REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7117938
Autores:
Victória de Cássia Soares Porto1
Marcimar Silva Sousa2
Ariana Verissímo dos Santos3
Radji Citrini Merched Chaar4
Beatriz Negreiros da Mota5
RESUMO
A Obstrução Ureteral Felina (OUF) trata-se da interrupção do fluxo fisiológico da urina, ou seja, processo que impossibilita a condução da urina da pelve renal até a bexiga. É uma condição multifatorial, a obstrução do lúmen ureteral pode ocorrer devido a lesões, cálculos, traumas, neoplasias ou rupturas ureterais. A escolha do tratamento vai depender de diversos fatores, podendo ser cirúrgico ou não, o que irá determinar será o estado clínico do paciente. O presente trabalho se propõe a apresentar um relato de caso de felino, macho, de 4 anos diagnosticado com hidronefrose decorrente de obstrução ureteral, submetido a um procedimento de implantação de Bypass Ureteral Subcutâneo (SUB) como tratamento cirúrgico, em clínica veterinária particular de Manaus.
Palavras-chave: Tratamento Cirúrgico. Obstrução ureteral. Medicina felina.
ABSTRACT
Ureteral obstruction is the interruption of the normal flow of urine, which makes it impossible for the body to carry out the correct physiological process, that is, to carry urine from the kidneys to the bladder. It is a multifactorial condition, obstruction of the ureteral lumen can occur due to injuries, calculi, trauma, neoplasms or ureteral ruptures. The choice of treatment will depend on several factors, which may be surgical or not, which will determine the patient’s clinical status. The present work proposes to present a case report of a 4-year-old male feline diagnosed with hydronephrosis due to ureteral obstruction, submitted to a procedure for implantation of Subcutaneous Ureteral Bypass (SUB) as a surgical treatment, in a private veterinary clinic in Manaus.
Keywords: Surgical Treatment. Obstruction ureteral. Feline Medicine.
1. INTRODUÇÃO
Em Medicina Veterinária Felina, o sistema urinário é dividido em duas partes: superior e inferior. O trato urinário superior felino (TUSF) é constituído pelos rins e ureteres e o trato urinário inferior felino (TUIF) por bexiga e uretra.
A obstrução trata-se da interrupção do fluxo normal da urina, que impossibilita o organismo de realizar o processo fisiológico correto, pode ocorrer em qualquer nível do sistema urinário desde a uretra até a pelve renal. Pode ser causada por lesões intrínsecas ao sistema urinário ou lesões extrínsecas que comprimem o ureter (ALPERS, 2005).
Segundo Almeida (2018), a incidência de cálculos ureterais em gatos tem aumentado significativamente nas últimas décadas e independente do tipo de obstrução, seja parcial ou completa, a apresentação clínica deve sempre ser considerada uma emergência.
O diagnóstico da doença é feito a partir da anamnese, sinais clínicos, exames complementares como hemograma, bioquímico e exames de imagens como radiografia, ultrassonografia abdominal e tomografia computadorizada.
Os pacientes acometidos podem evoluir para um quadro clínico severo à depender do grau de azotemia, distúrbios eletrolíticos, alterações na morfologia do rim e ureter, grau de infecção e comorbidades.
2. REVISÃO DE LITERATURA
A Obstrução Ureteral Felina (OUF) é uma condição grave, potencialmente fatal, que pode determinar uma hidronefrose e hidroureter (PAIS, 2020). Pode resulta na dilatação do ureter proximalmente ao local de obstrução, em decorrência da dilatação do lúmen e hipertrofia da musculatura lisa na parede ureteral (BJORLING 1998) ocorrendo uma fibrose ureteral, a pelve e os cálices deste rim sofrem dilatação e as cristas e papilas renais se tornam romba, caracterizando assim, um quadro de hidronefrose por obstrução ureteral. Este quadro pode evoluir para pionefrite e por conseguinte uma infecção generalizada.
A intervenção cirúrgica é necessária em pacientes que apresentam obstrução ureteral não resolvida com o emprego do tratamento conservativo. A escolha da técnica cirúrgica depende do local, do número de ureterólitos, da experiência do cirurgião e do equipamento disponível. A cirurgia pode ser realizada com o emprego de técnicas convencionais ou de outras técnicas, como bypass e stents ureterais (SANTOS et al., 2018).
A primeira versão do dispositivo Bypass Ureteral Subcutâneo (SUB) surgiu em 1995, concebida inicialmente como alternativa à permanente nefrostomia percutânea, no tratamento paliativo de pacientes humanos com processos oncológicos malignos pélvicos, possivelmente obstrutivos dos ureteres (FRADE, 2021).
Segundo Frade (2021), a colocação do dispositivo SUB apresenta diversas vantagens para a medicina felina, como ser minimamente invasivo, eficaz e de realização mais simples que a outras abordagens cirúrgicas; Taxa de sucesso de descompressão aguda igual a 98%; apresenta menores taxas de complicações que as outras abordagens cirúrgicas; e oferece melhor qualidade no pós-cirúrgico, como menores taxas de infeção e menores taxas de deslocamento do dispositivo.
