COBRANÇA EM UNIVERSIDADES PÚBLICAS: PONDERAÇÕES INERENTES À PEC 206 DE 2019.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7302006


Eduardo do Vale Araújo 1
Me. Rosyvania Araújo Mendes. 2


RESUMO: Em escolas públicas, qual o público “alvo” para atendimento? A classe mais pobre da sociedade. Diferentemente, em universidades públicas, qual o público “alvo” para atendimento? A classe mais rica da sociedade. Afinal, é inegável que não há um interesse da família que possui condições de financeiras em matricular o/a seu filho/a em uma escola pública, se tiver como custear a mensalidade de uma escola particular. Contudo, há um algo interesse entre as famílias sob ser aprovado em uma universidade pública, ao invés da particular. E isto é o que mais ocorre para estes. Em um cenário de cada vez mais competitividade em vestibulares, há um filtro que seleciona os que mais “sabem”/os que mais podem “saber”. Desta forma, há uma contradição social existente no país, em que pese uma universidade pública ser preenchida, majoritariamente, pela camada mais abastada. Além disso, considerando a cobrança de impostos existente no período atual, entende que o rico estuda e quem mais paga, é o pobre. Tendo em vista esta situação, o artigo possui como escopo analisar o campo das universidades públicas brasileiras, verificando a carga tributária do país e a propostas da PEC 206/2019, conjugada com a redação ao art. 206 da Constituição Federal Brasileira.

Palavras-chave: Universidade. Impostos. PEC 206/2019.

ABSTRACT: In public schools, what is the “target” audience for service? The poorest class in society. Differently, in public universities, what is the “target” audience for service? The richest class in society. After all, it is undeniable that there is no interest on the part of the family that has the financial conditions to enroll their child in a public school, if they can afford the tuition of a private school. However, there is some interest among families in getting approved at a public university, rather than a private one. And this is what most happens to them. In a scenario of increasingly competitive entrance exams, there is a filter that selects those who “know” the most, those who can “know” the most. In this way, there is a social contradiction existing in the country, despite a public university being mostly filled by the wealthiest layer. In addition, considering the collection of taxes existing in the current period, he understands that the rich study and the poor pay the most. In view of this situation, the article aims to analyze the field of Brazilian public universities, verifying the country’s tax burden and, mainly, permeating the proposal in PEC 206/2019, in conjunction with the wording of art. 206 of the Brazilian Federal Constitution.

Keywords: University. Taxes. PEC 206/2019.

  1. INTRODUÇÃO

O Direito é representado por um símbolo amplamente conhecido por seus operadores:

uma mulher (deusa) de olhos vendados e portando, em cada mão, uma espada e uma balança. Traduzindo os significados, entende-se que a venda significa IMPARCIALIDADE, ou seja, não há diferenciação entre os que serão julgados; a espada, por sua vez, traduz a FORÇA da justiça em impor dever e obrigações aos indivíduos; enquanto a balança indica o EQUILÍBRIO, referindo-se à ponderação que deve existir entre o pesar, a acusação e à defesa.

Contudo, a realidade prática é outra. Ainda que a compreensão da deusa como representação da justiça realizada pelo Direito tenha sido criada há séculos atrás, na atualidade observam-se grandes obstáculos para o seu cumprimento. Consequentemente, as desigualdades e injustiças preponderam cotidianamente entre os indivíduos.

A título de exemplo para melhor visualização, o Brasil ocupa a 14ª posição entre os países com a maior carga tributária do mundo, conforme dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a partir de um estudo divulgado no ano de 2021. Destes, a composição é a seguinte: impostos federais (aproximadamente de 60% das arrecadações); estaduais (cerca de 28%) e municipais (ao redor de 5,5%).

Dentro deste cenário de altíssima carga tributária, é inegável afirmar que os prejuízos recaem principalmente sob um grupo social: os menos abastados, ou seja, a classe mais pobre que, por sinal, é a maior parte da composição da população brasileira. Neste sentido, indubitavelmente é o pobre quem paga a manutenção constante das Universidades Públicas ao redor do país. A partir disso, surge o seguinte questionamento: deveria ser assim?

É a classe mais abastada do país que se beneficia das poucas – pouquíssimas – vagas ofertadas pelas universidades ao redor do país. A camada mais pobre, em decorrência, sequer consegue usufruir da oportunidade de preencher uma destas, afinal, a maioria advém de escolas públicas com ensino, em maior/menor grau, precário. Desta forma, urge questionar-se o porquê – os porquês – que a supracitada situação permanece tão em voga no país.

