CONCESSÃO PÚBLICA: O FUNCIONAMENTO DE UMA ESCOLA GRATUITA E DEMOCRÁTICA SOB QUAL PONTO DE VISTA?

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10854448


Maria Sandra Marques Veras1
Dayvison Bandeira de Moura2


RESUMO – O debate sobre a concessão pública para o funcionamento de escolas abrange uma ampla gama de aspectos, desde modelos internacionais até questões específicas da experiência brasileira. Os modelos internacionais, como as “charter schools” nos EUA e as “academies” no Reino Unido, demonstram tanto potencialidades quanto desafios, principalmente no que tange a eficiência e qualidade educacional. No Brasil, as concessões estão inseridas em um contexto de desigualdades e buscam equilibrar eficiência gerencial com a missão educacional pública. A qualidade da educação em escolas concedidas é uma preocupação central, levantando questões sobre desempenho acadêmico, satisfação dos envolvidos e condições de ensino-aprendizagem. Em relação à governança, regulação e accountability, esses fatores são fundamentais para assegurar que as escolas atendam a critérios educacionais e sociais, mantendo transparência e responsabilidade. Por fim, os aspectos econômicos revelam a complexa interação entre eficiência e equidade, exigindo um equilíbrio cuidadoso para garantir que melhorias na gestão não comprometam o acesso e a qualidade da educação para todos. Portanto, as concessões no setor educacional apresentam tanto oportunidades quanto desafios significativos, exigindo uma abordagem cuidadosa que priorize a educação de qualidade, equidade e inclusão.

PALAVRAS-CHAVE: Concessão Educacional, Qualidade de Ensino, Governança e Accountability.

introdução

A concessão pública para o funcionamento de escolas insere-se em um contexto mais amplo, que envolve a gestão de serviços públicos pelo Estado e a participação do setor privado nesse modelo de gestão. Esse tema tem sido objeto de extensas discussões e estudos acadêmicos, visto que tangencia questões fundamentais sobre a qualidade da educação, a eficiência na gestão de recursos, a equidade no acesso aos serviços educacionais e o papel do Estado e do setor privado na provisão de serviços públicos.

A concessão pública, conforme definida por Arretche (2000) em sua obra “Estado federativo e políticas sociais”, é um instrumento pelo qual o Estado transfere a execução de um serviço público para a iniciativa privada, mantendo a responsabilidade sobre a regulação e controle desse serviço. Neste contexto, a concessão de escolas ao setor privado é uma política que tem sido adotada em diversos países, sob diferentes modelos e com variados resultados.

No Brasil, a discussão sobre concessões na educação ganha contornos específicos, dada a configuração do sistema educacional e as demandas por qualidade e universalização do ensino. Segundo Oliveira e Santana (2019), em seu estudo sobre políticas educacionais, a concessão de escolas no Brasil deve ser analisada considerando o quadro de desigualdades educacionais e a necessidade de garantir educação de qualidade para todos.

Historicamente, a concessão de serviços públicos no Brasil, e em particular na educação, tem sido influenciada por uma série de fatores, incluindo mudanças no papel do Estado, pressões por maior eficiência na gestão pública, e debates sobre a melhor forma de assegurar o direito à educação. Mello (2003), na obra “Gestão pública no Brasil contemporâneo”, discute como as reformas gerenciais e a busca por eficiência tem moldado as políticas de concessão no país.

No cenário internacional, experiências com a concessão de escolas apresentam uma diversidade de modelos e resultados. Em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, as chamadas “charter schools” e “academies” representam formas de concessão educacional que têm gerado debates intensos sobre eficácia, equidade e accountability. Hanushek e Lindseth (2009), no livro “Schoolhouses, Courthouses, and Statehouses”, analisam criticamente estas experiências, destacando tanto os avanços quanto os desafios enfrentados.

Outra perspectiva relevante é a da qualidade educacional em escolas concedidas. Estudos como o de Ravitch (2010) em “A vida e a morte da grande escola pública americana” questionam se a concessão para o setor privado resulta efetivamente em melhorias na qualidade da educação. Este debate é central, pois toca no coração do objetivo maior da educação: formar cidadãos capazes e críticos.