O dispositivo SUB é constituído por três estruturas principais: o cateter de nefrostomia, o portal subcutâneo e por um cateter de cistotomia (figura 1).
FIGURA 1 – BYPASS URETERAL SUBCUTÂNEO (SUB)
3. RELATO DE CASO
No dia 18 de agosto de 2022, foi atendido na Maskote Pet Shop e Clínica Veterinária um felino da raça pelo curto brasileiro, macho, pesando 3.400kg, não castrado, de quatro anos. Foi encaminhado por clínico geral de outro local para consulta com veterinário cirurgião.
Segundo prontuário do primeiro estabelecimento, tutor procurou atendimento após perceber mudanças comportamentais: paciente adotou postura encurvada, apresentava apatia, perda de apetite, vocalização excessiva e disúria a cerca de dois dias. Na anamnese, tutor informou que o animal já possuía histórico de obstrução uretral, já tendo sido sondado duas vezes nos últimos seis meses. No exame físico, animal encontrava-se com mucosas hipocoradas, desidratado, prostrado e abdômen enrijecido a palpação.
Foram realizados exames complementares, no hemograma observou-se uma grave anemia (Hem: 3,19 * 10^12/L; Hb: 3,8 g/dL; Hto: 13,49 %) e trombocitopenia (123 * 10^9L) e no bioquímico observou-se aumento nos valores da amilase (1.546 U/L), fósforo (>20 mg/dL), creatinina (10,6 mg/dL) e potássio (6,7 mol/L). Antes de ser encaminhado, o animal foi medicado com 1mg de doxazosina via oral, 2ml Prelone 3mg/mL via oral, 0,5mL acetilcisteína via intravenosa, 1 medida de Renadvanced + 1 medida de Renacts, Microlac 1g e 1ml de furosemida via subcutânea e realizou transfusão sanguínea para aumentar valores sanguíneos.
Sob avaliação do médico cirurgião, foi solicitado ultrassonografia abdominal, onde foi diagnosticado quadro de hidronefrose e presença de cálculos no ureter esquerdo, confirmando a obstrução. Classificado como emergência médica, o tratamento cirúrgico deve ser instituído imediatamente, sendo assim, foi optado pela implantação de Bypass Ureteral Subcutâneo (SUB) devido ao histórico de recidiva e de já terem sido feitos tratamentos convencionais para obstrução.
O paciente foi submetido a um procedimento pré-anestésico com metadona (0,2 mg/kg), cetamina (3 mg/kg) e metadona (0,2 mg/kg) por via intravenosa, e, após 30 minutos, foi realizado a indução com proporfol (5 mg/kg) por via intravenosa. A manutenção foi feita com proporfol (1,8 mg/kg), noroadrenalina (0,1ml/kg) e ramifentanil (3 ml/gm) via intravenoso.
Durante o preparo cirúrgico, foi realizado tricotomia da região abdominal sendo delimitado do esterno até a púbis. Após tricotomia, o paciente foi posicionado em decúbito dorsal para realizado antissepsia com álcool 70 e iodopovidona 10%.
Para o procedimento cirúrgico, o paciente encontrava-se em decúbito dorsal e realizado uma celiotomia para acessar a cavidade abdominal (Figura 2A). A incisão foi realizada na linha alba com tamanho suficiente para acessar polo caudal do rim esquerdo e ápice da bexiga. Para iniciar a instalação do cateter de nefrostomia, o rim esquerdo foi isolado do restante da cavidade com compressas cirúrgicas estéreis. Para acessar a pelve renal, foi inserido cateter 18G através no polo caudal do rim (Figura 2B), retirado assim que a urina foi visualizada na câmara traseira de refluxo do cateter e logo em seguida foi inserido o fio guia com ponta “J”. Quando o fio guia atingiu a posição desejada, foi retirado o mandril deixando apenas o cateter de nefrostomia (Figura 2C). Com cuidado, realizou-se a fixação entre o anel de Dacron e a cápsula renal. A fixação foi realizada com cola GLUtare 1,5ml (Figura 2D).
FIGURA 2 – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. A) CELIOTOMIA. B) ACESSO À PELVE RENAL COM CATETER 18G. C) RETIRADA DE MANDRIL APÓS COLOCAÇÃO DE CATETER DE NEFROSTOMIA. D) FIXAÇÃO DO CATETER DE NEFROSTOMIA
Para iniciar a instalação do cateter de cistotomia foi necessário realizar a cistotomia com o auxílio de uma seringa (Figura 3A), após esvaziar, infundiu-se cloreto de sódio a 0,9% estéril até a média repleção da capacidade total. No ápice da bexiga, realizou-se uma pequena incisão de tamanho suficiente para inserir a ponta do cateter de cistotomia. Para fixação, utilizou-se cola GLUtare para o anel de Dacron fixar na bexiga; após secagem da cola, foi retirado o mandril do cateter e para reforço da fixação realizou-se sutura pontos simples separados com fio poliglecaprone 25, 3-0 (Figura 3B).
