BIOECONOMIA DA PRODUÇÃO EXTRATIVISTA DA AMAZÔNIA: O MARCO REGULATÓRIO E TRIBUTÁRIO DO AÇAÍ NO ESTADO DO PARÁ

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411271046


Andreia Lúcia Batista Ribeiro Nunes1
Antônio Carlos de Sousa Gomes Junior2


RESUMO

A bioeconomia no Pará surge como uma alternativa para explorar de forma sustentável os recursos biológicos da Amazônia, utilizando a biotecnologia para gerar benefícios econômicos, sociais e ambientais. Nesse contexto, a cadeia produtiva do açaí se destaca como um exemplo de sociobiodiversidade, unindo a rica diversidade biológica da região ao conhecimento tradicional das comunidades locais. O açaí, fruto com crescente demanda tanto no mercado interno quanto no externo, especialmente devido às suas qualidades nutricionais, tem sido um motor importante da economia local, envolvendo uma ampla rede de extrativistas, cooperativas, indústrias e pequenos produtores. O setor enfrenta desafios consideráveis, como a degradação ambiental, o uso excessivo de agrotóxicos e as dificuldades logísticas na cadeia de suprimentos. Em resposta, o Estado do Pará implementou políticas públicas e regulamentações específicas para garantir a qualidade e sustentabilidade do produto, destacando-se o Programa Estadual de Qualidade do Açaí (PEQA), que visa introduzir boas práticas em todas as etapas da produção e comercialização. A legislação estadual também tem sido fundamental para legalizar a produção artesanal e familiar, assegurando o licenciamento e a certificação do açaí, além de promover o uso responsável da biodiversidade. A pergunta que se pretende responder é: a tributação da comercialização do açaí afeta o contexto bioextrativista e sociocultural em que o produto está inserido na sociedade paraense? A hipótese trazida inicialmente é de que sim, a tributação mal inserida na cadeia produtiva pode prejudicar o contexto bioextrativista e sociocultural da produção do açaí no Pará. O objetivo geral é identificar se a tributação da comercialização do açaí afeta o contexto bioextrativista e sociocultural em que o produto está inserido na sociedade paraense, enquanto os específicos são conhecer a bioeconomia da cadeia produtiva do açaí, entender o plano estadual da bioeconomia no Pará, compreender o marco regulatório da ação no Pará. A metodologia foi identificada como um estudo exploratório, descritivo, de abordagem qualitativa, Revisão Integrativa da Literatura (RIL), que será desenvolvido a partir de uma revisão bibliográfica e legislativa a respeito do tema. O método de abordagem adotado neste artigo é qualitativo, com o objetivo de analisar o marco regulatório da cadeia produtiva do açaí e sua influência na bioeconomia paraense do açaí. O método de escrita será o monográfico e raciocínio dedutivo, a partir da perspectiva de extrapolação dos dispositivos legais tributários aplicados na comercialização dos produtos açaí, em relação aos dados históricos, culturais, produtivos e econômicos obtidos, para somente em seguida promover as conclusões sobre os possíveis impactos na cadeia produtiva. 

Palavras-Chave: Açaí, Bioeconomia, Marco Regulatório, Tributação.

ABSTRACT

Bioeconomy in Pará emerges as a sustainable alternative for exploring the region’s biological resources, utilizing biotechnology to generate economic, social, and environmental benefits. In this context, the açaí production chain stands out as an example of socio-biodiversity, combining the region’s rich biological diversity with the traditional knowledge of local communities. Açaí, a fruit with increasing demand both in the domestic and international markets, particularly due to its nutritional qualities, has become a key driver of the local economy, involving a broad network of extractivists, cooperatives, industries, and small producers. The sector faces significant challenges, such as environmental degradation, excessive pesticide use, and logistical difficulties in the supply chain. In response, the State of Pará has implemented public policies and regulations aimed at ensuring product quality and sustainability, notably through the Açaí Quality State Program (PEQA), which promotes best practices at every stage of production and commercialization. State legislation has also been crucial in legalizing artisanal and family production, ensuring açaí licensing and certification, while promoting the responsible use of biodiversity. The question this study aims to answer is: does the taxation of açaí commercialization affect the bio-extractive and socio-cultural context in which the product is embedded in Pará’s society? The initial hypothesis is that poorly designed taxation in the production chain may harm the bio-extractive and socio-cultural context of açaí production in Pará. The main goal is to assess whether the taxation of açaí commercialization impacts its bio-extractive and socio-cultural context, while specific objectives include understanding the bioeconomy of the açaí production chain, the state’s bioeconomy plan, and the regulatory framework in Pará. The methodology adopted is an exploratory, descriptive qualitative approach, with an Integrative Literature Review (RIL), developed through a bibliographic and legislative review of the subject. The writing method will be monographic and deductive, extrapolating legal tax regulations applied to the commercialization of açaí products in relation to historical, cultural, productive, and economic data to then draw conclusions about the potential impacts on the production chain.

1. INTRODUÇÃO

Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a bioeconomia pode ser conceituada como a “produção, utilização e conservação de recursos biológicos, incluindo o conhecimento, a ciência, a tecnologia e a inovação para disponibilizar informação, produtos, processos e serviços para todos os setores econômicos que buscam uma economia sustentável” (ONU, 2020, p. 31). 

