BREVE REFLEXÃO CONCEITUAL E PRINCIPIOLÓGICA DO INQUÉRITO POLICIAL FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11242356


Anderson Moreira Aguiar¹


RESUMO: Este artigo discute o papel essencial do inquérito policial na estrutura acusatória do ordenamento jurídico brasileiro e enfatiza a importância de entender a natureza e os motivos do inquérito policial como componente essencial da persecução criminal. Ele discute como os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, que normalmente estão associados à fase processual, estão sendo cada vez more reconhecidos e aplicados na fase pré-processual, o que representa uma mudança significativa na prática jurídica brasileira. Inicialmente, o texto apresenta uma perspectiva tradicional dos inquéritos policiais, que costumavam ser predominantemente unilaterais e se concentravam apenas na obtenção de resultados investigativos, sem levar em consideração os direitos de defesa. No entanto, o artigo afirma que alterações recentes do sistema jurídico têm aumentado a proteção dos direitos constitucionais desde a fase de investigação, refletindo um caminho com mais equidade e justiça processual. O objetivo deste estudo é duplo: atualizar a pesquisa original que foi realizada como parte de um trabalho de conclusão de curso de direito que examinou a aplicação do princípio do contraditório em inquéritos policiais; e ajudar os leitores iniciantes a entenderem esse conceito. Além disso, mostra como a evolução dos princípios do contraditório e da ampla defesa podem melhorar significativamente a persecução penal no Brasil.

Palavras-chaves: Constituição Federal. Princípios. Inquérito policial. Contraditório e ampla defesa.

ABSTRACT: This article discusses the essential role of the police investigation in the accusatory structure of the Brazilian legal system and emphasizes the importance of understanding the nature and motives of the police investigation as an essential component of criminal prosecution. He discusses how the constitutional principles of contradictory and broad defense, which are normally associated with the procedural phase, are increasingly being recognized and applied in the pre-procedural phase, which represents a significant change in Brazilian legal practice. Initially, the text presents a traditional perspective of police investigations, which used to be predominantly unilateral and focused only on obtaining investigative results, without taking into account defense rights. However, the article states that recent changes to the legal system have increased the protection of constitutional rights since the investigation phase, reflecting a path with more equity and procedural justice. The objective of this study is twofold: to update the original research that was carried out as part of a law course conclusion work that examined the application of the adversarial principle in police investigations; and help beginning readers understand this concept. Furthermore, it shows how the evolution of the principles of contradictory and broad defense can significantly improve criminal prosecution in Brazil.

Keywords: Federal Constitution. Principles. Police investigation. Contradictory and broad defense.

1. INTRODUÇÃO.

É inegável que o inquérito policial é uma ferramenta crucial na persecução criminal. A compreensão inicial da estrutura acusatória do ordenamento jurídico brasileiro depende da compreensão de sua dinâmica e propósito.

Para entender o conceito, os atributos, a estrutura e o processo do inquérito policial, é necessário fazer um estudo preliminar da noção de persecução criminal, que também inclui o conhecimento dos sistemas processuais.

Ao fazer isso, aprenderemos a importância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como como eles são implementados na fase pré-processual da persecução criminal.

Vamos explicar brevemente as mudanças que ocorreram no sistema jurídico brasileiro. Começamos com uma visão tradicional dos inquéritos policiais, com viés unilateral, baseada na ideia de que os resultados das investigações só podem ser alcançados se a ação policial for completamente unilateral. Depois disso, mudamos para uma visão em que os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa devem ser protegidos durante a fase pré-processual.

Este artigo é uma atualização do trabalho de conclusão do curso de direito. O objetivo do trabalho era examinar a possibilidade de usar o princípio do contraditório em inquéritos policiais, considerando as diferentes posições doutrinárias e como o uso desse princípio poderia melhorar a persecução penal.

Nosso objetivo nesta publicação é ajudar os leitores iniciantes a entenderem o inquérito policial de uma maneira fácil de entender.

2. PERSECUÇÃO PENAL

O Estado tem a responsabilidade de punir. Sua capacidade de estabelecer normas de forma abstrata e de fazer cumprir essas normas quando a pretensão se torna concreta constitui a base dessa força.

O ius puniendi do Estado surge do plano abstrato e impessoal quando um delito ocorre. Portanto, surge a realidade da punição de pessoas que agiram de forma contrária às leis penais do Brasil².

Esse poder de punição do Estado não pode ser exercido aleatoriamente. Ele exige uma série de ações organizadas com total obediência às formalidades legais, pois vivemos em um Estado democrático de direitos³.

