REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8157557
Tiago Vinicius KLIN1
Resumo: A escultura de Nossa Senhora da Aparecida, apoiada e elevada a 13 metros de altura por duas mãos, é um projeto arquitetônico que abrange a estrutura da arquidiocese da cidade de Cascavel/PR. Ao analisar a representação e os sentidos que envolvem a obra de arte a partir da teoria francesa da Análise de Discurso, proposta por Michel Pêcheux, é possível perceber a importância da representação e de seus sentidos discursivos para a construção de uma memória de determinada sociedade. Além do templo robusto da arquidiocese, fazem parte desse cenário uma cruz de mais de 7 metros de altura que contribui para a compreensão das materialidades das obras de arte. Neste trabalho, o gesto de interpretação se concentra especificamente na cidade e sua materialidade (relação sujeito, memória, sentido), dos assujeitamentos da sociedade da cidade de Cascavel/PR e suas interpelações pela ideologia por meio dos locais de discursos instituídos por grandes obras arquitetônicas que contribuem para este processo e dão forma à cidade (ORLANDI, 2017). Como objetivos específicos, é possível elencar a análise do monumento de Nossa Senhora da Aparecida em Cascavel/PR e a compreensão dos diferentes sentidos em dizeres sobre a imagem. Como resultado, é possível perceber que o monumento contribui, de forma significativa, para a construção da memória da cidade. Portanto, conclui-se que a estrutura construída, os detalhes do monumento e a representação de seus sentidos discursivos interferem diretamente nas experiências dos sujeitos e em outros aspectos de sua vida cotidiana.
Palavras-chave: Monumento. Memória. Religião. Análise de Discurso.
1. INTRODUÇÃO
A escultura de Nossa Senhora da Aparecida, apoiada e elevada a 13 metros de altura por duas mãos, é um projeto arquitetônico que abrange a estrutura da arquidiocese da cidade de Cascavel/PR. A representação e os sentidos que envolvem a obra de arte, em uma leitura discursiva, permite a compreensão da importância da representação e de seus sentidos para a construção de uma memória de uma determinada sociedade. Além do templo robusto da arquidiocese, fazem parte desse cenário uma cruz de mais de 7 metros de altura que contribui para a compreensão das materialidades das obras de arte. Nessas circunstâncias, este trabalho tem por objetivo compreender de que forma o monumento de Nossa Senhora da Aparecida pode auxiliar na compreensão de uma memória sobre a cidade de Cascavel/PR, pois as cidades tornam-se articuladoras de memórias através do espaço constituído pela cultura e idealização de seu povo.
Além disso, este trabalho pretende entender como a escultura de Nossa Senhora da Aparecida se relaciona com as projeções existentes nas expressões artísticas, monumentos, arquitetura e esculturas existentes na cidade, as quais são carregadas de signos e símbolos que expressam a sua cultura e sua história. Neste artigo, analisaremos a escultura da santa padroeira da cidade, também padroeira do Brasil, feita pelo artista Dirceu Rosa, no ano de 1995, que é considerada um dos cartões postais da Cidade, localizada no centro da cidade em um complexo arquitetônico da arquidiocese metropolitana do oeste do estado.
Considerando o disposto por Lynch (1999), uma imagem, enquanto um elemento carregado de sentidos e significados, é composta por três aspectos: sua identidade, que diz respeito à identificação e singularidade de um determinado objeto; sua estrutura, que envolve a relação paradigmática e espacial do objeto com (e do) observador; e seu significado, que envolve as intenções de sentidos expressos por meio do objeto, que podem ser de cunho físico ou emocional. Nessa perspectiva, o monumento de Nossa Senhora da Aparecida possui uma identidade singular por expressar a padroeira do Brasil de uma maneira diferente do que já foi proposto em outras obras artísticas e arquitetônicas. Além disso, sua estrutura de grande porte (13 metros de altura) coloca o observador em uma posição inferior à da santa, reforçando seu significado sagrado e de superioridade espiritual.