A Amazônia é um ecossistema, um bioma, com dimensão de aproximadamente 6,74 milhões km², área que corresponderia ao sétimo maior país do planeta, abrangendo em sua dimensão áreas em oito países3, a floresta abriga 2.500 espécies de árvores e 30 mil de plantas. Cortada pelo Rio Amazonas que, cujo volume de águas é responsável por 1/6 das águas doces que deságuam nos Oceanos (WWF, 2024). 

Com esta riqueza de biodiversidade, grande presença de comunidade de povos originários, com o conhecimento ancestral, há uma tendência natural ao desenvolvimento sustentável, a partir da exploração consciente dos recursos naturais. 

Em relação à Amazônia, a bioeconomia surge como alternativa que busca explorar, de forma sustentável, os recursos biológicos da floresta, fazendo uso da biotecnologia, dos avanços tecnológicos combinados, para incentivar atividades que geram benefícios a toda a sociedade. 

Neste contexto, o Estado do Pará surge como potência nacional em produção e exportação de produtos da sociobiodiversidade, assim entendida como a inter-relação entre a diversidade biológica e o conhecimento cultural da comunidade local, com especial destaque a produção do açaí, que nos últimos anos observou crescente demanda no mercado interno e exterior impulsionada, principalmente, pelas qualidades nutricionais da fruta.

O açaí é o principal produto da sociobiodiversidade paraense com potencial de preservação do meio ambiente, desenvolvimento humano e crescimento econômico, cuja cadeia produtiva além de incentivar a agricultura familiar, o comércio e a economia local envolve diversos atores como extrativistas, produtores (cooperativas/associações), intermediários, indústrias de beneficiamento e batedores artesanais, que conectados entre si  representam os elos da cadeia de sustentabilidade dessa forte herança cultural e fonte de subsistência de ribeirinhos e povos tradicionais.

Dados oficiais do Governo do Estado do Pará divulgados no relatório anual “Pará em números 2023” elaborado pela Fundação Amazônia de Amparo à Pesquisa do Pará (Fadespa) indicam que de 2016 a 2022 houve um incremento de aproximadamente 25% na produção extrativista do açaí contribuindo com a geração de riqueza e desenvolvimento econômico do estado.

O presente trabalho pretende realizar um estudo sobre a regulação tributária da comercialização do açaí no Pará, no Brasil e no Mundo, em especial voltada para a tributação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto de Exportação (IE), avaliando os possíveis impactos gerados por esta tributação na produção, comercialização e consumo do produto.

A pergunta que se pretende responder é: a tributação da comercialização do açaí afeta o contexto bioextrativista e sociocultural em que o produto está inserido na sociedade paraense? A hipótese trazida inicialmente é de que sim, a tributação mal inserida na cadeia produtiva pode prejudicar o contexto bioextrativista e sociocultural da produção do açaí no Pará.

O objetivo geral é identificar se a tributação da comercialização do açaí afeta o contexto bioextrativista e sociocultural em que o produto está inserido na sociedade paraense, enquanto que os específicos foram conhecer a evolução histórica do extrativismo do açaí na Amazônia oriental, identificar as propriedades, a cultura por trás do consumo, bioeconomia e cadeia produtiva do açaí e entender a apresentação do açaí para consumo e as exigências de produção no Pará.

Para a realização do estudo, utilizou-se a pesquisa bibliográfica levantada em livros e artigos disponíveis na área de exploração, por meio do levantamento de referências teóricas relevantes sobre o assunto em questão (GERHARDT e SILVEIRA, 2009; Gil, 2007). Embora a pesquisa seja predominantemente qualitativa, há aspectos quantitativos já que em alguns momentos, dados podem ser empregados para apoiar a confirmação das hipóteses e auxiliar na definição dos resultados.

A trilha metodológica trata-se de um estudo exploratório, descritivo, de abordagem qualitativa, Revisão Integrativa da Literatura (RIL), que será desenvolvido a partir de uma revisão bibliográfica e legislativa a respeito do tema. 

O método de abordagem adotado neste artigo é qualitativo, com o objetivo de analisar o marco regulatório da cadeia produtiva do açaí e sua influência na bioeconomia paraense do açaí. A pesquisa tem caráter descritivo, pois visa proporcionar uma compreensão do problema de pesquisa.

O método de escrita será o monográfico e raciocínio dedutivo, a partir da perspectiva de extrapolação dos dispositivos legais tributários aplicados na comercialização dos produtos açaí, em relação aos dados históricos, culturais, produtivos e econômicos obtidos, para somente em seguida promover as conclusões sobre os possíveis impactos na cadeia produtiva.

2. CADEIA PRODUTIVA DO AÇAÍ: RELEVÂNCIA NA ECONOMIA LOCAL E DESAFIOS NO SETOR PRODUTIVO.

O açaí, ou a Euterpe oleracea, é uma palmeira nativa da Amazônia, especialmente encontrada na Amazônia Oriental, sendo seu fruto amplamente utilizado na alimentação e na produção de derivados como polpas, sucos e cosméticos. 

A produção do açaí envolve etapas de extração, beneficiamento e comercialização, com um mercado crescente tanto no Brasil quanto no exterior, especialmente nos Estados Unidos e Europa. Segundo levantamento feito pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuária e de Pesca (SEDAP) apenas em 2023, o Estado registrou uma receita de exportação de açaí de U$$ 27,74 milhões, já apurando em 2024 um acréscimo de 85,65% em comparação ao ano de 2023. 