Com base neste revoltoso sentimento de injustiça, o artigo possui como escopo analisar a viabilidade de criação de mais oportunidades para o ingresso da população menos abastada em universidades, bem como verificar a carga tributária paga por estes e, principalmente, permear o campo da PEC 206/2019 e a redação ao art. 206 da Constituição Federal Brasileira.

  1. REFERENCIAL TEÓRICO

O trabalho buscou permear o campo do ordenamento jurídico brasileiro, analisando a PEC 206/2019 na visão constitucional e jurisprudencial, aplicado ao meio social do país.

2.1 SOBRE A PEC 206/2019

De autoria do Deputado Federal General Peternelli (União-SP)1 e porta-voz de relator o deputado Kim Kataguiri (União-SP)2, a PEC 206/2019 constitui-se como uma Proposta de Emenda à Constituição com o escopo de instituir o pagamento de mensalidade nas universidades públicas brasileiras. No documento oficial de proposta, há o texto que busca inserir uma nova redação ao art. 206, IV, bem como acrescentar § 3º ao art. 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidade efetivadas por todas as universidades públicas ao redor do país3.

Em suma, modificaria a redação de um artigo que cuida dos princípios norteadores do ensino e, complementarmente, acrescentaria um novo parágrafo a um artigo que se refere às universidades públicas. Insta expor, então, como que estão atualmente, conforme abaixo:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:I

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV – Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União;
VI – valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
VII – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VIII – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade.
IX – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal;
X – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.

Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Grifamos)

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

§1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.

§2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica. (Grifamos) (inseriria o §3º).

Nota-se, entretanto, que a mudança realmente considerável se daria pelo acréscimo do parágrafo 3º do artigo 207, em que pese a modificação no artigo anterior (206) estar, intimamente, relacionada ao subsequente, fazendo referência a este; consoante exemplo abaixo:

Art. 1º. O art. 206, inciso IV, da Constituição Federal passa a com a seguinte redação:

Art. 206… IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, ressalvada a hipótese do art. 207, § 3º”. (Grifamos)

Art. 2º O art. 207 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º: “§ 3º As instituições públicas de ensino superior devem cobrar mensalidades, cujos recursos devem ser geridos para o próprio custeio, garantindo-se a gratuidade àqueles que não tiverem recursos suficientes, mediante comissão de avaliação da própria instituição e respeitados os valores mínimo e máximo definidos pelo órgão ministerial do Poder Executivo”. (Grifamos)

A proposta possui o intuito de diminuir as desigualdades sociais no Brasil, tendo em vista um estudo realizado pelo Banco Mundial, no ano de 2017. Segundo Roberto Sebastião

Petrelli Junior: “O gasto público nessas universidades é desigual e favorece os mais ricos. Não seria correto que toda a sociedade financie o estudo de jovens de classes mais altas.” (JUNIOR, Roberto Sebastião Petrelli, 2019, p. 2).

Neste sentido, os pontos favoráveis a esta proposta respaldam-se na sua visão de que a gratuidade, sem considerar a renda dos estudantes, gera graves distorções e acarretam uma alta composição de estudantes ricos que ocupem vagas disponíveis no vestibular, em face da população mais carente que não consegue, durante toda a vida de ensino fundamental e médio, custear colégios particulares que auxiliem nos estudos focados em vestibular; tampouco, arcar com a mensalidade de um “Cursinho Preparatório”. Assim, insta destacar que não é uma proposta exclusiva do país, tendo em vista que estudos6 demonstram que, de 29 países analisados, 20 mantêm a cobrança de mensalidades para o ensino superior ao redor do mundo.

A proposta idealiza um valor máximo de mensalidades como a média dos valores cobrados pelas universidades particulares da região, sendo o valor mínimo de 50% desta. Contudo, deixou este ponto sem maiores delimitações, justificando-se no fato de que será mais bem tecido após a aprovação, como objeto de ulteriores estudos.

2.2 MODO DE TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO

Como os demais projetos constitucionais, a primeira etapa da tramitação de uma PEC (Projeto de Emenda Constitucional) é a Câmara de Comissão de Justiça, responsável por avaliar todos os aspectos formais da proposta e verificar a presença/ausência de qualquer ofensa à Carta Magna vigente no país. Diante de uma aprovação, cria-se uma comissão especial focada em debater entre si o mérito e, entendendo como necessário, realizando modificações textuais.

