COMPORTAMENTOS PREJUDICIAIS ASSOCIADOS AO RISCO DE INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS EM UM CURSO DE MEDICINA DO INTERIOR DA BAHIA

HARMFUL BEHAVIORS ASSOCIATED WITH THE RISK OF SEXUALLY TRANSMITTED INFECTIONS IN A MEDICAL SCHOOL IN THE COUNTRYSIDE OF BAHIA, BRAZIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202509142033


Ana Lívia Carneiro de Araújo1; Bruno Leonardo Medeiros de Souza1; Alice Oliveira de Almeida1; Davi Costa Dourado1; Natalya Duarte Rocha de Lima Monteiro1; José Alexandre Pirôpo Marques1; Dra. Fernanda Paranhos Passos2


RESUMO

Introdução: As ISTs são um relevante problema de saúde pública, com alta incidência mundial e nacional. Entre universitários, mesmo com maior acesso à informação, persistem comportamentos prejudiciais como não uso de preservativo, múltiplas parcerias e consumo de álcool. O objetivo deste estudo foi descrever a prevalência e identificar possíveis associações entre variáveis sociodemográficas e comportamentos relacionados à contração de ISTs entre jovens adultos de Medicina em um Centro Universitário de Feira de Santana – BA. Métodos: Trata-se de estudo transversal descritivo realizado com 95 estudantes de 20 a 24 anos, sexualmente ativos. A coleta ocorreu por formulário eletrônico (Google Forms), contemplando variáveis demográficas (sexo, etnia, estado civil) e comportamentais (parcerias múltiplas, uso de álcool/drogas, preservativo e IST prévia). Os dados foram analisados no SPSS 17.0, utilizando regressão logística binária e testes complementares, em conformidade com a Resolução 466/12 e aprovação do Comitê de Ética. Resultados: Constatou-se que 63% das mulheres e 68,2% dos homens apresentaram ao menos um comportamento prejudicial, destacando-se o uso irregular ou ausência de preservativos (49,5%), seguido de múltiplas parcerias (13,7%) e consumo de álcool (8,4%). Nenhum relatou uso de drogas, e 4,2% referiram ISTs. Entre solteiros, observaram-se maiores taxas de múltiplas parcerias e uso irregular de preservativos, enquanto entre casados/união estável também predominou o uso irregular de preservativos. Não houve correlações estatisticamente significativas entre variáveis demográficas ou comportamentais e ISTs (p>0,05), embora tenha havido tendência de associação com uso inadequado de preservativos. Conclusão: Mesmo entre estudantes de Medicina, práticas sexuais inseguras persistem, sobretudo o uso inadequado de preservativos. Reforça-se a necessidade de estratégias educativas e políticas públicas voltadas à prevenção de ISTs nesse grupo.

Palavras-chave: Infecções Sexualmente Transmissíveis. IST. Adultos Jovens. Preservativos.

ABSTRACT

Introduction: STIs are a relevant public health problem, with high incidence both worldwide and nationally. Among university students, even with greater access to information, harmful behaviors such as not using condoms, multiple partnerships, and alcohol consumption persist. The objective of this study was to describe the prevalence and identify possible associations between sociodemographic variables and behaviors related to the contraction of STIs among young adult medical students at a University Center in Feira de Santana, Bahia, Brazil. Methods: This is a descriptive cross-sectional study conducted with 95 students aged 20 to 24 years, all sexually active. Data collection was carried out through an electronic form (Google Forms), covering demographic variables (sex, ethnicity, marital status) and behavioral variables (multiple partnerships, alcohol/drug use, condom use, and previous STI). Data were analyzed in SPSS 17.0 using binary logistic regression and complementary statistical tests, in accordance with Resolution 466/12 and with approval from the Ethics Committee. Results: It was found that 63% of women and 68.2% of men presented at least one harmful behavior, with irregular or no condom use being the most prevalent (49.5%), followed by multiple partnerships (13.7%) and alcohol consumption (8.4%). None reported drug use, and 4.2% reported previous STIs. Among single students, higher rates of multiple partnerships and irregular condom use were observed, while among married/stable union students, irregular condom use also predominated. No statistically significant correlations were found between demographic or behavioral variables and STIs (p>0.05), although a trend of association with inadequate condom use was identified. Conclusion: Even among medical students, unsafe sexual practices persist, especially inadequate condom use. The findings reinforce the need for educational strategies and public policies aimed at STI prevention in this group.

