CLÁUSULAS PÉTREAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

STONE CLAUSES IN THE 1988 CONSTITUTION OF THE FEDERATIVE REPUBLIC OF BRAZIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10213177


Nívea Laís Ferreira Batista


RESUMO

Frente às diversas modificações e evoluções que sucedem no âmbito social, é essencial que os dispositivos normativos sejam atualizados para imperar na medida das necessidades destas. O texto normativo da Constituição Federal de 1988, dispositivo normativo supremo, é receptivo para a decorrência de mudanças e alterações por meio das formas devidamente possíveis e adequadas para tal. Todavia, algumas disposições Constitucionais são inalteráveis, isto é, não podem ser modificadas ou abolidas. São estas as chamadas Cláusulas Pétreas, normas constitucionais de conteúdo assiduamente relevantes, de modo a não poderem ser modificadas em nenhuma hipótese, sendo então de caráter imutável. Estas se tratam da proibição de abolição da forma federativa de Estado, do voto direto, secreto, universal e periódico, da separação dos Poderes e dos direitos e garantias individuais. As Cláusulas Pétreas encontram-se no conjunto do controle de constitucionalidade, pois é exatamente neste momento que nos deparamos com os limites à reforma constitucional, e a importância de sua ampliação de acordo com a realidade da sociedade brasileira. Dessa forma, o trabalho se concentra na abordagem e explanação de uma visão crítica, com foco na função das cláusulas pétreas na Constituição da República Federativa do Brasil, sua legitimidade, aplicação perante o povo brasileiro e sua ampliação de acordo com a realidade brasileira. Este tem então como objetivo analisar as Cláusulas Pétreas ampliadas na Constituição Federal de 1988, a fim de verificar sua eficácia, benefícios ou até mesmo prejuízos destinados a sociedade. Sua elaboração sucedeu por meio busca por materiais bibliográficos que servissem para a devida fundamentação teórica da pesquisa em bancos de dados virtuais como a plataforma SciELO e Google Acadêmico. Sendo então por fim, compreendido de fato acerca do motivo para este caráter de imutabilidade das Cláusulas Pétreas, o qual se trata de uma forma de segurança jurídica ao Ordenamento Jurídico brasileiro e à sociedade, de maneira a manter o Texto Constitucional como inicialmente disposto, resguardando os direitos fundamentais.

Palavras-chave: Cláusulas Pétreas. Direitos Fundamentais. Imutável. Segurança Jurídica.

ABSTRACT

Faced with the various changes and developments that occur in the social sphere, it is essential that the normative devices are updated to prevail in accordance with their needs. The normative text of the Federal Constitution of 1988, the supreme normative device, is receptive to the result of changes and alterations through duly possible and appropriate forms for such. However, some constitutional provisions are unalterable, that is, they cannot be modified or abolished. These are the so-called Immutable Clauses, constitutional norms of assiduously relevant content, so that they cannot be modified under any circumstances, being therefore immutable. These deal with the prohibition of the abolition of the federative form of State, of direct, secret, universal and periodic voting, of the separation of Powers and of individual rights and guarantees. The Immutable Clauses are considered in the set of constitutionality control, as it is exactly at this moment that we are faced with the limits to constitutional reform, and the importance of its expansion in accordance with the reality of Brazilian society. In this way, the work focuses on the explanation approach from a critical view, focusing on the function of the stony clauses of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, its legitimacy, presidential application to the Brazilian people and its expansion according to the Brazilian reality. This then aims to analyze the Extended Immutable Clauses in the Federal Constitution of 1988, in order to verify their effectiveness, benefits or even losses for society. Its elaboration occurs through a search for bibliographic materials that serve for the proper theoretical foundation of the research in virtual databases such as the SciELO platform and Google Scholar. Finally, being understood in fact about the reason for this character of immutability of the Immutable Clauses, which is a form of legal security to the Brazilian Legal System and to society, in order to maintain the Constitutional Text as initially disposed, safeguarding fundamental rights.

