AVIAÇÃO, TALENTO E INTERDEPENDÊNCIA: A COOPERAÇÃO ESTRATÉGICA ENTRE ESTADOS UNIDOS E BRASIL NA CADEIA AERONÁUTICA DO SÉCULO XXI

AVIATION, TALENT AND INTERDEPENDENCE: STRATEGIC U.S.–BRAZIL COOPERATION IN THE 21ST-CENTURY AEROSPACE SUPPLY CHAIN

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202510072039


Carlos Eduardo da S. Martins1


RESUMO

Este artigo analisa, sob perspectiva técnica e estratégica, a interdependência entre  Estados Unidos e Brasil no setor aeronáutico, com foco em cadeias de suprimentos, mobilidade  de talentos e cooperação tecnológica. Demonstra-se que a aviação opera como um eixo de  inovação, competitividade e integração global, sustentado por capital humano qualificado,  certificações e interoperabilidade regulatória. Argumenta-se que a cooperação bilateral — estruturada por padrões de qualidade (AS9100), acreditação de processos especiais (Nadcap) e  acordos de aeronavegabilidade (BASA/BER, FAA–ANAC) — produz ganhos mútuos em  eficiência operacional, desenvolvimento tecnológico e expansão de mercados. Destaca-se,  adicionalmente, o papel do Brasil como relevante mercado consumidor de parts e peças de  origem norte-americana, com fluxos anuais na casa de bilhões de dólares, o que reforça a  complementaridade produtiva: EUA lideram tecnologias críticas (motores, aviônicos,  materiais), enquanto o Brasil integra sistemas, personaliza plataformas e se consolida como  hub MRO regional. Conclui-se que a adoção ampliada de AS9100/Nadcap, a harmonização  regulatória e iniciativas em SAF e digitalização tendem a elevar a resiliência e a  competitividade da cadeia bilateral. 

Palavras-chave: aviação; cadeia de suprimentos; AS9100; Nadcap; BASA; FAA; ANAC;  mobilidade de talentos; MRO; inovação.

ABSTRACT 

This article analyzes Brazil–U.S. interdependence in aerospace, focusing on  supply-chain integration, talent mobility and regulatory cooperation. We argue that bilateral  frameworks — quality standards (AS9100), special-process accreditation (Nadcap), and airworthiness agreements (BASA/BER; FAA–ANAC) — reduce compliance frictions,  accelerate certification and enable co-production. We underscore Brazil’s role as a structural  consumer of U.S. aircraft parts and components, with multi-billion-dollar annual flows,  reinforcing productive complementarity: the U.S. leads in critical technologies; Brazil  integrates systems and consolidates itself as a regional MRO hub. Joint initiatives in SAF and  digital supply chains are likely to increase resilience and competitiveness. 

Keywords: aviation; supply chain; AS9100; Nadcap; BASA; FAA; ANAC; talent mobility; MRO; innovation.

1. INTRODUÇÃO 

A aviação é uma das expressões mais sofisticadas da capacidade tecnológica e da  interconectividade econômica global. No século XXI, o setor ultrapassa as fronteiras da  engenharia aeronáutica para consolidar-se como eixo estruturante de inovação, logística,  transporte e desenvolvimento humano. A cadeia aeronáutica, composta por uma vasta rede de  fornecedores, centros de pesquisa, fabricantes de componentes, empresas de manutenção e  serviços especializados, tornou-se uma plataforma de cooperação internacional que integra  ciência, mercado e capital humano altamente qualificado. 

No contexto contemporâneo, observa-se um movimento crescente de interdependência entre  países produtores, desenvolvedores e operadores de tecnologia aeronáutica. Essa  interdependência não é apenas comercial: envolve a formação e a circulação de talentos  técnicos e científicos, a transferência de conhecimento e o estabelecimento de cadeias de  suprimentos resilientes e complementares. O resultado é um ecossistema global em que  inovação, qualificação e integração se tornam elementos estratégicos para a competitividade  das nações e das empresas. 

Nesse cenário, Estados Unidos e Brasil despontam como parceiros naturais em diferentes  dimensões da cadeia aeronáutica. Os Estados Unidos consolidaram-se como um dos maiores  polos globais de inovação e manufatura, com liderança tecnológica em motores, eletrônica  embarcada, materiais compostos e sistemas de controle. O Brasil, com o fortalecimento de  empresas como Embraer e Helibras, além de centros como o Instituto Tecnológico de  Aeronáutica (ITA) e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), tornou-se  referência em integração de sistemas, engenharia de projeto e qualificação técnica.