A partir da perspectiva discursiva, este trabalho pretende relacionar como acontece a construção de uma memória da cidade por meio de percepções estruturais e subjetivas, que são carregadas de história, discursos e que constroem sua identidade a partir de seus significados. Nesse sentido, ao considerar a importância do monumento de Nossa Senhora da Aparecida, a cruz e todo o projeto arquitetônico da arquidiocese da cidade de Cascavel/PR, é possível perceber que essas estruturas e objetificação fazem parte do cenário urbano da cidade e que integram sua história, a memória dos sujeitos, de forma individual e coletiva, e sua cultura.
A cidade é um discurso, e esse discurso é verdadeiramente uma linguagem: a cidade fala a seus habitantes, falamos nossa cidade, a cidade em que nos encontramos, habitando-a simplesmente, percorrendo-a, olhando-a (BARTHES apud BARROS: 2007, p. 40)
Mediante o disposto, é possível compreender que os sentidos e significados da estrutura arquitetônica da cidade, baseada na referência à Nossa Senhora da Aparecida, se expressam por meio de um discurso construído, que possui sentidos específicos, os quais sustentam saberes e experiências de uma cidade.
Halbwachs (1950) afirma que “as memórias da cidade são construídas através do olhar e discurso do cidadão que nela habita”, e o olhar nos espaços e obras que fazem parte do convívio comum de quem na cidade habita torna possível a leitura dos significantes que fazem parte da construção das suas memórias. Essas obras precisam ser consideradas enquanto monumentos que, conforme Bachelard (1993), se constitui como uma peça fundamental, por ser uma referência cativante e concreta para a cidade, para interpretar toda a estrutura e cultura da cidade. Corroborando para este entendimento, Rowntree e Conley (1980, p. 460) destacam que os monumentos “são intencionalmente dotados de sentido político e são capazes de condensar complexos significados” a respeito de valores e operar como “mecanismos regulatórios de informação que controlam significados” (ROWNTREE; CONLEY, 1980, p. 460).
Portanto, este artigo apresenta os resultados parciais de pesquisa de Mestrado em Letras – nível de Mestrado e Doutorado, na área de concentração Linguagem e Sociedade, na linha de pesquisa Estudos Discursivos: Memória, Sujeito e Sentido da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Para esse momento, será feita a análise de um dos principais monumentos da cidade, a escultura de 13 metros de altura da padroeira católica da cidade de Cascavel/PR, “Nossa Senhora Aparecida”, que faz parte de um complexo arquitetônico. Feita pelo artista Dirceu Rosa em 1995, é possível perceber que a obra artística e arquitetônica estabelece relações com o processo de significação da cidade e construção de sua identidade. Além de sua estrutura, o monumento contribui para a construção da memória da cidade, determinando sua significância simbólica.
A monumentalidade da estátua de 13 metros de altura desperta sua problematização por meio de questões que ultrapassam os significados estéticos e simbólicos. Daí a opção, neste artigo, por um debate que envolve as relações entre história, religião, discurso e memória.
2. CATEDRAL E A CIDADE
A obra da figura da santa que se destaca à frente da Igreja Matriz, materialidade deste artigo, é apenas um dos símbolos existentes em um complexo arquitetônico da Catedral Metropolitana de Cascavel, que foi fundada em 10 de junho de 1952, antes de possuir esse título recebeu o nome de Paróquia Nossa Senhora Aparecida, que passa ser padroeira oficial do município pela Lei 201/62 em 1962 (CASCAVEL, 2022).
Porém, a arquitetura como vemos nos nossos dias, entre a Avenida Brasil e a rua Rio Grande do Sul, teve início no ano de 1974, após o transporte solene da imagem sacra do antigo templo (localizado à direita da atual Catedral), para ser a nova Igreja Matriz do município (CASCAVEL, 2022). A construção do templo foi finalizada em 5 de maio de 1978. Já com a obra finalizada, foi criada a Diocese de Cascavel, transformando a então igreja matriz em catedral. Em 16 de outubro de 1979, a Diocese foi elevada à categoria de Arquidiocese, e o templo à Catedral Metropolitana, tendo como primeiro bispo e arcebispo o sacerdote Dom Armando Círio (CASCAVEL, 2022).
Com um projeto arrojado que leva a assinatura do arquiteto Gustavo Gama Monteiro, tem capacidade para 2.500 pessoas, seu telhado em laje plissada é formado por 18 gomos de concreto armado sobre 18 colunas, formando um leque que representa o manto e a coroa de Nossa Senhora (CASCAVEL, 2022).