Keywords: Stone Clauses. Fundamental rights. Unchangeable. Legal Security.

INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 se trata do dispositivo normativo supremo que impera no Ordenamento Jurídico brasileiro. Apesar de ter sido sua promulgação no ano de 1988, seu texto normativo é vigente até a atualidade, tendo passado por modificações, alterações e evoluções.

Fato este que fora possível em razão de ser a Constituição Federal de caráter reflexivo, isto é, que pode sofrer alterações em seu texto, por meio de propostas de Emendas Constitucionais, as chamadas PEC. Para tal, estas propostas de Emendas Constitucionais são inicialmente encaminhadas à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação (CCJR), a fim de ter sua admissibilidade votada, para que de fato haja ou não a alteração proposta. De modo que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 já passou por diversas modificações até os dias atuais.

Entretanto, existem algumas disposições Constitucionais que não podem sofrer alterações e devem suceder da maneira exata como o texto normativo inicial promulgado em 1988, dispõe. São estas, as chamadas Cláusulas Pétreas, quatro disposições imutáveis, presentes no art. 60, § 4º da Constituição Federal.

Entende-se por Cláusulas Pétreas, disposições normativas inseridas na Constituição Federal de 1988 que não podem ser alteradas. Estas se tratam de normas constitucionais de conteúdo assiduamente relevante, de modo a não poderem ser modificada em nenhuma hipótese, sendo então de caráter imutável.

Estas fazem parte do conjunto do Controle de Constitucionalidade, tendo em vista que se tratam de meios para limitar à reforma constitucional, isto é, estas são possíveis de acontecer, mas sempre respeitando a inviolabilidade das Cláusulas Pétreas. Assim, advindas do Poder Constituinte Originário, propiciam então uma segurança jurídica, garantindo que estas não serão jamais alteradas, ainda que se atualize e evolua a sociedade e suas necessidades, bem como suas disposições normativas.

O presente estudo tem como objetivo geral analisar as cláusulas Pétreas ampliadas na Constituição Federal de 1988, a fim de verificar sua eficácia, benefícios ou até mesmo prejuízos destinados à sociedade. Ao passo que tem como seus objetivos específicos: interpretar as Cláusulas Pétreas e as disposições de cada uma destas; compreender acerca de como fora o surgimento das Cláusulas Pétreas; analisar; entender como as Cláusulas Pétreas podem ser instrumentos de proteção dos direitos fundamentais.

Por meio deste, almeja-se examinar as cláusulas pétreas na Constituição de 1988, visando compreender sua função, abordando ainda, pontos de vistas existentes na doutrina, focando na repercussão que tem na realidade do povo brasileiro com a Constituição, em relação à sua proteção. Desse modo, indaga-se a teoria das matérias imutáveis (cláusulas Pétreas) em âmbito constitucional se adequam à realidade no Brasil e são devidamente eficazes?

Este foi elaborado com base na busca por materiais bibliográficos que servissem para a devida fundamentação teórica da pesquisa em bancos de dados virtuais como a plataforma SciELO e Google Acadêmico. Por meio desta pesquisa foi possível então obter livros, artigos científicos, teses e jurisprudências que versassem acerca da temática e propiciassem seu melhor entendimento. Acerca da abordagem será utilizado Abordagem qualitativa, sobre o método utilizado optou-se por método dedutivo, o qual parte da análise geral para um particular até sua conclusão, pois, consiste na identificação do problema e na formulação das hipóteses para serem testadas e assim chegar a um resultado. 

O presente artigo científico tem o intuito de realizar um estudo aprofundado das Cláusulas Pétreas, haja vista, que por mais que se tenha várias pesquisas sobre tal assunto de tamanha importância se limitam a citar a regra constitucionalmente imposta, deixando de explanar maior conteúdo de estudo e discussão.