Keywords: Sexually Transmitted Infections. STI. Young Adults. Condoms.

INTRODUÇÃO

As infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) englobam um conjunto de agravos de origem viral, bacteriana, fúngica ou protozoária, capazes de provocar complicações graves e, em determinadas circunstâncias, levar ao óbito. Entre as doenças mais comuns destacam-se herpes genital, cancro mole (cancroide), papilomavírus humano (HPV), vírus da imunodeficiência humana (HIV), doença inflamatória pélvica (DIP), donovanose, gonorreia, infecção por clamídia, linfogranuloma venéreo (LGV), sífilis, vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV) e tricomoníase. A principal forma de transmissão ocorre durante relações sexuais orais, anais ou vaginais sem uso adequado de preservativos. Contudo, vias alternativas também são reconhecidas, como contato com sangue contaminado, acidentes com materiais perfurocortantes, transmissão vertical – intrauterina ou durante o parto – e, em alguns casos, por meio da amamentação1.

Em âmbito global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 1 milhão de novos casos de ISTs ocorram diariamente em pessoas de 15 a 49 anos, sendo que uma parte expressiva evolui de forma assintomática2. No Brasil, em 2022, foram notificados 36.753 novos casos de HIV, representando aumento de 17,2% em relação a 20203. No mesmo ano, registraram-se ainda 213.129 casos de sífilis adquirida4 e 24.036 episódios de hepatites virais5. No estado da Bahia, os números chegaram a 9.143 casos de sífilis adquirida6, 836 de HIV7 e 975 de hepatites virais5, evidenciando que a magnitude do problema se estende também para o contexto regional.

O Ministério da Saúde, em 2022, reforçou um conjunto de estratégias voltadas para a prevenção e controle das ISTs8. Entre as medidas recomendadas destacam-se o uso regular de preservativos, imunização contra hepatite B e HPV, testagem periódica para detecção precoce, tratamento adequado e supressão da carga viral em pessoas vivendo com HIV. Também são incluídas ações como profilaxia pré-exposição (PrEP) e pós-exposição (PEP) ao HIV, exame preventivo de câncer do colo do útero, prevenção da transmissão vertical e participação em programas de redução de danos em situações de uso abusivo de álcool ou drogas⁸.

Devido à relevância epidemiológica das ISTs e suas consequências, a realização desse estudo é essencial para aprimorar estratégias de enfrentamento, especialmente na saúde pública. Para a Saúde Coletiva, ele poderá fortalecer campanhas de prevenção e conscientização, suprindo lacunas na comunicação e educação em saúde. Na medicina, possivelmente auxiliará na qualificação da abordagem dos profissionais, promovendo um atendimento mais humanizado. Para a população, gerará o incentivo a criação de políticas públicas voltadas à prevenção e qualidade de vida, com foco em jovens e adultos, incluindo universitários, dada a necessidade de maior exploração do tema nesse contexto.

Esta pesquisa tem como objetivo descrever a prevalência e identificar possíveis associações entre variáveis sociodemográficas com os comportamentos prejudiciais relacionados à contração de ISTs entre jovens adultos do curso de medicina de um Centro Universitário em Feira de Santana – Bahia.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal descritivo, realizado em um Centro Universitário do interior da Bahia, sendo esta uma universidade que abrange diversos cursos como medicina, foco desse estudo.

A amostra foi composta por 95 jovens adultos9, entrevistados no campus do Centro Universitário, de acordo com o N: Nível de confiança: 95%, e o Escore-z = 1,96. Participaram do estudo alunos do curso de medicina com idade entre 20 e 24 anos residentes por mais de 50% do tempo em Feira de Santana – BA, com disponibilidade para responder a pesquisa, que assinaram de maneira virtual do termo de consentimento informado, com histórico de vida sexual ativa. Foram excluídos os discentes que apresentaram condições que comprometiam a capacidade de responder com precisão o formulário de pesquisa, bem como aqueles que poderiam ser impactados negativamente pelo tema da pesquisa (ex.: depressão grave, histórico de trauma relacionado ao tema).

Como instrumento de coleta foi utilizado um formulário eletrônico via Google Forms. Os indivíduos pesquisados receberam o questionário por Whatsapp e QR-code, em grupos da universidade, gerando uma maior abrangência em estudantes do próprio Centro Universitário, porém garantindo ainda o anonimato devido ao uso de grupos, evitando bate-papo pessoal. Cabe ressaltar que o participante da pesquisa só teve acesso ao formulário após consentir a sua participação através do TCLE.

