REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7591730
Renata Bertolini Silva Armelin1
Janaína Ferreira de Lima2
Marcelle Costa Bernardo Teixeira Gomes3
Roberto Bezerra da Silva4
RESUMO
O delirium é um distúrbio de consciência e cognição muito comum em pacientes críticos, estando associado a eventos adversos, aumento do tempo de internação hospitalar e dos custos e aumento da mortalidade. Objetivo: Avaliar as Condutas de Enfermagem na Prevenção do Delirium na Unidade de Terapia Intensiva Adulto frente a Covid-19. Metodologia: Este estudo consiste em uma revisão integrativa da literatura com análise qualitativa. Resultados: As características apresentadas nos quadros de delirium são: a diminuição da atenção e alterações secundárias tais como percepção alterada, déficit de memória, orientação e raciocínio. Dentre os fatores de risco estão inclusos a idade avançada, a privação de sono, imobilidade, desidratação e uso de sedativos. Conclusão: A detecção precoce do delirium pela equipe de enfermagem agrega qualidade nas intervenções e resultados positivos nas práticas assistenciais. O delirium pode ser observado em qualquer paciente com infecção grave, síndrome do desconforto respiratório agudo e naqueles que necessitam de ventilação mecânica invasiva em Unidades de Terapia Intensiva, fato que ficou em evidência nos casos de pacientes com Covid-19.
Palavras-chaves: Delirium, Enfermagem, Unidade de Terapia Intensiva e SARS-CoV-2
INTRODUÇÃO
O ambiente hospitalar de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) muitas vezes também não é muito favorável; infelizmente ficamos desprovidos de ambientes calmos, tranquilos, com iluminação natural. Muitos hospitais ainda não possuem uma Humanização no atendimento, não sendo permitido o acompanhamento familiar desses pacientes, ficando delimitado apenas nos horários de visita, período esses que são curtos; tais situações favorecem os episódios de Delirium. (LIMA e SILVA, 2021; OLIVEIRA, GONÇALVES e SIQUEIRA, 2021).
O Delirium é uma síndrome mental transitória de início súbito, desenvolvida em um curto período (OLIVEIRA, GONÇALVES e SIQUEIRA, 2021); podendo ser caracterizado como uma confusão ou desorientação da consciência (MORENO e FARIA, 2013).
Em seu estudo, Santos et al., (2000 in MOREIRA, 2019) afirma que o delirium está relacionado a baixa oferta de oxigênio e glicose nos tecidos e alteração dos neurotransmissores colinérgico.
Nas Unidades de Terapia Intensiva o índice do delirium varia entre 10 a 90% dos pacientes, tal fato depende da ferramenta diagnóstica e do momento da avaliação, podendo estar associada a maior tempo de ventilação mecânica, de UTI, hospitalar e crescente mortalidade (DANTAS, 2018; BARCELLOS et al., 2020).
Estudos apontam que entre os pacientes acometidos por delirium a maioria é do sexo feminino com idade superior a 65 anos; tal fato pode ser em decorrência de: submissão a dor intensa no pós-operatório, o uso de anestesia geral, alterações metabólicas, insuficiência cognitiva inicial, hipertensão arterial sistêmica ou em uso prolongado de sedativos, comprovando que a pluralidade das doenças pré existentes é um fator desencadeante de delirium (LUNA et al., 2015; BASTIDAS et al., 2018)
Em pacientes idosos submetidos a anestesia e cirurgia, corre o risco de apresentar delirium aumentado, podendo causar declínio funcional (SUSANO, 2018).
Os pacientes acometidos por delirium apresentam piores resultados na evolução, fator esse que consequentemente aumenta o tempo de hospitalização, possibilitando complicações respiratórias e neurológicas (DANTAS, 2018).
O delirium decorre do aumento do tempo de internação e consequentemente, eleva o risco de integridade física do paciente (MOREIRA, 2019), apresentando déficit funcional e cognitivo persistente e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) (CHANQUES, et al., 2014; DELANEY, et al., 2018).
Nos pacientes de UTI os fatores de risco são o uso de benzodiazepínicos (fármacos sedativos utilizados com maior frequência nesse setor); porém pode-se considerar fatores de risco para delirium a pré-existência de demência, idade acima de 65 anos, evento cirúrgico de grande porte, infecções/sepse e drogas (MORI, et al., 2016; CLATT, et al., 2020).