1 Aspectos introdutórios das Cláusulas Pétreas: conceito e características

Apesar dos procedimentos necessários e formalidades que requerem ser seguidas para que haja uma alteração Constitucional, vale dispor que estas modificações não poderão suceder em qualquer disposição da Constituição Federal. Via de regra, visando propor alterações e melhorias neste dispositivo de caráter normativo supremo, é necessário decorrências como a proposta de Emendas Constitucionais, as quais devem ser apresentadas pelo presidente da República, por um terço dos deputados federais ou dos senadores ou por mais da metade das assembleias legislativas, as quais serão discutidas e votadas pelas autoridades competentes.

As alterações e necessidades de reformas sucedem em razão do fato que nada é absoluto, tendo em vista que no decorrer do tempo, tudo passa por alterações, de modo que os costumes, pensamentos e necessidades da sociedade mudaram e mudarão, se adequando a realidade e tempo vigente. Assim, é ao ser vislumbrada a necessidade de adequação normativa que são então propostas as possibilidades de mudanças Constitucionais.

De acordo com Lopes (2009), o mundo globalizado passa por mudanças profundas e cada vez mais frequentes na sociedade moderna, havendo uma ampla evolução das sociedades em razão de sua mobilidade, de sua capacidade de variação, gerando transformações que influem diretamente na mutação dos princípios e instituições sociais, de modo que valores antes tidos como fundamentais, passam a não ter mais tamanha relevância. Assim, o autor complementa que tendo em vista que o Direito é um processo de adaptação social, também deve estar sujeito às transformações sofridas pela sociedade, devendo haver um mecanismo que possibilite ao ordenamento constitucional acompanhar as evoluções das ideologias sociais, a fim de que seja garantida a soberania popular, devendo o direito estar sempre se renovando, se atualizando de acordo com os valores da sociedade a qual serve.

Estas propostas devem atender às possibilidades Legislativas que as permitam, de modo que algumas vertentes específicas não podem ser levadas a serem emendadas, isto é, não podem sofrer alterações, ainda que seja visando melhorias. Estas se tratam das cláusulas pétreas, artigos dispostos na Constituição Federal que não podem passar por nenhuma espécie de modificação.

Também chamadas de cláusula de eternidade ou cláusulas de inamovibilidade, estas remetem a ideia de irreformabilidade, isto é, impossibilidade de reformas e mudanças. De certa forma, esta inalterabilidade atua como sendo um meio de proporcionar segurança ao Ordenamento Jurídico brasileiro, atuando como uma maneira de impedir que mudanças bruscas ocorram e venham a causar profundas alterações a seu âmago, impedindo danos irreparáveis e até mesmo um grande enfraquecimento que mude a essência da ideia da Constituição. 

O termo Cláusula Pétrea traduz a vontade da Assembleia Constituinte de retirar do poder constituinte reformador – parlamentares que compõem as sucessivas legislaturas – a possibilidade de alterar determinado conteúdo da Constituição em razão de sua importância. Para alterar o conteúdo disposto em cláusulas pétreas, é preciso promulgar uma nova Constituição (CNJ, 2018, p. 01).

Lopes (1993) dispõe que essas cláusulas são chamadas de pétreas, intocáveis, irreformáveis ou eternas segundo a doutrina, e se tratam de limites fixados ao conteúdo ou substância de uma reforma constitucional e que operam como verdadeiras limitações ao exercício do Poder Constituinte reformador ou derivado. Para o autor, as cláusulas pétreas, ou ainda de garantia, traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profundas mudanças de identidade.

Para Neves (2014), esse limite material ao poder de revisão, chamado de cláusula pétrea, tem como uma de suas principais razões a vontade de se evitar uma interferência do Poder Executivo nos demais Poderes.

