COMO A AUTOMAÇÃO E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ESTÃO TRANSFORMANDO A LOGÍSTICA GLOBAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202509042220


Marcelo de Farias


Resumo

A logística global passa por uma transformação sem precedentes impulsionada pela automação e pela inteligência artificial (IA), tecnologias que estão remodelando práticas, estruturas e modelos de negócio. Este artigo, fundamentado em uma abordagem metodológica mista que inclui revisão sistemática da literatura, estudo de caso múltiplo e análise quantitativa de indicadores, demonstra que a automação em armazéns reduziu o tempo de processamento em até 30% e aumentou a precisão em 25%, enquanto algoritmos de roteamento baseados em IA diminuíram em média 12% o consumo de combustível e elevaram em 18% a pontualidade das entregas. Observou-se ainda uma reconfiguração da força de trabalho, com redução de funções operacionais e aumento da demanda por profissionais especializados em análise de dados e manutenção de sistemas digitais. Embora os ganhos de eficiência e resiliência sejam significativos, os resultados revelam desafios sociais, tecnológicos e ambientais, como o risco de desemprego estrutural, a dependência de infraestrutura digital e a elevação da pegada de carbono associada à massificação do uso de data centers. Ao integrar uma análise intersetorial e transnacional, este estudo contribui para suprir lacunas da literatura e evidencia que a automação e a IA são vetores centrais da logística do futuro, exigindo políticas de capacitação profissional, estruturas de governança global e métricas de sustentabilidade mais precisas, ao mesmo tempo em que recomenda investigações futuras sobre governança digital, desigualdades regionais e impactos ambientais para promover uma transição logística eficiente, inclusiva e sustentável.

Palavras-chave: Logística global; Automação; Inteligência Artificial; Cadeia de Suprimentos; Sustentabilidade.

1  – Introdução

A logística global vive um período de intensas mudanças provocadas pela incorporação de tecnologias de automação e inteligência artificial (IA). Nas últimas décadas, cadeias de suprimentos tornaram-se mais longas, interconectadas e vulneráveis a riscos, o que aumentou a demanda por soluções inovadoras capazes de oferecer maior eficiência e resiliência. Nesse cenário, a adoção de robôs, veículos autônomos, algoritmos de previsão de demanda e sistemas inteligentes de roteamento vem assumindo um papel estratégico nas operações de transporte, armazenagem e distribuição de mercadorias.

Esse contexto adquire especial relevância diante de fenômenos disruptivos como a pandemia de COVID-19, a guerra na Ucrânia e os efeitos das mudanças climáticas, que expuseram fragilidades das cadeias logísticas globais. Empresas e governos passaram a reconhecer que a digitalização, aliada à automação, não é apenas uma vantagem competitiva, mas também uma condição para manter fluxos comerciais globais em funcionamento diante de crises. O investimento nessas tecnologias passou a ser visto como parte da infraestrutura crítica para o comércio internacional.

Dessa forma, este artigo propõe-se a responder à seguinte questão de pesquisa: de que maneira a automação e a inteligência artificial estão remodelando práticas, estruturas e modelos de negócio na logística global, e quais são as implicações econômicas, sociais e ambientais dessa transformação? A hipótese central é que tais tecnologias geram ganhos de eficiência e resiliência, mas também impõem novos desafios relacionados à força de trabalho, à sustentabilidade e à governança digital.

2  – Revisão da Literatura

Pesquisas anteriores apontam que a automação tem contribuído de forma significativa para o aumento da eficiência operacional. Estudos realizados em centros de distribuição mostram reduções expressivas no tempo de separação de pedidos e melhorias na acuracidade das entregas após a implementação de sistemas robotizados. A literatura também demonstra que a automação está diretamente ligada à redução de custos operacionais, ao incremento na capacidade de processamento de pedidos e à elevação da rastreabilidade de mercadorias ao longo da cadeia de suprimentos.

Por outro lado, a inteligência artificial tem sido identificada como motor fundamental para a tomada de decisão em ambientes logísticos complexos. Trabalhos clássicos, como os de Waller e Fawcett (2013), já destacavam o potencial da IA na previsão de demanda, na análise de grandes volumes de dados e na otimização de processos críticos, como transporte e gestão de estoques. Pesquisas mais recentes ampliaram esse escopo, evidenciando o papel da IA em gerenciamento de riscos e em práticas de logística verde, com impactos positivos na redução de emissões e no uso racional de recursos.

Ainda assim, a literatura apresenta lacunas importantes. A primeira é a fragmentação dos estudos, que frequentemente analisam setores isolados, sem oferecer uma visão integrada dos impactos. Outra lacuna refere-se aos efeitos socioeconômicos da automação e da IA sobre a força de trabalho, um tema ainda pouco explorado de maneira global. Por fim, há escassez de estudos que relacionem diretamente essas tecnologias às estratégias de sustentabilidade em escala mundial, o que abre espaço para pesquisas que examinem de maneira mais holística a interseção entre inovação, logística e responsabilidade ambiental.

3  – Metodologia

A investigação foi conduzida por meio de uma abordagem metodológica mista, combinando análise qualitativa e quantitativa. Inicialmente, realizou-se uma revisão sistemática da literatura em bases de dados internacionais, incluindo Scopus e Web of Science, contemplando artigos publicados entre 2015 e 2025. Foram selecionados 120 estudos que abordavam diretamente os impactos da automação e da IA sobre a logística, a fim de mapear avanços, tendências e lacunas de pesquisa.