Como afirma Renato Brasileiro de Lima (2020, p. 40), “é exatamente ao que se sobressai a importância do processo penal, pois funciona como o instrumento do qual o Estado se vale para a imposição de sanção penal ao possível autor do fato delituoso”.

A persecução penal é realizada em duas etapas do sistema jurídico brasileiro. A primeira, conhecida como “pré-processual”4, é a investigação preliminar realizada pelo polícia. A segunda é a ação penal em si.

A investigação criminal, que é oficialmente conduzida por meio do inquérito policial, tem um caráter administrativo e visa coletar informações sobre a autoria e a natureza de um delito.

Por outro lado, a ação penal tem natureza jurisdicional e pode resultar na aplicação de uma punição. Seus pilares estão na legislação criminal e processual penal, bem como na Constituição Federal (CF).

3. SISTEMAS PROCESSUAIS

3.1. Sistema inquisitorial

A fundamental característica desse sistema processual é que todas as funções são concentradas em um único agente do Estado. Assim, a pessoa que representa, defende e julga é a mesma pessoa5.

A falta total de contraditório e defesa, a busca da verdade absoluta, a reconstrução de fatos e a atividade probatória irrestrita são algumas das características desse sistema.

No sistema inquisitorial, o investigado é considerado um objeto e nunca um sujeito de direitos; portanto, qualquer atividade dialética é proibida. Em busca da verdade material, inúmeras violações de direitos são permitidas neste contexto.

3.2. Sistema acusatório

Em outra perspectiva, o sistema acusatório distingue-se pela divisão das responsabilidades de acusar, defender e julgar, com o reconhecimento de direitos e garantias essenciais aos investigados6.

Nesse modelo, as partes decidem o procedimento probatório, o que significa que o juiz não pode agir de ofício, pois ele deve permanecer imparcial.

Renato Brasileiro de Lima (2020) distingue os sistemas inquisitorial e acusatório da gestão das provas e da posição dos sujeitos processuais.

O autor afirma que “o modelo acusatório reflete a posição de igualdade entre sujeitos, cabendo exclusivamente às partes a produção do material probatório e sempre observando os princípios do contraditório, da ampla defesa, da publicidade e do dever de motivação das decisões judiciais” (2020, p.: 42). Segundo o jurista, “além da separação das funções de acusar, defender e julgar, o traço peculiar mais importante do sistema acusatório é que o juiz não é, por excelência, o gestor da prova” (2020, p.: 42).

A Constituição Federal acolheu explicitamente o sistema acusatório, atribuindo ao Ministério Público a responsabilidade de iniciar uma ação criminal e ao juiz a responsabilidade de iniciar um processo.

Ao abordar o assunto, Renato Brasileiro (2020) afirma que “em um sistema acusatório, cuja característica básica é a separação das funções de acusar, defender e julgar, não se pode permitir que o magistrado atue de ofício na fase de investigação”. Além de violar a imparcialidade e o devido processo legal, essa concentração de poderes em uma única pessoa, o juiz inquisidor, é completamente incompatível com o próprio Estado Democrático de Direito (2020, p.: 40).

O Código de Processo Penal (CPP) foi alterado pela Lei no 13.964/19, que, entre outras alterações, adicionou a figura do juiz das garantias ao modelo acusatório no Brasil.

A persecução criminal passa a ser conduzida por dois magistrados com o juiz das garantias. Um está na fase investigativa e trabalha até que a peça acusatória seja recebida. O outro está na fase entre a denúncia (ou queixa) e o fim da ação criminal.

Pacelli (2021, p. 33) afirma que “o art. 3º-A, ao estabelecer a proibição expressa da iniciativa judicial como substituta do ônus acusatório que recai no autor da ação penal, vem consagrar, em definitivo, o modelo acusatório do processo penal brasileiro, deixando claro que o juiz não é detentor da iniciativa probatória autônoma, mas apenas para fins de esclarecimento da dúvida surgida na instrução.”

O jurista Renato Brasileiro acredita que com o novo dispositivo sobre o juiz das garantias, o artigo 156 do Código de Processo Penal foi revogado definitivamente. Este artigo permitia que o juiz trabalhasse de ofício na produção de provas.

Além desse dispositivo, existem outros dispositivos na legislação processual criminal que prejudicam o sistema acusatório e encorajam os juízes a produzirem provas. Os artigos 127, 196 e 234 do Código de Processo Penal são exemplos.

No julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade no 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, o Supremo Tribunal Federal suspendeu algumas das mudanças promovidas pela Lei n° 13.964/19, incluindo o dispositivo que trata do juiz das garantias.

Os artigos 3A, 3B, 3C, 3D, 3E e 3F do Código de Processo Penal estão suspensos no que diz respeito ao juiz das garantias.

3.3. Sistema misto

A sistemática do sistema processual misto caracteriza-se pela divisão do processo em duas fases: a primeira delas inquisitorial e sem contraditório, e a segunda com características acusatórias7.

Embora a ideia da existência do inquérito policial com viés inquisitorial da ação penal com características acusatórias possa nos indicar que o sistema processual brasileiro é misto, não o é.

Nas palavras de Pacelli, “a definição de um sistema processual há de limitar-se ao exame do processo, isto é, da atuação do juiz no curso do processo. É porque, decididamente, inquérito policial não é processo, misto não será o sistema processual, ao menos sob essa fundamentação” (2021, p. 40).

Após tratarmos das noções introdutórias a respeito da persecução penal, adentraremos no estudo do inquérito policial, principal instrumento de investigação preliminar do ordenamento jurídico brasileiro.

4. CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL

O inquérito policial possui uma variedade de características, cujas bases são principalmente do Código do Processo Penal. É considerado um processo escrito, dispensável, arbitrário, indisponível, temporário, sigiloso e inquisitorial.

4.1. Inquisitoriedade e sigilosidade

Examinaremos os conceitos de inquisitoriedade e sigilosidade entre as características do inquérito policial, pois são essas características as que mais sustentam a ideia de que não há princípios constitucionais de contraditório e ampla defesa na fase pré-processual da persecução penal.

4.1.1 Inquisitoriedade

O termo “inquisitoriedade” refere-se à noção de que a pessoa investigada é objeto de uma investigação que é conduzida parcialmente pela autoridade competente.

Toda a investigação está centralizada em uma única person. Ele decide livremente, sem seguir regras práticas, o curso da investigação com base na realidade prática e na infração a ser investigada.

O rigor do termo sustentou historicamente a noção de inquisitoriedade na investigação preliminar.

Portanto, na etapa inicial da persecução criminal, contraditório e ampla defesa eram princípios quase inimagináveis. Isso se deve ao fato de que a eficácia da investigação sempre dependeu da ideia de unilateralidade do procedimento.

Os defensores dessa posição observam que a investigação preliminar foi um procedimento administrativo que não leva a sanções, o que significa que qualquer declaração do investigado pode ser descartada neste ponto.

A noção de investigação preliminar agora é sendo como um processo sujeito ao contraditório diferido e até à ampla defesa.

Este conceito parte de uma interpretação literal da Constituição, que garante a ampla defesa e o contraditório aos litigantes em processos administrativos e judiciais (Artigo 5º, LV).

Devido à natureza administrativa do inquérito policial, não havia motivo para se afastar do fase pré-processual.

Além disso, o artigo da Carta Magna usa o termo “acusados” em geral, o que nos leva à ideia de que a proteção constitucional não está sendo restringida à segunda fase da persecução criminal.

O direito de defesa sempre existiu de alguma forma durante o procedimento, independentemente da aceitação ou não da noção de contraditório em um inquérito policial, seja por meio do uso de habeas corpus e mandado de segurança durante a investigação ou pela autodefesa do investigado durante seu interrogatório.

A Lei n°13.964/19 adicionou ao Código de Processo Penal o artigo 14-A, que trata da assistência jurídica a servidores vinculados aos órgãos de segurança pública, com aplicação também às forças armadas que utilizam a força letal durante o exercício de suas funções.

Renato Brasileiro acredita que a introdução de um novo dispositivo legal se deve ao maior esforço para proteger o princípio constitucional da ampla defesa durante procedimentos investigatórios.

4.1.2 Sigilosidade

A publicidade é a garantia constitucional e o princípio fundamental da atividade pública. Além da previsão constitucional sobre procedimentos criminais, o Código de Processo Penal também faz isso. Mas esse preceito não é absoluto.

É sempre possível limitar a publicidade em benefício do interesse público. Além disso, o princípio da publicidade pode ser excepcionalizado na esfera criminal para evitar inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem.

A noção de publicidade ganha novos contornos durante um inquérito policial, pois a publicidade absoluta geralmente vai contra a própria essência da investigação.

Devido a isso, a sigilosidade funciona como um instrumento crucial para atingir os objetivos da investigação.