A relação entre os dois países transcende a venda de aeronaves e componentes. Trata-se de uma  cooperação técnico-industrial com base no conhecimento e no capital humano, em que a  mobilidade de profissionais especializados e a sinergia entre instituições de ensino, pesquisa e  indústria criam novas formas de integração produtiva. Tal convergência posiciona o setor  aeronáutico como um campo privilegiado para compreender como economias distintas, mas  complementares, podem alcançar ganhos mútuos por meio da inovação colaborativa. 

Este artigo tem como objetivo analisar, sob uma perspectiva técnico-estratégica, a  interdependência entre Estados Unidos e Brasil no setor aeronáutico, com foco em cadeias de  suprimentos, mobilidade de talentos e mecanismos de cooperação tecnológica. Busca-se  compreender como o compartilhamento de competências e o desenvolvimento conjunto de  soluções podem fortalecer a competitividade global de ambos os mercados. A abordagem  combina revisão teórica sobre inovação e integração produtiva com análise setorial, sustentada  por dados de comércio, formação profissional e cooperação industrial. 

A proposta central é demonstrar que a aviação, além de motor econômico e tecnológico,  constitui uma ponte de conhecimento e prosperidade mútua — um exemplo de como a  integração baseada em inovação e talento pode gerar resultados sustentáveis e estratégicos, sem  dependência de agendas políticas, mas de objetivos compartilhados de progresso e eficiência. 

2. METODOLOGIA E ABORDAGEM ANALÍTICA 

A construção deste artigo fundamenta-se em uma abordagem qualitativa e descritiva, com base  em análise setorial comparativa e revisão técnico-documental. O objetivo foi compreender  como a interdependência entre os Estados Unidos e o Brasil na cadeia aeronáutica se consolida  por meio de fluxos de conhecimento, mobilidade de talentos e integração produtiva. Para tanto,  foram consultadas fontes secundárias oficiais e institucionais, como relatórios da Federal  Aviation Administration (FAA), International Trade Administration (ITA), Instituto Tecnológico  de Aeronáutica (ITA), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Embraer S.A. Airbus Helicopters Brasil (Helibras), além de estudos conduzidos por organismos  multilaterais, como OECD e CSIS (Center for Strategic and International Studies)

A metodologia adotada buscou integrar indicadores técnicos, comerciais e de inovação para  mapear a complementaridade entre os dois países no setor aeronáutico. Essa análise foi  organizada em três eixos:

1. Cadeia de suprimentos e produção integrada, destacando fluxos de bens e serviços  de alta complexidade entre ambos os mercados; 

2. Mobilidade de talentos e formação profissional, considerando o papel do capital  humano qualificado como elemento de conexão e transferência tecnológica;

3. Cooperação tecnológica e certificação internacional, observando como padrões e  normas compartilhados reforçam a competitividade e a interoperabilidade. 

A opção por uma análise qualitativa comparativa justifica-se pelo caráter dinâmico e  interdependente da indústria aeronáutica, em que os resultados decorrem menos de métricas  isoladas e mais da sinergia entre competências, instituições e processos técnicos. Assim, o  método privilegia a compreensão sistêmica do setor, sem viés político, enfatizando os aspectos  estratégicos, tecnológicos e operacionais da cooperação bilateral. 

3. A AVIAÇÃO COMO SETOR ESTRATÉGICO DE INOVAÇÃO, COMPETITIVIDADE E INTEGRAÇÃO GLOBAL 

A aviação moderna é um dos setores industriais mais complexos e interdependentes do mundo.  Ela combina elementos de engenharia de precisão, ciência dos materiais, tecnologia da  informação, sustentabilidade e gestão global de cadeias de suprimentos. Cada aeronave  representa o esforço integrado de centenas de empresas e milhares de profissionais, unidos por  padrões técnicos comuns e por metas rigorosas de desempenho e segurança. 

