CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE ADESÃO COMO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411262111


Aline Rezk Guimarães Miranda


RESUMO

A sociedade moderna, caracterizada pela massificada produção e distribuição de bens e serviços, dispõe de um poderoso recurso para atender à crescente demanda por celeridade nas transações comerciais e contratuais, que é o contrato de adesão. Todavia, essa forma de contratação se distingue pela estipulação unilateral de cláusulas e a impossibilidade de negociação por uma das partes, o que suscita preocupações quanto aos riscos de desequilíbrio nas relações contratuais. Este trabalho objetiva analisar os contratos de adesão e as cláusulas abusivas sob a ótica do Código Civil brasileiro, com base no princípio da boa-fé objetiva. O trabalho está estruturado da seguinte forma: primeiramente traremos a conceituação atual do contrato de adesão; na sequência, nós voltaremos ao contexto histórico do surgimento deste contrato na modernidade e de sua denominação; em seguida, traremos as características e os requisitos de validade desta modalidade contratual; prosseguiremos com o estudo dos contratos de adesão e das cláusulas abusivas no âmbito do Código Civil, com enfoque nos artigos 423 e 424 do referido diploma,  e, por fim, abordaremos a boa-fé e sua aplicação nos contratos de adesão. Nestas etapas, utilizaremos a contribuição teórica de Flávio Tartuce, Pablo Stolze, Nelson Rosenvald, Álvaro Villaça Azevedo, entre outros.

Palavras-chave: Contratos de Adesão. Cláusulas Abusivas. Boa-fé objetiva.  

ABSTRACT

Modern society, characterized by the mass production and distribution of goods and services, relies on the adhesion contract as a powerful tool to meet the growing demand for speed in commercial and contractual transactions. However, this form of contracting is distinguished by the unilateral stipulation of terms, leaving one party with no room for negotiation, which raises concerns about the risk of imbalance in contractual relations. This paper aims to analyze adhesion contracts and abusive clauses from the perspective of the Brazilian Civil Code, with an emphasis on the principle of good faith. The work is structured as follows: first, it addresses the current concept of adhesion contracts; next, it examines the historical context of their emergence in modernity and their denomination; followed by a discussion of the characteristics and validity requirements of this contractual modality; the study then explores adhesion contracts and abusive clauses within the scope of the Civil Code, focusing on Articles 423 and 424; finally, it examines the application of good faith in adhesion contracts. The theoretical contributions of Flávio Tartuce, Pablo Stolze, Nelson Rosenvald, Álvaro Villaça Azevedo, among others, will guide the analysis.

Keywords: Adhesion Contracts. Abusive Clauses. Good Faith.

1. INTRODUÇÃO 

A sociedade contemporânea, marcada pela aceleração dos processos econômicos, viu-se obrigada a adaptar as suas formas de contratação para atender um mercado crescentemente massificado. Nessa conjuntura, o contrato de adesão emergiu como solução, dada a sua peculiar padronização, na qual uma das partes estipula unilateralmente as condições a serem aderidas pela outra parte, promovendo a esperada celeridade nas relações contratuais. Por tal vantagem, tornou-se modalidade contratual comum no fornecimento de bens e serviços em grande escala, como energia elétrica, gás, telefonia, internet entre outros, mas também trouxe consigo desvantagens como o risco de desequilíbrio entre os contratantes, tendo em vista configurar ambiente propício para a inserção de cláusulas abusivas.

No direito brasileiro a proteção do aderente quanto a essas questões provém do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002. No âmbito do diploma civil, os artigos 423 e 424, tratam da interpretação e da nulidade das cláusulas em contratos de adesão, buscando proteger os direitos do oblato, especialmente quando tais cláusulas são ambíguas ou estabelecem renúncias indevidas e antecipadas a direitos.

Nessa esteira, o princípio da boa-fé objetiva, consagrado pela legislação civil, surge como instrumento norteador, para assegurar a transparência, lealdade e mútuo respeito entre aqueles que celebram o contrato, principalmente quando apenas uma das partes dispõe do poder para estabelecer as condições contratuais.

O presente trabalho se propõe a estudar o contrato de adesão sob a ótica do Direito Civil, abordando suas características, requisitos de validade e sua relação com as cláusulas abusivas, tendo como parâmetro o princípio da boa-fé objetiva.