FIGURA 3 – A) CISTOTOMIA. B) FIXAÇÃO DO ANEL DE DACRON COM SUTURA SIMPLES SEPARADA
Para a instalação do portal subcutâneo, foi divulsionado o subcutâneo da musculatura abdominal (Figura 4A). Caudalmente ao dispositivo foi perfurado a musculatura com pinça hemostática mosquito de tamanho suficiente para que houvesse a passagem do cateter de nefrostomia (Figura 4B-1 e 4B-2), acoplado no encaixe do portal e travado para que não saísse da posição (Figura 4C).
FIGURA 4 – A) SUBCUTÂNEO DIVULSIONADO DA MUSCULATURA. B) PERFURANDO MUSCULATURA PARA PASSAGEM DE CATETER. C) CATETERES ACOPLADOS E SENDO TRAVADOS NO PORTAL
Cranialmente o processo se repetiu, com auxílio de pinça hemostática mosquito, a musculatura abdominal foi perfurada para realizar a passagem do cateter de cistotomia e realizar a acoplagem no portal e travando o dispositivo para evitar o escape do cateter do encaixe.
O centro do portal foi posicionado a uma distância de 3 cm dos pontos de saída dos cateteres para evitar dobras e obstruções. Para fixação, foi realizado a sutura ponto simples separados com nylon 3-0 (Figura 5).
FIGURA 5 – A) PORTAL SENDO FIXADO COM SUTURA COM NYLON 3-0
Após instalação de todas as estruturas do Bypass Ureteral Subcutâneo, foi realizada a síntese das parede abdominal, utilizando-se sutura ponto simples separados com fio vycril 3-0 (Figura 6A). A camada subcutânea e pele foram fechadas usando pontos simples separados com fio nylon 3-0 (Figura 6B).
FIGURA 6 – A) SUTURA DO TECIDO MUSCULAR. B) SUTURA DA PELE
Ainda sob plano anestésico, animal foi levado à sala de radiografia para realizar duas incidências em posição ventro-dorsal (Figura 7A) e latero-lateral (Figura 7B) para controle das posições dos cateteres do bypass ureteral subcutâneo. Através das imagens foi possível confirmar que os cateteres encontravam-se nas localizações adequadas.
FIGURA 7 – RADIOGRAFIA CONTROLE DE PACIENTE COM SUB UNILATERAL. AS SETAS VERMELHAS INDICAM CATETER DE NEFROSTOMIA ADENTRANDO NOS RINS E AS SETAS AMARELAS O CATETER DE CISTOTOMIA ACESSADO A BEXIGA
Animal permaneceu internado na clínica para observação. Para manejo do pós operatório foi prescrito enrofloxacina 0,35ml SID; metadona (0,07ml) TID; dipirona 0,18ml BID; Acetilcisteína 0,9ml BID e Cerenia 0,35ml SID. Após quatro dias de observação na clínica onde realizou cirurgia, animal retornou para os cuidados de seu clínica geral em outro unidade de saúde.
4. DISCUSSÃO
As obstruções ureterais devem ser tratadas como emergência. A depender da gravidade clínica podem ser tratadas de forma conservativa, onde utiliza-se de fluidoterapia, diuréticos, relaxantes de musculatura lisa como aamitriptilina, anti-inflamatórios como dexametasona para diminuição do edema e inflamação e, analgésicos para manejo da dor, contudo, muitos casos necessitam de intervenção cirúrgica, como o caso relatado anteriormente.
O tratamento cirúrgico adotado no protocolo do paciente desse relato mostrou ser satisfatória e eficiente para casos de felinos que apresentem manifestações clinicas de obstrução ureteral. A empregabilidade desta técnica cirúrgica oferece a possibilidade de realizar uma desobstrução não invasiva, com segurança e eficiência.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A técnica cirúrgica escolhida mostrou-se adequada ao paciente e sua apresentação clinica, devido a experiência do cirurgião, do anestesista, da equipe e do equipamento disponível foi possível realizar com sucesso a descompressão do ureter.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FRADE, M. M. Bypass Ureteral Subcutâneo na ureterolitíase felina. 2021. Dissertação (Mestrado Integrado em Medicina Veterinária) – Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora, Évora, 2021. Disponível em: https://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/29213/1/MestradoMedicina_Veterinaria-Miguel_Metrogos_Frade.pdf. Acesso em: 19 set. 2022
PAIS, S. G. F. Obstrução ureteral parcial em gatos: revisão da literatura e relato de 4 casos clínicos. 2020. Dissertação (Mestrado Integrado em Medicina Veterinária) – Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2020. Disponível em: https://recil.ulusofona.pt/bitstream/10437/10403/1/OUF%20Sofia%20Pais%20Vers%C3%A3o%20Final.pdf. Acesso em: 18 set. 2022
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1Faculdade Metropolitana de Manaus, Brasil.
2Faculdade Metropolitana de Manaus, Brasil.
3Maskote Pet Shop, Brasil.
4Faculdade Metropolitana de Manaus, Brasil.
5Faculdade Metropolitana de Manaus, Brasil.