Adicionalmente, a concessão de escolas envolve questões de governança e accountability. Conforme Saviani (2007) argumenta em “Da nova LDB ao novo Plano Nacional de Educação”, é fundamental que haja mecanismos claros de regulação, avaliação e controle social sobre as escolas concedidas, para assegurar que atendam aos objetivos educacionais públicos.

A análise econômica também tem um papel crucial neste debate. Autores como Hanushek (2005), em “The Economics of Schooling”, discutem como a eficiência econômica pode ser alcançada através de modelos de concessão, ponderando, no entanto, que a eficiência não deve sobrepor-se às metas de equidade e qualidade.

A concessão pública para o funcionamento de escolas é uma temática complexa, que envolve múltiplas dimensões – políticas, econômicas, sociais e educacionais. O desafio reside em equilibrar a eficiência e a inovação que o setor privado pode trazer com a necessidade de garantir educação de qualidade, equitativa e acessível a todos.

1   desenvolvimento

Modelos Internacionais de Concessão de Escolas e Seus Impactos

No contexto internacional, diversos modelos de concessão de escolas têm sido implementados, cada um refletindo peculiaridades políticas, econômicas e sociais de seus países. Esses modelos variam significativamente em termos de estrutura, governança e resultados, proporcionando um rico panorama para análise.

Nos Estados Unidos, as “charter schools” representam um modelo significativo de concessão no setor educacional. Essas escolas, que são públicas, mas operadas por entidades privadas, têm a liberdade de inovar em métodos de ensino e gestão, sob a condição de atingirem resultados educacionais específicos. Hoxby (2009), em seu estudo sobre “charter schools” em Nova York, demonstra que essas escolas muitas vezes superam as escolas públicas tradicionais em termos de desempenho acadêmico. No entanto, como Hanushek e Lindseth (2009) observam, a variabilidade nos resultados dessas escolas é significativa, sugerindo que a simples transferência de gestão para o setor privado não é uma garantia de sucesso.

No Reino Unido, as “academies” são um exemplo de escolas concedidas que operam fora do controle direto das autoridades locais de educação. Estas escolas, como discutido por Eyles e Machin (2015), têm maior autonomia em relação ao currículo, finanças e operações internas. Os resultados dessas “academies”, conforme Walford (2014) aponta, têm sido mistos, com algumas demonstrando melhorias significativas na performance dos alunos, enquanto outras não mostram diferenças significativas em relação às escolas públicas tradicionais.

Na Suécia, o sistema de “friskolor” (escolas independentes) é outro exemplo notável. Essas escolas são financiadas pelo governo, mas geridas por atores privados, incluindo organizações sem fins lucrativos e empresas. Böhlmark e Lindahl (2015) mostram que, embora essas escolas tenham contribuído para um aumento na escolha dos pais e na competição, os impactos no desempenho acadêmico geral são ambíguos.

Em países em desenvolvimento, como a Índia e países da África Subsaariana, as concessões escolares também têm sido exploradas como uma forma de expandir o acesso à educação. Tooley e Dixon (2005), ao estudar escolas de baixo custo na Índia, apontam que estas podem atender às necessidades de famílias pobres, oferecendo educação de relativa qualidade a custos acessíveis. No entanto, esses modelos enfrentam críticas relacionadas à qualidade do ensino e à falta de regulamentação adequada, como discutido por Srivastava (2013).

Essas experiências internacionais indicam que, enquanto a concessão de escolas pode trazer inovação e melhorias em alguns contextos, os desafios relacionados à garantia de qualidade, equidade e accountability[3] são substanciais. Além disso, como Ravitch (2010) salienta, a eficácia das escolas concedidas deve ser avaliada não apenas em termos de desempenho acadêmico, mas também em sua capacidade de atender a uma população estudantil diversa e promover a equidade educacional.

A Experiência Brasileira com Concessões no Setor Educacional

A experiência brasileira com concessões no setor educacional apresenta características próprias, refletindo a singularidade do contexto social, econômico e político do país. As iniciativas de concessão em educação no Brasil, estão inseridas em um quadro mais amplo de reformas do Estado e busca por maior eficiência na gestão pública, o que tem gerado intensos debates e análises críticas.