A razão que fundamenta o tema deste trabalho se deve à observação das frequentes violações dos direitos dos contratantes no corpo social, evidenciadas pelos conhecimentos absorvidos no contexto acadêmico do curso de direito, de forma que o aprofundamento sobre o tema, com as delimitações efetuadas, poderá dilatar a qualidade das futuras assistências jurídico-profissionais planejadas, tendo em vista o conhecimento especializado.   

2. O CONTRATO DE ADESÃO

Nesta seção, traremos, inicialmente, a conceituação contemporânea do contrato de adesão; na sequência, um olhar mais direcionado ao contexto histórico do surgimento deste contrato na modernidade e de sua denominação; encerraremos este capítulo trazendo os elementos e os requisitos de validade desta forma contratual.

2.1 Conceito

O Contrato de adesão configura negócio jurídico bilateral ou plurilateral em que somente uma das partes previamente estipula as cláusulas que integrarão o contrato. À outra parte, sem que possa discutir ou negociar tais condições, resta dar o consentimento ou não à dicção contratual prefixada.

Tendo em vista as particularidades que caracterizam o contrato de adesão, Rosenvald e Braga Netto (2021, p.566) o conceituam como “aquele cujo conteúdo é unilateralmente definido por um dos contraentes, que o apresenta à contraparte, não podendo esta discutir qualquer de suas cláusulas: ou aceita em bloco a proposta contratual que lhe é feita, ou a rejeita e prescinde da celebração do contrato”.

Essa unilateralidade no preestabelecimento das cláusulas mereceu enfática observação de Caio Mário Pereira da Silva, que definiu os contratos de adesão como não resultantes do livre debate entre as partes, mas provenientes da aceitação tácita por uma das partes das cláusulas pre-formuladas pela outra. (2015, p.65).

Nesse sentido já apontavam os estudos de Gomes (1972, p.3), que conceituou o contrato de adesão como “negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas”.

Vale destacar ainda, o conceito de contrato de adesão formalizado no Código de Defesa do Consumidor, diploma pioneiro na regulamentação desse tipo contratual em âmbito nacional:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

A denominação contrato de adesão traduz, portanto, a adesão por um dos contratantes, oblato, à vontade externa antecipadamente pelo outro, policitante, por meio de proposta que o primeiro não poderá alterar.

2.2 Histórico

No século XX, a rapidez nas relações jurídicas emergiu como uma característica marcante, especialmente no período pós-Revolução Industrial e, posteriormente, pós-Guerra, contexto em que se consolidou o contrato de adesão. A explosão demográfica resultante dessa fase gerou demanda crescente por produção e distribuição de bens e serviços em larga escala, reclamando celeridade nas transações comerciais. Tal dinâmica impossibilitou a continuidade das contratações de forma individualizada, favorecendo o desenvolvimento e utilização de contratos padronizados em detrimento dos contratos tradicionais, que se revelaram inadequados às novas exigências de um mercado em que a personalização das negociações se tornou impraticável. (Lima, 2004, p. 277). 

Nessa conjuntura, com o despontar dos primeiros estudos e críticas referentes ao contrato de adesão, em 1901, Raymond Saleilles cunha a expressão francesa contrat d’adhésion, desconsiderando, todavia, tratar-se efetivamente de contrato, dada a prevalência da vontade de uma das partes que, unilateralmente, impõe sua lei a um grupo indeterminado de futuros contratantes, aos quais resta tão-somente aderir ao proposto. (Santos,2015, p.19). 

Ainda no âmbito da doutrina francesa, tal desigualdade entre contratantes mereceu os estudos de Louis Josserand, Georges Ripert, e René Savatier. Mas foram a doutrina e jurisprudência alemãs que angariaram maior desenvolvimento em matéria de contratação por adesão, sendo Ludwig Raiser o autor de obra pioneira dedicada integralmente ao tema. Entretanto, em vez de contrato de adesão, os alemães adotaram a nomenclatura condições gerais do contrato. (Santos, p. 20).