O delirium pode ser apresentado em três formas: hiperativa (agitação e agressividade); hipoativa (redução da capacidade de resposta e nível de consciência rebaixado ou mista que é a mais comum e o mais incidente); e o hipoativo (menos reconhecido por não apresentar sinais comuns de agitação) (LÔBO et al., 2010).
Quando o diagnóstico do delirium não é reconhecido diminui a qualidade dos cuidados prestados, considerando-se uma falha na implementação do cuidado ou no conhecimento por parte da equipe de enfermagem. A identificação precoce de quadro de delirium em pacientes críticos vai além de protocolos a serem seguidos, a assistência prestada deve ser durante todo processo de internação, sendo favorável ao tratamento e recuperação do paciente (MOREIRA, 2019).
Em pacientes com Covid-19 o delirium apresenta-se de forma bastante relevante, podendo ser um sintoma na apresentação e/ou durante o curso da enfermidade; as alterações comportamentais, particularmente a agitação dos pacientes com Covid-19, torna a conduta da equipe de enfermagem bastante desafiadora, incluindo a prestação de cuidados e a redução do risco de infecção cruzada (CAMPOS, 2020). Os pacientes em estado crítico apresentam uma alta porcentagem de delirium (CIPRIANI et al., 2020, ARNOLD, 2020).
O objetivo deste estudo é avaliar as Condutas de Enfermagem na Prevenção do Delirium na Unidade de Terapia Intensiva Adulto frente a Covid-19.
METODOLOGIA
Este estudo consiste em uma revisão integrativa da literatura com análise qualitativa. Sendo realizada através de uma pesquisa bibliográfica descritiva que tem como objetivo agrupar e resumir conhecimento científico, auxiliando dessa forma, na qualificação de prática clínica, utilizando estudos experimentais e não experimentais baseados em um conhecimento empírico e teórico (ALCOFORADO et al., 2014).
Para a realização desta Revisão Integrativa, foi feita a elaboração da questão norteadora da pesquisa; a definição do objetivo específico; a coleta de dados a partir dos critérios de inclusão e exclusão previamente estabelecidos; categorização; avaliação dos estudos incluídos; análise dos resultados e síntese do conhecimento (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010).
A questão norteadora elaborada foi: Qual a conduta da equipe de enfermagem para prevenir o delirium de um paciente uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI)? Foram consultadas as bases de dados nacionais Scientific Eletronic Library Online (SciELO Brasil), Literatura Latino-Americana e do Caribe de Ciências da Saúde (Lilacs) e Biblioteca Virtual em Saúde (Bireme). Para a concretização da busca utilizou-se os descritores: Delirium, Enfermagem, Unidade de Terapia Intensiva e Covid-19.
Foram determinados como critérios de inclusão artigos nacionais e internacionais sobre o tema em estudo e publicados em periódicos indexados no período de 2010 a 2021. Foram excluídos os artigos fora do período determinado para o estudo e os que não se relacionavam ao tema. Após a coleta, foi criado um banco de dados e realizada análise dos resultados encontrados.
Vale frisar que foram utilizadas as recomendações propostas no guia PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis), utilizando seu fluxograma para a organização dos resultados apreendidos, conforme figura 1. (SELÇUK,2019).
Fonte: Autoria Própria
RESULTADOS
Na busca realizada nas bases de dados SciELO Brasil, Bireme, e Lilacs foram localizados 35 artigos. Houve perda significativa de estudos devido não atenderem aos critérios de inclusão, apesar de abordarem a temática “Delíruim”, não se enquadravam no contexto de Terapia Intensiva.
Sendo assim, a amostra foi comporta por 05 estudos que abordam as condutas da equipe de enfermagem frente ao quadro de Delirium em pacientes nas UTI, conforme descritos na tabela 1.
Tabela 1: Abordagem bibliográfica sobre as condutas da equipe de enfermagem em pacientes com Delirium na UTI.