Os sigilos internos e externos são os dois tipos de sigilos utilizados nos inquéritos policiais.

O sigilo externo diz respeito ao público em geral e visa evitar a divulgação de informações, principalmente pelas mídias, que possam comprometer o andamento do feito. Esse sigilo também ajuda a evitar que alguém que ainda está sendo investigado seja criminalizado.

A lei de abuso de autoridade, que considera ilegal a conduta da autoridade que possa dar ao investigado uma atribuição antecipada de culpa, fortaleceu a noção de sigilo externo.

Deste modo, a sigilo externo do inquérito policial restringe o acesso aos autos apenas aos indivíduos que estão envolvidos do caso.

Em geral, esse comando legal ajuda na investigação e protege os direitos constitucionais do acusado, principalmente a presunção de não culpabilidade e a intimidade.

O sigilo interno, por outro lado, permite que aqueles envolvidos na persecução criminal, especialmente o investigado, tenham acesso aos autos de investigação.

De acordo com o artigo 20 do Código de Processo Penal, a sigilosidade não é uma obrigação imperativa da autoridade policial.

Deste modo, o responsável pela investigação pode decretar o sigilo se entender que a publicação dos atos da investigação pode prejudicar sua atividade. A autoridade judiciária e o Ministério Público claramente não são capazes de lidar com esse tipo de sigilo.

A edição da súmula vinculante no 14 e a Lei no 13.245/16, que modificou o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, trouxe novos contornos à sigilosidade do inquérito do que diz respeito ao investigado e sua defesa.

A súmula do Supremo Tribunal Federal permite que os advogados e defensores tenham amplo acesso a elementos de prova que já estão documentados em um procedimento investigatório.

Esse entendimento foi incorporado ao Estatuto da Ordem dos Advogados, aumentando a participação do investigado na criação de elementos informativos.

Assim, o sigilo interno só pode ser usado para coisas que estão em andamento e ainda não foram documentadas nos autos.

Como estamos diante de uma súmula vinculante, pode-se ajuizar uma reclamação do Supremo Tribunal Federal para contestar a negativa de acesso às peças já documentadas nos autos do inquérito.

De acordo com as disposições legais e constitucionais, a impetração de um mandado de segurança ainda é viável. Além disso, a negativa de acesso pode resultar em responsabilização criminal e administrativa da autoridade, nos termos da Lei de Abuso de Autoridade e do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

5. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

O conceito de princípio no ordenamento jurídico é amplo e inclui a noção de que são normas e diretrizes fundamentais.

O artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal garante aos acusados e litigantes em processos judiciais ou administrativos o contraditório e a ampla defesa, com os recursos e meios inerentes.

Examinaremos separadamente os conceitos de contraditório e ampla defesa, antes de discutir esses princípios constitucionais podem ser aplicados na fase pré-processual da persecução criminal.

5.1. Contraditório

O núcleo desse princípio reside na noção de dialética, que, neste contexto, é definida como a relação dinâmica entre ter ciência de um ato e a possibilidade de contraditar esse ato.

Renato Brasileiro de Lima (2020) identifica dois componentes do contraditório: o direito à informação e o direito à participação. Portanto, para o autor, o contraditório seria fornecer às partes as informações necessárias e suas possíveis reações a comportamentos desfavoráveis.

Esse direito de participar de um processo criminal é muito mais amplo do que você pode pensar. Isso se deve ao fato de que não se limita apenas a garantir a comunicação (por meio de citações, intimações e notificações), mas também a permitir a resposta. Esse contraditório deve ser verdadeiro.

Assim, o contraditório deve garantir igualdade, paridade e equilíbrio entre acusação e defesa, além de permitir a possibilidade real de comunicação e resposta.

Nenhum acusado, seja ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor, por acordo com alguns artigos do Código de Processo Penal. O juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras atribuições expressamente referidas neste Código, tem a responsabilidade de nomear defensor ao acusado quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou constituição de novo defensor (art. 261, parágrafo único); A defesa técnica deve sempre ser apresentada por um defensor público ou dativo (art. 261, parágrafo único, V).

A Súmula 707 do Supremo Tribunal Federal é importante para garantir um contraditório efetivo em processos criminais: a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia constitui nulidade, não suprindo a nomeação de defensor dativo.

O momento é oportuno para distinguir o contraditório real do diferido (ou postergado). O primeiro ocorre durante a formação da prova, enquanto o segundo ocorre depois.