O direito italiano, por sua vez, foi o primeiro a operar a incorporação de normas relativas às condições gerais dos contratos em em sua legislação civil, visto que em 1942 o Código Civil Italiano apresentava dois dispositivos sobre o tema, os artigos 1.341 e 1342, ademais, o artigo 1370 tratava da interpretatio contra stipulatorem. (Santos,2015, p.21)

O direito brasileiro, por seu turno, não inclui tratamento ao contrato de adesão no Código Civil de 1916, privação que mereceu as críticas de Orlando Gomes, autor que defendia a urgência de regramento do tema para conduzir a interpretação do juiz, quando da apreciação de tais contratos, cuja presença se disseminava no panorama econômico nacional. Contudo, vários anos se passaram e do Anteprojeto do novo Código Civil, supervisionado por Miguel Reale e apresentado em 1972 ao Ministério da Justiça, constatou-se nova omissão a respeito do contrato de adesão e embora a segunda edição de 1973 tenha mencionado a importância da disciplina dos contratos de adesão para proteger os interesses do aderente, o Anteprojeto mantinha-se desprovido de regulamentação destinada ao controle do conteúdo contratual. (Santos,2015, p.22).

O Projeto de Lei nº 634/75 por sua vez, teve condão de apresentar dois dispositivos referentes ao contrato de adesão, o artigo 422, referente à interpretação mais favorável ao aderente na ocasião de cláusulas ambíguas ou contraditórias e o artigo 423, prevendo a nulidade de cláusulas que estabeleçam prévia renúncia do aderente a “direito resultante da natureza do negócio”. Entretanto, no decorrer de sua vagarosa tramitação o cenário nacional consequentemente adquiriu novas configurações, com a retomada da democracia e o advento da nova ordem constitucional, contexto em que foi aprovado o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de setembro de 1990), reconhecido por ser o pioneiro na regulamentação do contrato de adesão, que passou a ter a sua definição jurídica  e o regime normativo de proteção do aderente assentados no artigo 54 da mencionada legislação (Santos, 2015,p. 23).

Posteriormente, com a aprovação do projeto de lei referido acima, veio à luz o novo Código Civil (Lei Federal nº 10.406 de janeiro de 2002) e o assunto passou a ser abordado em seus artigos 423 e 424, sendo este último inovador por trazer a vedação da renúncia do aderente a direito que resulte da natureza do negócio nos contratos de adesão (Santos, 2015, p.24).

2.3 Características do contrato de adesão

Conforme os estudos de Stolze e Pamplona Filho, os contratos de adesão dispõem de quatro traços característicos, quais sejam:

a uniformidade: uma vez que o proponente visa a adoção do mesmo conteúdo contratual pelo maior número possível de contratantes, bem como a simplificação de suas operações e a segurança nas relações contratuais fixadas;
a predeterminação unilateral: visto que a definição das cláusulas contratuais ocorre prévia e unilateralmente, sem qualquer intervenção da parte aderente. Salienta-se a insuficiência da uniformidade para configuração do contrato como de adesão, é essencial que tais cláusulas além de uniformes sejam impostas exclusivamente por uma das partes;
rigidez: em virtude da impossibilidade de discussão das cláusulas, havendo, do contrário, o risco de descaracterizá-lo.
posição de vantagem (superioridade material): porquanto a desigualdade fática consiste em fator determinante para que um dos contratantes possa predispor as regras contratuais. (2019, p. 183).

No que concerne à impossibilidade de discussão ou modificação do conteúdo contratual, vale pontuar que o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor é esclarecedor de que a predominância de cláusulas contratuais negociadas descaracteriza o contrato de adesão. 

2.4 Requisitos de validade do contrato de adesão

Os requisitos de validade inerentes a todos os tipos contratuais são: capacidade das partes, objeto lícito, possível e determinado ou determinável, forma prescrita ou não proibida em lei e consentimento livre e espontâneo. (Diniz, 2020, p. 161). Esses elementos, amplamente reconhecidos pela doutrina e estabelecidos no artigo 104 do Código Civil, são igualmente obrigatórios para os contratos de adesão, os quais não podem se desvincular dessas exigências.

