REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202501152156
Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque1
RESUMO
O presente artigo procurou analisar os afetos, considerados maus e bons, segundo as teorias de Winnicott e Espinosa, numa comparação e diferenciação, considerando suas implicações no desenvolvimento infantil na relação entre pais e filho(a). A pesquisa foi desenvolvida no campo bibliográfico. Onde o presente artigo analisou diversas literaturas que abordem o tema de maneira rica e com credibilidade intelectual. Sendo exposto basicamente o conceito de afeto em Winnicott e Espinosa, como os afetos implicam no desenvolvimento infantil, tratando-se da fase em que a criança se encontra numa dependência maior de cuidados. Sendo o tema apresentado em três categorias, na primeira uma análise conceitual do afeto nos autores acima citados, na segunda sua importância para o desenvolvimento infantil, sob um prisma positivo e na terceira e última parte expõe-se sobre consequências negativas em razão dos maus afetos. Por fim, foi apresentado as considerações finais apontando a necessidade de estabelecer um ambiente menos frustrante para um melhor desenvolvimento infantil.
Palavras-chave: Afetos; Desenvolvimento; Winnicott; Espinosa.
ABSTRACT
This article sought to analyze the affections, considered bad and good, according to the theories of Winnicott and Espinosa, in a comparison and differentiation, considering their implications for child development in the relationship between parents and children. The research was developed in the bibliographic field. Where the present article analyzed several literatures that approach the subject in a rich way and with intellectual credibility. The concept of affection in Winnicott and Espinosa is basically exposed, as affections imply in child development, in the case of the phase in which the child is in a greater dependence on care. The theme is presented in three categories, in the first a conceptual analysis of affection in the authors mentioned above, in the second its importance for child development, under a positive prism and in the third and last part it is exposed about negative consequences due to bad affections. Finally, the final considerations were presented, pointing out the need to establish a less frustrating environment for better child development.
Keywords: Affections; Development; Winnicott; Spinoza.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo buscou apresentar a relação dos afetos com o desenvolvimento infantil. Sendo necessário, primeiramente, analisar o conceito de afeto. O que seria? Para isso fez-se necessário chamar autoridades no assunto. Espinosa, apesar de ser um escritor de séculos distantes anteriores, é muito atual em suas instigações filosóficas sobre o tema. Talvez, o primeiro a modificar o pensamento ocidental acerca das paixões. Uma virada de chave. E o Winnicott, um autor de tempos contemporâneos, tornou-se referência sobre a ligação da afetividade com o desenvolvimento infantil. Uma perspectiva inovadora, mas muito intuitiva. A partir desses dois autores, esse presente artigo pensa sobre afetos.
Entretanto, a pesquisa não se encerra no entendimento do que é o afeto, porém, se aprofunda nas consequências dele à criança. Antes separa-se, utilizando os autores acima citados, os afetos bons dos maus e suas implicações no desenvolvimento infantil.
Primeiro, pensa-se sobre os afetos bons como meio potencializador da vida do sujeito. Lembrando que esses afetos estão relacionados nesta pesquisa com a relação pais e filho(a). Em outras palavras, mergulha-se na compreensão dos primeiros meses da criança e de seu ambiente cuidador ou frustrador para estabelecer essa relação afeto e (não) desenvolvimento. Sendo que noutra parte analisa-se melhor as consequências negativas de um ambiente frustrante em demasia.
Por fim, aponta-se as considerações finais em que se sugere a partir disso um aprofundamento nas consequências dos maus afetos, como o fenômeno da despersonalização. Das agonias impensáveis. O que implica num entendimento maior das consequências negativas dos maus afetos e a proposta de se estabelecer ambientes mais saudáveis para o desenvolvimento infantil.
2 O AFETO NUMA CONCEPÇÃO DE ESPINOSA E WINNICOTT
Em Espinosa, se tem uma compreensão moderna do que é um afeto. Diferenciando-se da tradição filosófica anterior e do pensamento cristão da época em que afeto seria sinônimo de paixão e passividade, o que revelava numa pessoa um vício em detrimento da virtude (JESUS, 2015).