Figura I – Igreja Nossa Senhora Aparecida – Cascavel – Fotografia de Junior Celestino Santos 2020.
A Igreja Católica, sobretudo a Matriz na cidade de Cascavel, desperta o interesse de mostrar como, em meio a outros discursos e agentes, seus representantes, líderes e mandatários acionam e incorporam elementos que estão associados à sua identidade e ideologia para a cidade. Trata-se, portanto, de compreender como se faz e quais as implicações dessa articulação entre religião e o discurso no monumento religioso neste artigo, a imagem da padroeira da Cidade, como mais um elemento artístico arquitetônico que se destaca no complexo da arquidiocese, não só pelo seu tamanho, mas também pela sua localização e o que significa para a cidade e para quem nela transita. Essas reflexões serão realizadas por meio da análise discursiva dos monumentos históricos e religiosos que compõem o complexo arquitetônico da cidade de Cascavel/PR.
As catedrais e igrejas são, normalmente, os símbolos maiores das cidades no imaginário citadino, é o primeiro elemento que aparece em nossa memória para dar forma à palavra cidade, acompanhada do mercado, da escola, da prefeitura e tudo o que se constitui ao seu redor. São os significados que apoiam e montam no imaginário da construção da identidade coletiva da cidade.
Conforme o disposto por Orlandi (2011), a noção de ordem se relaciona diretamente com os aspectos reais e materiais da cidade, que abrangem os “seus movimentos, sua forma história, seu real” (ORLANDI, 2011, p. 694). Por outro lado, a autora relaciona a organização da cidade e do espaço urbano ao imaginário projetado sobre a cidade, que abrange as perspectivas de seus moradores e dos especialistas que planejaram este espaço, “organizando o espaço da cidade, planejando-o, calculando-o de maneira empírica ou abstrata de acordo com seus objetivos” (ORLANDI, 2011, p. 694).Além disso, a autora aponta que, neste processo de organização do espaço urbano, as reais necessidades históricas e materiais da cidade enquanto ordem (seu real) são ignoradas e silenciadas, destacando os objetivos de uma representação objetiva e intencional, que possui significados particulares (ORLANDI, 2011).
A igreja matriz de Cascavel parece representar essa organização do espaço urbano tão presente no imaginário comum, localizada no coração da cidade, é o ponto de referência mais usado pelo espaço que ocupa, é como se tudo que está ao seu redor fosse secundário, ou se organizasse a partir da construção dela, ela é o centro de tudo.
O simbolismo existente na localização da igreja perante a cidade em sua paisagem é majestoso, o respeito a ela em sua imponência vai além da instituição igreja, serve ao propósito de reproduzir sentidos, além de religioso e culturais, mas estabelecer os valores de certa sociedade (COSGROVE, 1998, p. 106). Uma Igreja, por si só, produz exemplos e normas de condutas, como se comportar e conviver em um local “sagrado”. E quando quebradas essas normas isso pode ser facilmente percebido pelos que têm mais intimidade com a moralidade do local.
Por mais que os ícones sagrados de culto fiquem dentro da igreja, reservados aos seus fiéis em momentos ecumênicos, muito é transpassado além das paredes, ou pelas próprias paredes do templo, que ao chamar a atenção pelo seu desenho de 18 pontas forma o manto da Santa padroeira. Em frente ao cenário das linhas da catedral fica a imagem de 13 metros de altura do lado direito e do lado oposto, uma Cruz mestre de 7 metros de altura em um altar de 7 degraus. Uma composição de símbolos religiosos em meio aos prédios do centro da cidade.