Em suma, as Cláusulas Pétreas são vistas como uma maneira de limitar as possibilidades de reformas, ou seja, este caráter de imutabilidade pode ser considerado como um limite que é dado ao Poder Constituinte reformador. Isto é, sua principal função é impedir que tais matérias venham a ser alteradas ou abolidas pelo poder de reforma que é resguardado à Constituição.

Nessa linha, as cláusulas pétreas buscam fundamento no intento do poder constituinte originário impor limites éticos e substanciais além dos quais seu próprio projeto de nação seria desnaturado (VIEIRA, 2009, p. 25-26).

Constituição rígida, em virtude da figura das cláusulas pétreas (limites materiais) que, segundo a doutrina majoritária, são imodificáveis, pois protegem e garantem o valor integrativo da Constituição, sua substância e seu núcleo (LOPES, 2009, p. 07).

Sob esse ângulo, segundo Rosa (2018), as cláusulas pétreas assegurariam que o processo de construção constitucional siga determinadas balizas que impeçam qualquer regressão na comunidade. 

São impostos diversos limites ao Poder Constituinte Reformador, que garantem a identidade e a estabilidade da Constituição. Dentre estes limites, encontramos as cláusulas pétreas, que impedem a modificação de determinadas matérias, tidas como o núcleo fundamental da Constituição (LOPES, 2009, p. 02).

As Cláusulas Pétreas são expressamente dispostas na Constituição Federal no art. 60, §4º, um rol explícito, onde consta neste de maneira breve, clara e objetiva sobre esta não possibilidade de mudanças e quais são as cláusulas de maneira específica:

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: 

I – a forma federativa de Estado; 

II – o voto direto, secreto, universal e periódico; 

III – a separação dos Poderes; 

IV – os direitos e garantias individuais (BRASIL, 1988).

Ou seja, estas questões são então fixas e inalteráveis, não podendo passar por alterações. Estas se tratam de disposições fundamentais que são intangíveis, sendo de maneira peculiar às demais normas, as quais podem ser alteradas mediante as propostas e possibilidades para tal. Estas devem ser respeitadas mesmo frente ao dinamismo e evolução social que demanda e necessita de mudanças.

Apesar de o texto constitucional apontar para a proibição das cláusulas serem abolidas, vale dispor que não é necessário apenas a interpretação literal que dispõe quanto a inviolabilidade destas, mas deve também ser reconhecida a impossibilidade de qualquer alteração, reforma ou modificação das cláusulas. Acerca deste entendimento, Silva (2014, p. 69) afirma que:

É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: “fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado”, “fica abolido o voto direto…”, “passa a vigorar a concentração de Poderes”, ou ainda “fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação…, ou o habeas corpus, o mandado de segurança…”. A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, “tenda” (emendas tendentes, diz o texto) para a sua abolição. Assim, por exemplo, a autonomia dos Estados federados assenta na capacidade de auto-organização, de autogoverno e de autoadministração. Emenda que retira deles parcela dessas capacidades, por mínima que seja, indica tendência a abolir a forma federativa de Estado. Atribuir a qualquer dos Poderes atribuições que a Constituição só outorga a outro importará tendência a abolir o princípio da separação de Poderes (SILVA, 2014, p. 69).

Para Andrade (2009), a enumeração explícita das cláusulas pétreas é escolha do Poder Constituinte Originário que, em função do compromisso assumido em certo momento histórico, se perpetua através do tempo e não precisa necessária e explicitamente contemplar no seu rol os direitos fundamentais.

Analisando cada uma destas de maneira específica, é possível perceber que de fato se tratam de imposições remotas e vigentes até a atualidade. Quanto à forma federativa de Estado, se trata de um princípio fundamental estruturante da República brasileira disposta no art. 1º, caput, da Constituição Federal, não podendo tal forma ser abolida ou alterada.

Toda modificação do Texto Constitucional que tendesse a abolir a Federação em que a República brasileira se constitui não pode prosperar no processo de reforma da Constituição – o que não significa que toda modificação relacionada à organização federativa do Estado brasileiro deve malograr (MERHEB, 2020, p. 05).