Autor /Ano | Título | Objetivo | Resultados | Conclusão |
OLIVEIRA,GONÇALVES e SILQUEIRA.(2021) | Ações de enfermagem para a prevenção e controle do delirium em pacientes pós-operatório de cirurgia cardíaca: uma revisão integrativa | Analisar as ações de enfermagem no controle e prevenção do delirium em pacientes pós-operatório de cirurgia cardíaca apresentados na literatura. | Identificou-se entre as ações para o controle e prevenção do delirium a visita familiar estruturada, a comunicação, importância de realizar a orientação verbal sobre o tempo e espaço, reconhecer o delirium precocemente e utilizar escalas para o diagnóstico, sendo a CAM-ICU a mais recomendada e de melhor aplicação. | A enfermagem é essencial para realizar ações preventivas e reconhecer o delirium, muitas ações de prevenção são realizadas e, a comunicação e a presença da família é fundamental para se prevenir essa patologia. |
PEREIRA;BARRADAS;SIQUEIRA; MARQUES; BATISTA;GALHARDA; SANTOS(2016) | Delirium no doente crítico: fatores de risco modificáveis pelo enfermeiro | Identificar os fatores de risco modificáveis pelos enfermeiros, associados ao desenvolvimento de Delírium nos doentesinternados numa unidade de cuidados intensivos nível II de um hospital central | Identificou-se variáveis como fatores de risco potencialmente modificáveis pelos enfermeiros, nomeadamente promoçãoda nutrição e hidratação, gestão de dispositivos clínicos, promoção da visita de familiares, favorecimento da utilização de próteses,gestão adequada da medicação prescrita; favorecimento de posicionamentos e oxigenoterapia adequados. | A presença de delírium ainda é subvalorizada pelos enfermeiros. No entanto, estes podem advertir para a implementaçãode medidas que diminuam o delírium. Posto isto, deve-se sistematizar a avaliação do delírium nos doentes internados em unidades decuidados intensivos. |
PINCELLI;WATERS; HUPSEL.(2015) | Ações de enfermagem na prevenção do delirium em pacientes na Unidade de Terapia Intensiva | Identificar, em artigos de periódicos, asações de enfermagem na prevenção do delirium no pacienteadulto crítico internado na Unidade de Terapia Intensiva | As ações de enfermagem para prevençãodo delirium em pacientes internados em UTI foram organizadas nos temas: ambiente; mobilização; higiene do sono;equipamento e dispositivos; família e amigos e controlefisiológico. | A assistência de enfermagem direcionada auxilia no tratamento adequado, previne agravos e reduz complicações. O tratamento mais efetivo do delirium ainda é o preventivo. |
RIBEIRO;NASCIMENTO;LAZARI; JUNG; BOES; BERTONCELO.(2015) | Conhecimento de Enfermeiros sobre Delirium no paciente crítico: discurso do sujeito coletivo | Analisar o conhecimento de enfermeirosde uma unidade de terapia intensiva acerca do delirium no paciente crítico | Verificou-se que os enfermeiros têm dúvidas sobre o delirium, seu manejo em terapia intensiva,utilização de escalas e intervenções de enfermagem. Aponta-se para a necessidade de educação sobre o tema e novos estudos sobremanejo do delirium para a enfermagem. | Todos os profissionais que cuidam de pacientes em ambiente crítico devem ter ciência dos fatores de risco, tanto aqueles relacionados como ambiente (modificáveis), como os relacionadosàs doenças crônicas. Modificar positivamente oambiente de terapia intensiva para que ele se torne menos hostil, humanizando o cuidado, é tarefa que a enfermagem pode fomentar, aliada a um melhor manejo da sedação, conduta esta, a ser discutidaentre os profissionais habilitados para tal. |
SOUZA; SANTOS; DEVEZAS; SOARES.(2019) | Conhecimento do enfermeiro sobre Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Adulto | Avaliar o conhecimento do enfermeiro de Unidade de TerapiaIntensiva sobre Delirium. | A amostra foi composta por dezenove enfermeiros. Diagnosticar oDelirium não é uma tarefa fácil, eventualmente pode ser confundido com outros tipos dealterações mentais como a demência e efeitos da sedação, por isso, são fundamentais o conhecimento prévio da história neurológica do doente. A percepção dos enfermeiros emrelação ao Delirium apresenta lacunas que podem ser preenchidas com a atualização doconhecimento para a identificação precoce e no manejo do paciente com Delirium | Além de ser uma condição de difícil diagnóstico, o Delirium apesar de sua relevância, permanece sub diagnosticado. Para isso deve ser monitorado pelo enfermeiro através da aplicação da escala CAM-ICU como parte da sua rotina de trabalho na UTI, reconhecendo precocemente os sinais e sintomas do Delirium. |
Fonte: Autoria Própria
DISCUSSÃO
A equipe de enfermagem deve conhecer o paciente, realizando uma avaliação física e psíquica, obtendo um diagnóstico preciso para poder realizar um tratamento adequado e a busca de fatores de risco para a prevenção de delirium (PINCELLI; WATERS; HUPSEL, 2015).