Não diferente de outros monumentos, esses exercem funções que são a eles atribuídas, elencada por Corrêa (2007), em seu artigo “Uma sistematização da análise de monumentos na Geografia”. No qual, o autor traz reflexões a partir de uma bibliografia de geógrafos que analisam os monumentos. As funções são concebidas pelo autor sistematicamente, reconhecidas de forma isolada ou combinadas:
I – Perpetuar antigas tradições consideradas positivas, tanto para o presente como para o futuro. II – Fazer parecer antigo aquilo que é novo e considerado necessário para o presente e o futuro. A força da tradição, mesmo inventada, assegura alcançar os objetivos desejados. III – Transmitir valores de um dado grupo como se fossem de todos. Esses grupos podem ser religiosos, étnicos, raciais e sociais. IV – Afirmar a identidade de um grupo religioso, racial ou social. Neste caso, como no anterior, relações de poder estão presentes na concepção e construção de monumentos. V – Glorificar o passado, acentuando os seus valores, pensando no presente e mesmo no futuro. VI – Sugerir que o futuro já chegou, sendo portador de novos sentidos, vinculados, via de regra, ao progresso e à harmonia social, construídos pelos grupos socialmente poderosos do presente. VII – Criar “lugares de memória”, cuja função é a de coesão social em torno de eventos de um passado comum. (CORREA, 2007, p.10)
Essas funções que podem ser exercidas pelos monumentos históricos, destacadas por Correa (2007), a partir da organização do espaço urbano e de um projeto de memória e de uma cultura local , contribuem para o entendimento da importância do complexo arquitetônico na cidade de Cascavel/PR e seus sentidos discursivos presentes em cada monumento.
Figura II – Catedral 2021/1978
Apropriando-se das funções dos monumentos citados por Corrêa (2007), pode se dizer que a igreja e os elementos erguidos no centro da cidade passam a ser um “local de memória” (VII). Sua característica destaque dentro da paisagem de Cascavel torna sua transmissão de valores mais abrangente, podendo chegar a uma gama grande e heterogênea da população, afirma uma identidade religiosa dominante, com sua transmissão de valores e significados enquanto monumento representante de uma cultura, o catolicismo, “passa como se fossem de todos” (III). A cruz de 7 metros de altura em frente a arquitetura extravagante de 18 pontas da igreja, glorifica o passado, o presente e o triunfo da memória coletiva através do registro tardio e romantizado pela pintura de Vitor Meirelles “A primeira missa” (1861), a cruz levantada no primeiro dia do europeu nessa terra é a mesma que é cravada e suspensa no centro da cidade, transmitindo os mesmos valores de um grupo como se fossem de todos.
Indursky (1992) propõe considerar o enunciado em terceira pessoa como uma instância da situação de participação no discurso porque ele é colocado como estranho, ou seja, o enunciado em terceira pessoa só aparentemente está “fora” do diálogo porque o sujeito define seu enunciado instanciando enunciados de terceira pessoa. Nesse sentido, a terceira pessoa do discurso não é “a pessoa de quem se fala”, mas “a pessoa de quem se fala”. A terceira pessoa do discurso é um interlocutor indeterminado que aparece na situação discursiva por meio do sujeito do discurso.
A concepção da Catedral era pra ter característica ecumênica, é traspassado através das suas paredes sua ideologia e seus significados em um espaço que vai além dos seus limites de tempo, por não ter muros ou cercas que delimitam seu real território, a cruz se mescla ao prédios e praças no centro da cidade, assim como a cruz de Meirelles na obra “A primeira missa” (1861), criando dessa forma esse “local de memória”, afirmando uma religião através de um símbolo, “fazendo parecer antigo aquilo que é novo e considerado necessário para o presente e o futuro. A força da tradição, mesmo inventada, assegura alcançar os objetivos desejados” (II).
Figura III – “A primeira missa” MEIRELLES (1861)
3. ARTE, MONUMENTO E MEMÓRIA
Considerada como um dos principais pontos turísticos e referência da cidade de Cascavel/PR, a escultura de Nossa Senhora da Aparecida foi idealizada em 1994 e sua construção foi feita em 5 meses, sendo concluída no ano de 1995. Foi criada pelo artista Dirceu Rosa, nascido no ano de 1952, na cidade de Apucarana/PR. O monumento histórico solidificou sua carreira como artista e fez com que sua casa em Cascavel/PR se tornasse um outro ponto turístico importante, onde são expostas suas demais produções artísticas.
Em seu livro “50 anos criando com as mãos” (2018), Dirceu Rosa relata que sua maior obra é mais importante continua sendo a Escultura de Nossa Senhora Aparecida, não só pelo seu tamanho e localização, mas também pelo trabalho em sua execução. O projeto que foi apresentado ao prefeito Salazar Barreiros e aos vereadores da época, propunha a construção do monumento na entrada da cidade, em uma rodovia ou praça. Porém, o monumento histórico foi construído na arquidiocese da cidade em virtude de sua aprovação por parte da Igreja e os recursos necessários que foram cedidos para sua construção.