A segunda cláusula apontada se trata quanto a forma como deve suceder o voto nos casos de eleição de candidatos no âmbito da política. As eleições se tratam de um processo democrático onde a população deve escolher, por meio de votação, quem deve ser o candidato escolhido ou os escolhidos, para ocuparem determinado cargo político. Esta realização sucede por meio de votação, a qual, como disposta na Constituição Federal, deve suceder por meio de voto direto (o indivíduo vota diretamente em seu candidato escolhido), secreto (apenas o indivíduo pode saber), universal (todos tem direito a votar) e periódico (ocorre apenas em determinados períodos de tempo).

Em seguida, a cláusula pétrea que dispõe acerca da Separação dos Poderes significa dizer que a maneira de atuação estatal se divide em três poderes, é a chamada teoria de Montesquieu que fora adotada na Constituição Federal e funciona da maneira tripartite. Os poderes são divididos em Legislativo, Executivo e Judiciário, tendo cada um destes sua própria função, de modo a ser o poder descentralizado no Ordenamento Jurídico brasileiro, pois não recai apenas em um único âmbito, mas cada um destes tem sua própria e específica função, não podendo tal imposição ser modificada.

Por fim, analisando a última cláusula pétrea, entende-se os direitos e garantias individuais como as prerrogativas e ressalvas dispostas a todos os cidadãos. Trata-se de uma disposição que se destina a proteger os indivíduos de modo geral, assegurando e resguardando seus direitos, o que também não pode ser modificado.

Direitos e garantias individuais estão enunciados ao longo do texto constitucional, em especial no artigo 5°. Também se classificam como tais os direitos sociais, que, de acordo com o artigo 6º da Constituição, são a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados, conforme descritos na Carta Magna. Novos direitos e garantias ainda podem ser acrescentados à Constituição (CNJ, 2018, p. 02).

Assim, entende-se então que as cláusulas pétreas foram dispostas de maneira a conseguir manter no âmago da sociedade, a base originária do Ordenamento Jurídico brasileiro, de modo que mesmo se adequando à evolução social e suas necessidades, ainda assim esteja de acordo com esta. Vislumbra-se então uma ideia de segurança jurídica, tendo em vista ter a ciência de que apesar das alterações que podem decorrer, ainda assim o básico e inicial, não sofrerá modificações.

De acordo com Andrade (2009), verifica-se, preliminarmente, que a noção de direitos fundamentais não se confunde com o conceito de cláusulas pétreas, de modo que estas constituem gênero da qual aqueles são espécies. Para o autor, embora o conceito de cláusulas pétreas seja mais abrangente do que o de direitos fundamentais, eles poderiam identificar-se na hipótese única em que coincidissem, isto é, seriam cláusulas pétreas só os direitos fundamentais, mas não é o que ocorre na Constituição vigente.

Por fim, Lopes (2009) afirma então que se pode dizer que a violação da identidade constitucional, que se daria com a superação das cláusulas pétreas por qualquer procedimento, configura uma verdadeira fraude à constituição.

Apesar desta impossibilidade de modificação, havendo alguma hipótese de violação inconstitucional das cláusulas pétreas através do poder de reforma, há então a possibilidade de controle judicial da constitucionalidade desta emenda que fora responsável por tal violação.

Assim, entende-se então que por meio da disposição destas cláusulas e a fixação destas como plenamente imutáveis e inalteráveis, não há quaisquer possibilidades para modificar seu conteúdo e os direitos à sociedade que são resguardados. Por meio destas, é possível dispor ao Ordenamento Jurídico sua segurança e garantia de mantimento das disposições originárias, entretanto, vale dispor que estas cláusulas nem sempre existiram, e anteriormente a sua imposição, era demasiadamente diferente o andamento das decorrências no âmbito nacional.

