CANNABIS IN THE TREATMENT OF PARKINSON’S DISEASE
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202511281025
Matheus de Assis Viana da Luz1
Dra. Thaís Duarte Bifano2
Resumo
A Doença de Parkinson é uma enfermidade neurodegenerativa progressiva marcada pela perda de neurônios dopaminérgicos na substância negra, resultando em sintomas motores e não motores que comprometem significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Diante das limitações terapêuticas dos tratamentos convencionais, como a levodopa, que pode perder eficácia com o tempo e causar efeitos adversos, a cannabis medicinal tem emergido como uma alternativa complementar promissora. Seus principais compostos, o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), atuam no sistema endocanabinoide, desempenhando funções moduladoras sobre neurotransmissão, inflamação, estresse oxidativo e processos neuroprotetores. Evidências científicas demonstram que o CBD pode melhorar sintomas não motores, como ansiedade, dor crônica e distúrbios do sono, enquanto o THC, em doses controladas, pode reduzir tremores e rigidez muscular. No entanto, ainda existem desafios importantes, como a ausência de padronização das doses, a variabilidade dos extratos disponíveis e possíveis efeitos adversos neuropsiquiátricos, especialmente em idosos. A revisão bibliográfica realizada permitiu analisar estudos experimentais e clínicos que apontam benefícios, mas também destacam a necessidade de pesquisas mais robustas e metodologicamente consistentes. Conclui-se que a cannabis apresenta potencial terapêutico relevante no manejo da Síndrome de Parkinson, porém sua incorporação na prática clínica depende de maior evidência científica, regulamentação adequada e acompanhamento multidisciplinar para garantir segurança e eficácia no tratamento.
Palavras-chave: Cannabis medicinal. Parkinson. Canabidiol. THC. Neuroproteção.
1 INTRODUÇÃO
A doença de Parkinson é uma enfermidade neurodegenerativa progressiva que acomete principalmente indivíduos acima dos 60 anos de idade, caracterizando-se por tremores, rigidez muscular, bradicinesia (lentidão dos movimentos) e instabilidade postural. Essas manifestações decorrem da degeneração de neurônios dopaminérgicos localizados na substância negra do mesencéfalo, resultando em uma deficiência da dopamina, neurotransmissor essencial para o controle dos movimentos. Apesar dos avanços na terapêutica convencional, especialmente com o uso da levodopa, muitos pacientes desenvolvem efeitos adversos com o tempo ou não obtêm controle satisfatório dos sintomas, o que impulsiona a busca por terapias complementares e alternativas.
Nesse contexto, a cannabis medicinal tem despertado crescente interesse científico e clínico. A planta Cannabis sativa contém mais de cem canabinoides, sendo os mais estudados o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). Esses compostos interagem com o sistema endocanabinoide do corpo humano, o qual está envolvido na regulação de processos fisiológicos como dor, humor, apetite e controle motor. Estudos sugerem que os canabinoides possuem propriedades neuroprotetoras, anti-inflamatórias, antioxidantes e ansiolíticas, que podem ser benéficas no contexto da doença de Parkinson. (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
Evidências experimentais indicam que a modulação do sistema endocanabinoide pode influenciar positivamente a atividade dopaminérgica nos gânglios da base, estruturas cerebrais diretamente envolvidas nos sintomas motores do Parkinson. Além disso, o uso do CBD tem sido relacionado à melhora de sintomas não motores, como distúrbios do sono, ansiedade, dor crônica e qualidade de vida geral. Em um estudo clínico conduzido por Chagas e colaboradores (2014), o CBD demonstrou melhora significativa na qualidade de vida de pacientes com Parkinson, sem apresentar efeitos colaterais graves. Outros estudos também apontam para a redução da rigidez muscular, tremores e discinesias induzidas por levodopa com o uso de canabinoides (KOPPEL et al., 2014; LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
No entanto, a eficácia e segurança do uso terapêutico da cannabis no tratamento da Síndrome de Parkinson ainda são objeto de debate e investigação. Muitos estudos são de pequena escala, com metodologias heterogêneas, e os resultados nem sempre são consistentes. Além disso, o uso prolongado do THC pode estar associado a efeitos psicoativos indesejáveis, como alucinações e comprometimento cognitivo, especialmente em idosos. (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
