que mulheres que já passaram por um aborto espontâneo possuem risco aumentado para um novo aborto.
Em que pese o Ministério da Saúde recomendar uma espera de três meses para uma nova gestação, alguns estudiosos indicam que a mulher aguarde um período ainda maior, assim como disserta BORGES, 2014, de que “especialistas recomendam que, para que a próxima gestação corra bem, é preciso postergar a ocorrência de uma nova gravidez após o abortamento por, no mínimo, seis meses”.
Nesse caso, tanto durante o período de espera para uma nova gestação quanto nos casos em que a gravidez não é desejada, a mulher deve ser orientada sobre os métodos contraceptivos existentes, sobre a eficácia e seus riscos, além da elucidação sobre a importância da dupla proteção relacionada a gravidez e às infecções sexualmente transmissíveis. Ademais, o profissional deve estar ciente que os serviços devem oferecer os métodos, respeitando o tempo adequado de cada um deles.
Desse modo, o serviço pode oferecer o DIU na alta hospitalar, após o fim do esvaziamento uterino, nos primeiros 15 dias pós perda ou após a menstruação da paciente, em mulheres sem sinais de infecção. No caso dos anticoncepcionais orais e injetáveis, de modo geral, podem ser administrados entre o primeiro e quinto dia do esvaziamento uterino (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
ACOLHIMENTO PSÍQUICO
A assistência à saúde busca cada vez mais o tratamento holístico baseado nos cuidados integrais da saúde do indivíduo. Assim, o profissional de saúde, diante de uma paciente em situação de aborto, deve ter atenção quanto a saúde mental da mulher e estar pronto para oferecer todo o suporte necessário.
É imprescindível que o profissional de saúde tenha ciência de que o aborto espontâneo, por mais não seja um acontecimento incomum no cotidiano da área da saúde, é um evento vivenciado diferentemente por cada mulher e que pode trazer variadas repercussões em sua vida, podendo existir, inclusive, mudanças em sua identidade, culminando em uma sensação de fracasso, de angústia e de final de um sonho (BENUTE et al., 2009).
Nessa senda, para a entender a importância da implicação do aborto na vida da mulher e de toda a família é importante considerar que:
(…) a morte de um filho antes do nascimento ou logo após este rompe com a ordem natural da vida. Como também, interrompe com os sonhos, as esperanças, as expectativas e as esperas existenciais que normalmente são depositadas na criança que está por vir (MUZA, 2010, p.3).
Ainda, as transformações referentes ao nascimento e a morte de membros dentro um núcleo familiar é um processo natural da vida e que gera um sentimento de luto (MUZA, 2010).
Esse processo tem a tendência de trazer muita dor para a família e diante de uma morte impensável, os familiares podem vivenciar um processo de luto mais difícil de absorver. Assim, se para todos os familiares o aborto pode ser de difícil assimilação, para a mulher que está gerando a criança essa situação pode ocasionar grandes consequências em sua vida.
Segundo MARIUTTI, “as mulheres sofrem de Síndrome Pós-aborto, experimentando o “luto incluso”, uma dor que na maioria das vezes é negada mesmo quando uma morte real ocorreu. Por causa desta negação, o luto “não pode praticamente existir”. Com isso, é possível visualizar a necessidade de oferecer apoio e de identificar o sentimento de tristeza reprimido, de modo em que ele pode vir a causar grandes transtornos na vida dessas mulheres.
De acordo com a pesquisa de SOUZA (2017, p.48), em uma pesquisa com 500 mulheres, “mulheres que abortaram tinham 1,5 vezes mais chances de sofrer alguma enfermidade mental e duas ou três vezes mais chances de abusar do álcool e/ou das drogas”, evidenciando a importância da atenção profissional à saúde integral da mulher uma vez que problemas mentais, como depressão, ansiedade e abuso de substâncias implicam diretamente na qualidade de vida do indivíduo e em suas relações sociais, podendo levar a um agravamento como o suicídio.
Ademais, de acordo com o estudo de AQUINO (2012), muitas pacientes relataram o sentimento de angústia e solidão quando perguntadas sobre o amparo profissional recebido, com alguns relatos sobre a vontade de ver o feto cuja oportunidade não lhes foi dada.
Essa descrição mostra o quanto alguns gestos que podem ser simples para o profissional podem repercutir na vida da paciente, uma vez que para a mulher que possuía o desejo de ver o feto, essa atitude poderia favorecer o prosseguimento e aceitação da realidade. Esse impacto da atuação profissional pode ser observada no estudo de AQUINO, 2012, p.112:
Diante da experiência física, emocional e social vivenciada pela mulher que aborta, observa-se pouca demonstração de sensibilidade e solidariedade à paciente no ambiente hospitalar. Predomina o silêncio e o desrespeito ao seu luto, na medida em que não há espaço para a elaboração subjetiva de sua experiência. Quando indagadas sobre o que mudariam na atenção recebida, as mulheres apontam necessidades de mudanças na dinâmica de atendimento e na atitude dos profissionais.
Ainda, dentro das dimensões de apoio social explicitadas por MARIUTTI 2008, p. 188, estão:
O emocional (apoio recebido através da confiança, da disponibilidade em ouvir, compartilhar preocupações/medo e compreender seus problemas), de informação (através de sugestões, bons conselhos, informação e conselhos), afetiva (demonstração de afeto e amor, dar abraço) e de interação positiva (diversão juntos, relaxar, fazer coisas agradáveis e distrair a cabeça).