Neste sentido, há (A) votação no plenário da Câmara em dois turnos e, caso incida a aprovação, ocorre o encaminhamento para o Senado Federal; ou (B) Diante da ocorrência de mudanças substanciais na proposta, esta retorna à Câmara e, posteriormente, ao Senado Federal. Por fim, sendo uma vez aprovada, o próximo passo é a promulgação em forma de emenda constitucional em sessão do Congresso Nacional.

No caso em testilha, se houvesse aprovação na Câmara de Comissão e Justiça (CCJ), a PEC 206/2019 teria o seu mérito analisado por uma comissão especial e, em caso de nova aprovação, seguiria para o plenário da Câmara. Contudo, saiu da pauta da Câmara dos Deputados e não haverá deliberação pela CCJ.

2.3 CONSTITUCIONALIDADE DA PEC 206/2019

Como todas as propostas de emenda constitucionais, o cerne incide sobre a existência ou não de constitucionalidade. Afinal, o entendimento majoritário é que a Constituição de um Estado é a sua Lei Suprema (KELSEN, Hans. 2019), devendo todas as demais serem adequadas ao que dispõe em seus textos legais. Neste sentido, quando a discussão porta como fundamento uma modificação no próprio texto constitucional, ascendem diversos posicionamentos favoráveis e contrários. Tal como é verificado na presente proposta, também.

  1. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgou estudo no ano de 2018.

Quanto ao que concerne a Proposta de Emenda Constitucional (PEC – 206/2019), insta pontuar que não se verifica quaisquer ataques às cláusulas pétreas, em que pese a consideração constitucional sobre a cobrança de mensalidades sob cursos de pós-graduação, em universidades públicas. Abrindo precedentes, então, para interpretações extensivas.

Este entendimento fora traçado pelo Guardião da Constituição: o Supremo Tribunal Federal, no ano de 2017, ao apreciarem o Tema 535 e defini-lo como:

TEMA 535, STF.

A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização7.

A partir de deliberações que ocorreram à luz dos artigos 205, 206, I, 208, VII, e 212, §3º, todos da Constituição Federal quanto à possibilidade (ou não) de cobrança de mensalidade em curso de pós-graduação lato sensu por universidade pública de ensino, o STF votou a respeito do assunto em seção ocorrida 26/04/2017, desencadeada pelo Recurso Extraordinário (RE)597.854, interposto pela Universidade Federal de Goiás (UFGO), o qual foram provido pelo ministro e relator Edson Fachin, a partir de uma votação por 9 a 1.

Em Recurso Extraordinário supracitado, fora esclarecido que os dispositivos constitucionais apontados (artigos 205, 206, I, 208, VII, e 212, §3º) deveriam ser interpretados de modo sistemático, sustentando que:

A Constituição prescreve o princípio da gratuidade do ensino em instituições oficiais públicas sem, entretanto, exonerar a sociedade do dever de colaborar com o ensino de modo genérico – art. 205 – demonstrando claramente, nos demais dispositivos acerca da matéria, a preocupação com a efetivação do ensino fundamental e, progressivamente, a extensão ao ensino médio.

Em decorrência, o posicionamento da Universidade é que a gratuidade da atividade fim não afasta, de modo algum, a colaboração da sociedade para sua concretização; sendo prevista no art. 206, IV, da CRFB como meio de referir-se ao ensino básico obrigatório. Argumentação, tal como informado acima, acolhida pelos Excelentíssimos Ministros do STF.

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. COBRANÇA DE MENSALIDADE EM CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU POR INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO. CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA GRATUIDADE DO ENSINO EM ESTABALECIMENTOS OFICIAIS. INOCORRÊNCIA. 1. A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança, por universidades públicas, de mensalidade em curso de especialização. 2. Recurso extraordinário a que se dá provimento. Disponível em <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13642927>. Acesso em 04 nov. 2022.

Ora, se os guardiões da Constituição Federal já entenderam a cobrança do ensino de pós-graduação às universidades públicas como constitucional, não há o que dizer sobre ser inconstitucional à presente PEC 206/2019, reiterando o aduzido acima através de Recurso Extraordinário.