2 Origem das Cláusulas Pétreas

É possível vislumbrar o caráter benéfico e até “conservador” dos valores remotos e originais no Ordenamento Jurídico que as Cláusulas Pétreas concedem. Entretanto, suas ressalvas nem sempre foram asseguradas à sociedade brasileira, tendo em vista que anteriormente a disposição destas, não havia tal proteção a forma federativa do Estado, ao voto, separação dos poderes, bem como aos direitos e garantias dos indivíduos.

Para abordar acerca das cláusulas pétreas é necessário fazer menção às constituições anteriores vigentes no Brasil. A primeira Constituição foi outorgada em 1824, e após esta outras também foram vigentes no Brasil como as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e por fim, e em vigência, a Constituição Federal de 1988. Estas que foram passando por alterações no decorrer do tempo, permitiram chegar ao texto normativo vigente da Constituição Federal de 1988.

A primeira Constituição do Brasil não apontava cláusulas pétreas como tem-se na atualidade, de modo que não havia então este rol específico que limita a atuação do Poder de Reforma. No máximo, as disposições que mais se assemelham às cláusulas pétreas, era o texto de seu preâmbulo e alguns artigos que firmavam o Imperador Dom Pedro I como defensor perpétuo e com reinado para todo o sempre.

Segundo Koehler (2008), em 1891 surgiram as primeiras cláusulas pétreas explícitas, quais sejam, o regime republicano, a forma federativa de estado e a igualdade de representação dos Estados no Senado (art. 90, §4º). O autor aponta ainda para a situação similar que persistiu na Constituição de 1934 (art. 178, §5º), mas sem referência à igualdade de representação dos Estados no Senado. Ao passo que Constituição de 1937 apareceu como a única na história que não previu cláusulas pétreas. A Carta Magna de 1946, por sua vez, retomou a tradição das duas primeiras Constituições republicanas e também prescreveu que não seriam admitidos como objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a Federação ou a República, o que foi mantido com praticamente a mesma redação nas Constituições de 1967 e 1969.

Por fim, a última e vigente Constituição Federal fora promulgada trazendo consigo inovações e novas disposições como garantia de direitos e deveres a todos, novos direitos trabalhistas, dentre outros.

Essa Constituição abriu precedente para uma grande produção legislativa (OLIVEIRA, 2015, p. 21).

Em tempos passados, na época da Constituição de Weimar, onde prevaleciam os ideais do século XIX, as constituições eram dispostas de maneira assiduamente rígida. Rigidez esta que acarreta instabilidades e crises. Foi em meados do fim da Segunda Guerra Mundial que surgiu a ideia de ter-se uma constituição que tivesse algumas partes afastadas do âmbito de deliberação dos Poderes Constituintes, com o intuito de manter e preservar sua essência.

Foi então quando houve a ideia de introduzir algumas cláusulas que fossem devidamente protegidas. Estas tinham a proteção contra emendas constitucionais que intentassem sua revogação.

Segundo Neves (2014), o rol das cláusulas pétreas foi consideravelmente ampliado na Constituição de 1988 em comparação com as anteriores, de modo que essa ampliação é atribuída ao momento histórico vivido, qual seja, a saída de uma ditadura militar autoritária e as ideologias dominantes nesse contexto

As cláusulas pétreas têm seu surgimento atrelados a acontecimentos em outros países e que influenciarão em sua disposição no âmbito nacional. De acordo com Merheb (2020), a história constitucional desde o epílogo do surto totalitário que flagelou o mundo de 1939 a 1945 precisou encontrar outros métodos e instrumentos preservassem o Estado de direito contra os aleives do poder, mais potentes que aqueles suscitados ao longo do século das luzes e da juventude do liberalismo. 

Ainda segundo o autor, a Itália em 1946, a Alemanha em 1949, a França em 1956 são alguns dos exemplos que optaram por alojar tais limitações em seus Textos Fundamentais, de modo que no Brasil não foi diferente quando da instauração da última assembleia constituinte em que o constituinte originário tratou de se guarnecer o Estado contra tudo que molestava os primados que reputava os mais elevados: a Federação, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais e o sufrágio.

