CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7993847


Gercimara Feitosa dos Santos1
Sara Ravena dos Santos Araújo2
Gilberto Antônio Neves Pereira da Silva3


RESUMO

O presente artigo tem como finalidade versar sobre os contratos de plano de saúde, enquanto contratos de adesão no contexto dapandemia da covid-19 de forma a verificar possíveis abusividades. Para alcance desse objetivo dividiu-se o artigo em três partes, inicialmente discute-se acerca do direito à saúde e a relação consumerista estabelecida no estabelecimento da saúde suplementar. Em um segundo momento, trata-se sobre os contratos de plano de saúde enquanto contratos de adesão. E por fim, será analisado os impactos nos contratos de plano de saúde durante o período de pandemia do covid-19. Quanto a metodologia, utilizou-se o método dedutivo, pesquisa bibliográfica e documental, sendo acessadas informações legais, entendimentos doutrinários e jurisprudências a respeito do tema, com parâmetros descritivos e comparativos. Constatou-se que existe regulamentação específica para os planos de saúde, contudo, por tratar-se de relação consumerista, é nítida a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, em caso de eventual conflito entre as leis deverá sempre prevalecer a que for mais benéfica para o consumidor. Dessa forma, as operadoras de planos de saúde privados não podem se utilizar das cláusulas contratuais para se abster das obrigações contratuais, tornando-o o contrato abusivo. Ressalta-se que em havendo eventuais conflitos, deve ser analisado cada caso concreto, buscando sempre privilegiar o equilíbrio contratual entre as partes.

Palavras-Chave: Contratos. Plano de saúde. Pandemia. Covid–19. Abusividade. Consumidor.

ABSTRACT

The purpose of this article is to discuss health plan contracts, as adhesion contracts in the context of the covid-19 pandemic, in order to verify possible abusiveness. To achieve this objective, the article was divided into three parts, initially it discusses the right to health and the consumerist relationship established in the establishment of supplementary health. In a second moment, it deals with health plan contracts as adhesion contracts. And finally, the impacts on health plan contracts during the covid-19 pandemic period will be analyzed. As for the methodology, the deductive method was used, bibliographical and documentary research, accessing legal information, doctrinal understandings and jurisprudence on the subject, with descriptive and comparative parameters. It was found that there are specific regulations for health plans, however, as it is a consumerist relationship, the application of the Consumer Defense Code is clear. Therefore, in the event of any conflict between laws, the one that is most beneficial to the consumer shall always prevail. Thus, private health plan operators cannot use contractual clauses to refrain from contractual obligations, making the contract abusive. It should be noted that in the event of any conflicts, each specific case must be analyzed, always seeking to favor the contractual balance between the parties.

Keywords:Contracts. Health insurance. Pandemic. Covid-19. Abusiveness. Consumer.

INTRODUÇÃO

É cediço que o ordenamento jurídico brasileiro insere a saúde como direito de todos e dever do Estado, inclusive inserindo-o como um direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal. Nesses termos, o Estado tem papel de destaque na efetivação desse direito, tendo em vista que deve atuar na promoção de ações e serviços que assegurem tal direito a todos indistintamente, utilizando-se para tanto do Sistema Único de Saúde (SUS).

A saúde pública no Brasil é tida como direito coletivo social essencial, contudo, embora os direitos sociais devam respeitar o princípio da reserva do possível, sempre houveram questionamentos e inquietações em razão do desrespeito ao atendimento do mínimo existencial à população. A superlotação, a incerteza de receber um atendimento adequado e o receio da demora faz com que os planos de saúde privados apresentem-se como uma alternativa bastante atrativa para aqueles que possuem poderio econômico para tanto. Por isso, muitas dessas pessoas, buscando maior segurança, celeridade e qualidade no serviço, optam pela contratação de um plano de saúde.