Há, ainda, um jurista presente no nosso STF (Luís Roberto Barroso), o qual defende direitos fundamentais são cláusulas pétreas que, em sua obra, afirmou:

Tome-se o exemplo dos direitos sociais. A doutrina contemporânea desenvolveu o conceito de mínimo existencial, que expressa o conjunto de condições materiais essenciais e elementares cuja presença é pressuposto da dignidade para qualquer pessoa. Se alguém viver abaixo daquele patamar, o mandamento constitucional estará sendo desrespeitado. Ora bem: esses direitos sociais fundamentais são protegidos contra eventual pretensão de supressão pelo poder reformador. Também em relação aos direitos políticos, certas posições jurídicas ligadas à liberdade e à participação do indivíduo na esfera pública são imunes à ação do constituinte derivado. E mesmo os direitos difusos, como alguns aspectos da proteção ambiental, são fundamentais, por estarem direta e imediatamente ligados à preservação da vida. Em suma: não apenas os direitos individuais, mas também os direitos fundamentais materiais como um todo estão protegidos em face do constituinte reformador ou de segundo grau. Alguns exemplos: o direito social à educação fundamental gratuita (CF, art. 208, I), o direito político à não alteração das regras do processo eleitoral a menos de um ano do pleito

(CF, art. 16) ou o direito difuso de acesso à água potável ou ao ar respirável (CF, art. 225)4.

2.4 PEC 206/2019 X PROUNI

Complementarmente, há de se observar o corte de renda do FIES e PROUNI, ambos constituídos como programas assistenciais em vigência no país. Compreende-se que estes dois programas em voga no país – considerados como sociais – portam como requisito essencial para o candidato (estudante) obter a tão sonhada bolsa integral (100%) a renda familiar bruta mensal de até um salário-mínimo e meio por pessoa; sendo as bolsas parciais (50%) concedidas aos que comprovarem renda familiar bruta mensal de até três salários-mínimos por pessoa.

Neste sentido, nota-se que os dados demonstrados acima são, consideravelmente, inferiores ao que prevê a Proposta de Emenda Constitucional, em que pese o fato de o corte de renda do FIES e PROUNI ser de até 1/2 salário-mínimo e meio e, em contrapartida, o disposto na PEC é de 5 salários-mínimos per capita, conforme destacado acima.

Como melhor modo de visualização, cumpre expor o trecho da Lei N° 11.096 de 13 de janeiro de 2005 (PROUNI)5 abaixo:

Art. 1º Fica instituído, sob a gestão do Ministério da Educação, o Programa Universidade para Todos (Prouni), destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento) para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.

§ 1º A bolsa de estudo integral será concedida a brasileiros não portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até 1 (um) salário-mínimo e 1/2 (meio).

Conforme discorrido, ambos os programas, considerados pela sociedade brasileira como assistenciais, portam como requisito básico um valor máximo de renda mensal. E, neste sentido, nada obstou que houvesse tamanhos endividamento de alunos – muitos destes como impagáveis –, e tudo julgado dentro da constitucionalidade.

A título de exemplo, dados apontam que a média do saldo devedor em atraso consegue alcançar, aproximadamente, R$11 bilhões6.

2.5 ESTADO X UNIVERSIDADE

Indubitavelmente, é DEVER do Estado proporcionar a educação a TODA sua população, independente de raça, condição financeira e quaisquer outras diferenças que se perpetuam ao longo da história (art. 208, caput, CF). Destarte, cumpre destacar o famoso discurso na Câmara dos Deputados, do Presidente da Comissão de Educação Kim Kataguiri, relator da PEC, em prol da mudança:

Que a comissão tenha rubricas, para que o governo não possa segurar recursos, seja para ter o ensino médio integral, seja para erradicar o analfabetismo. As instituições públicas de ensino superior devem cobrar mensalidades cujo recursos devem ser geridos para o próprio custeio da universidade, garantindo-se a gratuidade àqueles que não tiverem recursos suficientes. O dinheiro da mensalidade é para auxiliar o estudante mais pobre. Hoje a universidade não tem recurso para fornecer assistência para o aluno pobre. A PEC é expressa, o dinheiro coletado pela universidade, precisa ser gasto pela universidade.7

O Deputado Federal reafirma, como relator da PEC, a necessidade de focar na evolução educacional no Brasil. Devendo, então, a comissão a qual elegerá o reitor da universidade pública, ter plena autonomia para garantir que a verba educacional continue (ou comece) a ser revertida em prol da universidade, convertendo-se em benefícios e auxílios para os estudantes. Concomitantemente, pontou a necessidade de o governo não poder segurar recursos, principalmente se for para erradicar o analfabetismo, sendo essencial reverter o dinheiro arrecadado pelas mensalidades em formas de assistência ao aluno mais pobres – diferentemente do que atualmente se observa –, por exemplo, a gratuidade do transporte público.