Figura IV – Obra Nossa Senhora Aparecida – 2021/1995 (Acervo do artista)
Para o sustentar a imagem da santa nessas proporções, foi preciso de mais de duas toneladas de ferro, além de 50 toneladas de concreto. A estrutura foi erguida com a ajuda de um guincho. E todos os detalhes que são visíveis, textura em toda sua forma feito com dedos, foram feitos um por um a mão pelo artista, sua principal característica e poética: os dedos e as mãos. É possível interpretar que, discursivamente, o retrato das mãos e os dedos que seguram a imagem da santa, podem expressar que a cidade (pois os braços estão alicerçados no solo) é devota de Nossa Senhora da Aparecida que está muito acima de todas as pessoas, devido a sua altura e estrutura. Além disso, a partir da imagem que retrata o seu processo de construção, em que o artista aparece no centro da foto, é possível inferir a necessidade de registrar essa memória da construção de sua mais importante obra de arte.
Uma escultura de 13 metros e 20 centímetros de uma imagem de uma santa popularmente conhecida no país no centro da Cidade, levantada e exposta por dois braços e mãos em sinal de adoração, não só insere uma noção de culto popular e massivo, generalizando uma religião, quando desvinculada ao suposto propósito de cultuar ou interagir com fiéis, é usada pelo município como publicidade atrelada a imagem da cidade, colaborando para criar uma identidade visual da cidade. Essa identidade visual pode ser compreendida como a identidade de um povo religioso, devoto de Nossa Senhora da Aparecida, que possui valores morais e culturais de cunho religioso. Assim, toda a simbologia da religiosidade e culto existente dentro das paredes do templo de mesmo nome da santa, são restritas aos fiéis, ganhando outro valor ao seu papel como obra, importância artística, monumental e visual que ela assume ao se incorporar à paisagem da cidade.
A imagem da santa negra de manto azul, a mais popular e padroeira do Brasil, passa a ser a imagem construída no imaginário visual que se atrela ao figurativo da palavra Cascavel (cidade). É ela que se destaca em qualquer imagem registrada da cidade, tanto nas mídias quanto no simples registo em fotografia de quem passa pelo local, pela sua beleza, grandeza ou pelo simples fato de ser um monumento grandioso no centro da cidade. Imagem que, por algum momento, faz com que não se estabeleça relação entre o nome da cidade e a serpente que representa o nome dado à capital do oeste do Paraná.
A memória , do ponto de vista de Halbwachs (1990), atua no sentido da coesão social. Para os moradores ou os que passam pela cidade, ela deixa de ser mais uma imagem da santa mais popular e genuína brasileira, um monumento que afirma uma religião da qual a maioria é adepta. Vai além da cor da pele dela que um dia foi símbolo de luta ou do dourado que a coroa traz. A imagem, idealizada em 1994 pelo artista Dirceu Rosa, desde 1995, passa a ser a “santa de Cascavel”.
O espaço que o monumento de Nossa Senhora da Aparecida ocupa na cidade, no espaço da arquidiocese, o coloca em um lugar de contemplação, de busca espiritual, como um meio para conectar o humano à divindade. O simbolismo está amplamente presente no complexo arquitetônico de Cascavel/PR, desde o próprio prédio da igreja, que simboliza a presença de Deus e de Nossa Senhora da Aparecida, até os objetos que fazem parte do complexo arquitetônico (o monumento de Nossa Senhora da Aparecida e a cruz de 7 metros de altura), que passam mensagens religiosas. O simbolismo presente no lugar é importante para reforçar a noção de que a cidade de Cascavel/PR é sagrada, e que ela está ligada aos ensinamentos religiosos, além de servir como um símbolo de fé para aqueles que a visitam.
Não há na cidade representatividade de símbolos ou monumentos de outra religião para contrapor ou manifestar diferentes crenças, não há contraste, disputas ou afirmações através de símbolos religiosos em outros espaços da cidade, reforçando que há representações e disputas simbólicas, ideológicas, envolvendo a construção dos espaços (de memória), produzindo uma “guerra de lugares” (ARANTES, 2000) entre os grupos de interesse diferentemente posicionados na estrutura social e em suas relações frente ao poder público. Não ocorreu com a coexistência de diferentes gerações, tradições, nesses 27 anos de sua existência, mesmo com transformação e reestruturação do espaço urbano e social compõe a cidade, apenas mais parques e praças sem pretensão de promover um cenário de disputas materiais e simbólicas com temas religiosos.