A lógica das concessões no Brasil, conforme observado por Arretche (2000), emerge de um contexto onde o Estado busca parcerias com o setor privado para melhorar a oferta de serviços públicos, incluindo a educação. Essa tendência é parte de um movimento mais amplo de reforma administrativa e gerencial, como discutido por Mello (2003) em sua análise sobre a gestão pública no Brasil contemporâneo.

Nesse cenário, um dos modelos mais discutidos é o das Parcerias Público-Privadas (PPPs) na educação, que têm sido implementadas em diversos estados e municípios brasileiros. As PPPs em educação no Brasil, geralmente envolvem a construção e manutenção de infraestrutura escolar com a gestão pedagógica, permanecendo sob responsabilidade do poder público. Oliveira e Santana (2019) destacam que, embora essas parcerias possam trazer melhorias na infraestrutura, há preocupações quanto à qualidade do ensino e à accountability: responsabilidade.

Um exemplo emblemático é o caso do estado de Goiás, onde o governo implementou um modelo de concessão de escolas para organizações sociais. Como discutido por Souza e Almeida (2017) em seu estudo sobre o modelo de gestão compartilhada em Goiás, embora haja indicações de melhorias na gestão escolar e na infraestrutura, surgem questionamentos sobre a participação da comunidade escolar nas decisões e sobre a transparência dos processos.

Em termos de resultados educacionais, os estudos são ainda incipientes e apresentam resultados diversos e marcados por antagonismos. A pesquisa de Barbosa e Moura (2020) sobre o impacto das PPPs na qualidade da educação em Minas Gerais sugere que, enquanto houve avanços em aspectos infraestruturais, não é possível afirmar categoricamente que houve melhorias significativas no desempenho dos alunos.

Além disso, a questão da equidade é central no debate sobre concessões educacionais no Brasil. Saviani (2007) argumenta que, em um país com profundas desigualdades sociais e educacionais, é crucial que qualquer modelo de concessão contemple estratégias para assegurar o “acesso equitativo à educação de qualidade[4]”. Isso envolve não apenas a disponibilidade de infraestrutura, mas também a garantia de práticas pedagógicas inclusivas e adaptadas à realidade dos alunos.

A governança e a regulação dessas parcerias também são pontos críticos. Conforme apontado por Fernandes e Gremaud (2018) em sua análise sobre PPPs no Brasil, a falta de mecanismos claros de regulação e fiscalização pode comprometer os objetivos das concessões, especialmente em um contexto onde a corrupção e a falta de transparência são desafios constantes.

A experiência brasileira com concessões no setor educacional é complexa e multifacetada. Enquanto há potencial para melhorias na gestão e infraestrutura das escolas, persistem desafios significativos relacionados à qualidade do ensino, equidade, governança e accountability. Estes desafios exigem um olhar crítico e atento por parte de formuladores de políticas, gestores educacionais e a sociedade em geral.

Qualidade Educacional e Resultados em Escolas sob Concessão

A questão da qualidade educacional e dos resultados em escolas sob concessão é de suma importância e tem sido objeto de intensos debates e estudos. Neste contexto, é imprescindível considerar as variáveis[5] que influenciam a qualidade da educação e como as concessões podem impactar esses fatores.

Uma das principais preocupações relacionadas à concessão de escolas é se este modelo pode efetivamente melhorar a qualidade da educação oferecida. Como discutido por Hanushek e Lindseth (2009) em seu estudo sobre reformas educacionais, a eficácia das escolas concedidas precisa ser avaliada em uma variedade de dimensões, incluindo desempenho acadêmico dos alunos, satisfação dos pais e professores, e a qualidade do ambiente de aprendizagem.

Um aspecto crucial é a forma como a gestão escolar é conduzida nas escolas concedidas. Estudos como o de Moura (2018) indicam que a autonomia gerencial pode levar a uma gestão mais eficiente e inovadora, mas também ressalta a necessidade de mecanismos de accountability e supervisão eficazes para garantir que os objetivos educacionais sejam alcançados.

A avaliação do desempenho dos alunos é outra dimensão vital. Em algumas jurisdições, como apontado por Wößmann (2016) em seu estudo sobre sistemas educacionais internacionais, escolas concedidas demonstraram melhorias nos resultados dos testes padronizados. No entanto, como salienta Ravitch (2010), é importante considerar que os testes padronizados podem não capturar todos os aspectos do desenvolvimento educacional e pessoal dos alunos.