Ainda assim, o que se verificou no ano de 2022 foram as duras críticas à PEC e, também, aos seus apoiadores. O Deputado Federal Kim Kataguiri reagiu nas redes sociais, respondendo aos que não conhecem a realidade do país, essencialmente discriminatória, onde os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres8:

Sim, sou a favor de que os ricos paguem mensalidade de Universidades Públicas (mantendo a gratuidade para os pobres). Ou você acha justo que os pobres, que não estão na faculdade e que são os que mais pagam impostos no Brasil, continuem pagando a faculdade dos mais ricos?

Sendo assim, emerge o importante questionamento? Se o Estado deve proporcionar a educação à população brasileira, por que os pobres são os que menos passam em vestibulares em universidade públicas, anualmente? Por que os riscos que, crias de colégios particulares (ótimos colégios particulares, diga-se de passagem), são os principais ingressantes em universidades públicas, ano após ano? O Estado deve proporcionar a educação a todos ou somente aos mais abastados? Pois, o que se evidencia no atual cenário brasileiro é, claramente, a segunda opção. Insta perguntar ao Estado: onde está a aplicação prática da norma disposta no artigo 208, V, da Constituição Brasileira/Carta Magna9?

2.6 DADOS DA ANDIFES

Segundo exaustivos estudos da ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), pode-se auferir que cerca de 4.3% dos alunos têm uma renda familiar per capita de 5 a 7 salários-mínimos ou acima, de 7 a 10, de 10 a 20 ou mais de 20. Neste sentido, tendo em vista que a PEC determina uma renda X, a cobrança de mensalidades não é elitista, visto que o dinheiro sairá dos próprios ricos e será convertido em medidas assistenciais para o mais pobre; ao invés de permanecerem os benefícios de ensino superior somente para os mais ricos.

Cumpre esclarecer, ademais, que a educação brasileira arrecada o dinheiro do imposto do consumo do mais pobre, sendo este o que custeia a maior parte dos impostos, estando concentrado nem em renda e nem em patrimônio, mas no seu consumo de bens essenciais. A partir deste dado, entende-se que este mais pobre é obrigado a financiar todas as universidades

que não pôde (“conseguiu”) entrar, somados ao preço pago em faculdades particulares para ter um ensino superior, visto que a porcentagem do mais pobre é considerada sob aquele que tem renda familiar per capita de até R$400, ou seja, apenas 2%.

2.7 BANCO MUNDIAL

O Banco Mundial é uma instituição financeira internacional responsável por efetuar empréstimos a países em desenvolvimento. Qualificado como o maior e mais conhecido banco de desenvolvimento no mundo, possuir o estatuto de observador no Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas e em outros fóruns internacionais, como o G-20 financeiro. Desta forma, seus estudos e direcionamentos são amplamente respeitados.

A partir disso, urge a necessidade de citar no presente artigo que, com base no estudo efetuado pelo Banco Mundial, o custo de um estudante em universidade pública é entre R$ 12,6 mil a R$ 14,8 mil; e, em universidades federais, a média é de R$ 40,9 mil. Por derradeiro, o Banco Mundial recomenda que as universidades públicas podem produzir o mesmo com 20% a menos de gastos, se mudar a forma que opera.

Complementarmente, de acordo com Pedro Olinto (coordenador da área de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial), o modelo atual é insustentável e, portanto, a recomendação permanece como a melhor forma de produzir mais conhecimento e, concomitantemente, propiciar o ingresso da camada menos abastada da sociedade brasileira – modificando o atual cenário.

3.ESTUDO DE CASO OS IMPOSTOS

No atual contexto social brasileiro, percebe-se que o Brasil é o 14° país do mundo em ranking de impostos, segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), ficando atrás somente de países europeus, os quais são demasiadamente desenvolvidos nos principais âmbitos (social, econômico e cultural).

A partir da análise deste dado, torna-se quase impossível não refletir sobre o quantitativo de impostos que são pagos pelos brasileiros, cotidianamente, durante o ano. Atrelado a este questionamento, emerge também a reflexão sobre a aplicação do dinheiro público, oriundos dos impostos, em prol de toda a sociedade brasileira.