Esse crescimento tem impulsionado a economia local, gerando emprego e renda, como aponta o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) que foram gerados 3.143 empregos diretos e indiretos no ano de 2022 pela cadeia produtiva do açaí. 

O recente estudo Bioeconomia da Sociobiodiversidade no Estado do Pará (PARÁ, 2022) calculou a importância econômica das cadeias de valor de 30 produtos da sociobiodiversidade e dentre elas destaca-se a do açaí que lidera a renda total gerada na cadeia referente ao ano de 2019 com R$ 3,7 bilhões consumidos fora do estado do Pará, apresentando a demanda distribuída em 54% no mercado externo e 46% no mercado interno. 

A agregação de valor chega a 191% considerando que se trata de uma cadeia longa que abastece áreas urbanas e regionais que envolvem transportes interestaduais e internacionais e por isso requer maior nível de regulamentação. 

No entanto, o setor enfrenta desafios significativos, como questões de sustentabilidade na produção, com impactos ambientais e o uso de agrotóxicos, além de problemas logísticos e de qualidade na cadeia de suprimentos. 

Dentre os principais problemas, destacam-se os impactos ambientais decorrentes da produção em larga escala, como o desmatamento e o uso de agrotóxicos, que comprometem a qualidade do produto e ameaçam a biodiversidade local.  Estudos da Fundação Amazônia de Amparo à Pesquisa do Pará (FADESPA) revelam que nos últimos 20 anos, o número de propriedades produtoras de açaí ultrapassou dos 500% chegando a 81 mil unidades em 2017.

A cadeia de suprimentos também enfrenta obstáculos logísticos, incluindo a falta de infraestrutura adequada para transporte e armazenamento, o que resulta em perdas de qualidade do açaí durante sua distribuição. 

Além disso, a especulação no mercado e as práticas comerciais desleais causam instabilidade nos preços, prejudicando especialmente os pequenos produtores e dificultando uma distribuição equitativa dos benefícios econômicos gerados pela produção do açaí.

3. O PLANO ESTADUAL DE BIOECONOMIA DO PARÁ

O termo bioeconomia surgiu a partir de uma abordagem inovadora do matemático e economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994), que ampliando o alcance da teoria econômica de um sistema fechado sugere integrar a biologia às atividades necessárias ao crescimento econômico mensurando os impactos ambientais que necessariamente impõem limites ao modelo de desenvolvimento orientado à acumulação de capital físico em detrimento do capital natural

A bioeconomia é uma abordagem que busca valorizar os recursos biológicos e a biodiversidade de forma sustentável, gerando benefícios econômicos, sociais e ambientais. No estado do Pará, a bioeconomia tem um grande potencial, pois o estado possui uma rica sociobiodiversidade, com mais de 30 mil espécies de plantas e animais, muitas delas endêmicas e ameaçadas de extinção. Além disso, o estado conta com uma forte presença de povos indígenas e tradicionais, que possuem conhecimentos ancestrais sobre o uso sustentável dos recursos naturais (The Nature Conservancy, 2021)

Na perspectiva de implementar um novo modelo de desenvolvimento social, econômico e ambiental, o Estado do Pará criou o Plano Estadual de Bioeconomia (Decreto n. º 2.379, de 23 de janeiro de 2020), com o objetivo de estimular o uso sustentável da biodiversidade local com gestão voltada para o uso eficiente dos recursos naturais que agreguem processos tradicionais e inovação tecnológica.

Como instrumentos e ações do PEB estão previstas concessões de incentivos fiscais com benefícios para empresas que investem em tecnologias limpas e práticas sustentáveis, programas de capacitação para empreendedores locais, com ênfase na inovação e sustentabilidade e estímulo à cooperação entre governos, empresas e organizações sociais, incluindo parcerias com instituições de pesquisa.

4. MARCO REGULATÓRIO DO AÇAÍ NO PARÁ

A atividade extrativista do açaí no Pará está profundamente enraizada na cultura e economia da região Amazônica, com séculos de tradição entre as comunidades indígenas e ribeirinhas por meio de técnicas manuais que respeitavam os ciclos naturais das florestas. Esse processo de extração permaneceu predominantemente artesanal até meados do século XX, quando o açaí começou a ganhar popularidade além das comunidades ribeirinhas passando a fazer parte do consumo cotidiano da população das cidades mais populosas do Norte.

Com a crescente demanda do açaí no mercado nacional e internacional faz-se necessário maior nível de regulamentação para garantir a qualidade do produto intensificando-se ações educativas de boas práticas de manipulação e processamento do fruto pelos órgãos estadual e municipal de vigilância sanitária que motivou a criação do Programa Estadual de Qualidade do Açaí (PEQA), objeto do Decreto Estadual nº 250 de 21/06/11, que é coordenado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (SEDAP) e envolve 14 instituições, de natureza pública e privada, com o objetivo a introdução de boas práticas em toda a extensão da cadeia produtiva (produção agrícola, transporte, comercialização, fabricação artesanal e industrial), de modo a garantir padrão de qualidade do produto.