Contudo, em que pese a costumeira procura pelos planos de saúde privados, em um cenário atípico de pandemia, como aconteceu na pandemia do Covid-19, onde houve a decretação do estado de calamidade, não há como negar que a procura por planos de saúde aumenta consideravelmente, tendo em vista sobretudo o surto causado pelo vírus.

Isso posto, tem-se que a motivação para o presente trabalho resultou da essencialidade da temátiva tendo em vista sua relevância para os próximos anos, especialmente pela potencialidade que possui em gerar demandas judiciais que procurem resolver as questões contratuais que foram afetadas pela pandemia do Covid-19, as quais possuem aptidão para transformar a forma como os indivíduos negociam.

À vista disso, o artigo norteia-se com fito a responder a problemática no sentido de compreender quais os possíveis impactos do covid-19 nos contratos de plano de saúde vigentes à época.

Em suma, levando-se em consideração a natureza dos contratos de adesão, tendo como foco os contratos de plano de saúde, busca-se com o presente artigo analisar os contratos de plano de saúde, enquanto contratos de adesão no contexto da pandemia da covid-19 de forma a verificar possíveis abusividades.

Quanto a metodologia, utilizou-se o método dedutivo, pesquisa bibliográfica e documental, com parâmetros descritivos e comparativos.

Sendo assim, inicialmente o estudo versará sobre o direito à saúde e a relação consumerista determinada no estabelecimento da saúde suplementar. Sob outra perspectiva, tratará sobre os contratos de plano de saúde enquanto contratos de adesão. E, por fim, será analisado os impactos nos contratos de plano de saúde durante o período de pandemia do covid-19.

A contribuição social da pesquisa reside no seu potencial em provocar maiores reflexões acerca da matéria, podendo servir de base para novos projetos científicos e acadêmicos, bem como servir de arcabouço histórico de pesquisa para que futuramente as incertezas sejam reduzidas.

1. O DIREITO À SAÚDE INSERIDO NO CONTEXTO BRASILEIRO

Não obstante o direito à saúde tenha sido inserido no art. 6º da Constituição Federal como direito fundamental essencial à realização do Estado Democrático de Direito, segundo a redação do artigo 196 do mesmo diploma, é tido ainda como um direito de todos e dever do Estado.

O legislador constituinte ao enunciar que o direito à saúde é dever do Estado, atribuiu ao ente a efetiva concretização do direito através de políticas sociais eeconômicas que visem à redução do risco de doença e forneça o acesso igualitário às ações eserviços para promoção do direito. Nesses termos, Masson (2020, p. 415) fornece um parecer elucidativo acerca da classe dos direitos sociais ao qual o direito à saúde está incluido, veja:

Convém recordar que referidos direitos, enquanto prerrogativas constituídas na segunda dimensão dos direitos fundamentais, normalmente exigem prestações positivas do Estado, que deverá implementar a igualdade jurídica, política e social entre os sujeitos que compõem o desnivelado tecido social.

Paralelamente a isto, destaca-se que a Constituição de 1988 inovou quando além de colocar o direito à saúde para todos, complementou inserindo o governo como responsável por realizar tal direito. Pois, com isso, a finalidade do sistema de saúde passou a contemplar não apenas a restauração da saúde, mas a sua promoção e proteção.

Acima disso, foram inseridos, no próprio texto constitucional, relevantes diretrizes organizatórias e procedimentais para efetivação do direito. A Constituição Federal nos arts. 198 a 200, dirigiu-se à coordenação do Sistema Único de Saúde (SUS), criado por meio da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) é um sistema abrangente que atende qualquer pessoa, desde pequenos procedimentos até situações mais complexas, como um transplante de órgão, por exemplo. Sublinha-se que o atendimento pelo SUS é realizado sem custos extras visto que os procedimentos já são custeados atráves da arrecadação de tributos.

Todavia, ainda que o direito à saúde, deva ser considerado um dever público, que vincula o Estado, este pode também vincular os particulares enquanto prestadores de serviços. Isso porque, o Estado segundo o art. 197 da Constituição Federal dividiu as competências públicas em “ações” e “serviços de saúde”. As ações seriam as vinculadas aos campos da regulamentação, fiscalização e controle, ao tempo em que o “serviço de saúde” seria a efetiva prestação.