A fisiopatologia do delirium ainda não é completamente entendida, porém já foram desenvolvidas escalas de avaliação para o diagnóstico. Entre as escalas avaliativas temos: Confusion Assessment Method for the ICU (CAM-ICU) mundialmente recomendada, utilizada em específico em UTIs para se diagnosticar delirium, adaptada para a triagem de pacientes entubados ou com ventilação mecânica. Tal escala pode ser aplicada por médicos e enfermeiros, sendo uma vez ao dia ou de acordo com a necessidade do paciente (OLIVEIRA; GONÇALVES; SIQUEIRA, 2021); verifica-se nessa escala quatro quesitos: flutuação do estado mental, inatenção, pensamento desorganizado e nível de consciência alterado (PINCELLI; WATERS; HUPSEL, 2015).
Figura 02. CAM-ICU Flowsheet. Extraído do site. https://www.icudelirium.org/medical-professionals/downloads/resource-language-translations
Outra escala é a PREdiction of DELIRium in ICU patients (PRE-DELIRIC), tendo como objetivo o levantamento de quais pacientes estariam mais propensos a desenvolver delirium na UTI; não é muito utilizada em hospitais, porém, se fosse aplicada poderia diminuir os casos de pacientes com delirium, podendo ser aplicada, por médicos e enfermeiros, em pacientes com até 24h de admissão na UTI pelo menos uma vez ao dia (SALLUH; PANDHARIPANDE, 2012; MORI et al., 2016).
Nessa escala leva-se em consideração a idade do paciente, o escore obtido, presença e tipo de coma, grupo diagnóstico (cirúrgico, trauma, neurológico ou médico), o uso e a quantidade de morfina administrada, presença de infecção, se houve admissão urgente, uso de sedativos, nível de ureia e presença de acidose metabólica (PINCELLI; WATERS; HUPSEL, 2015).
A presença de infecção, o uso de sedativos, sinais de hipóxia e presença de acidose metabólica podem alterar os escores da escala, aumentando o risco de Delirium (SOUZA et al., 2019).
O delirium é erroneamente tratado apenas como uma iatrogenia induzida por fármacos. Os pacientes críticos que apresentam sinais e sintomas de delirium geralmente aumentam sua estadia na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), tal fato está relacionado a intercorrências como: auto extubação, remoção de cateteres, alteração cognitiva a longo prazo, mortalidade de seis meses a um ano e aumento dos custos (SALLUH; PANDHARIPANDE, 2012; MORI et al., 2016).
Os fatores de risco de delirium varia de paciente para paciente. Nesse contexto deve-se considerar: a própria doença crítica, administração de certos medicamentos como os sedativos, a utilização de morfina através de cateter peridural, imobilidade, interrupção do sono, idade avançada, entre outros (OLIVEIRA; GONÇALVES; SIQUEIRA, 2021).
Nessa abordagem pontua-se a necessidade da equipe de enfermagem buscar estratégias individualizadas para a prevenção do delirium para cada paciente; identificar esses fatores pode contribuir para a prevenção e dessa forma, reduzir o tempo de internação hospitalar e na UTI (MOREIRA, 2019).
Ações simples da equipe de enfermagem podem auxiliar na prevenção de Delirium. Dentre as intervenções que possam ser realizadas temos: a melhoria do sono, a promoção de um ambiente tranquilo e organizado, a orientação aos pacientes a respeito do lugar, data e hora, o posicionamento adequado garantindo o conforto e a permissão de visitas regulares dos familiares e amigos. A visita regular da família e amigos contribui para a reorientação tempo-espacial do paciente na UTI, fornecendo suporte cognitivo e emocional (SOUZA et al., 2019)
O delirium tem estado presente em muitos pacientes acometidos pela Covid-19. O novo coronavírus, SARS-CoV-2-causing Coronavirus Disease 19 (COVID-19), surgiu como uma ameaça à saúde pública em dezembro de 2019 e foi declarado uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020 (KOTFIS et al., 2020).
Muitos pacientes hospitalizados com COVID-19 desenvolveram delirium e, dados os primeiros insights sobre a patobiologia desse vírus, indicando invasão no tronco cerebral, bem como as intervenções emergentes utilizadas para tratar esses pacientes críticos, a prevenção e o gerenciamento do delirium podem ser extremamente desafiadores, especialmente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (CAMPOS, 2020).