5.2. Ampla defesa

Contraditório e ampla defesa estão ligados. Só há ampla defesa quando estamos em contraditório. Por outro lado, ser contraditório permite ampla defesa.

Como afirma Renato Brasileiro de Lima (2020, p. 57), “o exercício da ampla defesa só é possível em virtude de um dos elementos que compõem o contraditório, o direito à informação”. Além disso, o segundo elemento, a reação, representa a manifestação da ampla defesa.

Como o nome sugere, a ampla defesa é exclusiva do réu; no entanto, o princípio do contraditório permite que tanto a acusação quanto a defesa sejam apresentadas. A garantia de defesa técnica e autodefesa faz parte disso.

O princípio da ampla defesa garante que a acusação e a defesa sejam materialmente iguais, pois apenas a defesa tem acesso a vários recursos. Isso tenta corrigir a desigualdade natural que existe diante do Ministério Público, que opera com o aparato estatal a seu favor.

Em uma declaração feita por Renato Brasileiro de Lima (2020, p. 59), “Existem vários mecanismos exclusivos da defesa para equilibrar os pratos da balança, como a acusação: recursos privativos da defesa, como embargos infringentes; regra de interpretação da prova do in dubio pro reo; absolvição por falta de provas; proibição de reformatio in pejus; revisão criminal exclusivamente pro reo, etc.”

6. OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

Os doutrinadores sempre divergem sobre se os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa podem ser aplicados na fase pré-processual da persecução criminal.

Devido ao fato de que a pessoa investigada não tinha a condição de acusado durante as investigações, sustentou-se por muito tempo que a Constituição não seria violada se não houvesse contraditório e ampla defesa durante as investigações. Além disso, este é um procedimento administrativo sem sanção direta.

Norberto Avena (2022) afirma que o inquérito não permite ao investigado utilizar o contraditório ou a ampla defesa porque o objetivo do inquérito é fornecer ao órgão acusatório evidências suficientes para demonstrar a materialidade e autoria da infração criminal.

A ideia de que o preceito constitucional deve ser garantido em todas as investigações preliminares (e não apenas durante os inquéritos policiais) cresceu.

Essa noção sempre se baseou nas disposições contidas na Constituição Federal, que garante aos acusados e litigantes em processos judiciais ou administrativos ampla defesa e recursos. Isso se deve ao fato de que o termo “processo administrativo”, conforme definido no inciso LV do artigo 5º, incluiria o inquérito policial, que, como é evidente, tem natureza administrativa.

Além disso, o fato de o dispositivo usar apenas a expressão acusados em geral (e não a expressão investigada) não seria suficiente para impedi-lo de ser usado nas investigações.

Renato Brasileiro afirmou em sua obra que, quando se trata de defender a doutrina sobre a aplicação dos princípios constitucionais durante a investigação, o simples fato de figurar como suposto autor ou participante de uma infração criminal já deve ser considerado uma acusação em sentido amplo.

Além disso, o autor conclui que qualquer tipo de acusação é uma acusação em sentido amplo, com o objetivo de maximizar a eficácia do dispositivo constitucional.

Ainda que de forma mais limitada, a possibilidade de garantir o contraditório e a defesa durante as investigações está sustentada pelas noções de estado democrático de direito e sistema garantista.

Historicamente, a prática de fazer um indivíduo apenas sujeito passivo de uma investigação e restringir o direito de defesa apenas à fase processual demonstrou ser uma prática que, além de limitar os direitos e garantias garantidos pela Constituição, não é suficiente para garantir o sucesso das investigações.

É claro que, de uma perspectiva mais pragmática, é necessário entender que a eficácia das diligências está diretamente ligada ao seu caráter inquisitivo. Isso se deve principalmente ao fato de que as diligências visam impedir que o investigado tente embaçar a dinâmica da atividade policial.

Renato Brasileiro de Lima (2020) afirma que o contraditório e a ampla defesa não podem ser admitidos na fase pré-processual, pois isso criaria uma situação desigual que poderia prejudicar a capacidade dos órgãos de persecução.

Por outro lado, é fácil concluir, analisando a realidade, que conduzir uma investigação com a complete revelação do investigado, além de já poder gerar algum tipo de penalidade (econômica, social ou emocional) para ele, pode resultar em um processo extremamente frágil.

Além disso, embora o inquérito normalmente seja iniciado quando há fortes indícios da materialidade de um delito, a autoria às vezes permanece completamente incerta.