Além disso, a equidade no acesso à educação de qualidade é uma preocupação central. Em países com grandes disparidades socioeconômicas, como o Brasil, as concessões podem potencialmente agravar as desigualdades educacionais, caso não sejam adequadamente reguladas e acompanhadas de políticas de inclusão, conforme destacado por Saviani (2007) em sua análise crítica das políticas educacionais brasileiras.

Outra questão relevante é a satisfação e a motivação dos professores em escolas concedidas. Conforme argumenta Hargreaves (2012) em seu estudo sobre profissionalismo docente, a autonomia e o suporte profissional são fatores essenciais para a motivação dos professores, o que, por sua vez, impacta diretamente na qualidade da educação.

Por fim, a pesquisa em educação tem enfatizado a importância do envolvimento da comunidade e dos pais no processo educativo. Neste sentido, estudos como o de Epstein (2011) demonstram que escolas com alta participação da comunidade tendem a apresentar melhores resultados educacionais. Portanto, as escolas concedidas devem buscar formas de envolver efetivamente pais e comunidades locais para assegurar um ambiente educacional rico e inclusivo.

A análise da qualidade educacional e dos resultados em escolas concedidas exige uma abordagem holística, considerando múltiplas dimensões e stakeholders[6]. É crucial que as políticas e práticas sejam fundamentadas em evidências sólidas e que priorizem a melhoria contínua da qualidade da educação, sempre com um olhar atento para as questões de equidade e inclusão.

Governança, Regulação e Accountability em Escolas Concedidas

A governança, regulação e accountability em escolas concedidas constituem pilares fundamentais para o sucesso e a legitimidade desses modelos de gestão educacional. A forma como esses aspectos são abordados e implementados tem implicações diretas na eficácia e na equidade dos serviços educacionais prestados.

Em termos de governança, é crucial que haja um equilíbrio entre a autonomia das escolas concedidas e o controle exercido pelo poder público. Como argumenta Ball[7] (2012) em sua análise sobre políticas educacionais e reformas escolares, a autonomia deve ser acompanhada de uma governança robusta e transparente para evitar desvios e assegurar que os objetivos educacionais sejam cumpridos. Isso inclui a definição clara de metas, a implementação de sistemas eficazes de monitoramento e avaliação, e a garantia de que as escolas concedidas estejam alinhadas com as políticas educacionais mais amplas.

No que se refere à regulação, a experiência internacional mostra que um marco regulatório forte e bem definido é essencial. Saltsman (2017), em sua pesquisa sobre escolas charter[8] nos EUA, destaca que uma regulação eficaz é necessária para assegurar a qualidade das escolas, proteger os direitos dos estudantes e garantir a responsabilidade fiscal. No contexto brasileiro, a necessidade de regulamentação adequada é igualmente crítica, como discutido por Araújo (2018), que analisa os desafios regulatórios nas parcerias público-privadas em educação.

A accountability, ou responsabilização, é outro elemento chave. Ela se refere à responsabilidade das escolas concedidas em relação a uma série de stakeholders, incluindo alunos, pais, o governo e a sociedade em geral. Hargreaves e Fullan (2012) enfatizam a importância da accountability – responsabilização – colaborativa, que envolve não apenas a prestação de contas baseada em resultados, mas também uma responsabilidade compartilhada pelo sucesso educacional. No Brasil, conforme apontado por Freitas (2016) em seu estudo sobre avaliação educacional, a accountability tem sido frequentemente reduzida a uma questão de desempenho em avaliações padronizadas, o que pode ser uma visão limitada e insuficiente.

Além disso, a transparência é um aspecto crítico da governança e da accountability. Como observado por Berkman (2019) em seu trabalho sobre políticas educacionais, a transparência nas operações das escolas, na alocação de recursos e nos resultados educacionais é fundamental para construir confiança e assegurar a legitimidade das escolas concedidas. No Brasil, a necessidade de maior transparência nas PPPs educacionais é um tema recorrente na literatura, como apontado por Soares e Mello (2020).