O formulário é composto por um questionário próprio, construído a partir do instrumento utilizado no artigo “Comportamento sexual de estudantes de medicina portugueses e seus fatores preditivos10”, adaptado para os interesses desta pesquisa. Foram elencados quatro comportamentos prejudiciais evidenciados em literatura de maneira mais robusta, sendo eles multiplicidade de parceiros, uso de álcool e drogas antes ou durante a relação sexual, não uso ou mau uso do preservativo, e o sexo masculino. Partindo desses comportamentos, foram criadas as cinco perguntas comportamentais utilizadas no questionário. Já os fatores demográficos foram elencados baseados no comportamento “sexo masculino” e no interesse de averiguar demais correlações, sendo elas estado civil e etnia.

Deste modo, o instrumento continha três perguntas demográficas (etnia, estado civil, sexo) e cinco perguntas comportamentais (Quantas parcerias sexuais diferentes você teve no último ano?/ Você costuma beber álcool antes ou durante as relações sexuais?/ Você costuma usar algum tipo de droga (maconha, cocaína, LSD, heroína, crack, lança-perfume, etc.) antes ou durante as relações sexuais?/ Você costuma utilizar preservativo durante as relações sexuais?/ Você já teve (sabidamente) uma infecção sexualmente transmissível (tratada ou não), como sífilis, gonorreia, HIV, tricomoníase , HPV, hepatite B ou C, clamídia ou herpes genital?), sendo as respostas das perguntas demográficas dispostas binariamente (estado civil: solteiro/casado ou união estável; sexo: masculino/feminino; etnia: branco/pardo ou preto) bem como as comportamentais (sim/não), com exceção da multiplicidade de parceiros (1 ou 2; 3 ou mais).

O formulário forneceu um termo de consentimento livre e esclarecido, informando os analisados que possuem o direito de desistir da pesquisa, caso seja esse o interesse. Também foram informados sobre a garantia quanto a confidencialidade e o anonimato, pois os e-mails e nomes dos participantes não foram coletados. Para evitar que haja mais de uma resposta do mesmo indivíduo, houve a limitação de uma resposta por pessoa. O armazenamento de dados foi feito em um HD externo e apagado da nuvem, assim que o quantitativo de respostas pré- estabelecido foi atingido. Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa e está de acordo com as especificações da resolução 466/1211 e do Ofício Circular nº 2/2021/CONEP/SECNS/MS12

A análise estatística foi feita utilizando a técnica de regressão logística binária, que foi utilizada para avaliar a probabilidade de apresentar pelo menos um comportamento prejudicial (desfecho: 0 = Nenhum, 1 = Um ou mais), por meio do software Social Package for Social Sciences – SPSS ® for Windows, na versão do Windows 17.0. Foram seguidas as seguintes etapas:

I.  Importação dos Dados

Os dados foram importados para o SPSS a partir de arquivos CSV ou Excel.

II.  Definição da Variáveis

As variáveis foram configuradas na Variable View, definindo-se o tipo e a codificação de valores, sendo as variáveis não modificáveis: sexo, etnia e estado civil; e as variáveis modificáveis: uso de preservativo, multiplicidade de parceiros, uso de álcool, uso de drogas.

Foi feita a soma dos comportamentos prejudiciais para identificar alunos com 0, 1, 2 ou mais comportamentos prejudiciais.

III.  Análise Descritiva

Foi realizada uma análise descritiva das variáveis para calcular distribuições das variáveis, bem como a prevalência de comportamentos prejudiciais estratificada por sexo, etnia e estado civil.

IV.  Interpretação dos Resultados

Foram analisados os coeficientes, valores de p e intervalos de confiança para cada variável independente. Foram realizados teste de Shapiro-Wilk, teste de Spearman – não paramétrico e teste Qui-Quadrado para IST vs. Variáveis Categóricas. O objetivo foi identificar os comportamentos prejudiciais mais prevalentes na amostra selecionada, além de buscar relações entre os dados demográficos e comportamentais.

RESULTADOS

Entre os homens, 15 (68,2%) apresentaram pelo menos um comportamento prejudicial, enquanto 7 (31,8%) não relataram práticas desse tipo. Nove relataram múltiplas parcerias (três ou mais), e 13 tiveram entre uma e duas parceiras. O uso de preservativos foi inadequado ou inexistente em 7 casos. Apenas 2 relataram consumo de álcool durante ou antes do ato sexual, e nenhum indicou uso de drogas. No total, 7 não apresentaram comportamentos prejudiciais, 11 relataram um e 4 relataram dois.