Dessa forma, a cannabis medicinal surge como uma alternativa promissora, mas que ainda exige cautela, padronização de doses, tipos de extratos e estudos de longo prazo. O reconhecimento do potencial terapêutico da cannabis no Brasil e em outros países já tem levado à regulamentação de produtos à base de CBD para uso médico, especialmente em casos refratários aos tratamentos convencionais. O futuro da terapêutica da doença de Parkinson pode, portanto, incluir a cannabis como parte de uma abordagem integrativa e personalizada, desde que embasada em evidências científicas robustas e com acompanhamento multidisciplinar adequado. (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 USO DA CANNABIS NO TRATAMENTO DA SÍNDROME DE PARKINSON
A Síndrome de Parkinson é uma desordem neurodegenerativa crônica e progressiva que afeta o sistema nervoso central, principalmente os neurônios dopaminérgicos da substância negra pars compacta. Esses neurônios são responsáveis pela produção de dopamina, um neurotransmissor essencial para o controle dos movimentos voluntários. A deficiência de dopamina leva a uma série de alterações fisiológicas que se manifestam clinicamente como tremores em repouso, rigidez muscular, bradicinesia (lentidão dos movimentos) e instabilidade postural (JANKOVIC, 2008; CHAGAS et al., 2014)
2.2 FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA DE PARKINSON
Fisiologicamente, o sistema dopaminérgico é parte de um circuito complexo que envolve os núcleos da base, tálamo e córtex motor. A dopamina age sobre dois tipos principais de receptores: D1 e D2, os quais estão envolvidos na modulação de vias excitatórias e inibitórias. Na Doença de Parkinson, a via direta (que facilita o movimento) é inibida, enquanto a via indireta (que inibe o movimento) é hiperativada, resultando nos sintomas motores característicos. Além disso, há evidências de inflamação neurogênica e estresse oxidativo contribuindo para a degeneração neuronal. (JANKOVIC, 2008; OLIVEIRA et al., 2022)
Os tratamentos convencionais, como a levodopa, tentam restaurar os níveis de dopamina. No entanto, com o uso prolongado, há diminuição da eficácia e surgimento de efeitos colaterais como discinesias, o que leva à busca por alternativas terapêuticas, entre elas, a cannabis medicinal. (JANKOVIC, 2008; OLIVEIRA et al., 2022)
2.3 SISTEMA ENDOCANABINÓIDE E NEUROFISIOLOGIA
A Cannabis sativa contém mais de 100 fitocanabinoides, sendo o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) os mais estudados. Estes compostos interagem com o sistema endocanabinoide, composto por receptores cannabinoides (CB1 e CB2), endocanabinoides endógenos (anandamida e 2-AG) e enzimas responsáveis por sua síntese e degradação. Os receptores CB1 são altamente expressos no sistema nervoso central, incluindo os gânglios da base, onde regulam a liberação de neurotransmissores como dopamina, glutamato e GABA (MECHOULAM; PARKER, 2013; PAGANO et al., 2020; PERES et al., 2020)
O CBD apresenta propriedades neuroprotetoras por meio da modulação de receptores serotoninérgicos (5-HT1A), redução do estresse oxidativo, e inibição da ativação da micróglia, célula responsável pela resposta inflamatória no sistema nervoso central. Em modelos animais, o CBD reduziu significativamente a degeneração de neurônios dopaminérgicos e melhorou a função motora. O THC, apesar dos efeitos psicoativos, também possui ações terapêuticas como relaxamento muscular e redução de tremores (MECHOULAM; PARKER, 2013; PAGANO et al., 2020; PERES et al., 2020)
Estudos como o de Chagas e colaboradores (2014) demonstraram que o canabidiol pode ser eficaz no tratamento de sintomas não motores da Doença de Parkinson, como distúrbios do sono e ansiedade. Em um estudo observacional conduzido por Lotan e colaboradores (2014), pacientes relataram melhora na rigidez muscular, nos tremores e na dor após o uso de cannabis inalada. (MECHOULAM; PARKER, 2013; PAGANO et al., 2020; PERES et al., 2020)
Além disso, a cannabis pode modular canais de cálcio e sódio dependentes de voltagem, influenciando diretamente a excitabilidade neuronal. Essa modulação pode auxiliar na redução de sintomas motores e na prevenção de discinesias induzidas por levodopa. Estudos também sugerem que a ativação dos receptores CB2 pode reduzir a neuroinflamação e estimular a neurogênese, contribuindo para um efeito modificador da doença (MECHOULAM; PARKER, 2013; PAGANO et al., 2020; PERES et al., 2018 e 2020)
2.4 MECANISMOS DE AÇÃO DOS CANABINOIDES NA DOENÇA DE PARKINSON
O sistema endocanabinoide desempenha um papel fundamental na modulação de diversas funções fisiológicas e neurológicas. Ele é composto por receptores canabinoides (principalmente CB1 e CB2), endocanabinoides como anandamida e 2-AG, além de enzimas responsáveis por sua síntese e degradação. Na Doença de Parkinson (DP), alterações nesse sistema têm sido observadas, sugerindo que sua modulação pode contribuir para a neuroproteção e o alívio sintomático (PAGANO et al., 2020; PERES et al., 2020).