Considerada o marco regulatório na comercialização do açaí a Lei estadual nº 7.565, de 25/10/2011 é de fundamental importância para legalizar a pequena produção artesanal e familiar disciplinando a comercialização de produtos artesanais comestíveis de origem animal e vegetal no Estado do Pará que devem ser produzidos em escala não-industrial e preservar características culturais ou regionais. A legislação lista as matérias-primas permitidas para a fabricação desses produtos, como é o caso das frutas, hortaliças, cereais e outros itens comestíveis, estabelecendo limites de produção, como por exemplo, 60 toneladas anuais para frutas, com possibilidade de aumento para grupos ou cooperativas, que podem produzir até três vezes a quantidade permitida para produtores individuais.

A lei ainda exige que, para ser considerada artesanal, a produção utilize ao menos 50% de matéria-prima proveniente da produção local e dos municípios paraenses e os produtos que atendem a esses critérios além de poderem comercializar seus produtos em todo o Estado do Pará também poderão alcançar um tratamento diferenciado e simplificado nas áreas fiscal, tributária, de crédito, licenciamento ambiental e comercialização, conforme regulamentação específica, com o objetivo de incentivar a produção e comercialização desses produtos de forma organizada e sustentável.

O licenciamento, registro e fiscalização dos estabelecimentos que processam produtos artesanais no Pará é de responsabilidade do Serviço de Inspeção Estadual (SIE) e dos Serviços de Inspeção Municipais homologados pela Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará – ADEPARÁ que visa assegurar a qualidade dos produtos e o cumprimento das normas sanitárias como controle de matérias-primas, rotulagem e embalagem, além do transporte e armazenamento de acordo com as normas específicas.

O Decreto Estadual nº 326, de 20/01/2012, estabelece as normas sobre o processamento artesanal do açaí e da bacaba, para maior controle da qualidade higiênica dos estabelecimentos, com o fim de prevenir doenças transmitidas por alimento e fortalecer esse importante segmento econômico e social no Pará. O decreto visa complementar a Lei Estadual nº 7565/2011, detalhando procedimentos, requisitos higiênico-sanitários para a manipulação de Açaí e Bacaba por batedores artesanais, de forma a prevenir surtos com Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) e minimizando o risco sanitário.

O Decreto é aplicável ao produto do Açaí de origem artesanal e congêneres, seus subprodutos e resíduos de valor econômico e estabelece a obrigatoriedade do cadastramento semestral de todos os estabelecimentos artesanais que manipulam o açaí e bacaba no Estado do Pará, com a execução do processo sendo supervisionada pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA). Além disso, o Decreto prevê a possibilidade de firmar convênios com entidades públicas ou privadas para auxiliar na implementação do cadastramento.

Além da Lei Estadual nº 7.565/2011 e do Decreto nº 326/2013, que regulamentam o licenciamento e a comercialização de produtos artesanais no Pará, há outras normas que regulam a produção do açaí, com foco na sustentabilidade ambiental, qualidade sanitária e segurança alimentar. A seguir, alguns dispositivos que regulam o setor produtivo do açaí:

  • Lei Estadual nº 8.084/2007Proteção das Áreas de Produção do Açaí: Essa lei estabelece diretrizes para a proteção das áreas de produção de açaí no Pará, com o objetivo de evitar a degradação dos ecossistemas envolvidos na produção e preservar as áreas de cultivo.
  • Lei Estadual nº 7.707/2010Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável do Açaí: Esta lei cria a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável do Açaí no Estado do Pará, com o objetivo de promover a produção e comercialização do açaí de maneira sustentável, respeitando o meio ambiente e as comunidades envolvidas na cadeia produtiva.
  • Decreto nº 1.777/2011Regulamentação sobre a Comercialização do Açaí: O Decreto regula a comercialização do açaí no Estado do Pará, estabelecendo normas para garantir a qualidade do produto no mercado interno e externo, com a criação de um selo de origem e qualidade para o açaí produzido no estado.
  • Lei nº 9.870/2012Lei de Incentivo à Produção Sustentável de Açaí: Estabelece incentivos fiscais e financeiros para os produtores de açaí que adotem práticas de cultivo e extração que respeitem a sustentabilidade ambiental e promovam o uso responsável dos recursos naturais da região.
  • Lei Estadual nº 8.651/2016Regulamentação da Produção de Açaí: Essa lei estabelece normas e medidas de controle sobre a produção do açaí, com foco em garantir a qualidade do produto e evitar práticas prejudiciais ao meio ambiente, como o desmatamento ilegal e o uso inadequado de agrotóxicos.
  • Lei Estadual nº 8.758/2018 – Lei de Criação do Programa de Incentivo à Cultura do Açaí no âmbito do Estado do Pará. A lei cuida do Programa de Incentivo à Cultura do Açaí e envolve a criação de mecanismos de acompanhamento e melhor aproveitamento do açaí nas diferentes fases da produção e cultivo, a partir do incentivo à pesquisa e desenvolvimento tecnológicos voltados ao manejo sustentável do Açaí.

Cabe ainda mencionar que existe em tramitação na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 6.672, de 2016 de autoria do Deputado Leo de Brito chamado Política Nacional de Incentivo à Produção e Pasteurização da Polpa de Açaí (PNAçaí), “com o objetivo de garantir a inocuidade do açaí e produtos derivados, expandir seu alcance comercial nos mercados nacional e internacional, valorizar o conceito de alimento saudável associado ao açaí, gerar emprego e renda para as comunidades produtoras”. A implantação dessa política visa criar incentivos à produção do açaí, como crédito, a assistência técnica, condições tributárias favoráveis e a certificação de origem e qualidade; define diretrizes para o processamento da polpa e redução do contágio por doenças transmissíveis e fomenta a criação de associações e cooperativas destinadas ao beneficiamento e processamento do açaí.

5. ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DO AÇAÍ.

O Sistema Tributário Nacional (STN) no Brasil é regido pela Constituição Federal de 1988 (CF/88) e pelo Código Tributário Nacional (CTN), ambos fundamentais para organizar a arrecadação e a distribuição de tributos no país, com a CF/88 delineando os princípios gerais e a distribuição de competências, enquanto o CTN regula detalhadamente os procedimentos, as obrigações e os direitos dos contribuintes.

A cadeia produtiva do açaí no Pará envolve diversos aspectos tributários que afetam tanto os pequenos produtores quanto as grandes indústrias. Entre os principais tributos, destaca-se o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), aplicado sobre a comercialização do açaí, e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), quando o produto é processado, como na fabricação de polpas e sucos. 

O setor também se beneficia de incentivos fiscais, como regimes tributários simplificados para pequenos produtores, como o Simples Nacional, que reduz a carga tributária e facilita o cumprimento das obrigações fiscais, mas é a função extrafiscal do tributo que exerce maior influência nessa cadeia de valor.

Em sua obra “Curso de Direito Tributário” (2020), o importante tributarista Hugo de Brito Machado aborda amplamente as funções dos tributos, incluindo as funções fiscal e extrafiscal. 

A função fiscal é a função primária do tributo, que se refere à arrecadação de recursos para o financiamento das atividades do Estado. Já a função extrafiscal se refere ao uso do sistema tributário não apenas como instrumento de arrecadação, mas também como uma ferramenta para alcançar objetivos econômicos, sociais e ambientais específicos visando influenciar comportamentos e direcionar a economia de acordo com as políticas públicas estabelecidas pelo governo. 

Por intermédio de ferramentas da extrafiscalidade, o Estado pode estimular ou inibir condutas, como faz, por exemplo, por intermédio do princípio da seletividade ambiental em razão da essencialidade do produto, ajustando a aplicação de alíquotas mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e de seus processos de elaboração (Inciso VI do art. 170 da CRFB).

Produtos essenciais, como alimentos e medicamentos, podem ter uma alíquota reduzida de ICMS, enquanto produtos supérfluos ou de luxo, podem ser tributados com alíquotas mais altas. Essa seletividade tem um impacto direto na economia, uma vez que pode promover um equilíbrio tributário, favorecendo setores econômicos estratégicos, mas também podem resultar em distorções de mercado ou favorecimento de alguns setores em detrimento de outros. A NMC (Nomenclatura Comum do Mercosul) é um sistema de classificação de mercadorias utilizado pelos países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e serve para facilitar o comércio entre esses países e a aplicação da NMC no contexto da seletividade permite uma maior organização e transparência na tributação, além de possibilitar que o fisco defina as alíquotas de ICMS de forma mais adequada a cada categoria de produto. Segundo dados da Receita Federal do Brasil, recentemente a polpa do Açaí recebeu um código NCM específico com o objetivo de facilitar a identificação, tributação e controle do produto no comércio nacional e internacional, além de garantir maior transparência e eficiência nas operações fiscais relacionadas à cadeia produtiva do açaí. Mas na prática, ainda é pouco utilizado para emissão das notas fiscais na comercialização do produto.

5.1 IMPOSTOS FEDERAIS

No âmbito federal, a comercialização do açaí está sujeita a impostos como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que pode incidir sobre produtos derivados do açaí, especialmente aqueles que passam por processos de industrialização. Empresas maiores que exportam açaí em formas processadas também podem estar sujeitas a Imposto de Exportação, embora existam incentivos para produtos considerados relevantes para a balança comercial.

O PIS/PASEP (Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) e a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) incidem sobre o faturamento das empresas, embora possa haver alíquotas diferenciadas ou regimes especiais dependendo da forma de comercialização.

5.2 IMPOSTOS ESTADUAIS

O principal imposto estadual que incide sobre a comercialização do açaí é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). As alíquotas do ICMS variam de estado para estado e dependem da forma de comercialização, seja ela em natura ou processada.

Estados que fazem parte da Amazônia Legal podem ter incentivos fiscais específicos para estimular a produção e a comercialização sustentável de produtos regionais como o açaí. Essas medidas buscam promover a economia local e reduzir a informalidade no setor.

Nos produtos da biodiversidade amazônica, são isentas as operações internas com polpa de açaí (art. 22 – Anexo II do RICMS e possuem redução da base de cálculo (CT-12%) nas operações interestaduais com polpas de açaí e cupuaçu (Art. 22 -Anexo II)

5.3 IMPOSTOS MUNICIPAIS

Em nível municipal, a comercialização do açaí pode estar sujeita ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) para empresas que realizam serviços relacionados, como logística e transporte do açaí. Esse imposto é geralmente aplicado a empresas que terceirizam serviços ou operam no segmento de distribuição.

5.4 INCENTIVOS FISCAIS À INDÚSTRIA DO AÇAÍ

A Política de Incentivos ao Desenvolvimento Socioeconômico do Estado do Pará visa impulsionar o desenvolvimento econômico do estado, com foco na geração de emprego, renda e redução das desigualdades regionais. Esses incentivos incluem reduções ou isenções do ICMS e outras taxas relacionadas ao comércio exterior. Além disso, empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento para melhorar a cadeia produtiva de produtos regionais, a exemplo da cadeia do açaí, podem ter acesso a benefícios fiscais específicos que incentivam a inovação tecnológica e a sustentabilidade.