Evidencia-se que a alta carga tributária do país atinge como um golpe fatal, prioritariamente, os mais pobres – em todas as esferas de abrangência; ocasionando as mais diversas consequências. Assim, analisando os impostos que são pagos, depara-se com as universidades públicas, estas, que possuem muitos alunos matriculados.

Contudo, esta visão não é simplista, pois a frase “muitos alunos matriculados” significa, também, “muitos alunos ricos matriculados”. Indubitavelmente, não deveria ser assim; não deve continuar assim. Em tese, mesmo que não haja previsão legal para tal afirmação, e sim algo puramente moral, a universidade pública deveria ser o caminho para os pobres adquirirem educação superior e ter mais uma oportunidade de mudar de vida.

Infelizmente, não é o que mais evidencia-se no atual cenário brasileiro. Pelo contrário, as mudanças que ocorrem incidem, com maior notoriedade, sobre o rico que fica mais rico – ou a classe média alta que começa a se qualificar como rica. A visão social das universidades, na prática, pouco acontece no Brasil, visto que grande parte das vagas ofertadas nas universidades públicas estão ocupadas por membros da alta sociedade, os quais tiveram amplas condições financeiras e sociais para arcar com o custeio de colégios particulares e, inclusive, portam a possibilidade de pagar uma universidade particular, sem maiores dificuldades.

O supra parágrafo leva-nos a uma indagação: o que mantém as universidades públicas? A resposta é objetiva, os impostos. Estes impostos são pagos por todos os brasileiros, incluindo os mais pobres. Consequentemente, ascende uma necessidade de refletir: o mais pobre, aquele que ganha 1 salário-mínimo per capita está pagando para manter a universidade que o rico, que ganha mais que 5 salários per capita está estudando, o que leva a uma revoltosa injustiça.

Conforme exposto em tópicos acima, nitidamente o Banco Mundial, no ano de 2017, manifestou acerca da realização de uma pesquisa, expondo uma maneira de diminuir as desigualdades sociais no Brasil. A maneira, ainda que muitas pessoas (muitos ricos) contrariem, é a cobrança de mensalidade nas universidades públicas no nosso país.

Afinal, sabe-se que uma grande parcela dos estudantes matriculados nas universidades públicas advém de escolas particulares (conforme exposto) e não somente, também vem totalmente preparadas através dos cursos preparatórios.

Ora, há capital para pagar mensalidade da escola particular e curso preparatório, mas não há capital para pagar a mensalidade da faculdade particular e, por isso, precisa da ajuda do governo para adentrar no ensino superior, em uma universidade pública? Inegavelmente, há uma grave contradição. Desta forma, percebe-se que os impostos pagos por todos os brasileiros nas universidades públicas são desiguais, além de favorecer (mais uma vez) o mais rico em face da maior parte da população: os mais pobres.

Isto, pois, os impostos recaem com muito mais peso sobre o consumo de bens e serviços do que sobre a origem das rendas em geral, onde o Brasil faz exatamente o inverso da lógica: cobra mais impostos dos mais pobres e menos impostos dos mais ricos. Por derradeiro, constrói mais um tijolo do edifício de má distribuição de renda existente no país, impedindo a expansão do consumo que poderia dinamizar a economia.

Sendo assim, cumpre expandir os seguintes questionamentos na sociedade atual: como a cobrança das universidades públicas podem ajudar o estudante de baixa renda a ter mais oportunidades para ingressar no ensino superior? Quais as oportunidades para o pobre ingressar nas universidades públicas e reduzir os impostos pagos por estes, uma vez que o valor gerado oriundo da cobrança dos mais ricos nas universidades públicas seriam para o próprio custeio da universidade?

Enxerga-se, portanto, a solução de acolher a proposta da PEC 206/2019: modificar a atual redação do artigo 206 da Constituição Federal. Assim, ao acolher o presente intuito de taxação dos ricos nas universidades públicas, o valor arrecadado será para o próprio custeio da universidade, possibilitando maior assistência ao aluno de baixa renda.

4. CONCLUSÃO

O Direito é representado por um símbolo amplamente conhecido por seus operadores e estudantes, contudo, a sua compreensão teórica não é a mesma aplicada na prática. No atual cenário mundial, as desigualdades e injustiças preponderam cotidianamente entre os indivíduos. Em território brasileiro, enxergam-se altos efeitos desta afirmativa, tendo em vista que o Brasil ocupa a 14ª posição entre os países com a maior carga tributária do mundo, conforme dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a partir de um estudo divulgado no ano de 2021.