Os receptores CB1 estão amplamente distribuídos no sistema nervoso central, especialmente nos gânglios da base, que são estruturas cerebrais essenciais para o controle motor e diretamente afetadas na DP. A ativação dos receptores CB1 por compostos como o tetrahidrocanabinol (THC) pode influenciar a liberação de neurotransmissores, incluindo dopamina, GABA e glutamato, atenuando a excitotoxicidade e promovendo efeitos benéficos nos sintomas motores (PAGANO et al., 2020; PERES et al., 2020). Já os receptores CB2 são encontrados principalmente em células do sistema imunológico e em células gliais do cérebro, sendo associados à redução de processos inflamatórios e do estresse oxidativo, fatores que contribuem para a progressão da neurodegeneração (PERES et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2022).
O canabidiol (CBD), por sua vez, possui baixa afinidade pelos receptores CB1 e CB2, mas atua indiretamente inibindo a degradação da anandamida e modulando receptores serotoninérgicos (5-HT1A), vaniloides (TRPV1) e nucleares (PPAR-γ). Esses mecanismos favorecem a neuroplasticidade, reduzem o estresse oxidativo e inibem a ativação exacerbada da microglia, processos diretamente relacionados ao declínio cognitivo no Parkinson (PAGANO et al., 2020; KLUGER et al., 2022). Além disso, o CBD demonstrou propriedades antioxidantes significativas, protegendo neurônios dopaminérgicos contra o dano oxidativo — um dos principais mecanismos da degeneração neuronal — e modulando a função mitocondrial, essencial para a consolidação da memória (PERES et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2022).
A neuroinflamação desempenha papel central na deterioração cognitiva da DP. A ativação crônica da microglia promove a liberação de citocinas pró-inflamatórias, como IL-1β e TNF-α, que prejudicam a plasticidade sináptica e favorecem a morte neuronal. Os canabinoides, sobretudo por meio da ativação dos receptores CB2, reduzem essa resposta inflamatória, preservando circuitos relacionados ao aprendizado e à memória (PAGANO et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2022). Essa ação anti-inflamatória, associada ao efeito ansiolítico do CBD, pode melhorar indiretamente a cognição, já que estados de ansiedade e insônia contribuem para o déficit cognitivo em pacientes com Parkinson (CHAGAS et al., 2014; KLUGER et al., 2022).
Outro mecanismo importante é a interação com o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico, que regula funções executivas e processos de memória. A modulação da liberação de dopamina no córtex pré-frontal favorece a melhora da atenção e da memória de trabalho, enquanto o equilíbrio entre glutamato e GABA previne a excitotoxicidade, um dos principais fatores da degeneração neuronal (MECHOULAM; PARKER, 2013; PAGANO et al., 2020). Assim, o uso terapêutico da cannabis pode resultar em ganhos cognitivos significativos.
A Doença de Parkinson é uma condição neurodegenerativa progressiva caracterizada não apenas por sintomas motores, como tremores e rigidez, mas também por alterações cognitivas relevantes. Entre os déficits mais comuns estão a dificuldade de atenção, prejuízos na memória de trabalho, lentificação do processamento de informações e, em fases mais avançadas, a demência parkinsoniana (JANKOVIC, 2008; OLIVEIRA et al., 2022). Nesse cenário, a cannabis medicinal se destaca como alternativa terapêutica promissora, graças ao potencial do THC e do CBD em modular processos neuroquímicos e fisiológicos relacionados ao funcionamento cognitivo (CHAGAS et al., 2014; PAGANO et al., 2020).