Nesse sentido, entende-se que a fiscalização e o controle não poderiam ser ações delegadas à iniciativa privada, ao passo que a prestação de serviço pode ser terceirizada, assim, em realidade o Estado estaria executando essa atividade por meio da contratação de terceiros.

Como bem aduz Carvalho Filho (2017, p. 246) o Estado pode delegar a execução de serviços de saúde aos particulares, no entanto, ainda que faça “[…] o Estado não pode deixar de ter alguma responsabilidade nesse processo. Afinal, quem teve o poder jurídico de transferir atividades há de suportar, de algum modo, as consequências do fato”.

Vale ressaltar que a prestação do serviço de saúde, ainda quando seja efetuado por particulares, seja concessionários ou permissionários, continua sendo um serviço público, o que cria o dever do prestador exercer tais atividades segundo os ditames da Administração Pública, e sob a supervisão dela.

Pois bem, a assistência médica é um serviço público que pode ser delegado pelo Estado à iniciativa particular, nos termos dos arts. 197 e 199 da Constituição Federal. Por outro lado, o artigo 170 da Carta Magna ao elencar os princípios gerais da ordem econômica destaca a liberdade como regra, inserindo a regulação como exceção, especialmente porque o Estado tem como princípios a livre Iniciativa.

Mas, acima disso, a previsão do artigo 170 da Constituição Federal tem o objetivo de fazer valer a compatibilidade entre a livre iniciativa e a defesa do consumidor. Assim, entende-se que para a garantia da ordem econômica é livre quando a defesa do consumidor é privilegiada a fim de que não cause riscos à saúde do consumidor.

Outrossim, ainda que o artigo 199, § 1º da Constituição Federal conceda às empresas a perspectiva de participar do sistema único de saúde de forma complementar. É evidente que a participação da iniciativa privada do setor da saúde deve ser controlada e fiscalizada, o que é feito pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS), autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, criada pela Lei 9.961/00, e demaisórgãos de proteção do consumidor, a fim de evitar qualquer violação aos direitos constitucionais e infraconstitucionais.

Vale ressaltar a natureza consumerista da relação estabelecida entre o beneficiário e a empresa prestadora de assistência médica, por conseguinte, sendo reguladas pelas normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, conforme enunciado da súmula nº 608 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”.

Além do mais, a jurisprudência pátria mais abalizada é clara ao destacar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre particulares e planos de saúde, veja-se:

APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CDC AOS PLANOS DE SAÚDE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 608/STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. URGÊNCIA. NECESSIDADE DE ATENDIMENTO HOMECARE. DESÍDIA DO PLANO DE SAÚDE. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. MINORAÇÃO DO QUANTUM. 1. Segundo a jurisprudência dominante e entendimento sumulado no Superior Tribunal de Justiça, aos planos de saúde aplica-se subsidiariamente o Código de Defesa do Consumidor, salvo aqueles de autogestão. 2. Havendo falha na prestação de serviços por parte da operadora de plano de saúde, a responsabilidade civil de indenizar é de ordem objetiva porque há relação de consumo e a teor do art. 14, do CDC. 3. A alegação de que o tratamento era tão somente paliativo e não visava a cura do paciente não exime a responsabilidade de indenizar do plano de saúde, haja vista não ter sequer cumprido com o pactuado de amenizar a sofreguidão do paciente. 4. A indenização deve ser fixada no cenário dos fatos, observadas razoabilidade e proporcionalidade, e enseja minoração quando constatada sua feição excessiva(TJ-MG – AC: 10000200803161001MG, Relator: Pedro Aleixo, Data de Julgamento: 03/03/2021, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/03/2021)

Assim sendo, as cláusulas contratuais constantes nos contratos de plano de saúde devem ser interpretadas da forma mais benéfica ao consumidor, por ser parte vulnerável da relação contratual, especialmente por tais contratos serem denominados de contrato de adesão com características peculiares, as quais serão desvendadas em tópico posterior.