Especificamente, no contexto dos contratos de adesão, vale destacar ainda outros requisitos para o aperfeiçoamento do vínculo contratual, quais sejam: o indispensável conhecimento e compreensão por parte do aderente acerca do conteúdo das cláusulas estipuladas, antes da celebração do contrato, uma vez que o teor de tais disposições podem impactar substancialmente  a decisão do contratante quanto à adesão do pacto; e que a redação de tais cláusulas se dê de forma clara e legível, com destaques a quaisquer limitações a direitos do oblato (Viana, 2013, p. 25).

Salienta-se, que esse último requisito específico citado se amolda ao disposto no artigo 54, §§3º e4º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que determina ao estipulante o fornecimento de informações claras, legíveis e precisas acerca das cláusulas contratuais, ditando, inclusive, o tamanho mínimo da fonte a ser adotada no texto.

3. CONTRATO DE ADESÃO E CLÁUSULAS ABUSIVAS À LUZ DO CÓDIGO CIVIL

No decorrer deste tópico, trataremos, com foco no Código Civil, do contrato de adesão e suas cláusulas abusivas. Antes, entretanto, veremos os problemas que a denominada estandardização dos contratos de adesão pode gerar.

Conforme exposto, o contrato de adesão dispôs de maior evidência com a evolução da sociedade e sua crescente exigência por celeridade nas relações negociais, trazendo à baila a estandardização. Nesse contexto, os contratos de adesão recebem a alcunha de contratos standard (Tartuce, 2019, p.59).

Tal denominação traduz a padronização inerente a tais contratos, assim elaborados com o fito de atender massiva quantidade de clientes ou usuários de bens e serviços, descartando a negociação individualizada. É o que ocorre ao contratarmos serviços como fornecimento de energia elétrica, de água, de internet, entre outros, nos quais não nos é facultada a modificação de cláusulas.

Essa peculiaridade do contrato de adesão é amplamente destacada, geralmente apontada como uma das desvantagens desta modalidade contratual para o corpo social. Nessa tendência, é relevante a contribuição de Gagliano e Pamplona Filho:

De fato, nos dias que correm, em que a massificação das relações contratuais subverter radicalmente a balança econômica do contrato, a avença não é mais pactuada sempre entre iguais, mas converteu-se na grande maioria dos casos, em um negócio jurídico estandardizado, documentado em um simples formulário, em que a uma parte (mais fraca) incumbe aderir ou não à vontade da outra (mais forte), sem possibilidade de discussão do conteúdo. Bem-vindo à modernidade! (Gagliano; Pamplona Filho, 2019, p. 53)

O trecho citado também evoca outra questão frequentemente enfatizada pela doutrina no que tange aos contratos de adesão que é a imposição das disposições contratuais pela parte dominante, sem a participação da parte mais vulnerável, o aderente. Nesses termos, Azevedo enfatiza:

No contrato de adesão, há que ressaltar, primeiramente, que as partes contratantes não discutem o conteúdo negocial, uma vez que uma organiza suas cláusulas e condições e a outra, sem qualquer possibilidade de alterá-las, concorda, aderindo a essas regras. (Azevedo,2019, p. 123).

De fato, por configurar forma contemporânea de contratação voltada a atender a sociedade de massa, o contrato de adesão aproveita o recurso da uniformidade e estipulação unilateral das cláusulas para alcançar a celeridade demandada por esse modelo social, de forma que a fase das tratativas é altamente reduzida ou eliminada, destoando das configurações clássicas de contrato e pondo em xeque a necessária manifestação bilateral de vontade.

Nesse diapasão, ao observar certo impacto e receio gerados pela unilateralidade estipulatória do contrato de adesão, Azevedo (2019) esclarece que tal modalidade contratual não carece da manifestação bilateral de vontade, uma vez que ao aderir o contraente exterioriza seu consentimento às cláusulas e condições previamente estabelecidas.

A polêmica relacionada aos contratos de adesão, contudo, parece residir no fato de que a sua formatação, ao inibir o poder de negociação, proporciona cenário favorável à inclusão de cláusulas abusivas. Nesse sentido, Rosenvald e Braga Netto (2021, p. 567) corroboram: “A contratação por adesão não induz à abusividade de cláusulas, sendo, todavia, um ambiente preferencial para a sua reprodução”. 

