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Dr. Márcio Luna (RJ)
Fisioterapeuta há 35 anos; Ex-aluno do Prof. F.J. Spaeth, Introdutor da Acupuntura no Brasil; Especialista em Acupuntura e Terapias Orientais (China; ABA) há 36 anos; Fundador do Instituto Brasileiro de Medicina Tradicional Chinesa (IBMTC); Especialista em Neurociências em Longevidade (UFRJ-IPUB); Mestre em Ciência da Motricidade Humana (UCB-RJ); Membro da Câmara Técnica de Acupuntura do CREFITO-2.
Contextualização: Canabidiol (CBD) é uma substância natural derivada da planta do gênero Cannabis Sp., isolada na década de 40, mas não elucidada até a década de 60, com grande potencial terapêutico. É o mais prevalente canabinóide das plantas do tipo Cannabis e não tem efeito psicotrópico.
A ANVISA, no Brasil, após décadas de solicitações administrativas, de doentes, para liberar o uso do CBD, decidiu em novembro de 2019 pela permissão da fabricação do canabidiol sintético, sob a forma de comprimidos orais. Na prática essa permissão não atende ao melhor uso do CBD, que seria na forma de óleo, via sublingual, via percutânea ou via vaporização (incluindo spray nasal).
À parte a essas questões de ordem comercial, legal e política, o CBD já vem sendo usado por nós em alguns casos de neuropatia e dor crônica mal controlada pelos métodos convencionais, e mais recentemente em uma portadora de Covid-19.
O CBD tem sido muito usado nos EUA para epilepsia refratária em crianças, em especial, portadoras da Síndrome de Dravet e da Síndrome de Lennox-Gastaut.
No Brasil, o uso de derivados da Cannabis era proibido até 2015, quando foi autorizado seu uso terapêutico. O primeiro salvo conduto concedido pela justiça brasileira para o auto cultivo da planta Cannabis para fins medicinais, foi obtido em 2016. Em 2015, a ANVISA autorizou a primeira importação para uso terapêutico pessoal. Em 2017, a ANVISA registrou o primeiro medicamento à base de CBD e THC (Tetrahidrocanabinol) (Mevatyl®), que junto com o CBN (Cannabinol) são os 3 principais fitocanabinóides ativos da planta, entre outros 50 compostos ativos, canabinóides e não canabinóides. Porém, esse medicamento chegou no mercado com um preço muito elevado, estimulando assim que a situação de auto cultivo e importação pessoal do CBD ficasse inalterada.
O Coffito agindo: De forma atuante, efetiva e sempre visionária, no que tange a atualização e modernização do escopo da atividade profissional do Fisioterapeuta e do Terapeuta Ocupacional, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), em linha com as tendências mundiais da profissão, emitiu uma resolução de número 380 de 3 de novembro de 2010, onde regulamenta o uso das práticas integrativas e complementares de saúde pelo fisioterapeuta, que estão listadas no artigo 1º dessa resolução (“ Autorizar a prática pelo Fisioterapeuta dos atos complementares ao seu exercício profissional regulamentado, nos termos desta resolução e da portaria MS número 971/2006: a) Fitoterapia; b) Práticas Corporais, Manuais e Meditativas; c) Terapia Floral; d) Magnetoterapia; e) Fisioterapia Antroposófica; f) Termalismo/ Crenoterapia/Balneoterapia; g) Hipnose.”
Essa resolução foi a resposta prática, jurídica, institucional e corporativa do COFFITO, face o reconhecimento oficial por parte do Ministério da Saúde do Brasil à tendência mundial de incorporação de abordagens terapêuticas complementares e integrativas no cuidado à saúde, por conta da publicação em 3 de maio de 2006 da Portaria Ministerial nº 971, que criou e institucionalizou pela primeira vez em nosso país uma Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Uma vez que o fisioterapeuta sempre utilizou ativos medicamentosos em sua praxis profissional, como é o caso da Fonoforese e da Iontoforese, somente para citar alguns, com a regulamentação do uso da Fitoterapia, da Terapia Floral e de outras práticas terapêuticas integrativas e complementares que são intrinsecamente prescritivas, o COFFITO precisou normatizar os usos e as indicações dessas substâncias, e o fez magistralmente em 1º de abril de 2017, no Acórdão de nº 611, aprovando a utilização e a indicação de substâncias de livre prescrição pelo fisioterapeuta, o que incluiu as substâncias ortomoleculares, os homeopáticos, os antroposóficos, os fitofármacos e os fitoterápicos, as essências florais e os fotossensibilizadores para a terapia fotodinâmica.
Com isso nós tínhamos o caminho aberto e pavimentado para o uso legal e legitimo dos fitoterápicos e dos fitofármacos da planta Cannabis.