Destes, a composição é a seguinte: impostos federais (aproximadamente de 60% das arrecadações); estaduais (cerca de 28%) e municipais (ao redor de 5,5%). Sendo, então uma cobrança que afeta principalmente os mais pobres. Neste sentido, entende-se que é o pobre quem paga a manutenção constante das Universidades Públicas ao redor do país, mas é ele que a usufrui. Pelo contrário: é a camada mais pobre que menos ocupa as vagas disponíveis no ensino superior de Universidade Públicas, sejam estas federais ou estaduais.

Com base neste revoltoso sentimento de injustiça, foi necessário abordar as maiores nuances da proposta, verificando a atual redação da Constituição Federal e, também, o futuro desta, se houvesse aprovação. Neste sentido, apurou-se a proposta da PEC 206/2019 é a melhor solução para modificar a atual situação do Brasil, alterando a redação do artigo 206 da Constituição Federal e, também, acrescentando o §3º no artigo 207 para, portanto, cumprir o que deve ser compreendido como Universidade Pública: ensino superior fornecido àqueles que não possuem condição financeira para arcar com a mensalidade de uma faculdade particular.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília, DF. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 12 jun. 2022.

BRASIL. Lei nº 11.096 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade para Todos – PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior; altera a Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11096.htm>. Acesso em 06 nov. 2022.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª edição. ed. [S. l.]: Saraiva, 2010.

BELTRÃO, Hélio. Cobrança de mensalidade na universidade pública favorece os pobres.

Folha de S. Paulo, 31 maio 2022. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helio-beltrao/2022/05/cobranca-de-mensalidade-nauniversidade-publica-favorece-os-pobres.shtml>. Acesso em: 11 jun. 2022.

CONTABILIDADE, Conselho Federal. Brasil é o 14º país do mundo em ranking de impostos. Jusbrasil: IBNT, 20 jul. 2010. Disponível em: <https://cfc.jusbrasil.com.br/noticias/2514055/brasil-e-o-14-pais-do-mundo-em-ranking-deimpostos.> Acesso em: 11 jun. 2022.

ANFIDES. QUASE 70% dos estudantes da UFJF têm renda familiar mensal per capita até 1,5 salário mínimo. UFIF NOTICIAS, 16 maio 2019. Disponível em: <https://www2.ufjf.br/noticias/2019/05/16/quase-70-dos-estudantes-da-ufjf-tem-rendafamiliar-mensal-per-capita-ate-15-salario-minimo/>. Acesso em: 12 jun. 2022.

STF. Supremo Tribunal Federal. Cobrança de mensalidade em curso de pós-graduação lato sensu por instituição pública de ensino. Disponível em <https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?inciden te=2666225&numeroProcesso=597854&classeProcesso=RE&numeroTema=535>. Acesso em: 12 jun. 2022.

Ministério da Educação. Aberto o período para renegociação de dívidas do FIES. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/renegociacao>. Acesso em 04 nov. 2022.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Ed.WMF Martins Fontes, 2009.

VAGALUME. Música: As meninas – Xibom Bombom. Disponível em: <https://www.vagalume.com.br/as-meninas/xibom-bombom.html>. Acesso em 06 nov. 2022.


1 Roberto Sebastião Petrelli Junior é um general de divisão do Exército e político brasileiro filiado ao União Brasil, eleito em 2018 como deputado federal pelo estado de São Paulo.

2 Kim Kataguiri é o Deputado Federal de São Paulo.

3 Projeto de Lei: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1839016

4 Segundo Luís Roberto Barroso (2010, p. 211)

5 Institui o Programa Universidade para Todos – PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior; altera a Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras providências.

6 Ministério da Educação. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/renegociacao>. Acesso em 04 nov. 2022.

7 Discurso de Kim Kataguiri, 2022.

8 Já diria o clássico brasileiro: Xibom Bombom – As Meninas.

9 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (…). V – Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.


1 Eduardo do Vale Araújo, acadêmico do 10° período do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP, eduardo_vally_araujo@antonio

2 Rosyvania Araújo Mendes, orientadora, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional – UNITAU, Especialista em Docência do Ensino Superior e Direito Administrativo – FACIBRA, Professora do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP, rosyvnia@gmail.com