Entende-se por cláusulas abusivas quaisquer cláusulas que promovam considerável desequilíbrio na relação contratual de maneira a gerar vantagem excessiva a uma das partes em detrimento da outra. Vale destacar, nessa perspectiva a instrução de Lima:

Assim, se o conteúdo de uma cláusula ferir um bem juridicamente tutelado ou infringir quaisquer das conquistas institucionais do Direito, representativas de grau de justiçabilidade, poderá ser enquadrada como abusiva, passível de ser declarada nula. (2004. p. 290).

No âmbito do direito consumerista, o Código de Defesa do Consumidor dedicou o Capítulo VI ao tratamento específico da matéria, trazendo a Secção II, intitulada “Das cláusulas abusivas”, um rol das referidas cláusulas, com a indicação de que são nulas de pleno direito se incluídas no contrato. 

Convém transcrever o artigo 51 do CDC, dispositivo que as enumera:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos de produtos e serviços que:
I – Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em justificáveis;
II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III – transfiram responsabilidade a terceiros;
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
V – (Vetado);
VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
§ 1ª – presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
§ 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
§ 3º (Vetado). 
§ 4º É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. (BRASIL, 1990). 

Entretanto, os contratos de adesão, bem como as cláusulas abusivas, não constituem fenômenos exclusivos das relações consumeristas. Estes institutos jurídicos também podem existir no bojo de relações regidas pelo Código Civil, ou seja, em relações paritárias entre particulares ou empresas. O Enunciado nº 172 do Conselho de Justiça Federal confirma: “As cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas relações jurídicas de consumo. Dessa forma, é possível a identificação de cláusulas abusivas em contratos civis comuns, como, por exemplo, aquela estampada no art. 424 do código Civil de 2002”. (CJF, 2004).

É justamente o tratamento das cláusulas abusivas nos contratos de adesão pelo diploma civil o objeto deste trabalho, de forma que a ele daremos mais ênfase a partir daqui.

A matéria é regulada no Código Civil vigente, especificamente nos artigos 423 e 424, conforme transcrição a seguir. 

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424.nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. (BRASIL, 2002).

Segundo Azevedo (2019), a abordagem do assunto nestes dispositivos não é suficientemente abrangente, entendendo haver a orientação de adicionar ao diploma civil parcela do espírito do Código Consumerista.  Vale ressaltar, nesse contexto, que no Código de Defesa do Consumidor a tutela baseia-se na vulnerabilidade do aderente, ao passo que no Código Civil a desigualdade no âmbito do contrato de adesão se apresenta de forma menos desproporcional. 

Enquanto no CDC, a tutela é dirigida a um sujeito vulnerável, no CC o contrato de adesão é percebido como uma específica forma de contratação que merece regime diferenciado, vazado em medidas compensatórias legais que reequilibrem o desequilíbrio prévio entre as partes. Lembramos que o consumidor é sujeito visivelmente assimétrico e para tanto o microssistema joga a seu favor. (Rosenvald; Braga Netto, 2021, p. 567).

Entretanto, o conteúdo da regra hermenêutica estabelecida no artigo 423 do Código Civil, além direcionar a interpretação do juiz, permite inferir a inequívoca desigualdade pré-existente entre as partes, presumindo-se a posição privilegiada daquela que redigiu ou introduziu as cláusulas ambíguas ou contraditórias. Nessa circunstância, recai sobre essa parte a responsabilidade por gerar resultados mais favoráveis aos seus interesses, em razão de evidente desarmonia com os deveres prescritos pela boa-fé, sobre os quais nos debruçaremos em capítulo subsequente.

Em continuidade ao disposto no artigo 423, o artigo 424 do Código Civil estabelece como sanção ao contrato de adesão a nulidade das cláusulas abusivas. Contudo, essa previsão é formulada por meio da técnica legislativa das cláusulas gerais, insculpida no termo “direito resultante da natureza do negócio”.

As cláusulas gerais são dispositivos normativos de caráter abstrato e abrangência ampla, cuja principal função é possibilitar a adaptação da norma às particularidades de cada situação concreta. Assim sendo, a expressão “direito resultante da natureza do negócio” reflete essa flexibilidade, permitindo ao juiz ou intérprete aplicar a norma ao contexto de cada contrato. A esse respeito, Tartuce (2019) reforça que a resposta ao que constitui o “direito resultante da natureza do negócio” dependerá do preenchimento a ser efetuado pelo aplicador do direito e pelo magistrado que esteja a julgar uma controvérsia envolvendo contrato de adesão.