Essa característica confere à aviação um papel central na dinâmica da inovação tecnológica  global. Historicamente, inovações desenvolvidas no setor irradiaram-se para outras indústrias,  como automotiva, naval, espacial e energética. Tecnologias de compósitos leves, propulsão  híbrida, controle eletrônico e inteligência embarcada têm origem ou refinamento em  laboratórios e fábricas da aviação. O setor funciona como laboratório de inovação aplicada,  sendo um dos motores do avanço tecnológico. 

A competitividade global nesse segmento depende, cada vez mais, de cooperação técnica e  integração produtiva entre países e empresas. Nenhum ator isolado domina todas as etapas da  cadeia: do design ao motor, do software de controle à manutenção em campo. A interdependência é estrutural. Países com especializações complementares — como Estados  Unidos, focados em tecnologia de ponta, e Brasil, com expertise em integração e engenharia de médio porte — ampliam parcerias baseadas em trocas de conhecimento, qualificação e  coprodução. 

Outro aspecto determinante é a mobilidade de talentos. A aviação exige profissionais altamente  qualificados, formados em ambientes multidisciplinares que combinam ciência, engenharia e  gestão. O intercâmbio de técnicos, engenheiros e pesquisadores é uma das formas mais  eficientes de transferência tecnológica. Quando um profissional brasileiro atua em programas  norte-americanos, ou quando especialistas americanos colaboram em projetos no Brasil, cria-se um capital intelectual compartilhado que eleva o padrão de toda a cadeia. No plano global, o setor também é impulsionado por novas tendências de sustentabilidade e  digitalização. A busca por eficiência energética, redução de emissões e novos modelos de  mobilidade aérea avançada (AAM) está redefinindo as cadeias de suprimento e abrindo  oportunidades para novos países e empresas participarem do processo de inovação. Nesse  contexto, a complementaridade entre o know-how tecnológico norte-americano e a capacidade  de engenharia aplicada brasileira representa um diferencial competitivo para ambos os  mercados. 

A integração global na aviação envolve uma rede de confiança técnica, certificação e  interoperabilidade. Organismos como a Federal Aviation Administration (FAA) e a Agência  Nacional de Aviação Civil (ANAC) desempenham papel essencial na harmonização de normas  e na viabilização de projetos conjuntos. O alinhamento entre padrões regulatórios é fator-chave  para o aumento do fluxo comercial, do intercâmbio profissional e da ampliação de  investimentos bilaterais. 

4. O ECOSSISTEMA AERONÁUTICO BRASILEIRO E SUA INSERÇÃO GLOBAL 

O Brasil consolidou-se, ao longo das últimas décadas, como um dos ecossistemas aeronáuticos  mais completos e integrados do hemisfério sul. O setor abrange desde o desenvolvimento e  fabricação de aeronaves até a manutenção, engenharia de sistemas, formação técnica e pesquisa  científica. Esse arranjo produtivo resulta de investimentos continuados em educação,  infraestrutura e parcerias internacionais que conectam universidades, institutos tecnológicos e  empresas de ponta. 

Entre os pilares do ecossistema está a Embraer, que figura entre as maiores fabricantes de  aeronaves comerciais do mundo e é reconhecida pela eficiência de seus projetos e pela  capacidade de inovação. Ao longo de sua trajetória, a empresa estabeleceu uma rede de  fornecedores nacionais e internacionais, desenvolvendo competências em engenharia, integração de sistemas e manufatura avançada. Essa rede sustenta a indústria brasileira e insere  o país nas cadeias globais de valor da aviação civil e executiva. 

Outro vetor fundamental é a Helibras (Airbus Helicopters Brasil), em Itajubá (MG), que opera  como principal centro de montagem e manutenção de helicópteros da América Latina. O  modelo de cooperação tecnológica adotado, em conjunto com fornecedores locais e instituições  de ensino, demonstra a viabilidade de integrar o Brasil em programas internacionais de  produção. Em alguns modelos, a participação de conteúdo local supera 50%, reforçando a  integração regional de cadeias produtivas. 

Além das grandes empresas, o país conta com instituições de ensino e pesquisa que formam a  base do conhecimento técnico e científico do setor. O Instituto Tecnológico de Aeronáutica  (ITA), o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e o Departamento de Ciência e Tecnologia  Aeroespacial (DCTA) são reconhecidos internacionalmente pela excelência na formação de  engenheiros e pesquisadores. Esses centros atuam como pontes de cooperação acadêmica e  industrial, atraindo parcerias estrangeiras e projetos de desenvolvimento conjunto. 