Essa Política de Incentivos foi criada pela Lei Estadual nº 6.489/2002 que em conjunto com outras medidas governamentais visa fomentar o desenvolvimento do Estado do Pará por meio da concessão de benefícios a implantação de novos empreendimentos, incentivar os existentes e apoiar projetos de pesquisa científica ou tecnológica em parceria com instituições públicas e privadas. Na mesma Lei foi criada a Comissão da Política de Incentivos ao Desenvolvimento Socioeconômico do Estado do Pará, composta por titulares da Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia – SEDECT; Secretaria de Estado de Projetos Estratégicos – SEPE, da Secretaria de Estado da Fazenda – SEFA, da Secretaria de Estado de Agricultura – SAGRI, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, do Banco do Estado do Pará – BANPARÁ e da Procuradoria-Geral do Estado – PGE, que tem por competência disciplinar a política fiscal e financeira do Estado do Pará. 

O Decreto Estadual nº 5.615/2002 é o Regulamento da Lei nº 6.489 de 2002 e principal dispositivo legal que estrutura e consolida a política de incentivos ao desenvolvimento do Estado. Nele estão previstos os empreendimentos dos setores econômicos estratégicos que podem ser beneficiários da Lei, bem como disciplina as modalidades, prazos e condições para implementação de incentivos. Em seu artigo 6º, o Decreto especifica quais são os instrumentos de aplicação da Política de Incentivos que poderão ser fiscais, financeiros e de caráter infraestrutural.  

Os incentivos fiscais se referem a isenção, redução de base de cálculo, diferimento, crédito presumido e suspensão e de acordo com o artigo 10 O incentivo fiscal a ser adotado dependerá das características de organização e funcionamento do empreendimento, do processo de produção e comercialização em que o mesmo está inserido, da conjuntura dos mercados nacional e internacional e da política fiscal praticada pelas demais unidades da Federação, e em conformidade com a Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000.”

Relativo aos incentivos financeiros, poderá ser concedido sob a forma de empréstimo, em valor correspondente a até 75% (setenta e cinco por cento) do Imposto dobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias   e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Há ainda a possibilidade da concessão de incentivos de caráter infraestrutural, para instalação ou relocalização de empreendimentos em polos de desenvolvimento do Estado.

O artigo 3º da Lei Estadual nº 6.489/2002 e artigo 2º do Decreto Estadual nº 5.615/2002 descrevem quais setores econômicos se enquadram para fruição dos benefícios, in verbis:

I – agropecuários, de pesca e aquicultura, madeireiros florestais e reflorestamentos, minerários, agroindustriais e tecnológicos integrados ao processo de verticalização da produção no Estado,
II – setores comércio, transporte, energia, comunicação e turismo;
III – que promovam inovação tecnológica;
IV – outros de interesse do desenvolvimento estratégico do Estado;
V – destinados a investimentos em infraestrutura. (Inciso acrescentado pelo Decreto nº 1348 de 25/08/2015).

O Decreto n. 989, de 24 de agosto de 2020 promoveu uma revisão nos critérios para a definição dos benefícios estabelecidos na Lei Estadual nº 6.489/2002 e Decreto Estadual nº 5.615, de 2002 imprimindo maior rigidez nos critérios para definição do benefício. A inclusão do artigo 24-A instituiu a Declaração de Empresa Incentivada para empresas que tiverem incentivos fiscais concedidos pela Comissão da Política de Incentivos. O Anexo II do Decreto Estadual nº 5.615/2002 passa a vigorar com a definição que o projeto deve ser avaliado conforme critérios como agregação de valor, verticalização, geração de emprego, inovação e sustentabilidade, com pontuação que varia de 13 a 100 pontos. Apenas projetos com 50 pontos ou mais terão direito a incentivos fiscais.

A pontuação dos projetos pode ser aumentada com adicionais (PLUS) se a atividade pertencer a cadeias produtivas prioritárias ou se o projeto for implantado em municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM). O benefício fiscal pode variar de 50% a 90%, dependendo da pontuação, e o prazo de fruição pode ser de 7 a 15 anos, com possibilidade de prorrogação por mais 15 anos. 

A Lei Estadual nº 6.489/2002 é considerada a base fundamental da política de incentivos do Estado, com uma abrangência ampla que contempla diversos setores econômicos, e dentre eles a indústria do açaí que se destaca como um segmento estratégico, tanto do ponto de vista econômico quanto social, na base produtiva do Pará.

Ainda sobre leis de Incentivos, destacam-se as Leis Estaduais nº 6.912, de 3 de outubro de 2006, nº 6.913, de 3 de outubro de 2006, nº 6.914, de 3 de outubro de 2006, e nº 6.915, de 3 de outubro de 2006, que regulam os incentivos aplicáveis à indústria do pescado, indústria em geral, indústria da pecuária e agroindústria, respectivamente. Reguladas pelos Decretos Estaduais nº 2.489, de 2006 nº 2.490, de 2006, nº 2.491, de 2006 e nº 2.492, de 2006 respectivamente, dispõem sobre o tratamento tributário às indústrias de setores estratégicos, inclusive da agroindústria e produção extrativista de frutas regionais, incluindo do fruto do açaí.