Cabe destacar, entretanto, que direito resultante da natureza do negócio designa direito intrínseco à própria finalidade ou característica do contrato. Nesse sentido, caso um particular decida vender seu veículo usado por meio de um contrato de adesão e inclua cláusula em que o aderente renúncia ao direito de exigir garantia por vícios redibitórios e evicção, direitos esses que são próprios e essenciais ao contrato de compra e venda, estará o aderente renunciando, de forma antecipada, a direitos que decorrem diretamente da natureza do negócio.

Então, nos termos do artigo 424, o juiz terá a liberdade para verificar no caso concreto se a cláusula pré estipulada implica em renúncia antecipada a direitos do aderente. E, entendendo que tal renúncia de fato ocorreu, o magistrado poderá declarar sua nulidade. 

Em face dos estudos realizados e da análise de Azevedo (2019) acerca da abordagem do contrato de adesão e das cláusulas abusivas nos artigos mencionados do Código Civil, é relevante destacar o entendimento de Tartuce (2019, p.135), que apresenta posição divergente:

É certo que o legislador civil fez uma opção mais interessante e inteligente do que o legislador consumerista, pois em vez de trazer dezesseis incisos de forma desnecessária, o legislador civil preferiu trazer uma cláusula geral a ser preenchida caso a caso (“direito resultante da natureza do negócio”).

A crítica de Tartuce é pertinente, ao enfatizar que a escolha do legislador por cláusulas gerais proporciona maior versatilidade para enfrentar as diversas situações concretas que podem surgir no âmbito do contrato de adesão. Porém, o resultado dessa abordagem dependerá da capacidade do julgador de aplicar corretamente os conceitos de “direito resultante da natureza do negócio” e de identificar quando a renúncia de direitos é de fato excessiva e danosa ao aderente.

Portanto, o contrato de adesão no Código Civil se diferencia em dois aspectos: primeiro, a desigualdade entre as partes é menos desproporcional, em relação ao disposto no código consumerista, onde o aderente está em situação de maior vulnerabilidade; segundo, a proteção ao aderente é assegurada por meio das cláusulas gerais, mecanismo inovador e abrangente que permite o tratamento do assunto de forma eficaz e sucinta, em apenas dois dispositivos, enquanto o CDC adota uma lista exemplificativa extensa, transcrita acima.

4. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

A eticidade figura como um dos grandes paradigmas do Código Civil e nesse enquadramento, como uma das formas de explicitação de tal diretriz, desponta a boa-fé objetiva, parâmetro normativo para orientar os contratantes no rumo das condutas probas e leais, adequadas ao acordo firmado, uma vez que abarca a proteção das expectativas de confiança, merecendo a alcunha de “confiança objetivada” por traduzir verdadeiro standard jurídico ou regra comportamental, que insta os negociantes a atuarem em consonância com  determinados padrões sociais de retidão, de maneira a considerar a outra parte contratante não como oponente mas como autêntico titular de direitos fundamentais. (Rosenvald; Braga Netto, 2021, p. 559 – 561).

Em virtude de suas características, o princípio da boa-fé é considerado no direito uma cláusula geral, uma vez que consiste em norma aberta e flexível que norteia a interpretação e a aplicação das regras jurídicas em diversos contextos. Convém frisar, que sua incidência permeia todas as fases da relação contratual, desde as fases de negociação até a execução e eventual resolução do contrato. 

Por configurar exigência de conduta proba entre contratantes, a boa-fé objetiva os obriga a observar os chamados deveres anexos ou laterais de conduta, inerentes a todo negócio jurídico. São alguns deles: dever de cuidado, dever de respeito, dever informação, dever de agir conforme a confiança depositada, dever de lealdade e probidade, dever de colaboração ou cooperação, entre outros. (Tartuce, 2021, p.1028)

Assim, pelo dever de informação, as partes deverão fornecer as informações em sua completude, sem omissões ou dados falsos de modo a impedir vícios do consentimento; pelo dever de cuidado, as partes devem zelar pela segurança e bem-estar da outra, principalmente em contextos de vulnerabilidade; pelo dever de cooperação os contratantes devem colaborar mutuamente para a execução do contrato, principalmente quando o desempenho de uma parte está vinculado aos atos da outra; pelo dever de lealdade, as partes devem agir de maneira honesta, respeitosa, sem manipular ou se aproveitar da confiança alcançada, entre outros exemplos.