2. AS PECULIARIDADES DO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE ENQUANTO CONTRATO DE ADESÃO

De acordo com o conceito desenvolvido por Gagliano e Pamplona Filho (2022), o contrato de adesão é um contrato onde uma das partes predetermina antecipadamente as cláusulas do negócio jurídico a ser celebrado. Paralelamente a isso, Mello (2017, p. 108) define contrato de adesão como:

Aquele em que uma das partes contratantes fica submetida à aceitação das cláusulas prefixadas pela outra parte, ou seja, sem qualquer alternativa de negociação nas referidas cláusulas. Estas cláusulas são padronizadas ou como se costuma dizer são contratos estandartizados.

Nesses termos, ocontratante só possui duas opções, ou aceita a proposta de contrato que lhe foi feita na íntegra, ou a rejeita e abandona o contrato. Todavia, não há opção para discussão das cláusulas e termos.

O cumprimento do contrato de adesão é obrigatório e, portanto, a parte economicamente superior, disciplina e administra a relação contratual, diferentemente dos tratados paritários, que são firmados por meio de negociação mútua para conciliar diferentes impulsos para chegara um consenso (LOBO, 2020).

Nesse sentido, pontua Tepedino, Konder e Bandeira (2021, p. 155):

Sua característica distintiva, portanto, além da predeterminação do seu conteúdo por uma das partes, associa-se à impossibilidade de a outra parte discutir seu conteúdo, limitando-se a aderir ou não. A disparidade na formação do consenso entre as partes, relativamente à possibilidade de interferência no conteúdo do contrato, justifica a atuação do legislador no sentido de proteger a parte aderente, buscando o reequilíbrio nesses contratos naturalmente assimétricos.

Dessa forma, verifica-se que a idéia de contratos de adesão surge em contraoposição aos contratos paritários, haja vista que a fase de debates entre as partes é eliminada oferecendo maior celeridade as tratativas. Sendo assim bastante utilizados para garantir um rápido acesso, por várias pessoas, a um serviço essencial.

Por sua vez, Gonçalves (2021, p. 41) ensina que no contrato de adesão há uma restrição mais extensa ao princípio da autonomia da vontade e que “em razão dessa característica, alguns autores chegaram a lhe negar natureza contratual, sob o fundamento de que lhe falta a vontade de uma das partes – o que evidencia o seu caráter institucional”.

Observa-se que, na maioria das vezes, poderá ocorrer evidente disparidade de poder econômico entre as partes envolvidas na relação, onde de um lado encontra-se o proponente, como parte mais forte da relação jurídica contratual e de outro lado, o aderente, parte hipossuficiente, vulnerável técnica, jurídica e/ou econômica.

Contudo, Farias e Rosenvald (2016) esclarecem que o objetivo dos contratos de adesão não é prejudicar quaisquer das partes, mas otimizar as tratativas. Todavia, com isso, não se pode olvidar que a própria unilateralidade tem o condão de gerar desequilíbrios contratuais, exigindo maior vigilância e controle por parte do ordenamento jurídico.

Desse modo, convém apresentar a definição do art. 54 do Código de Defesa do Consumidor no tocante ao Contrato de Adesão, veja:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pelaautoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (BRASIL, 1990).

Ora, pelo exposto é possível extrair as características principais do contrato de adesão como sendo: a superioridade técnica de uma das partes, a ausência de deliberação prévia por uma das partes; a relativização do princípio da autonomia da vontade.

Destaca-se que os contratos de planos de saúde, por via de regra, são considerados como contratos deadesão. Assim, destaca-se o ensinamento de Marques (2016, p. 536 – 537):

Mesmo havendo lei sobre os planos de saúde (Lei 9.656/1998), o regime contratual é fortemente influenciado pelas linhas de boa-fé do CDC, que se aplica em diálogo, oque se comprova pela Súmula 302 do STJ (“É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”) e pela Súmula 469 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Outro bom exemplo é a continuidade da relação após a despedida do empregado.