O filósofo holandês compreendia por afeto as interações do corpo com outros objetos externos, onde a potência deste corpo em agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, tendo o indivíduo a consciência de si dentre essa relação do eu/outro. Numa explicação simples, o afeto seria uma espécie de interpretação que o corpo-mente possui diante da relação com outros objetos, o que aumenta ou diminui sua vontade de viver – autopreservar (ESPINOSA, 2008).
Buscando ainda esclarecer, uma relação causal em que um corpo é afetado por outro, produzindo afetos alegres, em que potencializa o agir humano, ou afetos tristes, em que diminui sua potência de agir (ESPINOSA, 2008).
O afeto compõe-se de ação e paixão, portanto, sendo mais amplo em sua definição. Na ação o indivíduo torna-se causa adequada, ou seja, ele afeta outros objetos ou o que se passa internamente foi proporcionado por si. Sendo ativo nesse processo de relação afetuosa (ESPINOSA, 2008).
Se tratando da paixão, o sujeito torna-se passivo, em outras palavras, é afetado por outros objetos sem ter dado causa ao movimento. Neste cenário, o sujeito pode ser afetado por bons afetos ou maus afetos. O interessante é que nessa posição a pessoa, via de regra, terá afetos tristes, uma vez que sua passividade o torna vulnerável ante ao acaso da vida. Entregar-se ao afeto por acidente (passividade) aumenta a probabilidade do sofrimento (JESUS, 2015) – sendo que é mais fácil alguém tropeçar numa pedra do que ganhar na loteria.
Manter uma postura de ação afetuosa (causa adequada) refere-se a uma maior liberdade e ao aumento da potência de viver, do contrário, forças externas que determinarão o agir de um sujeito passivo. Esse jogo entre ação e paixão, dois lados da mesma moeda chamada de afeto, ditam o rumo da conservação do ser, de como o indivíduo se manterá existente. Se apropriar das causas exteriores aumentam o poder de viver, numa postura passiva causas externas, em regra, diminuem a vontade de viver (ESPINOSA, 2008).
Essa relação com outros objetos se dará pelo corpo, portanto, sendo este por essência relacional. Não há como viver sem a interação com o mundo. Ser afetado e afetar (CHAUÍ, 1995). Os corpos não se encontram apenas no âmbito do acaso. Mas existe uma relação intencional (DELEUZE, 1993). Por isso, existe no afeto o que se chama de ação (um agir ativo). O corpo relaciona-se com outros objetos sob a consciência da mente.
Surge em Espinosa o termo conatus – uma força interior que impulsiona o indivíduo para existir e permanecer no próprio ser (PEIXOTO JUNIOR, 2013). Uma disposição pulsional de autopreservação. Diferente pensava Freud (1996) com o conceito de pulsão de morte concomitante com a pulsão de autopreservação. Em Espinosa, o homem possui uma inclinação natural para à vida, a diminuição da intensidade desta única pulsão indica que o indivíduo se encontra afetado por afetos tristes – maus (PEIXOTO JUNIOR, 2013).
Tendo um apetite natural para suprir suas necessidades básicas e fisiológicas, como o impulso do bebê para se alimentar em razão da fome. O desejo seria um apetite, pois cria perspectiva de suprimento de necessidades, porém, se diferencia por ter o pensamento como acompanhante. Em outras palavras, no desejo o homem tem a consciência de seu apetite (NEGRI, 1993) e das necessidades que almeja suprir. Sendo o homem composto de apetite corporal e desejo psíquico, o que implica arguir que os afetos estão no campo da mente e corpo.
A forma como esse homem é afetado aumenta o diminui sua vontade de permanência no ser, assim como a interfere na intensidade do conatus, apetite e desejo. Salienta-se que o desejo bem-sucedido satisfeito aumenta a força para existir e pensar, do contrário, o efeito é a redução dessa força pulsional (CHAUÍ, 1995).
Recapitulando, ser afetado por bons afetos aumenta a intensidade de permanecer no ser, consequentemente, eleva o desejo na busca de satisfações, sendo estas supridas, tem-se um aumento novamente da vontade de viver (permanecer no ser), numa relação como se fosse um ciclo, em que um interfere noutro. Entende-se que se o afeto, que produz movimentos como um motor na vida do homem, for por meio de uma ação, eleva-se a probabilidade de ser positivo, senão, se vier por meio de uma paixão, as chances de ser afetado negativamente são muito maiores.
Em Winnicott (1994 apud LEJARRAGA, 2008a), o ser humano possui potencialidades inatas de se desenvolver, numa perspectiva corporal e psíquica, assim como alcançar o amadurecimento pessoal, porém, esses pontos de chegada para o indivíduo, necessariamente, perpassam por um ambiente saudável. E somente se alcança um ambiente propício para o bom desenvolvimento do bebê se nele existir bons afetos. Dessa inferência surge a importância dos bons afetos para uma criança.
Em Freud (1915/1996), os afetos são tidos como sensações, sendo que em Winnicott (1994) os afetos vão além, pois possuem uma certa significação emocional para o indivíduo. Não sendo apenas um sentir cego – apesar de considerar sensações como tipo de afetos rudimentares, mas não se limita a isso.
Em Winnicott (1945 apud PEIXOTO JUNIOR, 2013) o afeto se relaciona com o cuidado materno. Ser bem afetado é receber um bom cuidado da mãe (ou cuidador). Enquanto, Espinosa (2008) falava de ação como produtora de afetos alegres, aqui o sujeito posiciona-se à espera do outro, talvez, numa certa passividade, dependendo da mãe. Se essa mãe for boa o suficiente lhe dará bons afetos, o que irá potencializar suas aptidões ao crescimento. Se essa mãe for insuficiente ao cuidar da criança propiciará um ambiente que dificulta o desenvolvimento da criança.
A criança só pode continuar existindo através do cuidado. Um ser que precisa do afeto. Claro que de alguma forma esse pequeno ser afeta a cuidadora, e aqui mora o escape para sua sobrevivência. No campo das ideias essa mãe é afetada por essa criança, numa espécie de fantasia se torna apaixonada por esse bebê. Tendo uma espécie de devoção para com a criança, assim lhe proporciona cuidado. Sem esse sentimento fantasioso (paixão) pelo pequeno ser dificilmente se teria motivação para o cuidado dele. O que o colocaria em risco de existência. Uma vez que sem os cuidados iniciais (amamentação, agasalho) a criança seria exposta à frieza da natureza que proporciona vida, mas a tira sem dó e nem piedade (WINNICOTT, 2000).
Com isso, infere-se que de alguma forma essa criança afeta a mãe. Não sendo tão passiva. Como se no campo da fantasia a conquistasse. O interessante nisso é que ela precisa do bom afeto para sobreviver e aumentar suas chances de se desenvolver para isso precisa afetar (no campo fantasioso apaixonar a mãe) e ser afetado (receber os cuidados maternos).
É bem verdade que a criança pode afetar essa mãe, no campo fantasioso, de forma negativa (WINNICOTT, 2000), cita-se como exemplo, uma gravidez indesejada em que a criança representa o entrave à vida da mãe, o que pode gerar um vínculo afetivo precário, tendo como consequência uma baixa disposição para o cuidado materno, o que pode implicar num afeto negativo à criança, nesse caso, o bebê é exposto às frustrações intensas da existência. Claro que é necessária uma boa dose de frustação para o desenvolvimento infantil, porém, quando são intensas produz um efeito bloqueador das potências da criança.
Em Espinosa (2008), o bom afeto produz a vontade de permanecer no ser. Em Winnicott (2000), experiências com bons afetos, vindos do cuidado materno, produzem uma personalização satisfatória, em outras palavras, a criança vai se identificar em si, no próprio corpo. O self habita no corpo. Suas potências psíquicas serão direcionadas ao corpo.
3 A IMPORTÂNCIA DA AFETIVIDADE NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
O caminho do desenvolvimento da criança perpassa pelos vínculos afetivos, segundo Cláudio Eizirik et al (2015), expondo sobre Winnicott, o bebê não existe separado dos cuidados maternos, necessitando dessa relação una inicialmente à sua sobrevivência.
O lado psíquico e corporal da criança somente será desenvolvido, considerando suas potencialidades inatas, se existir um meio ambiente saudável, proporcionado pelo bom cuidado que produz de bons afetos, do contrário, se existir um âmbito de criação excessivamente perturbador pela indisposição de cuidado materno, ocasionando intensas frustrações, as potencialidades inatas do bebê ao desenvolvimento não se tornarão uma realidade, ou seja, o que poderia ser não será (WINNICOTT, 2000).
Um ambiente satisfatório, que implica bons afetos, desde o início da infância proporcionará oportunidades ao bom desenvolvimento. Esse ambiente satisfatório não se refere a um meio perfeito, sem frustrações. Óbvio que não, uma vez que todos os ambientes possuem falhas, e a frustração em certa medida funciona como impulso ao movimento do bebê (andar, falar, pensar). O ambiente satisfatório é aquele que supre as necessidades do pequeno ser, o afetando positivamente com cuidados (LEJARRAGA, 2008a). Esse cuidado não diz apenas de uma disposição em cuidar materialmente (trocar fraldas, alimentar), mas também de uma disposição mental sentimental (querer estar com o bebê, querer alimentá-lo). Ou seja, não basta fazer (ação), é preciso querer fazer (amar).
Segundo Winnicott (2005), essa mãe precisa criar uma certa devoção (que seria uma espécie de sentimento de amor pelo infante), para assim acompanhar as necessidades da criança. Isso ocorre por uma fantasia – em que a mãe (ou cuidador substituto) dispõe-se no campo emocional para o cuidado, criando um sentimento que a une ao bebê, como se ele(a) fosse um objeto muito importante para ela. A criança, por sua vez, aprende a confiar nessa cuidadora, o que gera uma certa tranquilidade que proporciona integração. Um desenvolvimento saudável.
Como dito anteriormente, o self precisa se localizar no corpo. Esse processo de localização da psique no corpo trata-se de uma relação entre ser afetado e afetar, porém, faz-se necessário cuidados suficientemente bons (afetos positivos) para que a criança se integre no tempo e espaço, “para alojar a psique no corpo e para construir um contato com a realidade, estabelecendo-se uma continuidade de ser” (WINNICOTT, 1960a, p.53 apud LEJARRAGA, 2008a). O que implica numa formação autônoma do eu. Onde a pessoa se reconhece pertencendo a si.
Sem essa confiança no cuidado da mãe – uma vez que essa cuidadora foi insuficientemente boa, surge na criança uma ameaça ao seu desenvolvimento. É preciso a criança fantasiar a confiança, assim não se sentirá vulnerável às frustações. Inclusive, esse cuidado gera no bebê uma fantasia de onipotência, o que auxilia na sua boa autoconfiança e autoestima futuramente. Nessa fantasia de onipotência, cita-se como exemplo, quando a criança chora por necessidade de se alimentar, sendo que a mãe, satisfatoriamente, percebe sua necessidade e o alimenta, assim ocorre várias vezes durante um bom período, logo, essa criança fantasia que toda vez que sente uma necessidade consegue supri-la (fantasia de onipotência). Se ocorrer o inverso, a criança não terá essa fantasia, o que poderá fomentar uma dificuldade de confiança em si (LEJARRAGA, 2008a).
O ambiente facilitador (com bons afetos) desencadeia momentos de sossego à criança. O que é fundamental para o desenvolvimento de suas potencialidades inatas. Surgindo uma capacidade de estar só – a psique que se encontra junto ao corpo numa sensação de tranquilidade. Não existe um pavor aqui. Isso é gerado a partir da confiança que o objeto mãe proporcionou pelos bons cuidados direcionados ao bebê, quando de suas necessidades. O fruto da capacidade de estar só ou sua ausência afeta a personalidade da pessoa (WINNICOTT, 1990).
A provisão ambiental produz a satisfação dos desejos do bebê, através dos bons afetos da mãe, como quando passivamente a criança recebe uma boa dose de ternura, assim como pelo cuidado com o seu corpo (amamentação, troca de fraudas); o que, utilizando-se de Espinosa (2008), potencializa a permanência no ser e intensifica o querer viver – em Winnicott (2000), proporciona um ambiente propício para que o bebê desenvolva suas potencialidades naturais e se torne uma pessoa autônoma e saudável emocional, assim como localiza o eu dentro do próprio corpo (uma permanência em si), que implica numa desnecessidade de procurar aprovações alheias, por exemplo.
Um ponto de vista interessante, segundo Rodulfo (2008 apud LEJARRAGA, 2008a), o afeto tem dois lados o assombro e a alegria, o que seria melhor explicado considerando a ambivalência dos objetos externos. Pois como não existe ambiente perfeito, uma hora essa criança será frustrada, ou seja, não terá sua necessidade suprida. Porém, num ambiente facilitador o que prevalece não é a falta, mas sim a provisão. Aqui mora um alerta, o que vai prevalecer no mundo interno da criança, seria a alegria ou o assombro? O que leva o presente trabalho para um outro ponto. Se o ambiente facilitador (bons afetos) proporciona desenvolvimento das potencialidades da criança, o que implicará numa boa relação de aprendizagem, social, emocional, dentre outras áreas, o oposto disso (maus afetos) poderão criar obstáculos ao seu desenvolvimento. Alegria e assombro, sabe-se que são características inerentes ao ser humano, a questão é o que essa criança irá experienciar mais? Parafraseando Winnicott, uma criança que já foi feliz, conseguirá superar as dificuldades da vida.
4 CONSEQUÊNCIAS DOS MAUS AFETOS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Nessa parte se expõe os maus afetos e suas implicações negativas no desenvolvimento da criança. Numa perspectiva ainda de Winnicott, considerando sua reflexão sobre o caráter universal da experiência da loucura, onde pontua um conceito importante: “agonias impensáveis” (WINNICOTT, 1994).
Ainda pensando na ambivalência alegria e assombro que habita o mundo interno da criança, em razão das falhas ambientais (RODULFO, 2008 apud LEJARRAGA, 2008a). Assim como em Espinosa (2008) no conceito de afetos tristes e afetos alegres, ressalta-se que no filósofo holandês para se evitar os maus afetos é necessário agir, o que implica capacidade intelectual e física faltantes numa criança. Como se o homem pudesse controlar a forma como seria afetado, claro que, reconhece que de alguma maneira o ser humano será afetado negativamente, mas se agir (em detrimento da paixão) poderá diminuir essa probabilidade.
Talvez, Espinosa pense a partir e para um público adulto, uma vez que uma criança (dias e meses) não tem a capacidade intelectual e física para agir – posicionando-se numa certa passividade, para o pediatra inglês evita-se a prevalência dos maus afetos por um ambiente satisfatório. O que não depende da criança, mas sim dos seus cuidadores e outros objetos externos.
Portanto, falhas ambientais vão existir, uma vez que é impossível manter o bebê livre de situações que o perturbam. Salienta-se que essas falhas produzem uma experiência comum a todos – agonias impensáveis. Isso implica que, em alguns momentos, todos passam pela experiência da loucura. Essa agonia seria como uma sensação de aniquilamento do ser – uma descontinuidade da permanência no ser. Como se existisse uma quebra no seu desenvolvimento inato. Passando a reagir ao ambiente, lançando suas energias iniciais para lidar com essas falhas, ausências e afetos negativos. Não tendo o sossego vindo pela confiança fantasiosa em relação ao ambiente (WINNICOTT, 1994).
Essas falhas ambientais que geram as agonias impensáveis que assombram a criança, não levando em conta infortúnios que fogem do alcance humano, ocorrem por falta de disposição de cuidado emocional e físico (LEJARRAGA, 2008a). Lembrando, conforme exposto acima, que em algum momento todos passam por essas falhas e surgem esses pensamentos intrusos em si, porém, é na intensidade e prevalência dos maus afetos sobre os bons que as agonias impensáveis causam danos irreparáveis ao pequeno ser.
Em outras palavras, os afetos negativos são maiores do que o bebê pode suportar, expressados na falta de disposição de cuidar. Como se não tivesse uma ligação da criança com a mãe. Tornando-se sujeita a uma agressão ambiental. Pois conforme Espinosa (2008), quando o homem está sujeito ao acaso (em Winnicott (1994) – sem cuidado materno) aumenta sua probabilidade de ser atingido por afetos tristes, uma vez que é mais fácil no encontro com a natureza se deparar com sua frieza do que com sua benevolência (FREUD, 2010).