No âmbito dos contratos de adesão, tal princípio e seus deveres anexos assumem uma relevância ainda maior, porquanto neste contexto uma das partes geralmente se encontra em desvantagem informativa, de forma que a parte que estipula as cláusulas contratuais deve fornecer informações claras e adequadas, sem ocultar dados importantes ou usar de artifícios e estratagemas que possam induzir a parte vulnerável, de alguma forma, ao erro.

Exemplificativamente, se uma operadora de plano de saúde se esquivar de esclarecer ao consumidor restrições na prestação de serviço, como a carência para determinados tratamentos ou ainda a exclusão de cobertura em algumas situações, induz o cliente a assinar o contrato sem estar ciente dessas limitações. Tal proceder da operadora configura viola o dever anexo de informação, oriundo do princípio da boa-fé.

Evidencia-se, deste modo, que os artigos do diploma civil examinados acima, ao abordarem a interpretação e validade das cláusulas em contratos de adesão, encontram no princípio da boa-fé objetiva valioso fundamento em busca do equilíbrio entre os contraentes.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo desenvolvido no decorrer deste trabalho pretendeu analisar o contrato de adesão e as cláusulas abusivas à luz do Código Civil nacional vigente, com foco no princípio da boa-fé como norteador da proteção jurídica do aderente, consagrado nos dispositivos analisados.

Observou-se que a padronização e a celeridade das relações contratuais que trouxeram à baila o contrato de adesão, de fato, não podiam dele prescindir. Porém suas particularidades, como a ausência de negociação e estipulação unilateral das condições contratuais, nesse contexto de rapidez da vida moderna, agravaram as possibilidades de inserção de cláusulas substancialmente prejudiciais aos aderentes, as chamadas cláusulas abusivas. As circunstâncias passaram a reclamar então, a atividade legislativa em busca do esperado equilíbrio contratual, com maior proteção ao aderente.

Nessa toada, no direito brasileiro, a iniciativa nesse sentido se configurou por meio do Código de Defesa do Consumidor e posteriormente o Código Civil também passou a regulamentar a matéria, voltando -se mais para as relações entre particulares. Sabemos, entretanto, que por força do diálogo das fontes, o diploma civilista pode ser aplicado, em algumas situações, às relações consumeristas. Da abordagem da regulamentação apresentada pelo Código Civil, evidenciou-se a inovação que as cláusulas gerais representam, em especial no tratamento dos contratos de adesão, de forma nos alinhamos ao entendimento de Flávio Tartuce no que tange à eficiência do instituto, principalmente ao considerarmos que a busca pela celeridade nas transações contratuais se avoluma ainda mais nos dias hodiernos.  

Ainda sobre cláusulas gerais, destaca-se a espetacular abrangência da boa-fé objetiva, de especial proveito para orientar as controvérsias envolvendo os contratos de adesão e a necessária proteção da parte vulnerável, tanto por configurar o ditame de conduta leal, produtora de um dever de correção entre contratantes como por estar presente em todas as fases contratuais. Determinando, assim, à parte que elabora o contrato, agir de forma a respeitar e fazer cumprir o dever de informação, de lealdade, de colaboração e outros deveres laterais supramencionados.

Observa-se, por fim, que a legislação civil, no que tange ao conteúdo objeto deste trabalho, além de complementar a legislação consumerista, paramentou o julgador no sentido de alcançar a melhor decisão, por meio das inovações das cláusulas abertas e da consagração do princípio da boa-fé e seus deveres anexos. Necessária se faz, contudo, para fazer valer tais evoluções, a diligência dos operadores do direito em direção à melhor aplicação desses institutos para garantir a proteção do aderente e do equilíbrio contratual, tendo em vista a sociedade cada vez mais digitalizada.

 REFERÊNCIAS

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BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 18 nov. 2024.  

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1Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: alinerezk28@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-8604-9970