Portanto, os contratos de planos de saúde são contratos de adesão com trato sucessivo, no qual os contratantes são a parte mais vulnerável. Com efeito, por terem como característica a elaboração unilateral das cláusulas pelos entes que fornecem o serviço de saúde, optam por conferir, por vezes, ônus desproporcional ao consumidor,violando disposições do Código de defesa do consumidor.

Sendo assim, o próprio CDC fornece um rol de tipos de cláusulas encontradas nos contratos de adesão que podem ser consideradas abusivas, hipóteses estas elencadas no art. 51 do referido diploma, veja:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III – transfiram responsabilidades a terceiros;

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

V – (Vetado);

VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

XVII – condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

XVIII – estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) (BRASIL, 1990)

Por entender ser necessário ao tema em comento, sublinha-se o art. 51, inciso IV e XV do CDC. O inciso IV é transparente ao evidenciar a necessidade de interpretar corretamente a relação de consumo, haja vista que as cláusulas contratuais devem obediência à boa-fé e equidade, jamais devendo surpreender o consumidor, pois este deve estar ciente das circunstâncias do contrato pactuado.

Mas, além disso, pela leitura do inciso XV sabe-se que as cláusulas que ofendam o “sistema de proteção do consumidor” são tidas como abusivas e, por isso, são nulas de direito, como por exemplo, as cláusulas-surpresas, guardando estreita relação com a necessária congruência com o princípio da boa-fé, anteriormente comentada.

Vale aduzir que trata-se de rol exemplificativo, não esgotando-se apenas nas hipóteses elencadas. Ademais, apesar de existir normativa que regulamenta tais contratos, é persistente as práticas que consistem em abusividades e incorrem em prejuízos aos direitos dos cidadãos. É o que ocorre, por exemplo, com problemas com a carência do plano, critério de reajuste e revisão dos contratos, interrupção e negativa de internamento, dentre tantas outras.

Ademais, nos parágrafos do referido diploma ainda é tratado acerca das consideradas normas contratuais exageradas, in verbis:

Art. 51. Considera-se nulo de pleno direito, entre outras, às cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produto e serviço que:

§ lº Presume-se exageradas, entre outros casos, a vontade que:

I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II – restringem direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III – se mostra excessivamente onerosa ao consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (BRASIL, 1990).

Vislumbra-se a preocupação em equilibrar o poderio das partes, e primando pelo respeito aos princípios basilares do ordenamento jurídico. Ressalta-se que com a aplicação do Código de defesa do consumidor nesses contratos observamos a imposição da teoria finalista, segundo o qual o objetivo é equilibrar a relação entre consumidor e o fornecedor de serviços que já é naturalmente desigual.

O consumidor é classificado como parte vulnerável porque ele contrata um serviço, mas não tem condições de negociar essa contratação, visto que as cláusulas do contrato de plano de saúde já são pré-estabelecidas, e por consequência para assegurar a validade do contrato, o Código traz algumas regras gerais que serão demonstradas as suas aplicações.

O primeiro exemplo de aplicação, é a facilitação de defesa, quer dizer que no caso de alguma questão ser levada a um processo judicial e tiver que ser realizada alguma prova onde é tecnicamente mais fácil para a seguradora realizá-la, quem irá provar será a seguradora, trata-se do chamado inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, inciso VIII do CDC.

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências (BRASIL, 1990).

A interpretação favorável deve ser também levada em consideração, visto que caso o contrato que oconsumidor aderiu sem opinar nas cláusulas negociar, for ser analisad e a interpretação de alguma das cláusulas resultar em dúvida, o art. 47 do CDC aduz que seja aplicada a interpretação mais favorável ao consumidor para justamentemanter o equilíbrio da relação contratual.