EFEITOS DE FIM
A forma como a população de uma cidade recebe um monumento público está relacionada a diversos fatores, desde a ideia gerada pela sua imagem, a forma como foi construída e como foi representada. Mesmo sendo uma figura religiosa que representa a memória e a religião dominante que governou e dominou em toda a Europa e é imposta também no Brasil aos seus nativos pelos portugueses e reforçada por todos os imigrantes que aqui chegaram. Essa população majoritariamente branca, especificamente na cidade de Cascavel, constituída e fundada por imigrantes que vieram do estado de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, maioria vinda de colônias alemãs e italianas, valem desses monumentos para reforçar e perpetuar sua história, crença e ideais, pois os monumentos:
(…) também nos revelam as disputas simbólicas e os grupos que disputam esse poder simbólico (…); revela-nos quais memórias são rememoradas (dos ‘vencedores’) e quais são esquecidas (dos ‘vencidos’); revela-nos quais grupos integram a ‘história oficial’ e quais são ‘excluídos da história’. (BATISTELLA, 2014: 155)
Além dos sentidos discursivos presentes no monumento histórico e no complexo arquitetônico da cidade de Cascavel/PR, passa também pelas interações conflitantes e contraditórias que fará dentro do espaço urbano, pois o monumento se mescla com a paisagem urbana e em toda sua complexidade faz parte da vida da cidade, exercendo assim uma função.
A arte, quando pública, interage com a população e estabelece uma reflexão individual, para os fiéis e devotos da santa, um símbolo religioso de respeito e devoção, para a população em geral uma relação de um trabalho artístico que faz relações e fluxos sociais, uma obra de arte pública que se liga à vida da comunidade e do cidadão comum, funcionando como símbolos e formando imagens mentais que dão forma à cidade. O monumento então passa a ser mais um marco da cidade, como certas ruas, vias, cruzamentos, pontes, bairros ou pontos marcantes – importante referência para o conjunto de uma cidade, conseguindo mesmo guiar o transeunte através da confusão desse emaranhado urbano (LYNCH, 1982, p. 57-102).
REFERÊNCIAS
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BARROS, José D´Assunção. Cidade e História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
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BATISTELLA, Alessandro. Patrimônio e representações: o significado dos monumentos em Passo Fundo (RS). Cadernos do CEOM – Histórias Locais e Imaginário Social, Vol. 27, N. 40, p. 145-174, 2014.
CASCAVEL. Site da Prefeitura da cidade de Cascavel/PR. Símbolos, 2022. Disponível em: http://www.cascavel.pr.gov.br/simbolos.php Acesso em: 05 dez. 2022.
CORREA, Roberto. Uma sistematização da análise de monumentos na geografia. Terr@ Plural. Ponta Grossa,Vol. 1, N. 1, jan.-jul., 2007, p. 9-22.
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FREIRE, Cristina. Além dos mapas: Os monumentos no imaginário urbano contemporâneo. São Paulo: SESC Annablume, 1997.
HALBWASCHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
INDURSKY, F. A fala dos quartéis e as outras vozes: uma análise do discurso presidencial da terceira república brasileira. 1992. Tese (Doutorado em Ciências) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1992.
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ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios & procedimentos. São Paulo: Pontes, 2001.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Processos de significação, corpo e sujeito in Discurso em Análise: Sujeito, Sentido e Ideologia. 3. Ed. Campinas, SP, Pontes, 2017.
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ROSA, Dirceu. Livro bibliográfico: “50 anos, criando com as mãos”. Edição do autor. Cascavel 2018.
1Mestrando no curso de Pós-Graduação em Letras – área de concentração Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus de Cascavel. Graduado em Licenciatura Artes Visuais – pela Faculdade UNIPAN e pós-graduado em Arte & Educação e Educação especial pela ESAP- Faculdades integradas do Vale do Avaí. E-mail: arte_klin@hotmail.com