CAPACITAÇÃO EM LIBRAS ENTRE PROFISSIONAIS DE SAÚDE MENTAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249121840


Axel Rocha de Alencar da Costa1
Italo Rocha Lima Brito2
Demócrito Andrade Costa Filho3
Guilherme Bernardes Peixoto4
Liciane Peixoto Costa Liberato5
Mylla Araujo Borba Parente6
Jéssica Alves Querido7
Divaldo Aires Aguiar8
Italo Yure Godinho de Santana9
Mylena Gomes do Nascimento Cardoso10
Matheus Nascimento Silva11
João gabriel pereira Veloso12
Hian Dias Neves Noleto13
Andrei de Oliveira Mendes 14
Bárbara Leal Cardoso15


INTRODUÇÃO

A deficiência auditiva é uma condição amplamente prevalente no Brasil, afetando aproximadamente 10 milhões de pessoas em diferentes graus de gravidade, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019). Entre essas, cerca de 2,5 milhões de pessoas apresentam surdez profunda. Diante desse cenário, é crucial destacar que, mesmo com números tão expressivos, a comunidade surda continua enfrentando estigma e preconceito em diversas esferas da vida, incluindo a saúde mental. Essa discriminação persistente gera consequências significativas na vida dessas pessoas, dificultando sua inclusão plena na sociedade e apresentando um desafio constante para a promoção da equidade e do respeito.

É válido ressaltar que a saúde mental é um componente essencial do bemestar humano, influenciando significativamente a qualidade de vida e o funcionamento social de indivíduos e comunidades. No entanto, o acesso equitativo aos serviços de saúde mental continua sendo um desafio universal, agravado especialmente para minorias, como é o caso da comunidade surda (Riterbusche; Maffini; Gonçalves, 2021). 

O acesso aos serviços de saúde mental no Brasil enfrenta diversos desafios, refletindo desigualdades regionais e sociais. A falta de profissionais especializados e a distribuição desigual de recursos são problemas persistentes. De acordo com o Relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), cerca de 75% das pessoas com transtornos mentais graves nos países de baixa e média renda, incluindo o Brasil, não recebem o tratamento adequado (OPAS, 2018). Além disso, a infraestrutura dos serviços de saúde mental é insuficiente, com muitos centros de atendimento sobrecarregados e mal equipados. A escassez de políticas públicas efetivas e o estigma social em torno das doenças mentais também contribuem para a subutilização dos serviços disponíveis. Essa situação é exacerbada em regiões rurais e periféricas, onde o acesso aos cuidados de saúde mental é ainda mais limitado, levando a um impacto desproporcional nas populações vulneráveis.

Apesar de todo reconhecimento legal conquistado no decorrer de séculos de luta, a oferta de serviços de saúde mental em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), dentre outros aspectos, é limitada, o que resulta em disparidades no acesso e na qualidade dos cuidados para essa população, ferindo diretamente as diretrizes do  Sistema Único de Saúde (SUS) e deixando claro que a comunicação efetiva é essencial para a compreensão mútua, a expressão de experiências emocionais complexas e a construção de um relacionamento terapêutico sólido entre o profissional de saúde mental e o paciente surdo (Ferreira junior; Bezerra; Alves, 2021).

Nesse ínterim, as diretrizes estabelecidas pelo (SUS) são: a universalidade, a integralidade e a equidade. A equidade, nesse caso, refere-se à percepção de que os diferentes devem ser tratados de acordo com suas particularidades, com o objetivo final de reduzir as disparidades no exercício da cidadania. A integralidade, por sua vez, diz respeito à assistência ao indivíduo em todas as suas necessidades dentro do sistema de saúde. Por fim, a universalidade estabelece que todos têm direito à saúde (De Oliveira et al., 2021).

Além disso, o ato de cuidar deve ser exercido com plena compreensão, respeitando as particularidades de cada indivíduo. No entanto, a literatura evidencia a limitação da maioria dos profissionais de saúde em relação ao domínio da LIBRAS. Como agravante, a inclusão da disciplina de LIBRAS nos currículos dos cursos de ensino superior e técnico na área da saúde não é obrigatória, o que prejudica e enfraquece as políticas públicas já existentes e a futura construção de uma relação de compreensão mútua entre paciente e profissional. Considerando que, para um tratamento eficaz, é essencial haver entendimento entre ambas as partes, tanto para a adesão terapêutica quanto para a preservação do sigilo médico (Moura; Dos Anjos Leal, 2019). 

Portanto, este artigo busca evidenciar as desigualdades no atendimento à comunidade surda na saúde mental e ressaltar a importância da capacitação dos profissionais de saúde em Libras, visando instigar o aperfeiçoamento dos profissionais em uma comunicação eficaz e um atendimento humanizado. Além disso, o trabalho contribui para a conscientização e o desenvolvimento de políticas públicas mais inclusivas, que respeitem as especificidades linguísticas e culturais da comunidade surda, garantindo, assim, um acesso mais equitativo aos serviços de saúde mental. 

METODOLOGIA

Este artigo apresenta uma revisão integrativa da literatura, que consiste em um método de análise e síntese de pesquisas de maneira organizada e estruturada, permitindo um aprofundamento no tema investigado. Com base nos estudos realizados de forma isolada, torna-se viável elaborar uma conclusão unificada, pois esses estudos exploraram questões semelhantes ou equivalentes (Mendes, 2008).

Como critérios de inclusão foram definidos: Artigos que abordassem sobre a escassez de capacitação em LIBRAS para profissionais de saúde publicados nos últimos 5 anos em língua portuguesa, que estivessem disponíveis de forma íntegra e gratuita na base de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Por outro lado, os critérios de exclusão forma: Artigos que tangenciassem a temática proposta, além de teses e dissertações sobre a temática.

Para a revisão integrativa foram utilizados os descritores, concluídos por meio de descritores Mesh/Decs, “Saúde mental” e “LIBRAS” na base de dados da BVS utilizando os operadores booleanos “AND”. 

A pesquisa foi realizada no período de julho a agosto de 2024 e para iniciar a abordagem do tema definido foi estabelecido o problema de pesquisa como: “Há a devida capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento da comunidade surda?” Logo em seguida foi formulada a hipótese H0 afirmando que a capacitação em LIBRAS não influencia na qualidade do atendimento para comunidade surda.

Dando continuidade, foram buscados os artigos conforme os critérios de inclusão e exclusão, os artigos selecionados foram lidos e avaliados conforme o título, autor/ano, objetivo e resultado (Quadro 1). Ao findar a primeira parte da pesquisa na base de dados se obtiveram 50 artigos. Quando foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão restaram 3 artigos que foram lidos e analisados rigorosamente para adentrar no presente texto científico.

Quadro 1 – Artigos selecionados com descrição de título, autor/ano objetivos e resultados.

TítuloAutor/anoObjetivoResultado
Atendimento psicológico à pessoa surda por meio da Libras no Brasil: Uma revisão de literaturaJunior; Bezerra; Alves, 2021.Verificar se a Psicologia tem se debruçado sobre a inclusão da pessoa surda, se há registros acadêmicos de atendimento em língua brasileira de sinais (Libras) e se a     fluência           dos psicólogos    é suficiente      para realizá-lo.É possível enxergar um crescente movimento de atendimento psicológico a pessoas surdas com uso da Libras desde 2015. Entretanto, considera-se necessária uma maior proximidade dos profissionais da psicologia clínica com a Libras e a cultura surda.
Adaptação para Libras da Escala Multidimensional de Satisfação de Vida      para AdolescentesTonin; Fukuda, 2020.Adaptar   para Libras, a Língua Brasileira de Sinais, a   Escala Multidimensional de Satisfação de Vida para Adolescentes (EMSVA)a. A análise semântica foi desenvolvida por meio de grupo focal com adolescentes surdos. Na última etapa, 50 adolescentes surdos, estudantes de escolas públicas do Distrito Federal responderam ao instrumento. A versão adaptada da EMSVA demonstrou boa consistência interna (λ2 =0,89) na amostra de adolescentes surdos.
Percepções de sujeitos surdos sobre comunicação na Atenção Primária       à SaúdeSantos; Portes, 2019.Analisar as percepções de indivíduos           surdos sobre  o processo de comunicação com profissionais de saúde do estado do Rio de Janeiro.A falta de intérpretes e a falta de uso da Língua Brasileira de Sinais pelos profissionais foram percebidas como as principais barreiras de comunicação. Por sua vez, a presença de acompanhantes ouvintes (73%) e o uso de mímica/ gestos (68%) estiveram entre as estratégias mais utilizadas pelos surdos. A maioria dos surdos relatou insegurança nas consultas,           e aqueles que melhor compreenderam seu diagnóstico e tratamento foram os surdos bilíngues (p = 0,0347) e os           surdos que   utilizaram a comunicação oral (p = 0,0056).

Fonte: Autores (2024).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A capacitação dos profissionais de saúde mental em LIBRAS é um tema de extrema relevância para a promoção de um atendimento mais inclusivo e equitativo no sistema de saúde. Apesar das diretrizes SUS que preveem a universalidade, a integralidade e a equidade no acesso aos serviços de saúde, há uma lacuna significativa na preparação dos profissionais para atender às necessidades da comunidade surda (Moura; Dos Anjos Leal, 2019). Essa lacuna compromete não apenas a eficácia do tratamento, mas também a dignidade e os direitos dos pacientes surdos, refletindo uma desigualdade persistente no sistema de saúde.