Por último, acerca das cláusulas abusivas são aplicados aos contratos à possibilidade de modificação destas, quando estiverem colocando o consumidor em situação de desvantagem. Assim, a Súmula 597 do Superior Tribunal de Justiça que diz que:


Súmula 597, STJ. A cláusula contratual de plano de saúde que prevê carênciapara utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência oude urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horascontado da data da contratação.

Por último, cabe identificar os dois tipos de responsabilidades no ordenamento jurídico, a objetiva e subjetiva. Enquanto que para configurar a responsabilidade subjetiva necessita-se da prova de culpa oudolo do agente que praticou o conduta,a responsabilidade objetiva é aquela que independe da prova de culpa, o que ocorre é a presunção de culpabilidade do agente, ou seja, basta à existência dedano e conduta do agente para surgir o dever de indenizar.

O Código de defesa do consumidor adota a responsabilidade objetiva entre os fornecedores de produto e os prestadores de serviço, subentendendo assim que esta será também aplicada nas relações entre os fornecedores de planos de saúde e seus contratantes, visto estar a superada a aplicaão do referido código nessas relações contratuais.

3. OS IMPACTOS NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE DECORRENTES PERÍODO DE PANDEMIA DO COVID-19

É cediço que a pandemia da Covid-19 acarretou em verdadeiras transformações no mundo todo. Os impactos na economia e na sociedade são incontestáveis. Analisando tal realidade no Brasil, a pandemia fez com que fosse declarada situação de “emergência em saúde pública deimportância nacional” pelo Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 188, e ao mesmo tempo, estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional Decreto Legislativo nº 06.

No cenário da pandemia, em que muito se impactou os setores da saúde, inclusive o privado, a ANS noticiou um aumento nas reclamações, 55,06% (cinquenta e cinco, zero seis por cento) a respeito da negativa de atendimentos ou de dificuldades para os usuários realizarem exames e tratamentos da COVID-19, ou seja, mais da metade das reclamações, o que demonstra perfeitamente o impacto da pandemia no setor de saúde suplementar.

Muitos que contrataram planos de saúde durante a pandemia e precisaram de leitos de internação após contrair o Covid-19 tiveram a cobertura negada. A justificativa apresentada era a de que o prazo para carência conforme a Lei nº 9.656/98 é de no máximo 300 dias para parto e 180 dias para demais procedimentos. E, em situações de emergência, o prazo é de apenas 24horas.

Ocorre que, em razão do advento do novo Corona Vírus, houveram várias decisões no sentido de flexibilizar tal determinação. É possível citar a decisão do magistrado da 15ª Vara Cível de Brasília no processo nº 0709544-98.2020.8.07.0001 ao defer decisão liminar, que obrigava os planos de saúde a prestar atendimento de urgência e emergência, independentemente do prazo de carência, aos segurados, durante a pandemia, em especial para aqueles com suspeita de contágio ou com resultados positivos para o novo corona vírus.

Verifica-se assim, a consonância com a súmula expedida em 2017 pelo Superior Tribunal de Justiça, ao dispor que a cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação.

Como esboçado anteriormente a assistência à saúde é um direito de relevância social conforme a Constituição federal, de tal maneira que as empresas prestadoras de serviços de saúde respondam pela negativa da prestação de atendimentos ou quando ocorrer eventual deficiência na prestação do serviço.

Quando levado em consideração a situação de pandemia de coronavírus a resolução contratual deve ser analisado minuciosamente, verificando-se se a extinção foi por culpa ou não de uma das partes. Na primeira hipótese a parte culpada pelo descumprimento contratual faz surgir o direito da parte prejudicado de desfazer o vínculo contratual com possibilidade de indenização por perdas e danos todavia, não havendo culpa por nenhuma das partes a relação é extinta, cabendo tão somente a restituição das prestações realizadas até a data da resolução (TEPEDINO; KONDER; BANDEIRA, 2021).