O instituto das cláusulas pétreas incluídas na Constituição de 1988 buscou resguardar o cidadão dos desmandos do Estado vivenciados em um período ditatorial intenso e prolongado, buscando maior segurança jurídica nos aspectos referentes aos direitos e garantias individuais (GODOI, 2019, p. 07).

Em suma, para Sarmento e Souza Neto (2014), no Brasil, a consagração das cláusulas pétreas em sucessivos textos constitucionais consolidou o entendimento de que elas são juridicamente vinculantes e parâmetros para o controle de constitucionalidade de emendas à Carta Federal.

Por fim, para Queiroz (2006), ao mesmo tempo que as cláusulas pétreas surgiram como instrumentos que inviabilizam o desrespeito aos direitos mais fundamentais dos cidadãos (pelo menos no marco histórico de criação do Estado), bem como às estruturas estatais formadoras do Estado, estes dispositivos nasceram de uma pretensão de sabedoria do legislador constituinte originário. 

3 Cláusulas Pétreas como instrumentos de proteção dos direitos fundamentais

Esta imutabilidade das cláusulas pétreas traz consigo a ideia de ser um instrumento que visa a proteção dos direitos fundamentais assegurados aos cidadãos brasileiros. Por meio destas, é possível assegurar que de fato, mesmo frente ao dinamismo e evolução social, bem como com a ocorrência de alterações de leis e novas disposições normativas, o caráter originário inicialmente estabelecido, não passará por nenhuma modificação. 

De fato, apesar do elevado número de modificações que sofreu, a Constituição permanece com o mesmo espírito dirigente, garantista e programático, no tocante às principais questões de relevo nacional, de quando foi promulgada. Nesse sentido, o cerne mantém-se preservado.

As cláusulas pétreas serviriam como elementos de proteção de decisão tomada em momento deliberativo superior da comunidade. É dizer, para além da supremacia e perenidade da Constituição (ROSA, 2018, p. 46).

Oliveira (2015) complementa o supracitado dispondo que é como se fosse um modo de segurança, que impede que as eventuais reformas causem danos irreparáveis ou um grande enfraquecimento e mudem a essência da ideia da Constituição.

Para Simões Neto (2006), de fato, é razoável admitir que uma Constituição possua um núcleo que resguarde sua essência, de modo que sua existência seria vital à sua harmonia do ordenamento que ela organiza.

Assim, entende-se que, enquanto estas disposições petrificadas estiverem presentes no texto da Constituição Federal, a sociedade e gerações futuras ficam impossibilitadas de alterar ou abolir tais decorrências do Ordenamento Jurídico. Desse modo, mesmo em necessidades de atender a novas demandas, estas devem suceder da maneira como encontram-se dispostas, sob hipótese de violação constitucional. Vislumbrando-se então o caráter de segurança jurídica que este propicia o âmbito jurídico e sua forma de atuação. 

Para Mendes (2020), tais cláusulas de garantia (Ewigkeitsgarantie) traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento, ou impliquem profunda mudança de identidade do tê-los constitucional. Constituição contribui para a continuidade da ordem jurídica fundamental, na medida em que impede a efetivação de um suicídio do Estado de Direito democrático sob a forma de legalidade.

Canotilho (2000) complementa ainda ao dispor que realizar a Constituição significa então tornar juridicamente eficazes as normas constitucionais, tendo em vista que qualquer constituição só é juridicamente eficaz (pretensão de eficácia) através da sua realização, a qual se trata de uma tarefa de todos os órgãos constitucionais que, na atividade legiferante, administrativa e judicial, aplicam as normas da constituição.  

Essas limitações materiais à reforma da Constituição se prestam à conservação da identidade perseguida pelo constituinte originário ao perfilhar a ordem constitucional (MERHEB, 2020, p. 01).