Em síntese, os canabinoides apresentam múltiplos mecanismos de ação que podem atenuar e até reverter déficits cognitivos na DP. O THC, em doses controladas, auxilia na modulação sináptica e na neurotransmissão dopaminérgica, enquanto o CBD exerce funções neuroprotetoras ao reduzir estresse oxidativo, inflamação e favorecer a neurogênese. Apesar dos resultados preliminares promissores, ainda são necessários ensaios clínicos robustos e padronizados para confirmar a eficácia e segurança do uso da cannabis na recuperação cognitiva de pacientes com Parkinson (KOPPEL et al., 2014; KLUGER et al., 2022)
2.5 ESTUDOS CLÍNICOS E EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS
De acordo com Dos Santos, Hallak e Crippa (2019), o canabidiol (CBD) apresenta efeitos neuroprotetores, antioxidantes e anti-inflamatórios em modelos pré-clínicos da Doença de Parkinson. A revisão conduzida pelos autores demonstrou que o CBD contribuiu para a redução de sintomas motores — como bradicinesia, rigidez e tremores — e não motores, como distúrbios do sono e ansiedade. Além disso, o composto apresentou boa tolerabilidade e poucos efeitos adversos relevantes. No entanto, os autores ressaltam que, embora os resultados sejam promissores, ainda são necessários ensaios clínicos controlados de maior escala e com diferentes dosagens de CBD.
Complementarmente, Urbi et al. (2021) realizaram uma revisão sistemática e meta-análise abrangendo 23 estudos sobre o uso da cannabis em pacientes com Doença de Parkinson. Os resultados apontaram potenciais benefícios na redução de tremores, ansiedade, dor, melhora do sono e da qualidade de vida. Apesar disso, os autores afirmam que não há evidências suficientemente robustas para recomendar o uso rotineiro de produtos à base de cannabis, reforçando a necessidade de novos estudos randomizados e bem controlados para confirmar esses achados preliminares.
A investigação sobre o uso da cannabis na Doença de Parkinson vem crescendo nos últimos anos, com uma variedade de estudos clínicos e pré-clínicos buscando elucidar sua eficácia e segurança. Apesar do aumento de publicações, muitos desses estudos ainda apresentam limitações metodológicas, como tamanhos amostrais reduzidos, ausência de grupos controle e variações nos tipos e doses dos canabinoides utilizados. Ainda assim, os resultados são promissores, principalmente em relação aos sintomas não motores e à qualidade de vida dos pacientes.
Um dos estudos clínicos mais citados foi conduzido por Chagas et al. (2014), que avaliou o uso de 75 mg/dia de canabidiol (CBD) em pacientes com Doença de Parkinson durante seis semanas. Os resultados mostraram melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes, principalmente em aspectos relacionados ao sono, emoções e desconforto físico, sem registro de efeitos adversos graves. Embora o estudo tenha sido limitado por seu tamanho reduzido (n=21), ele abriu caminho para novas investigações com foco nos efeitos do CBD isolado.