Deste modo, é possível que o foco da investigação seja erroneamente focado em alguém que realmente não tenha cometido o crime e que, por não ter nenhuma chance de contraditório, fora inviabilizada de colaborar na elucidação dos fatos.

É inegável que a adoção da súmula vinculante no 14, as modificações feitas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, o artigo 14-A atualizado do Código de Processo Penal e até mesmo a nova Lei de Abuso de Autoridade demonstram que a ideia de que as características da sigilosidade e inquisitoriedade do inquérito policial estão sendo diminuídas.

É necessário fornecer aos órgãos de investigação uma estrutura sólida para o exercício de sua atividade, bem como uma equipe profissional, recursos materiais e tecnologia suficientes para conduzir investigações de qualidade e eficiência. Isso eliminaria a necessidade de suprimir qualquer garantia constitucional para a eficiência das investigações.

6. CONCLUSÃO

Este estudo mostra claramente que os inquéritos policiais são uma parte importante da estrutura da persecução penal do Brasil. A investigação inicial da polícia é vital para a formação da acusação e para proteger os direitos dos envolvidos. A evolução do inquérito policial ao longo da história mostra uma mudança em direção às necessidades de um sistema jurídico que valoriza a eficácia na apuração de crimes e o respeito aos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa.          

O princípio do contraditório, que costuma ser usado no processo judicial, torna o processo penal mais justo e equilibrado quando é aplicado na fase pré-processual. Além de melhorar a qualidade das evidências coletadas, isso garante que o processo legal adequado seja seguido desde o início da investigação. As alterações na aplicação desses princípios constitucionais durante os inquéritos policiais demonstram a maturidade do sistema jurídico brasileiro, alinhando as práticas investigativas com a necessidade de transparência e respeito aos direitos do indivíduo.          

Este trabalho melhora nossa compreensão de como o uso do contraditório nos inquéritos policiais pode melhorar o processo de persecução criminal, protegendo os direitos humanos e aumentando a eficácia da apuração dos delitos. Assim, chega-se à conclusão de que a modernização do inquérito policial em relação aos princípios do contraditório e da ampla defesa é uma necessidade teórica e uma prática cada vez mais reconhecida devido ao seu significado estratégico na condução das investigações criminais no Brasil.

Ao esclarecer esses pontos, esperamos ajudar os leitores iniciantes a entender melhor a complexidade e a importância do inquérito policial na contemporaneidade jurídica brasileira, ao mesmo tempo em que os ajuda a compreender melhor e analisar melhor a dinâmica da justiça penal.


²Como observa Renato Brasileiro de Lima (2020), a pretensão punitiva é compreendida como o poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal. Através da pretensão punitiva, o Estado procura tornar efetivo o ius puniendi, exigindo do autor do delito, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação que consiste em sofrer as consequências do crime e se concretiza no dever de abster-se ele de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que cumpre exercer a pena.
³Nos ensinamentos de Aury Lopes Junior (2022), a essência do sistema inquisitório está na aglutinação de funções nas mãos do juiz, que é soberano no processo. Não há uma estrutura dialética e tampouco contraditória. Não existe imparcialidade pois uma mesma pessoa busca a prova e decide a partir da prova que ele mesmo produziu.
4Renato Brasileiro de Lima (2020): procedimento administrativo e preparatório, presidido pela autoridade policial, o inquérito policial consiste em um conjunto ordenado de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de prova e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.
5Nos ensinamentos de Aury Lopes Junior (2022), a essência do sistema inquisitório está na aglutinação de funções nas mãos do juiz, que é soberano no processo. Não há uma estrutura dialética e tampouco contraditória. Não existe imparcialidade pois uma mesma pessoa busca a prova e decide a partir da prova que ele mesmo produziu.
6De acordo com os ensinamentos de Távora e Alencar (2022), o sistema acusatório caracteriza-se pela separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferida a personagens distintos. Os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade regem todo o processo; órgão julgador é dotado de imparcialidade e o sistema de apreciação das provas é do livre convencimento motivado.
7Nas palavras de Nucci (2022), no sistema misto, há procedimento secreto, escrito e sem contraditório, enquanto no segundo, presentes se fazem a oralidade, publicidade, o contraditório, a concentração dos atos processuais a intervenção de juízes populares e livre apreciação das provas.

REFERÊNCIAS

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¹Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-graduado em Direito Civil, processual civil e Tributário. Oficial de Justiça Federal do Tribunal Regional Federal da 1° Região. E-mail: moreiraaguiar.anderson@gmail.com