Por fim, é importante considerar o papel dos diferentes atores envolvidos nas escolas concedidas. O envolvimento dos professores, pais e comunidade local é crucial para garantir que as escolas atendam às necessidades e expectativas dos alunos. Como discutido por Epstein (2011), a parceria entre escolas, famílias e comunidades pode enriquecer a experiência educacional e fortalecer a governança e a accountability.

A governança, regulação e accountability em escolas concedidas são aspectos interdependentes que requerem uma abordagem cuidadosa e integrada. Uma governança eficaz, uma regulação robusta e uma accountability transparente e colaborativa são essenciais para assegurar que as escolas concedidas ofereçam uma educação de qualidade, equitativa e alinhada às necessidades e objetivos da sociedade.

Aspectos Econômicos das Concessões Educacionais: Eficiência Versus Equidade

Os aspectos econômicos das concessões educacionais, especialmente a tensão entre eficiência e equidade, constituem um tema central no debate sobre a gestão da educação pública. Neste contexto, o desafio é equilibrar a busca por eficiência operacional, muitas vezes associada ao setor privado, com a missão fundamental da educação pública de promover a equidade e o acesso universal.

A eficiência, no âmbito das concessões educacionais, refere-se à otimização dos recursos disponíveis para maximizar os resultados educacionais. Como Hanushek e Lindseth (2009) argumentam, a eficiência é uma preocupação crítica, especialmente em contextos de recursos limitados. Eles ressaltam que a eficiência não deve ser vista apenas em termos de custo, mas também em relação à eficácia com que os recursos são utilizados para melhorar os resultados educacionais. No entanto, como esses autores apontam, alcançar eficiência não é uma tarefa simples e requer uma cuidadosa consideração das variáveis envolvidas.

Por outro lado, a equidade é fundamental para garantir que todos os alunos, independentemente de sua origem socioeconômica, tenham acesso a uma educação de qualidade. Saviani (2007) destaca que a educação, enquanto direito social, deve ser provida de maneira equitativa, garantindo igualdade de oportunidades educacionais. Ele adverte que a busca excessiva pela eficiência, especialmente quando conduzida sob uma lógica de mercado, pode comprometer a equidade ao privilegiar grupos mais favorecidos em detrimento dos mais vulneráveis.

O que poderia manifestar uma elitização da garantia de acesso e permanência em escolas como modelos mais privilegiados a parâmetros, que em parte não se coadunam com as necessidades das classes, que têm sido estratificadas socio e economicamente. Seguramente esse quadro tem fortes relações com a qualidade dos processos formativos em níveis de criticidade e educação intelectual. O que promove a existência de dois modelos de educação uma para controlar e a outra para o controle e manutenção de panoramas desiguais, que sendo assim recebem reforço ainda que não explícito.

Afinal, é difícil ser constatado que há em edificações escolares que pertencem ao mesmo sistema, ser disseminado pontos de vista distintos em relação ao propósito de cidadão a ser formado por programas vigentes nestas instituições sob o signo de uma determinada política pública em que concessões sob divergentes perspectivas estão assentados.

Então, essa tensão entre eficiência e equidade é particularmente evidente no contexto brasileiro. Como discutido por Araújo (2018), enquanto as parcerias público-privadas na educação podem trazer melhorias na gestão de recursos, existe o risco de que tais parcerias se concentrem em áreas de maior interesse comercial, potencialmente agravando as desigualdades educacionais. Além disso, como Freitas (2016) aponta, a avaliação baseada em resultados, frequentemente utilizada como medida de eficiência, pode levar a uma educação “para o teste[9]“, negligenciando aspectos mais amplos do desenvolvimento humano[10] e educacional.

Nesse cenário, torna-se crucial encontrar um equilíbrio entre eficiência e equidade. Uma abordagem possível, como sugerida por Ball (2012), é a implementação de mecanismos que garantam que a eficiência não seja alcançada às custas da equidade. Isso pode incluir políticas de financiamento que assegurem recursos adequados para escolas em áreas desfavorecidas e sistemas de accountability, que avaliem as escolas não apenas por seus resultados de testes, mas também por sua contribuição para a equidade educacional.

Além disso, a transparência na alocação e uso dos recursos é essencial. Conforme Berkman (2019) ressalta, a transparência financeira é fundamental para garantir que os recursos sejam utilizados de forma eficaz e equitativa. Isso envolve não apenas a clareza na distribuição de fundos, mas também a responsabilização sobre como os recursos são gastos e os resultados alcançados.