O mercado brasileiro também apresenta infraestrutura de suporte robusta, com destaque para a  rede de manutenção, reparo e revisão (MRO) distribuída por diferentes estados. Empresas  certificadas por órgãos internacionais — como a FAA e a EASA — ampliam a credibilidade  do Brasil no cenário global, tornando-o um polo de serviços técnicos e logísticos para  aeronaves civis e militares. 

No comércio internacional, o Brasil tem papel duplo: exporta aeronaves e serviços de  engenharia, e importa componentes de alta complexidade, especialmente de origem norte-americana. As exportações americanas de partes e peças aeronáuticas para o Brasil superam,  em alguns anos, a casa dos bilhões de dólares, consolidando o país como principal parceiro  latino-americano dos Estados Unidos no setor. Essa complementaridade é típica de cadeias  intensivas em tecnologia, nas quais competências específicas são distribuídas ao longo de  múltiplos elos. 

Esse quadro ilustra uma integração estrutural entre competências técnicas, infraestrutura e  talento humano. Enquanto os Estados Unidos mantêm liderança em inovação, design e  certificação, o Brasil apresenta crescente capacidade de engenharia aplicada, integração de  sistemas e adaptação tecnológica — formando um elo de equilíbrio na cadeia aeronáutica  internacional.

5. MOBILIDADE DE TALENTOS E FORMAÇÃO PROFISSIONAL COMO VETORES DE INTEGRAÇÃO 

O capital humano é o componente mais sensível e estratégico da cadeia aeronáutica.  Diferentemente de outros setores industriais, em que a automação ou a replicação tecnológica  são mais acessíveis, a aviação depende fortemente da expertise individual e coletiva. Cada  projeto de aeronave, motor ou sistema eletrônico resulta da combinação de competências  acumuladas ao longo de décadas em engenharia, testes, certificações e processos de qualidade. 

A demanda por profissionais qualificados no setor é crescente em todo o mundo. Projeções de  mercado apontam déficit global de técnicos e engenheiros nas próximas décadas, abrangendo  desde manutenção até desenvolvimento de aeronaves com novas arquiteturas de propulsão. Os  Estados Unidos, polo de produção e inovação, enfrentam escassez expressiva de mão de obra  especializada — o que os leva a valorizar e atrair talentos estrangeiros com alta qualificação. 

O Brasil destaca-se pela formação técnica e científica de excelência, com tradição consolidada  em engenharia aeronáutica e mecânica. Instituições como o ITA, o SENAI e universidades  federais abastecem o mercado com profissionais aptos a integrar programas internacionais.  Esse perfil de qualificação, reconhecido por padrões internacionais, explica por que  profissionais brasileiros têm se inserido de maneira diferenciada em programas de cooperação,  treinamento e migração qualificada. 

A mobilidade de profissionais entre Brasil e Estados Unidos tem efeitos positivos diretos sobre  o desenvolvimento tecnológico e a integração produtiva. Quando engenheiros brasileiros  participam de projetos em empresas norte-americanas, ou quando técnicos americanos  colaboram em programas de inovação no Brasil, ocorre transferência bidirecional de  conhecimento. Esse fluxo contínuo gera um capital intelectual compartilhado, fortalece a  padronização de processos e amplia a interoperabilidade das cadeias produtivas. 

O intercâmbio profissional também estimula o alinhamento educacional e normativo.  Programas de cooperação entre instituições de ensino e centros de pesquisa contribuem para a  convergência curricular e para a adoção de metodologias compatíveis com os padrões  internacionais de certificação. Essa harmonização facilita o reconhecimento mútuo de  competências e reduz barreiras para a atuação transnacional. 

Além da dimensão técnica, a mobilidade de talentos carrega dimensão econômica e estratégica:  ela permite diversificar bases de conhecimento, reduzir o tempo de desenvolvimento de  produtos e reforçar a inovação aberta. O capital humano torna-se um ativo compartilhado — um recurso de integração que transcende fronteiras, elevando a competitividade da cadeia  global. 