Das mulheres, 46 (63%) manifestaram comportamentos considerados prejudiciais. Apenas 4 relataram três ou mais parceiros sexuais no último ano. O uso irregular ou ausência de preservativo foi apontado por 40 participantes. Seis fizeram uso de álcool antes ou durante o sexo, e nenhuma relatou uso de substâncias ilícitas. Vinte e sete não relataram comportamentos prejudiciais, 39 apresentaram um, e 7 relataram dois.

Entre os participantes casados ou em união estável (n=28), 19 relataram uso inadequado ou ausência de preservativos. Apenas uma pessoa indicou múltiplas parcerias. Nove não apresentaram comportamentos prejudiciais, 14 relataram um e 5, dois. A maioria era do sexo feminino (n = 21). Duas pessoas relataram ISTs, e o consumo de álcool apareceu em apenas dois casos. Já entre os solteiros (n=67), 28 relataram uso irregular de preservativos e 12 indicaram múltiplas parcerias. O consumo de álcool foi apontado por seis indivíduos. Foram identificados 25 participantes sem comportamentos prejudiciais, 35 com um e 6 com dois. Apenas dois referiram ISTs.

Dentre os pardos ou pretos (n=43), 15 não apresentaram comportamentos prejudiciais, 19 relataram um e 9, dois. Entre os participantes brancos (n=52), 19 não relataram comportamentos prejudiciais, 31 apresentaram um e apenas 2 relataram dois. Das pessoas com 3 ou mais parceiros sexuais (n=13), onze relataram uso regular de preservativos. Um caso de IST foi identificado, e apenas uma pessoa relatou uso de álcool. A distribuição étnica foi equilibrada (7 brancos, 6 pardos/pretos). Apenas um participante estava em união estável; os demais eram solteiros.

Acerca das pessoas com ISTs (n=4), três eram mulheres e três se autodeclararam pardos/pretos. Três relataram uso inadequado de preservativos e apenas uma pessoa indicou múltiplas parcerias. Dois estavam em relacionamento estável e nenhum relatou consumo de álcool. Entre os usuários de álcool (n=8), seis eram solteiros e seis eram mulheres. Metade utilizava preservativos de forma irregular. Um participante indicou múltiplas parcerias, e nenhum relatou IST. A maioria se identificava como parda ou preta (n = 6). O uso inadequado de preservativos foi o comportamento mais presente entre os estudantes (n=47). Quarenta eram mulheres e 28 estavam solteiros. A maioria (n = 45) relatou até dois parceiros sexuais. Apenas quatro usavam álcool, e três relataram ISTs. Nenhum participante declarou uso de drogas antes ou durante as relações sexuais

Todos os dados citados acima foram dispostos na tabela 1.

As médias obtidas neste estudo mostram que 86,3% dos participantes relataram ter tido de um a dois parceiros sexuais no último ano, enquanto apenas 4,2% apresentaram histórico de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Em relação ao consumo de substâncias, a média de uso de álcool foi de 8,4%, não havendo registro de uso de drogas entre os participantes.

Não foi encontrada nenhuma correlação significativa dessas variáveis independentes com a variável dependente (IST) (tabela 2). O estudo observou uma maior correlação entre o uso irregular de preservativos com IST, mas não obteve uma diferença significativa p>0.05 (Tabela 2).

Foi-se realizado o teste de causalidade entre as variáveis independentes e a variável dependente (IST). Assim como o resultado de correlação, não se obteve nenhuma diferença significativa no teste de qui quadrado entre as variáveis. Possivelmente, isso se dá pelo n amostral ser reduzido, pois observa-se uma tendência entre o uso de preservativo irregular com a IST embora não seja estatisticamente significativo p>0.05 (tabela 3)

*Para a variável “Uso de Álcool”, também foi aplicado o teste exato de Fisher devido à presença de célula com valor zero na tabela de contingência, resultando em p = 1,00, confirmando a ausência de associação estatisticamente significativa.

A análise estatística mostrou que a variável “IST” não apresentou distribuição normal (Shapiro- Wilk, p < 0,05), o que indicou a necessidade de utilizar métodos não paramétricos. O teste de Spearman não identificou correlações significativas entre IST e as variáveis independentes, embora tenha sido observada tendência de associação entre uso irregular de preservativos e IST (ρ = 0,18; p = 0,08). O teste do qui-quadrado também não revelou associações significativas, mas indicou tendência semelhante para o uso irregular de preservativos (χ² = 3,20; p = 0,07).