Por fim, é importante considerar o papel do Estado como regulador e possa garantir a equidade. Como Hargreaves e Fullan (2012) discutem, o Estado tem um papel crucial em assegurar que as reformas educacionais, incluindo concessões, sejam alinhadas com os princípios de equidade e justiça social[11]. Isso implica em um Estado ativo e presente, que não apenas delega a gestão educacional, mas também estabelece as diretrizes e monitora seu cumprimento.

A discussão sobre os aspectos econômicos das concessões educacionais revela a complexidade de equilibrar eficiência e equidade. Uma política educacional bem-sucedida exige uma abordagem holística, que considere as necessidades de todos os alunos e promova uma educação de qualidade de maneira justa e equitativa. Sobretudo quando se considera a demanda de crianças, jovens, adultos e idosos no Brasil, que não tem acesso à educação[12] de qualidade gratuita, de qualidade o que configura uma violação ao pressuposto de equidade, que precisa nortear as ações públicas ou aquelas em regime de concessão.

2  conclusão

Nesse estudo, refletir sobre as complexidades e os desafios inerentes a um modelo de gestão educacional marcado pela iniciativa público privadas, que tem manifestado diferentes formas de concessão, apesar desse modelo não isentar a responsabilidade objetiva do Estado e dos estados e municípios. Com isso em mente, a análise dos diferentes aspectos envolvidos – desde modelos internacionais e a experiência brasileira, até a qualidade educacional, governança, regulação, accountability e aspectos econômicos – revela um panorama multifacetado e desafiador, especialmente marcado por antagonismos e quadros em que há desigualdades que têm comprometido o propósito da política de educação que tem por fundamento basilar a democratização de uma educação comprometida com o pleno desenvolvimento dos estudantes sob princípios que tomam a humanização como inegociável.

Os modelos internacionais de concessão demonstram que, apesar dos potenciais vantagens em termos de inovação e eficiência, a eficácia destes modelos depende de uma série de fatores contextuais e operacionais. A experiência brasileira, por sua vez, ressalta a importância de considerar as especificidades locais, especialmente as desigualdades sociais e educacionais, ao implementar tais modelos.

Quanto à qualidade educacional e aos resultados em escolas concedidas, fica evidente que a gestão eficiente e a autonomia podem trazer melhorias. No entanto, esses benefícios devem ser cuidadosamente balanceados com a manutenção de padrões elevados de ensino e aprendizagem, bem como com a garantia de acesso e equidade para todos os estudantes.

A governança, regulação e accountability emergem como elementos cruciais para o sucesso das escolas concedidas. Uma governança eficaz, acompanhada de uma regulação robusta e mecanismos de accountability transparentes e colaborativos, são fundamentais para assegurar que as escolas atendam aos objetivos educacionais e sociais esperados.

Finalmente, os aspectos econômicos das concessões educacionais evidenciam uma tensão entre “eficiência” e “equidade”. Enquanto a busca por eficiência pode levar a uma gestão mais ágil e a um uso mais racional dos recursos, é vital que isso não ocorra às custas da equidade e do acesso universal à educação de qualidade. Assim como também, o conceito de qualidade dessa educação deverá ser categorizada sob parâmetros que sejam publicizados como essenciais ao desenvolvimento do “povo brasileiro”, sem ignoras as disparidades para a sua reformulação e construção ao longo da história do países emergentes como é o caso do Brasil.

As concessões no setor educacional oferecem oportunidades para inovação e melhoria na gestão das escolas, mas também trazem desafios significativos. O equilíbrio entre eficiência e equidade, a importância da governança e da accountability, e a necessidade de adaptar modelos às realidades locais são aspectos que devem ser cuidadosamente considerados. Assim, para que as concessões contribuam efetivamente para o avanço da educação, é essencial uma abordagem holística e integrada, que considere todas essas dimensões e priorize o bem-estar e o desenvolvimento dos estudantes.

Mas isso não pode ocorrer ao arbítrio dos que detém a concessão e sim, sob avaliações e reavaliações dos fundamentos de uma educação que considera os pilares da educação para o século XXI, conforme relatório da UNESCO, elaborado por Jean Jacques Delors.