Além da neurobiologia do COVID-19 e dos fatores deliriogênicos típicos onipresentes na UTI, essa pandemia criou circunstâncias de extremo isolamento e distanciamento do contato humano sempre que possível, incluindo entes queridos, além da incapacidade de deambular livremente, o que essencialmente cria um “fábrica de delírio” que deve ser explicitamente abordada para maximizar a dignidade humana e o respeito durante o atendimento (ARNOLD, 2020).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o delirium pode ser um sintoma de apresentação da COVID-19, mesmo antes da febre e da tosse. Nos pacientes com Covid-19 que apresentavam morbidades o aparecimento de um estado confuso agudo com maior evidência. Em nota, pesquisadores chineses, apontam a prevalência de tais morbidades em pacientes com delirium: hipertensão (16,9%), outras doenças cardiovasculares (53,7%) doenças cerebrovasculares (1,9%), diabetes (8,2%), infecções por hepatite B (1,8%), doença pulmonar obstrutiva crônica (1,5%), doenças renais crônicas (1,3%), malignidade (11,1%) e imunodeficiência (0,2%). Os pacientes graves, que necessitam de UTI, apresentam maior risco de desenvolver delirium, fato que pode ser agravado pela necessidade frequente de altas doses de sedação para suprimir a tosse grave com COVID-19 (CIPRIANI et al., 2020).
Nos pacientes com COVID-19, o delirium pode ser uma manifestação de invasão direta do sistema nervoso central (SNC), indução de mediadores inflamatórios do SNC, um efeito secundário de falência de outros órgãos, um efeito de estratégias sedativas, tempo prolongado de ventilação mecânica ou fatores ambientais, incluindo o isolamento social. Com base na experiência com outros vírus intimamente relacionados da família coronaviridae, a invasão direta do SNC parece ocorrer raramente e tardiamente no curso da doença, mas pode estar associada a convulsões, deficiências na consciência ou sinais de aumento da pressão intracraniana (ARNOLD, 2020)
Conforme resultado obtido através da revisão da literatura, foi observado que vários fatores contribuem para quadros de delirium e em diversas situações. Através de experiência prática, foi observado também diante dessa pandemia pacientes admitidos em uma Unidade de Internação Intensiva – UTI COVID da Santa Casa de Misericórdia de Mogi Mirim – SP, no período de Julho de 2020 até Agosto de 2021, conforme tabela 2. (BRASIL, 2023).
Fonte: Ministério da Saúde- Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
Analisando o quadro desses pacientes pontuou-se que para os pacientes permanecerem sedados, era necessário a aplicação de altas doses de infusão de sedativos, juntamente com bloqueadores musculares para conseguir o efeito desejado da sedação. No desmame do sedativo muitos pacientes apresentavam delirium e confusão mental, além de outros problemas relacionados ao tempo de sedação.
Mediante os conceitos abordados nessa pesquisa pode-se contextualizar que a relação entre os pacientes críticos com Covid-19 e o delirium é devido ao processo de uso de sedativos, ventilação mecânica e procedimentos invasivos. Conforme estudos de Pereira et al., (2016) os pacientes submetidos a punções de cateter venoso central, linha arterial e outros dispositivos invasivos apresentaram maiores índices de delirium, quanto mais invasivo maior o risco de evoluir com quadro de delirium.
Quanto ao uso de ventilação mecânica Mesa et al. (2017) e Brown et al. (2015), pontuam que 80% dos pacientes em uso de ventilação mecânica, entubados por um período de 3 a 6 dias, desenvolvem episódios de delirium.
Para prevenir o delirium é fundamental manter o paciente hidratado, garantindo comunicação e orientação eficazes, garantindo uma iluminação e tratamento adequados; caso ocorra o delirium o tratamento deve abordar todas as causas evidentes, fornecendo cuidados de suporte, prevenindo complicações e tratando sintomas comportamentais (CIPRIANI, 2019).
Campos (2020) pontua em suas pesquisas a necessidade de manter os cuidados gerais em pacientes com Covid-19, prevenindo e identificando precocemente os indícios de delirium. Por ser de fácil transmissão da Covid-19, o risco de danos a outras pessoas pode exceder o risco de danos ao indivíduo, exigindo o uso de tratamentos farmacológicos para comportamentos potencialmente de risco.
O tratamento em pacientes com Covid-19 deve começar com a avaliação padrão das vias aéreas, respiração e circulação, evitando sempre que possível a sedação. O uso de neurolépticos só deve ser considerado se a pessoa estiver sofrendo de alucinações / delírios angustiantes graves, caso o paciente esteja muito agitado ou em risco imediato de causar danos a si próprio ou a outros. O tratamento começa com baixa dose de lorazepam ou midazolam ou haloperidol (CIPRIANI, 2019).