Com a explosão na produção do Açaí em 2015, passando de cerca de 200 mil toneladas para 1 milhão de toneladas da produção em lavouras permanentes, o cenário da produção do Açaí exigiu regulamentação específica ao setor.  A publicação do Decreto Estadual nº 1.522, de 01/04/2016, que regulamenta a concessão de incentivos para a indústria do açaí e estabelece outras providências, fortaleceu e consolidou a política de incentivos voltada para a produção extrativista do açaí, reconhecendo sua importância estratégica para o desenvolvimento econômico do Estado e considerando-o um dos principais produtos da economia paraense, tanto no consumo in natura quanto em seus derivados processados. 

Nesse dispositivo legal está previsto o tratamento tributário que poderá ser concedido para empresas que verticalizem a cadeia produtiva do açaí no Estado do Pará, com o objetivo de agregar valor à produção e impulsionar o desenvolvimento econômico regional. Para as empresas que fabriquem polpa de açaí e seus derivados no território paraense, são concedidos créditos presumidos de até 95% sobre o débito do ICMS incidente nas saídas internas e interestaduais dos produtos resultantes da verticalização da polpa de açaí. Esse benefício visa estimular a transformação da matéria-prima local em produtos com maior valor agregado.

O Decreto ainda prevê a concessão de crédito presumido de até 95% sobre o ICMS nas saídas interestaduais de polpa de açaí, fabricada no Estado, bem como o diferimento o ICMS nas operações de aquisição de matérias-primas, embalagens e equipamentos necessários à produção, tanto em compras internas quanto interestaduais, atendidos aos critérios estabelecidos.

Cabe ressaltar que o parágrafo 2º do artigo 1º do Decreto nº 1.522/2016 prevê que “os incentivos fiscais de que trata este Decreto ficam condicionados à apresentação de projeto fundamentado à Comissão da Política de Incentivos, do qual constem os indicadores e critérios, conforme estabelecem a Lei nº 6.489, de 27 de dezembro de 2002, e Leis nºs 6.913 e 6.915, de 3 de outubro de 2006.”

Em 2020, a redação do parágrafo 4º do artigo 1º do Decreto nº 1522, de 2016 dada pelo Decreto Estadual nº 578, de 2020 restringe o tratamento tributário disposto no inciso II do caput do artigo (crédito presumido no percentual de até 95% sobre o débito do ICMS incidente nas saídas interestaduais de polpa de Açaí fabricadas no Estado) à empresas que implantarem projetos de produção em município da Região de Integração do Marajó4 (PARÁ, 2024). 

Também, segundo o mesmo parágrafo, a empresa deve se comprometer, no projeto apresentado à Comissão de Incentivos, a produzir 3 (três) novas linhas de produtos, a partir da polpa do Açaí (mix, sorvete, barra, energético etc.), e que a venda desses corresponda a no mínimo 30% do total de vendas, no 3º ano do projeto, 40% do total de vendas no 4º ano do projeto e 50% do total de vendas no 5º ano do projeto. 

A medida de incentivo ao desenvolvimento do Marajó, estabelecida pelo Decreto nº 1.522/2016, está em total consonância com os objetivos da política de desenvolvimento do Estado ao oferecer condições fiscais favoráveis para empresas que implementem projetos naquela região. O incentivo, especialmente voltado à indústria do açaí, visa não apenas estimular a verticalização da cadeia produtiva, mas também criar empregos e gerar renda para a população local.

5.5 IMPACTOS DA RENÚNCIA FISCAL 

Os impactos da renúncia fiscal na cadeia produtiva do açaí podem ser avaliados considerando diversos fatores, como a quantidade de recursos investidos, o aumento de produção, a geração de empregos e o crescimento econômico nas regiões envolvidas.

Segundo estudos da FADESPA, em 2015 ocorreu o boom da produção de Açaí no Estado do Pará e desde então, vem mantendo posição de liderança como maior produtor e exportador de Açaí respondendo por 90,4 % da produção nacional no ano de 2022 (IBGE, 2022). Nesse cenário, a verticalização da produção e a agregação de valor ao açaí geram novos fluxos de receita, principalmente nas exportações, gerando consequentemente, um aumento das receitas tributárias e aumento dos postos de trabalho. Assim, quanto maior a produção e a expansão da indústria, estima-se proporcional geração de empregos diretos e indiretos. 

Mas esses créditos renunciados devem ser criteriosamente analisados com o intuito de apurar se os resultados estão de acordo com a Política de Desenvolvimento Socioeconômico do Estado. Dados obtidos junto à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará fez um comparativo entre os empregos projetados e a renúncia fiscal correspondente na cadeia produtiva do açaí. Para esse estudo, foram selecionadas 26 empresas que receberam incentivos fiscais em 2023 e o resultado apontou uma projeção de 2068 empregos projetados para renúncia fiscal na ordem de R$ 60.265.074,17 o que representa uma perda de arrecadação de R$ 29.141,72 por cada emprego gerado (Semas, 2024). 

O Governo do Estado do Pará por meio de Grupo de Trabalho com a participação das Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Secretaria de Fazenda e Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia vem elaborando um estudo sobre Benefícios fiscais voltados à sustentabilidade onde faz recomendações sobre ações que podem ser implementadas no ICMS, IPVA e Regime Tributário Diferenciado (RTD) como incentivo para a produção e consumo de bens voltados à sustentabilidade.  