Outro estudo importante foi realizado por Lotan et al. (2014), em que 22 pacientes com Parkinson fumaram cannabis in natura. Os autores observaram uma redução significativa na gravidade dos sintomas motores, como tremores e rigidez, além de melhora no sono e na dor. No entanto, por se tratar de um estudo observacional e sem grupo controle, os resultados devem ser interpretados com cautela, embora demonstrem o potencial terapêutico do tratamento. (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
Em uma revisão sistemática publicada por Koppel et al. (2014), a Academia Americana de Neurologia concluiu que há evidências moderadas a baixas sobre a eficácia da cannabis no tratamento de sintomas associados a doenças neurológicas, incluindo a Doença de Parkinson. O estudo recomendou mais ensaios clínicos randomizados e controlados para confirmar a segurança e eficácia do uso médico da cannabis. (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
Mais recentemente, Kluger et al. (2022) conduziram um ensaio clínico duplo-cego, randomizado, com extrato de CBD puro em pacientes com Parkinson que sofriam de psicose. O estudo demonstrou redução significativa dos sintomas psicóticos, sem piora dos sintomas motores, reforçando o papel do CBD como um potencial antipsicótico atípico, seguro e bem tolerado. (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
Além dos sintomas motores e psicóticos, diversos estudos têm relatado benefícios do CBD no tratamento de distúrbios do sono, dor crônica, ansiedade e depressão, sintomas frequentemente subestimados, mas que impactam significativamente a qualidade de vida dos pacientes com Parkinson. (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
Apesar dos avanços, a literatura ainda carece de ensaios clínicos de larga escala, com padronização na formulação dos produtos, dosagens e vias de administração. A heterogeneidade dos estudos atuais dificulta a elaboração de protocolos clínicos definitivos, sendo necessária a continuidade das pesquisas para estabelecer recomendações baseadas em evidências sólidas. (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
2.6 EFEITOS ADVERSOS DO USO DE CANABINÓIDES NA DOENÇA DE PARKINSON
Pacientes com DP tratados com cannabis medicinal relataram sintomas neuropsiquiátricos, como confusão e alucinações. Em um estudo observacional, 17% dos participantes apresentaram esses efeitos adversos. O THC, componente psicoativo da cannabis, pode exacerbar esses sintomas, especialmente em indivíduos com predisposições genéticas que afetam os níveis de dopamina no cérebro (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
O uso de canabinoides pode levar a efeitos colaterais fisiológicos, como sonolência; alterações no apetite; desconfortos gastrointestinais, como diarreia e náuseas; boca seca (xerostomia); tontura; fadiga; palpitações; desequilíbrio e apatia. Esses efeitos são mais pronunciados em pacientes idosos, aumentando o risco de quedas e complicações associadas (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022).
O CBD pode interagir com medicamentos comumente usados no tratamento da DP, como anticoagulantes, anticonvulsivantes e ansiolíticos. Essas interações podem potencializar os efeitos dos medicamentos ou aumentar o risco de efeitos colaterais, como sonolência excessiva e risco de sangramentos. (LOTAN et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2022)
2.7 CONSIDERAÇÕES FISIOLÓGICAS
A DP é caracterizada pela degeneração progressiva dos neurônios dopaminérgicos na substância negra do cérebro, levando a sintomas motores e não motores. O sistema endocanabinoide, que inclui os receptores CB1 e CB2, está envolvido na modulação de várias funções neurológicas. O CBD atua como antagonista indireto desses receptores e como agonista parcial do receptor 5-HT1A, o que pode contribuir para seus efeitos ansiolíticos e neuroprotetores. (PERES et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2022)
No entanto, a ativação dos receptores CB1 pelo THC pode interferir na liberação de neurotransmissores, afetando a função motora e cognitiva. Além disso, a interação dos canabinoides com o sistema dopaminérgico pode exacerbar sintomas psicóticos em pacientes predispostos. (PERES et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2022)
3 METODOLOGIA
Este trabalho configura-se como uma pesquisa de natureza qualitativa, do tipo bibliográfica, com abordagem descritiva. A pesquisa bibliográfica consiste na análise de materiais previamente publicados, como artigos científicos, livros, dissertações, teses e documentos oficiais, com o objetivo de reunir, discutir e interpretar o conhecimento já existente sobre o tema em questão.
A investigação foi conduzida por meio da revisão da literatura científica disponível nos principais bancos de dados acadêmicos, incluindo PubMed, SciELO, LILACS e Google Scholar. Para a busca, foram utilizados os seguintes descritores: Cannabis, Canabidiol, THC, Sistema Endocanabinoide, Doença de Parkinson, Tratamento, Neuroproteção e Sintomas Motores. Esses termos foram combinados em português e inglês, utilizando operadores booleanos (AND, OR), a fim de assegurar uma busca abrangente e direcionada.
Os critérios de inclusão adotados foram: Artigos publicados entre 2008 e 2024; Publicações com texto completo disponível gratuitamente; Estudos com relevância direta ao tema do uso da cannabis no tratamento da Doença de Parkinson; Trabalhos em português, inglês ou espanhol.
Os critérios de exclusão incluíram: Artigos duplicados em diferentes bases de dados; Estudos com abordagem genérica sobre cannabis sem foco específico na Doença de Parkinson; Trabalhos que não apresentavam fundamentação científica adequada ou não haviam sido submetidos à revisão por pares.