As pesquisas sobre a prevalência de delirium entre pacientes com coronavírus ainda é limitada; porém, alguns médicos acreditam que as pessoas hospitalizadas com COVID-19 podem ser mais suscetíveis à doença devido a vários fatores, entre eles: a maneira como o vírus afeta o cérebro e os medicamentos prescritos aos pacientes com coronavírus, bem como as medidas preventivas que os hospitais instituíram para retardar a propagação do vírus (ARNOLD, 2020).
Estudos têm apontado que o coronavírus não limita-se apenas ao trato respiratório, ele invade frequentemente o sistema nervoso central; os dados indicam que morbidades sistêmicas graves, incluindo doença neurológica aguda, estão associadas a nova infecção viral pelo Covid-19 (CIPRIANI, 2020).
A pesquisa de Arnold (2020) aponta o depoimento de alguns pacientes que tiverem episódios de delirium durante a contaminação pela Covid-19; pacientes afirmam que são momentos angustiantes, relatam que estavam sendo torturados e conduzidos a morte.
Pode-se salientar que qualquer coisa que interrompa a função cerebral normal pode causar delirium. Segundo Anna Dickerman (psiquiatra da Weill Cornell Medicine), “estamos aprendendo rapidamente que o coronavírus tem impacto em múltiplos órgãos, e lesões em órgãos importantes como pulmão e coração podem levar à oxigenação cerebral inadequada”. Dickerman também aponta para a resposta inflamatória do corpo ao vírus – conhecida como “tempestade de citocinas” – que pode danificar o sistema nervoso e, portanto, aumentar a probabilidade de desenvolvimento de delirium (ARNOLD, 2020).
Tais sintomas podem exigir tratamento neurointensivista especializado. As respostas imunológicas ao coronaviridae parecem ser mediadas pela ativação aguda das células T citolíticas. Esta resposta pode, se desregulada, causar uma encefalopatia autoimune. Os efeitos secundários incluem hipóxia cerebral ou desregulação metabólica em associação com falência de sistemas pulmonares ou de outros órgãos, como pode ser visto em vários outros tipos de delirium (KOTFIS et al., 2020).
CONCLUSÃO
O delirium é uma manifestação aguda comum de disfunção cerebral, sendo presente na maioria dos pacientes criticamente enfermos na UTI. O delirium é passível de prevenção, dessa maneira deveria ser evitado. A adesão total às medidas no processo de cuidado e as tendências na prevalência do delirium deveriam ser introduzidos e utilizados como um indicador de qualidade em UTI.
Pode-se concluir que os fatores ambientais e iatrogênicos, como ventilação mecânica prolongada, sedativos (especialmente benzodiazepínicos) e imobilidade, contribuem fortemente para o risco de delirium na UTI e podem contribuir para seu desenvolvimento no contexto de infecção aguda por COVID-19.
Atuais pesquisas têm apontado o delirium com frequência em pacientes acometidos criticamente pela Covid-19, devido às necessidades de isolamento extremo, uso de ventilação mecânica e de sedativos.
A equipe de enfermagem deve conhecer a descrição médica do paciente internado na UTI para poder realizar a escala de avaliação dos sintomas de delirium, garantindo o atendimento eficaz e oferecendo as condições necessárias de tratamento, evitando futuras complicações; o delirium é uma disfunção que pode ser prevenida, principalmente com intervenções não farmacológicas, traçadas pelo enfermeiro juntamente com a equipe multidisciplinar, impactando na melhora clínica e na qualidade de vida do paciente após a internação na UTI.
A equipe de enfermagem da UTI tem um papel muito importante, pois está nas suas mãos à promoção de um cuidado diário, ininterrupto, e este deve ser seguro, minimizando riscos de agravos ao paciente.
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1Enfermeira. Mestre em Terapia Intensiva. Coordenadora do Curso Técnico de Enfermagem na ETEC Pedro Ferreira Alves.
2Enfermeira. Mestre em Terapia Intensiva. Docente no Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal e ETEC Pedro Ferreira Alves.
3Enfermeira. Mestre em Terapia Intensiva. Coordenadora do Curso Técnico de Enfermagem na ETEC Pedro Ferreira Alves.
4Enfermeiro. Doutor em Terapia Intensiva pela Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva.