BLOCKCHAIN AND DIGITAL IDENTITY: CHALLENGES AND REFLECTIONS ON THE FUTURE OF HUMAN AUTONOMY IN THE ERA OF TECHNOLOGY
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8252463
Vinícius Elias Brunoni
RESUMO
O avanço da tecnologia tem permitido a utilização de novos métodos de identificação, como a biometria, que substitui a nossa individualidade física por informações armazenadas digitalmente. A tecnologia blockchain, conhecida por sua segurança e transparência, oferece um potencial significativo para aprimorar a gestão de informações pessoais. Essas identidades baseadas em blockchain podem permitir que os indivíduos controlem seus próprios dados e compartilhem apenas as informações necessárias em cada transação ou interação, promovendo a privacidade e reduzindo os riscos de violações de segurança. No entanto, esse avanço tecnológico também traz desafios e questões importantes. A regulamentação estatal se torna crucial para garantir a proteção dos direitos e a segurança dos cidadãos. Diante desse contexto, este trabalho tem como objetivo analisar como o Estado regula os mecanismos de identificação humana e explorar a possibilidade de autenticação de atos da vida pública e privada por meio de identidades baseadas em blockchain.
Palavras-Chave: blockchain, identidade civil, identificação, autenticidade.
ABSTRACT
The advancement of technology has enabled the use of new identification methods, such as biometrics, which replace our physical individuality with digitally stored information. Blockchain technology, known for its security and transparency, offers significant potential to enhance the management of personal information. These blockchain-based identities can enable individuals to control their own data and share only necessary information in each transaction or interaction, promoting privacy and reducing the risks of security breaches. However, this technological advancement also brings challenges and important questions. State regulation becomes crucial to ensure the protection of rights and the security of citizens. In this context, this work aims to analyze how the State regulates mechanisms of human identification and explore the possibility of authenticating acts in public and private life through blockchain-based identities.
Keywords: blockchain, civil identity, identification, authenticity.
1. INTRODUÇÃO.
A identificação da pessoa natural é de suma importância para a prática da grande maioria dos atos da vida civil. Logo após o nascimento, já se emite a Declaração de Nascido Vivo por parte dos médicos, com a finalidade de identificar o nascituro. O registro civil de nascimento é o ato feito posteriormente, sendo de natureza obrigatória de acordo com a Lei de Registros Públicos (Brasil, 1973). Com exceção dos índios não integrados devido a questões históricas e culturais, é impositiva a necessidade de registar a nossa existência em uma repartição pública desde o início de nossa personalidade.
No entanto, a forma de nos identificar vem sendo socialmente modificada. Antes estávamos apenas atrelados a um endereço de correspondência, número de Registro Geral (RG), Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e uma fotografia. Temos hoje endereços de e-mail, números de telefone e dados biométricos digitais como fortes indicadores de identidade digital. O nosso número de celular (que nos dá acesso à identificação em muitos aplicativos) tem exercido um papel cada vez mais fundamental nas comunicações sociais. O que antes era um dígito que correspondia à propriedade de uma linha telefônica para realizar uma chamada a uma determinada residência, hoje tem uma perspectiva de individualidade muito mais abrangente do que anos atrás.
O fato de haver um número superior de aparelhos celulares portáteis em nosso país em relação à quantidade de habitantes é um dado relevante que destaca a importância da identidade individual associada a esses dispositivos. É interessante notar que, atualmente, até mesmo processos judiciais podem incluir citações provenientes de aplicativos de mensagens instantâneas1, o que evidencia o grau de importância que o número de telefone adquiriu na sociedade contemporânea. Existe uma confiança social estabelecida, na qual um determinado número representa a comunicação com uma pessoa específica. Essas mudanças sociais são rápidas se considerarmos a vastidão do desenvolvimento científico, mas têm um impacto significativo na vida da população em geral.
Essa concepção de que um aparelho tecnológico está atrelado a nossa pessoa e nos representa frente a outros indivíduos, modifica a cadeia de relações humanas estabelecendo novos padrões de vida. Não somos mais considerados meras “pessoas naturais”, mas sim pessoas interconectadas, e essa conexão nos faz relacionar de uma maneira mais acelerada. A dependência de um aparelho informático para manifestar ou realizar algum ato nos aproxima cada vez mais de características transumanas2.
Sendo esses alguns aspectos da sociedade contemporânea, existem tecnologias que vêm sendo desenvolvidas com a proposta de identificar o indivíduo em âmbito virtual. O aparato disponível hoje permite a criação de sistemas com alto grau de confiabilidade, em que é possível a utilização dos usuários com a finalidade de exercer atos da vida civil.
A tecnologia blockchain é um mecanismo de criptografia muito utilizado na geração de bancos de dados descentralizados, permitindo a geração de informações praticamente imodificáveis. É um conjunto de tecnologias utilizado em muitos setores que vão desde o sistema monetário (como o Bitcoin) até em registro de dados (como os registros imobiliários por exemplo). O sistema notarial do Brasil já utiliza a ferramenta no reconhecimento de firma, por meio da plataforma e-notariado3. Nela o usuário pode ter sua firma reconhecida de maneira virtual, não havendo necessidade de se direcionar a um tabelionato.
Uma possibilidade inovadora está surgindo com a criação de uma arquitetura de identificação baseada em blockchain, utilizando a biometria, que permite a realização de atos de forma remota, dispensando a presença física do usuário (PÁEZ, et al., 2020). Essa abordagem revolucionária abre caminho para a interação em repartições públicas e em ambientes privados sem a necessidade de comprovar a autenticidade por meio de documentos impressos ou assinaturas manuais.
Essa solução traz consigo uma série de benefícios, como maior comodidade para os usuários, redução de burocracia e aumento da eficiência nos processos. Ao eliminar a necessidade de deslocamentos e trâmites presenciais, a arquitetura de identificação por biometria baseada em blockchain simplifica as interações cotidianas e agiliza procedimentos tanto no setor público quanto no privado.
Por outro lado, é importante ponderar os possíveis desafios e preocupações que acompanham essa nova forma de identificação. Questões relacionadas à proteção de dados pessoais, consentimento informado e segurança cibernética devem ser cuidadosamente consideradas e abordadas para garantir a confiança e a adoção generalizada dessa tecnologia.
A fim de viabilizar essa proposta, é essencial que a legislação seja validada para permitir o uso da blockchain como meio de reconhecimento da identificação pessoal, bem como a criação de uma identidade digital fundamentada nessa tecnologia. Atualmente, surge um questionamento sobre se os avanços na identificação pessoal podem resultar na perda de privacidade, uma vez que o aumento no volume de informações armazenadas pode levar a um maior controle sobre esses dados. Além disso, surgem dúvidas sobre os limites de atuação a serem estabelecidos quando novos sistemas são utilizados tanto pelo Estado quanto por grandes corporações.
2. MECANISMOS BIOLÓGICOS DE IDENTIFICAÇÃO.
Existem diversas abordagens para identificar e distinguir um indivíduo dos demais. A biometria, em seu sentido literal, é a ciência que investiga as medidas dos seres vivos, ou seja, é o processo de identificação de um indivíduo por meio de suas características físicas e comportamentais distintivas (THERRIEN, 2006, p. 85). No campo da informática, a identificação pessoal é um procedimento recente na história, devido ao grau de refinamento técnico necessário para se ter uma certeza de distinção.
A capacidade de identificação segura de um determinado sujeito é denominada como autenticidade (THERRIEN, 2006, p. 87). Eles se diferenciam basicamente em dois tipos: comportamentais ou físicas:
Os métodos de reconhecimento por características físicas são: reconhecimento pela íris, pela retina, pela impressão digital, pela voz, pela geometria da face e pela geometria das mãos. Os métodos de reconhecimento por características comportamentais são: pela assinatura autógrafa, pela voz, pela dinâmica da digitação e pela temperatura corporal (THERRIEN, ibid. p.87).
A utilização da biometria como método de identificação tem se expandido rapidamente, impulsionada pelos avanços tecnológicos e pela necessidade de maior segurança em diversas áreas da sociedade. Por meio da análise de características biométricas, como impressões digitais, reconhecimento facial, íris ou voz, é possível estabelecer uma identificação única e precisa de um indivíduo.
Essa abordagem biométrica oferece vantagens significativas em relação a outros métodos de identificação tradicionais, como documentos de identidade físicos. As características biométricas são únicas para cada pessoa e, portanto, tornam-se um meio confiável de estabelecer a identidade de um indivíduo.
Cada um dos métodos possui um diferente grau de segurança, a depender do fator de aspecto biométrico e da sensibilidade da captação dos dispositivos eletrônicos. Nesse sentido, o Prof. Adilson Gonzaga elaborou uma tabela apresentando um comparativo das principais tecnologias de biometria existentes4:
A impressão digital possui um grau superior de segurança quando comparado à assinatura de próprio punho por exemplo. Muitos aparelhos informáticos que utilizamos no dia a dia (como notebooks, tablets e smartphones) tem algum recurso biométrico em suas configurações técnicas. A impressão digital possui vantagens devido ao seu baixo custo de hardware, tamanho reduzido de dispositivos de captura, além da fácil integração dos dispositivos com a aplicação5.
Além disso, muitos desses dispositivos já possuem câmeras fotográficas, o que permite o uso do reconhecimento facial, embora a segurança ainda seja semelhante a outros mecanismos. Isso significa que a utilização em larga escala desses métodos de identificação é viável, aproveitando-se dos dispositivos existentes e disponíveis para a população.
Esses avanços tecnológicos permitem uma experiência conveniente e eficiente para os usuários, tornando a autenticação biométrica uma opção prática e acessível. A integração dessas funcionalidades nos dispositivos do cotidiano simplifica o processo de identificação e reduz a dependência de métodos tradicionais, como senhas ou assinaturas manuais.
No entanto, é importante ressaltar que o reconhecimento biométrico não representa nem substitui uma assinatura autógrafa. Ele apenas pode identificar o autor, mas não pode atestar que a pessoa manifestou concordância com o conteúdo presente no documento (THERRIEN, 2006, p. 94).
Para autenticar efetivamente uma manifestação de vontade, é necessário combinar o processo biométrico com outro método que esteja associado a ele.
Embora o reconhecimento biométrico forneça uma forma confiável de identificação, ele não abrange a intenção expressa pela assinatura autógrafa, que carrega consigo a ideia de consentimento e validação de um documento. A assinatura manuscrita tem uma longa tradição jurídica e é reconhecida como uma maneira de comprovar a vontade do signatário.
Portanto, para garantir a autenticação adequada de uma manifestação de vontade, é necessário combinar o processo biométrico com outros métodos, como assinaturas digitais, tokens ou outros protocolos de segurança. A conjugação desses diferentes processos oferece uma ferramenta mais abrangente e robusta para validar as intenções expressas em um documento.
Dessa forma, a integração de múltiplos processos de autenticação, combinando o reconhecimento biométrico com outras formas de verificação, assegura uma maior segurança e confiabilidade nos registros e nas transações. A interseção desses métodos cria uma abordagem completa, que considera tanto a identificação do indivíduo quanto a validação de sua manifestação de vontade.
3. SISTEMA DE IDENTIFICAÇÃO NACIONAL.
Vigora no Brasil hoje a Identificação Civil Nacional (ICN), que visa identificar o brasileiro em suas relações com a sociedade e com os órgãos e entidades governamentais e privados Lei nº 13.444, de 11 de maio de 2017 (BRASIL, 2017). A ICN utiliza a base de dados biométricos da Justiça Eleitoral das base de dados do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (SIRC), da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional) e outras informações contidas em base de dados da Justiça Eleitoral ou dos institutos de identificação dos Estados e do Distrito Federal ou do Instituto Nacional de Identificação (art. 2º, inciso I, Lei nº 13.444, de 11 de maio de 2017) (BRASIL, 2017).
Observa-se que a normativa em vigor prevê a utilização de informações biométricas como mecanismo de certificação de identidade biológica. Somado ao cruzamento das informações contidas nas bases de dados do Registro Civil (SIRC e CRC), é possível a geração de informações robustas da distinção e características de cada indivíduo.
É predominante ainda no país a utilização de documentos impressos (tais como registro geral, carteira de habilitação, passaporte) como forma de identificação, e a utilização de assinatura em documento em papel para conferir validade às manifestações de vontade. Em certos casos é até mesmo exigido o reconhecimento de firma para garantir a autenticidade de que foi determinada pessoa que assinou o documento, com a apresentação de documentos de identificação perante um tabelionato de notas (art. 7º, inciso IV da Lei nº 8935, de 18 de novembro de 1994) (BRASIL, 1994).
Nesse sentido, como boa parte das operações e de processos são realizados em meios virtuais e as informações passaram a ser digitalizadas, surgiu a necessidade da criação de certificados digitais. A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP Brasil) foi criada em 2001 por meio da Medida Provisória 2.200-2 com a finalidade de viabilizar a emissão de certificados digitais e com validação por lei.
Inúmeras vantagens surgiram com a sua introdução. Pode-se dar ao documento digital a mesma validação que documentos em papel em ambiente totalmente virtual. Garante-se a autenticidade, integridade e confiabilidade à identidade do responsável por aquele documento6. Todos os processos estão vinculados ao sistema federal, sendo o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação a principal autoridade da ICP Brasil.
No entanto, desde sua instituição em 2001 até os dias atuais, ocorreram significativas inovações tanto no âmbito legal quanto nas ferramentas tecnológicas. A medida provisória, por exemplo, não previa o cruzamento de informações de dados biométricos da Justiça Eleitoral (que garantem mais segurança à identificação dos usuários), já que instituída posteriormente. Com isso perde-se a possibilidade de aprimorar a eficácia dessas certificações, a conjugação de mecanismos (biométricos, mistos7e multimodais8) é o que garante a maior segurança desses sistemas. Além disso, não se observa um incentivo pela utilização dessas tecnologias, com a intenção de reduzir custos e democratizar seu uso por parte de grande parte da população.
É possível observar que, de certa forma, o sistema de identificação civil nacional não está adequadamente integrado com os processos de autoria e autenticação de documentos. Isso significa que ainda há uma lacuna em relação ao reconhecimento de manifestações de vontade associadas à nossa identificação pessoal, resultando em um aumento da burocracia devido à falta de confiança social, alimentada pelo alto número de fraudes. Essa falta de integração gera um cenário desfavorável que requer aprimoramentos para superar os desafios relacionados à autenticação e à segurança dos documentos.
É contraditória por um lado a possibilidade de movimentar grandes volumes de dinheiro remotamente, como nas transferências financeiras, e de outro a exigência do comparecimento pessoal do cidadão à uma repartição pública para a realização de um ato burocrático de valor irrisório, ou que por obviedade apenas seja ele o interessado.
Ainda vemos os mesmos problemas de insegurança jurídica, excesso de burocracia e dispêndio de recursos9. Porém, também se observa o surgimento de ferramentas que visam o melhoramento da segurança da população. Cita-se a título de exemplo, a automação de registro de entrada e saída em aeroportos por sistema de máquinas de registro e características faciais10.
Essas ferramentas demonstram o potencial de avanço na simplificação e eficiência dos processos burocráticos, reduzindo a necessidade de intervenção humana e aumentando a segurança e a conveniência para os cidadãos. Ao adotar tecnologias como o reconhecimento facial, é possível tornar os procedimentos mais rápidos, seguros e precisos.
Essas inovações representam uma mudança positiva na direção de um sistema mais ágil e confiável, beneficiando tanto os cidadãos quanto as instituições públicas. No entanto, é importante acompanhar de perto o desenvolvimento dessas ferramentas para garantir que sejam implementadas de forma ética, protegendo a privacidade dos indivíduos e mantendo a transparência e a responsabilidade nas operações.
4. BLOCKCHAIN COMO FERRAMENTA DE IDENTIFICAÇÃO E AUTENTICAÇÃO DE ATOS.
Com os recursos disponíveis atualmente, há um espaço significativo para a criação de novas plataformas que buscam a universalização da identidade civil, além de integrar com autenticidade e segurança os atos realizados tanto no âmbito público quanto no privado. Como já discutido anteriormente, a biometria por si só não tem a capacidade de autenticar a concordância de um indivíduo com o conteúdo de um documento ou declaração. É necessário combinar o reconhecimento biométrico com um processo que garanta a conscientização e autenticação dos atos praticados.
A criação de plataformas integradas e interoperáveis pode facilitar a validação de identidade em diferentes contextos, eliminando a necessidade de repetir processos de identificação em cada interação. Isso proporciona uma experiência mais conveniente para os indivíduos, ao mesmo tempo em que aumenta a segurança e a eficiência dos procedimentos.
Assim como a IPC Brasil utiliza a criptografia de dados para a emissão de certificados digitais, a blockchain também pode realizar tarefa semelhante, porém com um grau de codificação ainda mais refinado. A criptografia em blocos de dados descentralizados pode ser utilizada com a finalidade de aprimorar a segurança e imutabilidade das informações, já que diferentemente de outros sistemas, é armazenada descentralizadamente (RIBEIRO, 2019, p. 16).
Ao explorar a pluralidade de mecanismos de autenticação disponíveis, como a utilização de dispositivos que coletam informações biométricas (já presentes em muitos dispositivos eletrônicos existentes), combinados com certificações por meio de códigos, senhas ou autenticação em dois fatores, é possível alcançar um nível de segurança igual ou até superior aos métodos de autenticação atualmente em uso. Essa abordagem, conhecida como métodos mistos ou multimodais, proporciona uma camada adicional de segurança ao utilizar diferentes fatores de autenticação em conjunto.
A utilização de dispositivos coletor de informações biométricas, como leitores de impressão digital, reconhecimento facial ou de íris, combinada com outros fatores de autenticação, cria uma abordagem abrangente e robusta para a verificação da identidade. Isso reduz significativamente a possibilidade de falsificação ou usurpação de identidade.
Além disso, ao adotar uma abordagem multimodal, as plataformas de certificação digital aproveitam as vantagens de diferentes métodos de autenticação, mitigando as vulnerabilidades associadas a cada um individualmente. Dessa forma, os usuários podem se beneficiar de um sistema de autenticação mais seguro e confiável.
A comprovação da identidade, que tradicionalmente é realizada por meio da apresentação de documentos físicos, pode ser substituída pela utilização de chaves privadas. Essas chaves têm um funcionamento semelhante aos virtual tokens, NFTs (Non-Fungible Tokens) e cold wallets (carteiras digitais seguras). Ao utilizar uma chave privada, o usuário pode realizar diversas ações de forma segura e autenticada. Essa abordagem elimina a necessidade de apresentar documentos físicos, simplificando o processo e proporcionando uma maior conveniência.
O sistema gera um bloco de dados hash que contém informações sobre o ato realizado, juntamente com a identificação da chave utilizada. Essa informação é compartilhada e validada pelos demais nós da rede, garantindo assim a autenticidade e integridade do bloco. Uma vez criado, o bloco se torna imutável, o que significa que seu conteúdo não pode ser alterado sem gerar um novo bloco. Esse processo assegura a preservação do histórico anterior, proporcionando um registro confiável e permanente.
É fundamental ressaltar que a criação de um sistema como o descrito anteriormente traria um benefício significativo: o reconhecimento legal para autenticar atos da vida civil de forma descentralizada. Isso inclui a assinatura de contratos, procurações, atos administrativos em repartições públicas, representação de pessoas jurídicas e muito mais, tudo isso sem depender de uma autoridade centralizada, como um notário.
Além disso, no âmbito privado, empresas já estão adotando essa tecnologia e usufruindo de seus benefícios. A certificação de documentos em blockchain tem se tornado uma realidade, proporcionando maior segurança, transparência e eficiência aos processos. A utilização dessa tecnologia permite a criação de registros imutáveis e auditáveis, reduzindo a necessidade de confiança cega entre as partes envolvidas.
Com a implementação desse sistema, tanto no âmbito público quanto privado, é possível eliminar intermediários e burocracias desnecessárias, agilizando processos e reduzindo custos. Além disso, a utilização da blockchain garante maior proteção contra fraudes e falsificações, uma vez que os registros são imutáveis e transparentes.
Essa abordagem descentralizada e baseada em blockchain abre caminho para uma nova era de autenticação e certificação, transformando a maneira como lidamos com documentos e transações. Ao permitir que os próprios participantes validem e registrem suas ações de forma confiável, essa tecnologia oferece maior autonomia, segurança e eficiência no mundo digital.
5. PRIVACIDADE E A SOCIEDADE DE CONTROLE (BIOPOLÍTICA).
Atualmente, nossas informações pessoais estão dispersas em registros de órgãos governamentais, empresas e instituições diversas. No entanto, até pouco tempo atrás, essas informações eram fragmentadas e desconectadas. Com o advento do big data, observamos uma crescente tendência de centralização e especificação desses dados, permitindo a categorização minuciosa de nossas características e a manutenção detalhada de nossas atividades no ambiente virtual.
O big data tornou-se uma realidade onipresente, impulsionado pelo avanço das tecnologias de armazenamento, processamento e análise de dados. Agora, é comum que diferentes elementos dispersos sejam combinados para criar um retrato completo e abrangente de quem somos. Essa abordagem minuciosa oferece às organizações insights valiosos sobre nossas preferências, comportamentos e necessidades, permitindo-lhes personalizar ofertas e serviços de acordo.
No entanto, junto com os benefícios do big data, surgem questões relacionadas à privacidade e ao controle sobre nossas informações pessoais. O armazenamento detalhado e centralizado de nossos dados pode levantar preocupações sobre o uso indevido ou violações de segurança. É fundamental garantir que haja mecanismos adequados de proteção e consentimento, bem como regulamentações claras para salvaguardar nossa privacidade e dar controle aos indivíduos sobre suas próprias informações.
Embora o big data tenha potencial para aprimorar serviços e promover avanços significativos em diversos setores, é essencial encontrar um equilíbrio entre a coleta e o uso de informações pessoais e a proteção dos direitos individuais. A conscientização e a participação ativa dos indivíduos na gestão de suas informações são fundamentais para moldar um futuro em que a privacidade e a segurança sejam prioridades, enquanto aproveitamos os benefícios e as oportunidades proporcionados pela análise de dados em larga escala.
Nesse sentido, conforme avança a criação de ferramentas que visam simplificar o processo de identificação e autenticação pessoal, surgem novos padrões de vida. Apesar da agilidade, redução de custo e simplificação de procedimentos, essas inovações podem aumentar o poder de controle, já que o haverá um fluxo de informações maior de tudo que fazemos de armazenada em ambiente digital.
O problema central em torno da privacidade não gira em torno das chaves privadas (que contém os dados privados), mas sim no tratamento de informações que são geradas por meio da utilização destas chaves. Desta forma é possível traçar incontáveis características e traçar os perfis dos indivíduos, com base no cruzamento de dados armazenados nestes registros. Não se trata de um vazamento. Mas sim de utilização de registros de forma oculta, para traçar perfis de usuários e manipular as informações de forma ilegítima e sem o conhecimento do titular.
Passa-se por um processo denominado de sociedade de controle, em que o essencial não é mais uma assinatura e nem um número. Os indivíduos tornam-se “dividuais”, divisíveis, e as massas tornam-se amostras, dados, mercados ou “bancos”, assim como descrito por Gilles Deleuze (DELEUZE, 1990, p. 2).
Félix Guattari também imaginou uma cidade em que, graças à um controle de acesso (dividual), poderiam se abrir as barreiras (DELEUZE, 1990, p. 3). Mas que um belo poderia ser recusado, já que um computador detectaria a posição de cada um, lícita ou ilícita, e operaria uma modulação universal. A criação de novas formas de identificação esbarra nas problematizações oriundas deste fenômeno social.
Ainda assim, o que pode garantir uma reserva quanto à privacidade é o grau de criptografia do armazenamento de informações. Assegurar que determinada informação seja utilizada apenas para determinado fim, e que o titular tenha plena consciência de quais informações são necessárias. Deve-se observar a limitação do controle de informações de forma que vise apenas ao interesse coletivo, e não com a possibilidade de utilização com finalidades diversas.
6. CONCLUSÃO.
É evidente que o sistema atual não oferece garantias efetivas no que diz respeito à identificação de pessoas naturais, bem como à segurança das informações, à privacidade e ao direito à identidade, diante dos avanços tecnológicos já disponíveis. Diante desse cenário, novas possibilidades surgem no campo da biometria, apresentando formas inovadoras de aprimorar a autenticação de atos.
Os avanços tecnológicos têm proporcionado uma série de utilidades e aplicações no campo da biometria, que podem revolucionar a forma como nos identificamos e autenticamos transações. Através de características únicas e distintivas, como impressões digitais, reconhecimento facial e padrões de voz, torna-se possível estabelecer métodos mais seguros e eficientes de autenticação biométrica.
Essas tecnologias biométricas oferecem vantagens significativas, como uma maior confiabilidade na identificação, uma vez que os traços físicos e comportamentais de cada indivíduo são exclusivos e difíceis de serem falsificados. Além disso, a utilização dessas técnicas pode simplificar processos burocráticos e agilizar a realização de atos, dispensando a necessidade de documentos físicos e assinaturas manuais.
À medida que avançamos nesse tipo de tecnologia, enfrentamos o desafio de ver nossa individualidade se reduzir cada vez mais a um algoritmo de computador, e de testemunhar uma grande parte de nossas ações sendo registradas e armazenadas em formato digital. Existe o risco de que as máquinas adquiram um conhecimento e um poder sobre nossas vidas que podem superar os nossos próprios.
Esse cenário nos coloca diante de questões complexas sobre autonomia, privacidade e controle sobre nossas próprias informações. À medida que confiamos cada vez mais nas tecnologias digitais para identificação e autenticação, precisamos assegurar que haja um equilíbrio adequado entre o avanço tecnológico e a proteção dos direitos individuais.
É crucial promover a transparência e a responsabilidade na coleta, armazenamento e uso dessas informações pessoais. É necessário estabelecer salvaguardas robustas para proteger a privacidade dos indivíduos, garantindo que as decisões sobre o uso de dados sejam transparentes, informadas e consentidas.
É imprescindível que a legislação seja atualizada para acompanhar esses avanços e estabelecer diretrizes claras sobre o uso responsável da biometria e outras formas de identificação tecnológica. Dessa forma, poderemos explorar plenamente o potencial dessas tecnologias, equilibrando a segurança e a eficácia da identificação com a proteção da privacidade e dos direitos individuais.
À medida que avançamos em direção a um futuro em que a identidade humana é cada vez mais conectada e registrada digitalmente, é essencial que mantenhamos o controle e a soberania sobre nossas próprias vidas. Devemos garantir que as máquinas sejam ferramentas a serviço da humanidade, e não o contrário.
REFERÊNCIAS
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1 A citação eletrônica por WhatsApp e a efetividade no processo judicial, vide HC644.543/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 09/03/2021.
2“Se pensarmos em termos de uma transformação generalizada, se pensarmos em termos de indivíduos que estão tão isolados do “mundo” que só podemos imaginá-los como nós que estão interligados por meio de redes, os anos noventa poderão muito bem ser lembrados como os do início da era do ciborgue.” (HARAWAY, 2000, p. 20).
3 Cartórios já autenticaram 156 mil documentos com blockchain no Brasil. Exame. Disponível em: <https://exame.com/future-of-money/blockchain-e-dlts/cartorios-ja-autenticaram-156-mil-documentos-com-blockchain no-brasil/>. Acesso em 25/01/2022.
4 GONZAGA, Adilson. Biometria, a senha que não se esquece. Apud FERNANDES, Victory; PLÍNIO, Murilo. Biometria – Uma abordagem prática para impressão digital. Disponível em: http://www.theclub.com.br/restrito/revistas/201212/BIOM1212.ASPX Acesso em: 19/01/2022.
5 Fernandes, Victory; Plínio, Murilo. Biometria – Uma abordagem prática para impressão digital. Disponível em: http://www.theclub.com.br/restrito/revistas/201212/BIOM1212.ASPX Acesso em: 19/01/2022.
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7 A que reúne as tecnologias de biometria com outras tecnologias de identificação automática, como por exemplo, um relógio de ponto que utiliza um leitor de cartão de acesso, senha e impressão digital (THERRIEN, 2006. p. 93).
8 Aquele que aplica dois ou mais parâmetros biométricos para confirmar a identidade do indivíduo como, por exemplo, um portão eletrônico que possui equipamento de análise simultânea de geometria facial, voz e do movimento dos lábios (THERRIEN, 2006. p. 93).
9“Logo, é evidente que a burocracia atual dos sistemas de organização de dados não significa a ciência requerida pelos princípios constitucionais administrativos.” (SILVA, 2019, p. 45)
10 Brasil testa primeira ponte aérea com reconhecimento facial do mundo. Governo do Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/transito-e-transportes/2021/06/brasil-testa-primeira-ponte-aerea-com reconhecimento-facial-do-mundo Acesso em: 12/01/2022.