4 RESULTADOS
A utilização da cannabis medicinal no tratamento da Doença de Parkinson representa um avanço importante na busca por terapias alternativas e complementares para uma enfermidade crônica, progressiva e de alto impacto funcional e social. Os canabinoides, particularmente o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), têm se mostrado agentes promissores por atuarem diretamente no sistema endocanabinoide, que participa da regulação de diversas funções fisiológicas, incluindo a neurotransmissão, a resposta inflamatória e o controle motor, todos diretamente afetados na fisiopatologia da Doença de Parkinson.
Os dados apresentados ao longo deste trabalho evidenciam que o CBD, por possuir perfil não psicoativo e propriedades ansiolíticas, antioxidantes e anti-inflamatórias, pode atenuar não apenas os sintomas motores, mas também os não motores, como distúrbios do sono, ansiedade e dor crônica. O THC, embora associado a benefícios como relaxamento muscular e diminuição de tremores, também apresenta riscos relevantes, especialmente pela possibilidade de desencadear efeitos neuropsiquiátricos adversos, como confusão, alucinações e prejuízo cognitivo, efeitos que são particularmente preocupantes em populações idosas, mais vulneráveis a esse tipo de complicação (JANKOVIC, 2008; OLIVEIRA et al., 2022).
Fisiologicamente, a ativação dos receptores CB1 no sistema nervoso central e CB2 em células imunológicas e da glia apresenta uma via promissora de modulação neuroquímica e neuroimunológica. Estudos mostram que essa ativação pode promover a neuroproteção, reduzir o estresse oxidativo, atenuar a inflamação neurogênica e até mesmo favorecer a neurogênese. No entanto, a variabilidade dos efeitos, dependente da dose, do tipo de extrato, da proporção entre THC e CBD e das vias de administração, evidencia a necessidade de protocolos padronizados para seu uso seguro e eficaz (JANKOVIC, 2008; OLIVEIRA et al., 2022).
Apesar do otimismo com os resultados iniciais de ensaios clínicos, muitos ainda apresentam limitações metodológicas, como amostras pequenas, ausência de controle placebo e heterogeneidade nos produtos utilizados. Isso reforça a necessidade urgente de estudos multicêntricos, randomizados e com grande representatividade populacional. Além disso, o cenário regulatório brasileiro, embora em avanço, ainda impõe barreiras significativas à pesquisa, ao acesso e à prescrição da cannabis medicinal, o que limita a sua integração plena no sistema de saúde (JANKOVIC, 2008; OLIVEIRA et al., 2022).
Do ponto de vista bioético, o uso da cannabis também exige ponderações cuidadosas quanto ao princípio da beneficência e da não maleficência, especialmente em contextos clínicos onde os riscos podem superar os benefícios em determinadas circunstâncias. A acessibilidade à substância e o alto custo dos produtos importados também levantam questões de justiça social e equidade no acesso ao tratamento.
Em síntese, a cannabis medicinal configura-se como um recurso terapêutico inovador, com múltiplas frentes de atuação nos mecanismos da Doença de Parkinson. Entretanto, sua inclusão efetiva como parte integrante da abordagem clínica exige avanços científicos, regulamentares e éticos. O investimento em pesquisas de alta qualidade, políticas públicas de incentivo à inovação e formação profissional voltada à prescrição consciente são passos fundamentais para que o potencial da cannabis possa ser plenamente explorado de maneira segura, responsável e acessível, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes (JANKOVIC, 2008; CHAGAS et al., 2014).
5 CONCLUSÃO
O uso da cannabis no tratamento da Doença de Parkinson representa uma fronteira promissora da neurociência moderna. Sua ação multifatorial sobre sistemas neurotransmissores, processos inflamatórios e vias neurodegenerativas justifica o crescente interesse em sua aplicação clínica. Entretanto, ainda são necessários ensaios clínicos controlados, com amostras maiores e metodologias padronizadas, para que se possa estabelecer de forma inequívoca sua eficácia e segurança a longo prazo.
REFERÊNCIAS
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1 Discente do Curso Superior de Biomedicina do Centro Universitário Univel. e-mail: matheus.assis.399m@gmail.com
2 Docente do Curso Superior de Biomedicina do Centro Universitário Univel. Doutora em Bioquímica (IQ/USP). e-mail: thais.bifano@univel.br