Desenvolvimento: O primeiro estudo científico no Brasil que demonstrou a eficácia do CBD foi no controle de epilepsias, sendo publicado em 1980 pelo grupo do Prof. Elisaldo Carlini (UNIFESP), juntamente com o pioneiro no isolamento do THC, o Prof. Raphael Mechoulam (Hebrew University – Jerusalém).
As propriedades terapêuticas da planta do gênero Cannabis foram descritas pela primeira vez pelos chineses, no livro Shennong Ben Cao Jing da Farmacopéia chinesa do período Han, compilado entre 206 – 220 d.C., e atribuído a sua autoria ao lendário imperador Shen Nong (ou “o imperador vermelho”).
A planta Cannabis é dividida em várias subespécies: Sativa, Indica, Ruderalis, Spontanea e Kafiristanica. Os efeitos farmacológicos são atribuídos à interação dos fitocanabinóides com os receptores endocanabinóides presentes em todo nosso organismo, principalmente distribuídos no Sistema Nervoso Central (SNC), conhecido como CB₁, e no Sistema Nervoso Periférico e no Sistema Imunológico, conhecido como CB₂, formando assim o Sistema Endocanabinóide (SEC), descoberto na década de 80.
O CBD tem efeito analgésico, anti-inflamatório, hipoglicemiante, anti-emético, antiprocinético intestinal, ansiolítico, antipsicótico, anticonvulsivante, anti-espasmódico, hipnótico, imunossupressor/imunomodulador, neuroprotetor, antipsoriático, antibacteriano, vasodilatador, pró-osteogênese, antiproliferativo, anti-isquêmico.
Não há estudos clínicos sobre os efeitos dos canabinóides diretamente sobre doenças virais, porém o CBD apresenta várias características que o tornam um potencial agente para estudos de atividade antiviral. A ação anti-inflamatória e pró-apoptótica do CBD, em mamíferos, e a característica hiperinflamatória pulmonar do portador do Covid-19, nos levou a usá-lo com esse objetivo em um paciente portador sintomático dessa doença em maio de 2020, no auge da pandemia pelo novo Coronavírus, no Rio de Janeiro.
Alguns estudos pré clínicos apontam um possível papel antiviral para o CBD, pois demonstram a inibição da replicação do HCV (vírus da hepatite C) em até 84,6%, o que é comparável ao efeito do interferon alfa a 10 UI/ml. Em outro estudo com células cultivadas, o CBD reduziu a proliferação de células infectadas pelo herpes vírus associado ao Sarcoma de Kaposi.
Considerações finais: Por essa breve descrição do atual estado da ciência canabinóide, e em especial do CBD, podemos concluir que o CBD se descortina como um importante agente fisioterapêutico novo no arsenal terapêutico do fisioterapeuta integrativo e complementar, com inúmeras aplicações clínicas de grande impacto em todas as especialidades da fisioterapia em geral.
Leitura complementar:
APARICIO-BLANCO, Juan; SEBASTIÁN, Víctor; BENOIT, Jean P.; TORRES-SUÁREZ, Ana I. Lipid nanocapsules decorated and loaded with cannabidiol as targeted prolonged release carriers for glioma therapy: In vitro screening of critical parameters. European Journal of Pharmaceutics and Biopharmaceutics. v. 134, p.126-137, jan, 2019.
CARVALHO, Virgínia Martins. Farmacannabis-UFRJ: The first laboratory in Brazil to analize therapeutic products derived from Cannabis. Brazilian Journal of Analytical Chemistry. v.4, n. 16, p. 44-49, jan, 2017.
CRIPPA, José Alexandre S.; ZUARDI, Antonio Waldo; HALLAK, Jaime E. C. Uso terapêutico dos canabinóides em psiquiatria. Revista Brasileira de Psiquiatria. v. 32, supl. I, maio, 2010. HILL, Kevin P. Cannabinoids and the Coronavirus. Cannabis and Cannabinoid Research. v. 5, n. 2, p. 118-120, 2020.
MACPARTLAND, John M.; GUY, Geoffrey W.; DI MARZO, Vincenzo. Care and Feeding of the Endocannabinoid System: A Systematic Review of Potential Clinical Interventions That Upregulate the Endocannabinoid System. Plos One. v. 9, n. 3, p. e89566, mar, 2014.
NICHOLS, James M.; KAPLAN, Barbara L. F. Immune Responses Regulated by Cannabidiol. Cannabis and Cannabinoid Research. v. 5, n. 1, p. 12-31, feb, 2020.
TRINH, Kien V.; DIEP, Dion; ROBSON, Hannah. Marijuana and Its Effects on Athletic Performance: A Systematic Review. Clinical Journal of Sport Medicine. v. 28, n. 4, p. 350- 357, jul, 2018.