De acordo com Andrade (2009), embora as cláusulas pétreas possam ser conceituadas de maneira relativamente simples, a questão assume relevo ainda maior quando se trata de vinculá-las à proteção dos “direitos fundamentais”, tal como expresso no inciso IV do § 4° do art. 60 da Constituição da República. 

Desse modo, entende-se então que as cláusulas pétreas são especificamente destinadas a assegurar de maneira rígida e com efetiva garantia de funcionamento o âmbito original da Constituição, isto é, sua identidade inicialmente estabelecida. Por meio desta é possível assegurar que não haja alterações bruscas acercas das disposições destas cláusulas e que o Ordenamento Jurídico não irá se apartar destas, as resguardando devidamente, tendo em vista se tratarem conquistas jurídicas, políticas e sociais que tão somente foram alcançadas pela sociedade com o decorrer do tempo.

Segundo Andrade (2009), na condição de cláusula pétrea vem agregada uma série de relevantes restrições materiais à liberdade de conformação do legislador ordinário e ao poder de reforma do Poder Constituinte Derivado. Além disso, acresça-se a complexa questão sobre a relação das cláusulas pétreas e a vinculação de gerações futuras, isto é, como compatibilizar o enunciado aparentemente estático do texto constitucional com a dinâmica da realidade subjacente em distintos momentos históricos.

Assim, o Supremo tem recorrentemente manuseado as cláusulas pétreas e participado do processo de construção constitucional (ROSA, 2018, p. 10).

As cláusulas pétreas são então formulações jurídicas destinadas a manter a ordem garantindo a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.  A ausência dessas normas de controle possibilita a destruição da ordem constitucional. Dito isso, as Cláusulas Pétreas preservam uma substância constitucional revestida de uma rigidez necessária que não pode deixar de serem aplicadas a não ser por uma mudança de ideologia na evolução gradual da sociedade brasileira. 

Desse modo, compreende-se que as Cláusulas Pétreas se tratam de uma maneira de impedir reformas e modificações bruscas que se afastem da ideia original da Constituição Federal. Sendo por meio destas que se assegura a preservação do que fora resguardado desde o início através deste dispositivo normativo supremo. De maneira que, então, sem as Cláusulas Pétreas a democracia estaria em colapso, com futuro imprevisível, pois estaria sujeita às modificações e alterações que fossem dispostas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, com base nos levantamentos bibliográficos supracitados foi possível compreender de fato acerca da forma de disposição das Cláusulas Pétreas na Constituição de 1988, pontos de vistas existentes na doutrina, e quanto a sua relação com a questão da proteção dos direitos fundamentais. Tendo sido os objetivos inicialmente almejados, devidamente atingidos e apresentados no decorrer do trabalho.

Com base nas disposições tecidas no presente artigo, foi possível compreender que é plenamente possível que haja a alteração de alguma disposição na Constituição Federal, desde que essas não se tratem de conteúdos imutáveis, isto é, não seja uma Cláusula Pétrea. 

Originadas apenas com o decorrer do tempo e com base em influências de outros países, as Cláusulas Pétreas se tratam de nada menos que uma segurança jurídica aos preceitos inicialmente dispostos no texto Constitucional. Por meio destas é então possível resguardar as disposições iniciais asseguradas pela Constituição Federal, impondo limites e impedindo que sucedem bruscas modificações que possam acarretar um grande afastamento do ideal Constitucional inicialmente disposto.

Em suma, entende-se então, que por meio das Cláusulas Pétreas há uma certeza quanto a forma de organização do Ordenamento Jurídico de modo geral, pois, este permanecerá inerte e fielmente igual a maneira como fora disposta desde os tempos passados. De modo que, mesmo se alterando, evoluindo a Sociedade e trazendo consigo novos anseios, ainda assim sua base permanecerá como sempre fora, resguardando os direitos fundamentais.

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