A falta de capacitação em LIBRAS entre os profissionais de saúde mental limita a capacidade desses profissionais de se comunicarem efetivamente com pacientes surdos. De acordo com Ferreira Junior, Bezerra e Alves (2021), essa deficiência resulta em barreiras significativas na troca de informações, prejudicando a compreensão mútua e a formação de uma aliança terapêutica sólida. Pacientes surdos frequentemente relatam dificuldades em expressar suas experiências emocionais e em obter respostas adequadas dos profissionais de saúde mental que não são proficientes em LIBRAS. Este cenário pode levar à desconfiança, frustração e a um menor engajamento nos processos terapêuticos, o que compromete os resultados dos tratamentos de saúde mental.

As consequências da falta de capacitação dos profissionais em LIBRAS são profundas e variadas. Sem uma comunicação adequada, há um risco maior de diagnósticos incorretos e tratamentos inadequados, aumentando o sofrimento dos pacientes e potencialmente exacerbando os sintomas de transtornos mentais (Bortoli; Guarinello, 2018). Além disso, a ausência de uma comunicação eficaz afeta negativamente a autonomia dos pacientes, que muitas vezes não conseguem compreender plenamente suas condições ou participar ativamente das decisões sobre seu cuidado (Gessner; Souza; Silva, 2020).

A falta de capacitação também perpetua o estigma e o preconceito em relação à comunidade surda, ao não considerar suas necessidades específicas e reforçar a marginalização desse grupo em um sistema de saúde que deveria ser inclusivo e acessível para todos (Quadros; Stumpf, 2017). A deficiência na formação de profissionais de saúde em LIBRAS é, portanto, uma violação das diretrizes de equidade e integralidade defendidas pelo SUS, que afirmam que o atendimento deve ser completo e considerar as particularidades de cada indivíduo (De Oliveira et al., 2021).

Para melhorar a qualidade do atendimento e assegurar a equidade no acesso aos serviços de saúde mental, é fundamental que as políticas de saúde priorizem a inclusão de LIBRAS nos currículos dos cursos de formação em saúde, tanto a nível técnico quanto superior. Essa inclusão não apenas contribuiria para uma comunicação mais eficaz entre profissionais e pacientes surdos, mas também promoveria uma cultura de respeito e reconhecimento das diversidades linguísticas e culturais dentro do sistema de saúde (Silva; Duarte, 2020).

Ademais, investimentos em capacitação contínua para os profissionais que já estão no campo são necessários para atualizar suas competências e assegurar que todos os pacientes, independentemente de sua capacidade auditiva, possam receber cuidados de saúde mental de alta qualidade (Lacerda, 2019). Essas medidas são essenciais para reduzir as disparidades no acesso ao cuidado, melhorar os resultados de saúde mental para a comunidade surda e promover um sistema de saúde mais justo e inclusivo.

CONCLUSÃO

Portanto, a capacitação em LIBRAS é essencial para os profissionais de saúde mental que desejam oferecer cuidados adequados à comunidade surda. A falta de proficiência em LIBRAS não apenas compromete a eficácia do tratamento, mas também viola os princípios fundamentais de universalidade, integralidade e equidade defendidos pelo SUS. Assim, políticas de saúde devem enfatizar a importância da capacitação em LIBRAS como uma medida crucial para promover a inclusão e melhorar os resultados de saúde mental para a população surda. 

REFERÊNCIA 

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FERREIRA JUNIOR, Jesaías Leite; BEZERRA, Henrique Jorge Simões; ALVES, Edneia de Oliveira. Atendimento psicológico à pessoa surda por meio da Libras no Brasil: Uma revisão de literatura. Psicologia Clínica, v. 33, n. 3, p. 537-556, 2021.

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ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Tratar e prevenir: cuidar da saúde mental. Washington, D.C.: OPAS, 2018.

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1  Axel.alencar@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-2732-3814
Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos/ Porto Nacional

2 italo.rlbrito@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-6245-310X
Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos/ Porto Nacional

3 democritomed@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-8854-3285
Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos/ Porto Nacional

4 advogado.guilhermeberdardes@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-2912-4096

5 licianeliberato@gmail.com https://orcid.org/0009-0003-2225-2954

6 myllaborba@hotmail.com https://orcid.org/0009-0003-3729-214X 7

7 jessicaquerido@hotmail.com https://orcid.org/0000-0003-2987-2112
Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos/ Porto Nacional

8  divaldoaires@hotmail.com https://orcid.org/0000-0001-9382-8138

9 Italoyuregod@gmail.com https://orcid.org/0009-0007-1716-8319
Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos/ Porto Nacional

10 Cardoso Mylenagn10@gmail.com https://orcid.org/0009-0001-6142-5198

11 Mateusns211@gmail.com https://orcid.org/0009-0007-2747-140X
Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos/ Porto Nacional

12 joaoo2211gabrielp@gmail.com https://orcid.org/0009-0009-3482-524X

13 hiannoleto20@gmail.com https://orcid.org/0009-0007-4501-8860

14 andreilem2626@gmail.com https://orcid.org/0009-0009-4676-3250

15  lealbarbara127@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-2714-4496