Desse modo, é evidente como o profissional de saúde pode atuar dentro dessas dimensões de apoio social supracitadas, sobretudo nas esferas emocional, de informação e afetiva por meio de ações singelas.
Outrossim, é possível vislumbrar o quanto a empatia, sensibilidade e atenção do profissional na conduta do aborto é imprescindível para a recuperação integral da saúde da mulher, realizando a prática médica com humanização e sendo capaz de identificar problemas mais ocultos e que podem se tornar potencialmente danosos repercutindo na vida da mulher e de toda a sua família, ao criar um vínculo de confiança médico-paciente por meio da solidariedade, compreensão, diálogo, apoio e esclarecimento capazes de suprir as demandas e sanar as dúvidas da paciente, assim como, vislumbrar preventivamente a necessidade de um encaminhamento para um serviço especializado em saúde mental.
MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS
O manejo do abortamento espontâneo no primeiro trimestre de gestação é uma questão complexa que envolve uma variedade de condutas obstétricas. Nesta revisão integrativa, cada uma das condutas mencionadas foi classificada de acordo com o nível de evidência que a sustenta, utilizando o método da Medicina Baseada em Evidências (MBE) e considerando dados epidemiológicos relevantes. Para isso, foram utilizadas informações disponíveis na base de dados DynaMed, um recurso amplamente reconhecido por sua revisão sistemática da literatura médica, descritos na tabela 1.
Tabela 1 Manejo do abortamento espontâneo no primeiro trimestre de gestação
Conduta | Nível de Evidência | Indicação e Justificativa | |
Expectante | A | É uma conduta frequentemente adotada em casos de abortamento espontâneo no primeiro trimestre, especialmente em gestações sem sinais de complicações. Dados epidemiológicos indicam que, em até 80% dos casos, o aborto espontâneo é resolvido de forma natural, sem intervenção médica específica (Smith et al., 2020). | |
Métodos de Indução do Aborto | B | Dentre os métodos de indução do aborto, o uso de misoprostol tem sido amplamente estudado. Estudos randomizados controlados demonstram que o misoprostol é eficaz em até 90% dos casos de abortamento incompleto, com uma taxa de sucesso ainda significativa em abortamentos completos (Nanda et al., 2012). Evidências epidemiológicas mostram que o misoprostol está associado a menores taxas de complicações, como hemorragias e infecções uterinas, em comparação com outros métodos de indução do aborto (Henderson et al., 2019). | |
Administração Antibióticos | de | B | O uso de antibióticos no manejo do abortamento espontâneo tem sido amplamente estudado, especialmente em casos de abortamento incompleto com sinais de infecção. Estudos clínicos randomizados demonstram que a administração de antibióticos reduz significativamente o risco de infecções pós-abortamento e pode ser especialmente benéfica em populações de alto risco, como mulheres com história de infecções genitais prévias (Kahn et al., 2015). |
Curetagem Uterina | C | A curetagem uterina, embora amplamente utilizada em décadas anteriores, tem sido objeto de debate devido à disponibilidade de métodos menos invasivos. Estudos comparativos sugerem que a curetagem uterina pode aumentar o risco de complicações, como perfuração uterina e retenção de restos ovulares, quando comparada a métodos conservadores, como a abordagem expectante ou o uso de misoprostol (Tang et al., 2013). No entanto, em casos de abortamento incompleto com sinais de infecção ou hemorragia, a curetagem uterina ainda pode ser uma opção válida e eficaz. |
Conclusão: A abordagem do abortamento espontâneo no primeiro trimestre deve ser personalizada, considerando a idade gestacional, sintomas, preferências da paciente e fatores de risco. A partir da análise das evidências disponíveis, é possível classificar as condutas obstétricas no abortamento espontâneo no primeiro trimestre de gestação de acordo com o nível de evidência que as sustenta. A Medicina Baseada em Evidências fornece um guia valioso para a seleção da conduta obstétrica mais apropriada, uma vez baseada em dados científicos robustos.
A conduta expectante e o uso de misoprostol emergem como opções terapêuticas com forte respaldo científico, níveis de evidência A e B, respectivamente, e menor risco de complicações, evitando intervenções invasivas. No entanto, em situações de aborto incompleto ou necessidade de intervenção urgente, os tratamentos medicamentosos e cirúrgicos continuam a desempenhar um papel crucial, oferecendo altas taxas de sucesso e minimizando complicações. Dessa forma, a curetagem uterina e a administração de antibióticos podem ser consideradas em casos selecionados, levando em conta as características individuais da paciente e a presença de complicações associadas.
Independentemente da conduta escolhida, um acompanhamento meticuloso por parte de equipe multiprofissional é de suma importância no seguimento do abortamento. Aconselhamento sobre sinais de alerta, como sangramentos, e em quais ocasiões contatar o médico responsável deve ser adotado. Ainda, o acolhimento psicológico deve ser praticado por todos os profissionais de saúde que acompanham a paciente, de forma que essa seja reassegurada da normalidade de sentimentos conflitantes durante o processo.
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