DISCUSSÃO

O estudo (n=95) identificou elevada prevalência apenas no uso irregular de preservativos, enquanto múltiplas parcerias e consumo de álcool foram menos frequentes; não houve relatos de drogas e a autorreferência de ISTs foi baixa. Homens relataram mais múltiplas parcerias, enquanto mulheres apresentaram maior uso inadequado de preservativos. Entre casados ou em união estável predominou a não utilização de preservativos, enquanto entre solteiros destacaram-se múltiplas parcerias e uso irregular de preservativos. A análise estatística mostrou que a variável IST não apresentou distribuição normal (Shapiro-Wilk, p<0,05); não foram encontradas correlações significativas pelo teste de Spearman, embora tenha sido observada tendência de associação entre uso irregular de preservativos e IST; o qui-quadrado também não revelou associação significativa, mas indicou tendência semelhante.

A prevalência de múltiplas parcerias (≥3 no último ano) foi de 10,9% no total, sendo maior entre homens (40,9%) do que entre mulheres (5,5%). Embora o percentual geral seja inferior ao descrito em outros contextos, como nos Estados Unidos, onde 44% dos calouros universitários relataram múltiplas parcerias sexuais13, ou em Botswana, onde 20% dos pacientes vivendo com HIV tinham dois ou mais parceiros simultâneos14, a diferença de sexo observada acompanha tendências da literatura que indicam maior número de parcerias entre homens15, com a ressalva de que a amostra de homens foi significativamente menor que de mulheres, existindo assim a possibilidade de viés de amostragem. A frequência mais baixa de pessoas com múltiplos parceiros sexuais encontrada nesta pesquisa pode estar relacionada ao perfil específico da amostra, formada por estudantes de medicina, o que pode refletir maior conhecimento sobre relações sexuais seguras.

O consumo de álcool antes ou durante a relação sexual foi relatado por 8,4% dos participantes, sem casos de uso de drogas ilícitas. Em estudo com 1.381 universitários de Pelotas mostrou que o consumo de álcool quatro ou mais vezes por semana quintuplicava o risco de IST, enquanto o uso de drogas ilícitas durante o sexo duplicava esse risco16. Não foi possível realizar a correlação álcool e drogas x ISTs em nossa pesquisa, uma vez que nenhum dos estudantes que afirmou fazer uso de álcool relatou ter contraído alguma IST. A frequência reduzida identificada nesta pesquisa pode refletir características culturais e contextuais da população estudada ou subnotificação devido à sensibilidade do tema.

O uso irregular ou ausência de preservativo foi o comportamento mais prevalente na amostra (49,5%), com maior proporção entre mulheres (54,8%) do que entre homens (31,8%). Esse dado é maior do que em outras pesquisas nacionais, como no Ceará, onde 28% dos jovens relataram uso irregular e 8,5% não utilizavam preservativo17; em Pelotas, onde 45% não usaram preservativo na última relação16; e em Sorocaba, onde 20,5% relataram uso irregular e 18,7% ausência completa de uso17. Mesmo que não seja possível a correlação IST x mau ou não uso de preservativo neste estudo devido ao p>0,05 (p=0,07), é perceptível que a adesão ao uso regular permanece insuficiente, inclusive entre acadêmicos de medicina, reforçando a necessidade de estratégias educativas mais eficazes.

Embora o nível de conhecimento sobre ISTs não tenha sido avaliado diretamente nesta pesquisa, estudos mostram que o conhecimento superficial, mesmo com campanhas públicas, não é suficiente para mudar comportamentos18, e que indivíduos com maior conhecimento apresentam menor prevalência de ISTs19,20. Apesar da presença de comportamentos prejudiciais, reforçando que o conhecimento técnico não garante, por si só, a adesão a práticas seguras, houve uma menor porcentagem de participantes que possuem 2 dos 3 comportamentos elencados em relação aos outros estudos, corroborando com a ideia de que a educação em saúde fornecida no curso de medicina (e, consequentemente, maior grau de instrução no assunto) pode levar a um menor número de práticas que aumentem o risco de contração de ISTs.