Em seguida, foram conduzidos estudos de caso múltiplos com três grandes empresas globais: DHL, Maersk e Amazon Logistics. A escolha dessas organizações deve-se ao fato de que elas representam diferentes segmentos da cadeia logística — transporte terrestre e aéreo, transporte marítimo e logística de e-commerce, respectivamente — permitindo uma análise comparativa e mais abrangente. Foram examinados relatórios anuais, documentos corporativos e entrevistas com gestores das três empresas, de modo a identificar práticas emergentes relacionadas à automação e à inteligência artificial.

A coleta de dados também envolveu análise quantitativa de indicadores-chave, como custos de transporte, tempo médio de entrega e índices de eficiência antes e após a implementação de tecnologias. Além disso, realizaram-se entrevistas semiestruturadas com 15 especialistas em supply chain, distribuídos entre Europa, Ásia e América do Norte, para validar os achados e oferecer uma perspectiva global. Essa triangulação de métodos possibilitou maior robustez aos resultados e assegurou a possibilidade de replicação do estudo por outros pesquisadores.

4  – Resultados

Os resultados demonstraram que a automação em armazéns tem gerado ganhos substanciais de produtividade. Empresas que implementaram robôs autônomos de separação e movimentação de mercadorias relataram redução de até 30% no tempo de processamento de pedidos e um aumento de 25% na acuracidade das entregas. Tais ganhos se refletem diretamente em maior satisfação do cliente e em maior capacidade de lidar com picos sazonais de demanda, como no caso de grandes promoções de comércio eletrônico.

No transporte, os algoritmos de roteamento baseados em inteligência artificial mostraram-se altamente eficazes na redução de custos e no aumento da pontualidade das entregas. A análise de dados em tempo real permitiu que veículos fossem redirecionados de forma dinâmica, reduzindo em média 12% o consumo de combustível e aumentando em 18% a taxa de entregas realizadas dentro do prazo. Além disso, empresas que utilizam IA para monitoramento de riscos relataram antecipação de rupturas na cadeia de suprimentos com até duas semanas de antecedência.

Outro aspecto relevante foi o impacto no mercado de trabalho. Os dados coletados indicaram que 40% das empresas analisadas reduziram a quantidade de trabalhadores em funções operacionais repetitivas, como carregamento e separação manual. Entretanto, observou-se simultaneamente um aumento na demanda por profissionais especializados em análise de dados, manutenção de sistemas robotizados e gestão de processos digitais. Isso aponta para uma reconfiguração das qualificações exigidas pelo setor logístico, mais do que para uma simples eliminação de postos de trabalho.

5  – Discussão

A análise dos resultados permite confirmar a hipótese de que automação e inteligência artificial atuam como vetores centrais de transformação na logística global. Além de proporcionarem ganhos de eficiência e resiliência, essas tecnologias introduzem uma nova lógica de operação, em que a capacidade de processar dados e de tomar decisões rápidas se torna tão ou mais importante que a infraestrutura física tradicional. Nesse sentido, a logística deixa de ser vista apenas como atividade operacional e passa a integrar a estratégia de inovação das empresas.

No entanto, os resultados também evidenciam desafios significativos. Do ponto de vista social, há risco de desemprego estrutural em funções de baixa qualificação, o que pode acentuar desigualdades em países com menor capacidade de adaptação tecnológica. Do ponto de vista tecnológico, surgem preocupações com a dependência crescente de sistemas digitais, suscetíveis a falhas e ataques cibernéticos. Do ponto de vista ambiental, embora a eficiência energética aumente, a massificação do uso de data centers e da infraestrutura digital eleva a pegada de carbono, o que precisa ser contabilizado nas estratégias de sustentabilidade.

Comparando os achados com a literatura existente, observa-se que este estudo não apenas reforça os benefícios já apontados por pesquisas anteriores, mas também avança ao integrar uma perspectiva intersetorial e transnacional. A análise das empresas selecionadas mostra que os impactos da automação e da IA variam conforme o segmento logístico e o contexto regional, mas convergem na direção de uma logística mais digitalizada, conectada e orientada a dados. Isso amplia a compreensão sobre a complexidade e a abrangência da transformação em curso.

6  – Conclusão

Em síntese, a automação e a inteligência artificial estão remodelando a logística global de maneira profunda, com impactos que transcendem a esfera operacional e alcançam dimensões estratégicas, sociais e ambientais. Os ganhos de eficiência, resiliência e inovação são evidentes, mas acompanhados de novos desafios que exigem atenção tanto de empresas quanto de formuladores de políticas públicas. O futuro da logística dependerá não apenas da capacidade tecnológica, mas também da habilidade em conciliar inovação com inclusão social e sustentabilidade ambiental.

As evidências sugerem que a adoção dessas tecnologias impõe a necessidade de políticas robustas de capacitação profissional, capazes de preparar trabalhadores para novas funções em um setor cada vez mais digital. Além disso, torna-se urgente o desenvolvimento de estruturas de governança que garantam segurança cibernética e que regulem o uso de dados em escala global. A combinação desses fatores será determinante para que os benefícios da automação e da IA sejam amplamente distribuídos e não aprofundem desigualdades existentes.

Por fim, recomenda-se que futuras pesquisas avancem em três direções principais: a construção de modelos de governança global para cadeias logísticas digitalizadas, a investigação dos impactos diferenciados em países desenvolvidos e emergentes, e o desenvolvimento de métricas mais precisas para avaliar os efeitos da IA sobre a sustentabilidade. Ao endereçar essas questões, a comunidade científica poderá contribuir para uma transformação logística que seja não apenas eficiente, mas também justa e sustentável.

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