Uma das ações sugeridas no estudo é a revisão das condicionantes da Política de Incentivo do Estado do Pará de maneira a avaliar os impactos desses incentivos nas receitas públicas do Estado, visto que embora tenha havido recente alteração nos critérios para concessão dos benefícios, não existe uma base sólida de dados para cruzamento de informações entre as especificações exigidas e o real cumprimento das obrigações por parte dos beneficiários.

Além disso, a revisão da legislação tributária com o objetivo de estruturar a concessão de tratamentos tributários e de benefícios fiscais possibilitará que recursos públicos em forma de renúncias e incentivos sejam direcionados a setores econômicos que desenvolvam ações voltadas à sustentabilidade, bem como ao fomento no desenvolvimento de regiões com baixos índices de IDH, a exemplo do que ocorre na própria cadeia produtiva do Açaí na Região Integrada do Marajó.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cadeia produtiva do açaí no Estado do Pará, inserida no contexto da bioeconomia, é um exemplo claro de como o desenvolvimento econômico sustentável pode ser alinhado à preservação da biodiversidade amazônica. 

Ao analisar os marcos regulatórios e os incentivos fiscais implementados pelo governo estadual, observa-se que a combinação de políticas públicas voltadas à sustentabilidade, apoio à inovação tecnológica e o fortalecimento da economia local têm sido essenciais para o crescimento do setor. 

O açaí, com sua significativa presença no mercado interno e externo, ilustra como a valorização dos recursos naturais e o conhecimento tradicional podem ser utilizados de maneira sustentável para impulsionar a economia de uma região rica em sociobiodiversidade, entretanto, ainda persistem desafios consideráveis, especialmente em relação à sustentabilidade da produção, à qualidade do produto e à estruturação da cadeia logística. 

Ferramentas de extrafiscalidade tributária, conforme explicada por Hugo de Brito Machado, apresentam-se como elementos poderosos para a promoção de políticas públicas que não apenas visam à arrecadação, mas também incentivam a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável, no caso do açaí.

Incentivos fiscais e regimes tributários diferenciados para empresas que adotam práticas sustentáveis, como o crédito presumido de ICMS, são estratégias que podem contribuir de forma significativa para a geração de emprego, fortalecimento das comunidades locais e conservação da biodiversidade. 

Além disso, a criação de mecanismos de certificação e a regulamentação rigorosa da cadeia produtiva do açaí asseguram a qualidade do produto e a autenticidade do selo “made in Pará”, um fator que agrega valor tanto no mercado interno quanto nas exportações.

Então, a partir dos dados apresentados, é possível responder à questão inicial: a tributação da comercialização do açaí afeta o contexto bioextrativista e sociocultural em que o produto está inserido na sociedade paraense? A resposta é sim, especialmente quando se trata da cadeia de consumo direto da população local. Contudo, no caso das vendas interestaduais, onde os demais entes federados aplicam a tributação integral, isso configura uma injustiça social para a população paraense, uma vez que a venda da polpa, nesses casos, pode ser considerada uma “exportação” de insumos como o vegetal, a água e a energia. Por isso, é fundamental a revisão e análise dos valores do ICMS, com o objetivo de incentivar a industrialização local, promovendo a agregação de valor aos produtos e gerando mais benefícios para os diversos elos da cadeia produtiva. 

É importante destacar que do forte mercado interno do açaí, que garante o consumo, a falta de registros fiscais adequados dificulta uma análise mais precisa sobre os impactos da tributação nessa cadeia produtiva. Em Belém, por exemplo, estima-se que existam mais de 6.000 pequenas indústrias de despolpamento (batedores) durante a entressafra, número que sobe para cerca de 10.000 durante a safra. Esses estabelecimentos, em sua maioria, realizam compras de forma direta, com transferências eletrônicas (como débito, PIX ou dinheiro vivo), e sem a exigência de emissão de notas fiscais. Isso representa uma lacuna significativa na transparência das transações comerciais e dificulta o monitoramento do volume real de produção e circulação de açaí. Portanto, seria fundamental promover uma alteração legislativa que obrigasse a inclusão de informações fiscais nas notas fiscais de comercialização no mercado interno, para permitir uma avaliação mais precisa e adequada da cadeia produtiva, além de contribuir para a regularização fiscal do setor.

O aprimoramento contínuo das políticas públicas, aliado a incentivos fiscais estratégicos e à implementação de práticas sustentáveis, é fundamental para consolidar a cadeia produtiva do açaí como um modelo de bioeconomia que beneficie não apenas os produtores, mas toda a sociedade, respeitando a rica biodiversidade da Amazônia e garantindo a preservação dos ecossistemas locais para as futuras gerações.


3A Amazônia se estende pela Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Venezuela.

4As Regiões de Integração são subdivisões do estado do Pará que agrupam municípios com características econômicas e sociais semelhantes. Essas regiões são utilizadas para planejamento, monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas. Os municípios da Região de Integração do Marajó, no estado do Pará, são: Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista e Soure.

7. REFERÊNCIAS

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 1Orientada, Discente do curso de Direito. aldedja12@gmail.com
2Orientador, Docente do curso de Direito. adv.gomes.jr@gmail.com