Na análise por sexo, verificou-se que os homens apresentaram, em maior quantidade, múltiplas parcerias e maior consumo de álcool, enquanto as mulheres relataram mais uso irregular de preservativos. Esses achados corroboram parte da literatura, que identifica maior propensão masculina a comportamentos prejudiciais nas relações sexuais15,16,20. No entanto, o fato de o uso irregular de preservativos ter sido mais frequente entre mulheres nesta amostra difere de alguns estudos internacionais, sugerindo que o risco pode se manifestar de forma diferente nesse contexto. É importante salientar que houve um desequilíbrio no tamanho dos grupos de sexo (73 mulheres e 22 homens), o que pode influenciar os resultados, pois em amostras menores pequenas variações absolutas geram grandes diferenças percentuais, podendo causar viés de amostragem e superestimação da associação homens x comportamentos prejudiciais

Em síntese, embora não tenham sido observadas associações estatisticamente significativas entre as variáveis analisadas e a ocorrência de ISTs, os dados revelam padrões de comportamento que se alinham parcialmente à literatura, mas também apresentam especificidades possivelmente relacionadas ao contexto acadêmico e sociocultural da população estudada, além da amostra ter sido consideravelmente menor que maioria dos outros estudos.

Entre as principais forças deste estudo, destaca-se o foco em uma população jovem e específica, composta por estudantes de medicina, que apesar de apresentar elevado potencial de disseminação de conhecimento em saúde, ainda está suscetível a comportamentos prejudiciais. A utilização de um instrumento adaptado de questionário previamente validado na literatura garantiu maior consistência metodológica, e a investigação contemplou simultaneamente diferentes comportamentos prejudiciais associados à transmissão de ISTs. Além disso, a aplicação de análises estatísticas adequadas ao tipo de dado, com uso de testes não paramétricos quando necessário, reforça a robustez dos resultados obtidos.

Existem também limitações nesta pesquisa como o desenho ser estudo transversal, que impede estabelecer relações de causalidade, permitindo apenas identificar associações. Houve desequilíbrio na distribuição por sexo, com predominância de mulheres e número reduzido de homens, o que pode influenciar as comparações e gerar viés de amostragem. O baixo número de participantes com histórico de IST limita o poder estatístico para detectar associações significativas. Além disso, as informações foram obtidas por autorrelato, o que pode levar a subnotificação, especialmente em temas sensíveis como número de parceiros e uso de substâncias psicoativas. Por fim, trata-se de uma amostra restrita a um único centro universitário, o que reduz a generalização dos resultados para outras populações.

Próximos estudos sobre o tema devem buscar aumentar o tamanho amostral, especialmente garantindo maior equilíbrio entre sexos, o que possibilitaria análises mais robustas sobre diferenças comportamentais. Além disso, devem incorporar variáveis adicionais, como nível de conhecimento sobre ISTs, percepção de risco e histórico de educação sexual, a fim de oferecer um panorama mais completo dos fatores associados aos comportamentos. A inclusão de análises estratificadas por faixa etária e tempo de vida sexual ativa também permitiria identificar subgrupos mais vulneráveis, subsidiando estratégias de prevenção direcionadas.

CONCLUSÃO

Os achados deste estudo evidenciam que, mesmo entre jovens adultos de um curso de medicina, grupo presumivelmente com maior acesso a informações sobre saúde, persiste elevada prevalência de uso irregular ou ausência de preservativo, principal comportamento prejudicial identificado. Outros comportamentos, como múltiplas parcerias e consumo de álcool antes ou durante a relação sexual, ocorreram em menor frequência, mas seguiram padrões descritos na literatura, como maior número de parceiros entre homens.

Embora não tenham sido observadas associações estatisticamente significativas entre esses comportamentos e a ocorrência autorreferida de ISTs, verificou-se possível tendência de associação com o uso inadequado de preservativos. Esses resultados reforçam que o conhecimento técnico, por si só, não garante a adoção de práticas sexuais seguras e indicam a necessidade de intervenções educativas mais eficazes e contínuas, mesmo em ambientes acadêmicos voltados à saúde. Além disso, sugerem que políticas públicas voltadas a esse público devem priorizar estratégias específicas para aumentar a adesão ao uso regular de preservativos, considerando fatores comportamentais, culturais e contextuais que influenciam essa prática.

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1 Graduandos em Medicina pelo Centro Universitário de Excelência (UNEX) da unidade de Feira de Santana – Bahia, Brasil.
2 Médica graduada pela Universidade Salvador (UNIFACS), ginecologista e obstetra pela Fundação Hospitalar de Feira de Santana, orientadora docente em Medicina no Centro Universitário de Excelência (UNEX) da unidade de Feira de Santana – Bahia, Brasil.