Essa agressão ambiental, por falta de cuidado (bons afetos), gera sensação de aniquilamento, que são intraduzíveis à criança, agonias em que o pensamento não consegue compreender. Assim como podem gerar traumas, salienta-se que em Winnicott esses fenômenos traumáticos não precisam ser eventos em que a sociedade considera chocantes, ações ou omissões simples do cotidiano, como uma mãe depressiva ausente pode gerar esses traumas (LEJARRAGA, 2008b).
As falhas ambientais que causam traumas obrigam a criança a utilizar defesas primitivas, sendo a despersonalização uma delas. Em outras palavras, a pessoa pode não se sentir real, não se identificar consigo mesmo, não possuir sentimento de pertencimento a si mesmo. O que interfere em sua autonomia e desenvolvimento (LEJARRAGA, 2008b). Em Espinosa (2008), se teria a ausência de vontade em permanecer no ser. O que diminuiria a potência de vida da pessoa. Claro que isso pode ser pensado também ao longo prazo.
Uma criança que se torna um adulto que não potencializou suas características inatas. Em Winnicott (1994) se têm dois tipos de pessoas, as que experimentaram agonias impensáveis de forma não dominante, o que implicaria em indivíduos saudáveis e os que tiveram em excesso esse fenômeno, o que manifestou doenças psíquicas. Ou seja, o assombro prevaleceu sobre a alegria. Os afetos tristes sobre os afetos alegres.
Esse indivíduo não saudável (não-integrado ou desintegrado) tem sua espontaneidade quebrada, precisando criar um falso de si-mesmo (WINNICOTT, 1994), como se precisasse se esconder, sendo o que não se é, para defender o pouco que resta de si. Assim atua na defensiva. Não é um sujeito autônomo. Perceba que isso implica no desenvolvimento da aprendizagem da criança. Uma vez que a autonomia se faz necessário para o crescimento saudável na área emocional, sentimental, fisiológica, cognitiva e etc.
É preciso uma base sólida emocional para enfrentar no decorrer da vida as decepções, frustrações e angústias. Sendo assim, o indivíduo somente enfrentará, de maneira saudável, as intempéries da sua história se teve na infância a prevalência da alegria sobre o assombro, dos afetos alegres sobre os tristes. Recitando Winnicott “Se a pessoa já foi feliz, pode suportar a dificuldade” (1999, p.32).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo fez uma análise dos afetos em relação ao desenvolvimento infantil. Claro que caminhou para uma análise das consequências desses afetos. Salienta que a vida possui muitas formas de afetar o sujeito. Mas a explicação aqui limitou-se à relação pais e filho (a). Onde se verificou como essa relação pode afetar positivamente ou negativamente uma criança não apenas na fase infantil, porém, com resultados ainda na vida adulta.
Considera-se que existem outros fatores que podem produzir afetos negativos numa criança em que crie obstáculos ao seu desenvolvimento saudável. No entanto, percebe-se que um bom ambiente cuidador, produzidos pelos pais, potencializam a permanência de vida nesses pequenos sujeitos. Falhas ambientais são comuns, porém, não podem ser excessivas.
Faz-se necessário fazer desdobramentos sobre as consequências negativas dos maus afetos ao mundo infantil, claro, considerando o cuidado materno e paterno, de forma mais especifica, por exemplo, em referência ao fenômeno da despersonalização e das agonias impensáveis. O que pode produzir desestimulo a potencialização da vida. Esses artigos não possuem a intenção de ensinar como criar uma criança, o que seria uma prepotência. Entretanto, somado aos muitos estudos, aponta a importância de diminuir um ambiente frustrante ao bebê. Evitando assim uma vida adulta com problemas emocionais gerados numa fase em que a criança precisava de bastante cuidado e amor. Ou seja, ter uma certa devoção para com o bebê, o que poderá gerar bons afetos e assim potencializar sua permanência em vida. Pois quem já foi feliz sabe lidar com tristezas futuras.
REFERÊNCIAS
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1Graduado em Psicologia, Direito, Filosofia, Mestre em Sociedade e Cultura (UFAM).