A partir dos impactos causados pela pandemia o poder
público editou diversas medidas provisórias e leis a fim de salvaguardar as relações
contratuais, especialmente no que se refere ao caso fortuito, força maior,
prescrição, locação, lesão dentre outros (TARTUCE, 2020).

Uma das medidas que chama atenção foi a publicação da Lei nº 14.454 no Diário Oficial da União, no final de 2022, período pós pandemia. Na referida lei foi desconstruída a ideia de “rol taxativo” para a cobertura de planos de saúde. De certo modo, obrigando as operadoras de saúde a oferecer cobertura de exames ou tratamentos que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar como é o caso dos tratamentos de Covid-19 que não estavam inclusos.

Alteração de grande repercussão e que teve sua motivação extraída do momento de pandemia, demonstrando bem o impacto que toda a situação atípica teve na seara contratual. A legislação também apresentou-se como resposta à mobilização de grupos de defesa de pacientes contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial (REsp 1886929 SP) tomada em junho de 2022, que acabara por prever que os planos de saúde só seriam obrigados a cobrir os tratamentos listados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (FARIAS; BRAGA NETTO; ROSENVALD, 2022).

Portanto, verifica-se que tanto no tocante à saúde pública quanto privada, deve ser levada em consideração a essencialidade da defesa do direito à saúde, enquanto direito social fundamental intrínseco à dignidade da pessoa humana.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início da presente pesquisa o objetivo maior foi verificar o comportamento das relações contratuais de plano de saúde na pandemia e seus reflexos nos dias atuais. A problemática em relação a essa questão reside no fato de que perante o aumento nas reclamações por ausência de cobertura e atendimento, foi verificado a necessidade de ampliação da cobertura dos planos de saúde.

No deslinde desta pesquisa, observou-se que à saúde é um direito social sob a responsabilidade do Estado, o qual depende de uma postura ativa consubstanciada em políticas publicas para ter eficácia para todos. Neste sentido, a saúde como um todo é também fiscalizada pelo Estado. Contudo,a atuação da saúde privada, como complementar a pública é perfeitamente autorizada. Assim, foi possível constatar que os planos de saúde, que são fiscalizados pelo Estado são o meio pelo qual a iniciativa privada tem como oferecer a população os serviços de saúde.

Demonstrou-se haver regulamentação especifica para os planos de saúde no ordenamento pátrio.No entanto, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor também é essencial e consubstanciada na vulnerabilidade do contratante, em razão da contratação se dá por meio de contratos de adesão.

No Brasil, eventuais falhas na prestação de saúde não são uma novidade que surgiu com a pandemia de COVID-19. Contudo, os reflexos da pandemia como a sobrecarga nos hospitais, evidenciaram a necessidade de melhorias na prestação.

Após tais reviravoltas, foi estabelecido que o rol dos procedimentos previstos para cobertura pelos planos de saúde se tornou exemplificativo, oferecendo aos consumidores maior segurança e inibindo possíveis abusividades contratuais.

No entanto, não existem soluções genéricas, especialmente quando a judicialização ainda é a estratégia mais comuns para que se possa alcançar determinados tratamentos ou medicamentos, devido à burocracia enfretada para que o consumidor seja ouvido pela prestadora do serviço de saúde.

Todavia, a tentativa de conciliação do equilíbrio contratual ainda é a melhor opção, de forma a evitar a rescisão contratual, respeitando o princípio da força obrigatória dos contratos e visando o mais justo, levando-se em consideração o necessário equilibrio contratual entre as partes, tendo em vista que a existência de qualquer cláusula contratual será interpretada de forma em que se favorece o consumidor.

REFERÊNCIAS

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_______. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor.Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 12 abril.2023.

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1Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA).Email: gercimara.feitosa2018@gmail.com

2Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). Email: sararavena_123@hotmail.com

3 Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal do Piaui (UFPI). Professor orientador no Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). Email: gilberto0814@gmail.com