Nesse caso fica evidente a necessidade de mais estudos a respeito das perspectivas e possibilidades para ser manifesto uma educação por pilares que não apenas, atenda o preceito mercantil para Estados emergentes, de modo a se manterem em quadros de uma política de gestão, que submete os sistemas de educação nacional a uma ótica intervencionista de Estados internacionais, o que pode promover uma nova sistematização de uma educação favorável a preceitos contemporâneos de “colonização”. 

REFERÊNCIAS

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[3] Responsabilidade, prestação de contas – tradução Cambridge Dictionary Online – Disponível: https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english-portuguese/accountability, acesso em 27/02/2024.

[4] Essa categorização faz alusão explícita ao que está preconizado no artigo 205 da Constituição Federal do Brasil de 1988, quando caracteriza as bases para a construção da educação nacional, ao que cabe destacar: “Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de forma a assegurar a universalização, a qualidade e a equidade do ensino obrigatório.” Disponível https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm , acesso em 20/02/2024.

[5] Variável – “(…) tudo aquilo que pode assumir diferentes valores ou diferentes aspectos, segundo os casos particulares ou as circunstâncias” (Gil, 2002, p. 32)

[6] Stakeholders – “qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou é afetado pela realização dos objetivos da empresa” (Freeman, 1984, p.46)

[7] A proposta de Ball oferece um caminho para garantir que a autonomia seja utilizada para melhorar a qualidade da educação para todos os alunos. Ao combinar autonomia, accountability, equidade e participação, é possível criar um sistema educacional mais justo e eficaz.

[8] Escola charter – “(…) escola charter é uma escola mantida com recursos públicos, mas cuja gestão é privada. Ela tem origem na década de 1980, curiosamente pensada para ser uma escola liderada por professores e para acolher os alunos que fracassavam nas escolas tradicionais.” (Dwight Holmes – 2016)

[9] O Ideb, ou Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, avalia a qualidade do ensino ao integrar resultados de exames padronizados com informações de desempenho escolar, oferecendo uma visão resumida da situação educacional. Tais indicadores são cruciais para supervisionar o sistema educacional nacional, detectando instituições ou redes com baixo rendimento e acompanhando o progresso dos alunos ao longo do tempo, o que direciona políticas educacionais visando aprimorar o sistema como um todo.

[10] A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96, promulgada em 20 de dezembro de 1996, representa um marco legal fundamental para a educação brasileira. Entre seus objetivos principais, destaca-se a busca pelo “pleno desenvolvimento do educando”, conceito que vai além da mera instrução e abarca a formação integral do indivíduo em suas dimensões física, psíquica, social, moral e intelectual.

[11] A Constituição de 1988 assegura a todos o acesso à educação, sendo o Estado responsável por garantir esse direito. A educação é reconhecida como essencial para o crescimento pessoal e social. Os artigos 211 e 206 da Constituição traçam princípios para a cooperação entre os diferentes níveis de governo, com objetivo de garantir que o ensino seja abrangente, de qualidade e justo para todos, principalmente no que diz respeito ao acesso igualitário e à continuidade na escola.

[12] Dois milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos não estão frequentando a escola no Brasil, alerta UNICEF, disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/dois-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-de-11-a-19-anos-nao-estao-frequentando-a-escola-no-brasil acesso em: 12/02/2024.


[1] Desde 2020, a pesquisadora é vinculada ao Programa de Pós Graduação Stricto Sensu Acadêmico em Ciências da Educação, atrelado ao Programa Brasil PPGE CIA Universidad Del Sol – UNADES -, situada em Asunción. http://lattes.cnpq.br/0309306284893313;https://orcid.org/0000-0003-0507-4538 contato: mariasmveras@gmail.com

[2] Desde 2017, é membro da gestão acadêmica do Programa Brasil PPGE CIA, vinculado ao Rectorado da Pós Graduação Stricto Sensu Acadêmico da Universidad Del Sol UNADES, situada na sede de Asunción. Atua também como orientador em pesquisas e professor convidado, ministrando as áreas de Educação Comparada; Política e Educação; Epistemologia da Pesquisa em Educação, dentre outras áreas.