6. CADEIA DE SUPRIMENTOS INTEGRADA E COOPERAÇÃO INDUSTRIAL ENTRE ESTADOS UNIDOS E BRASIL 

A cadeia de suprimentos aeronáutica é uma das mais complexas e globalizadas. Ela abrange  milhares de fornecedores interconectados, distribuídos por diferentes continentes, que  colaboram em um ambiente de alta especialização, certificação rigorosa e rastreabilidade. A  interdependência entre países, empresas e centros de engenharia é característica estrutural da  indústria, na qual eficiência logística, inovação e confiabilidade operacional são indissociáveis. 

No caso de Estados Unidos e Brasil, essa interdependência manifesta-se de forma sinérgica.  Enquanto os Estados Unidos detêm liderança em pesquisa, design e fabricação de componentes  críticos — motores, aviônicos, sensores e materiais compostos —, o Brasil se destaca na  integração, na montagem e na customização de aeronaves, além de operar um sistema de  manutenção (MRO) com padrões equivalentes aos principais centros internacionais. 

As exportações norte-americanas de partes e peças para o Brasil, bem como as exportações  brasileiras de engenharia e subcomponentes, refletem essa complementaridade de  competências. Em aviões civis, a participação brasileira em design e manufatura de  componentes estruturais é relevante, sobretudo em aeronaves de pequeno e médio porte. No  segmento de helicópteros e defesa, programas com participação de unidades instaladas no  Brasil mostram que transferência de tecnologia, engenharia colaborativa e certificação cruzada  são práticas viáveis e escaláveis. 

A cooperação não se restringe à manufatura. O segmento de serviços aeronáuticos tem  ampliado seu papel estratégico na relação bilateral. O Brasil vem se consolidando como hub  regional de manutenção e revisão, atendendo aeronaves registradas em países da América  Latina. Oficinas certificadas por FAA e EASA operam sob padrões internacionais de qualidade,  o que reforça a confiança de operadores e fabricantes norte-americanos em estabelecer  parcerias com o mercado brasileiro. 

A integração produtiva vem sendo impulsionada por inovação e digitalização industrial. A  adoção de manufatura digital, processos de additive manufacturing e rastreabilidade por  plataformas digitais está transformando as relações entre fornecedores e fabricantes. Startups  e institutos brasileiros participam de programas de aceleração tecnológica voltados à indústria  aeronáutica, muitos deles em parceria com centros de inovação norte-americanos.

Modelos de dual sourcing — nos quais fornecedores brasileiros e norte-americanos  compartilham a responsabilidade por produzir e certificar o mesmo componente — permitem  diversificar riscos, reduzir vulnerabilidades e atender exigências de resiliência das cadeias  internacionais. Em um cenário global com desafios logísticos e escassez de insumos, essa  cooperação técnica e industrial torna-se fator de estabilidade e competitividade para ambos os  países. 

Mercado brasileiro como consumidor de parts e peças dos EUA: o Brasil é importador  estrutural de componentes aeronáuticos de origem norte-americana (motores, turbinas,  aviônicos, ligas especiais e software embarcado), com valores bilionários por ano e  participação dominante dos EUA no mix de origem. Esse padrão consolida a  complementaridade: o Brasil consome e integra tecnologia norte-americana, e retorna valor por  meio de aeronaves e serviços (MRO) exportados, inclusive para o próprio mercado dos EUA. 

O fortalecimento contínuo dessa relação requer investimento em padronização, certificação e  qualificação de fornecedores. O alinhamento às normas AS9100, Nadcap e aos requisitos de  exportação e controle de tecnologias (ITAR/EAR) é condição essencial para ampliar a  participação brasileira na cadeia norte-americana. Programas conjuntos de capacitação e  supplier development contribuem para que empresas de médio porte alcancem níveis de  maturidade tecnológica compatíveis com as exigências internacionais. 

7. IMPACTOS E OPORTUNIDADES PARA AMBOS OS MERCADOS 

7.1 Benefícios para os Estados Unidos. A integração com o Brasil amplia o mercado e reduz  riscos operacionais em uma região de alta expansão. O acesso a mão de obra qualificada e a  infraestrutura MRO com padrões internacionais gera ganhos de eficiência, qualidade e prazo.  A colaboração com a engenharia brasileira agrega capacidade de solução e acelera ciclos de  desenvolvimento. 

7.2 Benefícios para o Brasil. A parceria com os EUA proporciona acesso a tecnologia de ponta,  certificações e novas oportunidades de exportação. A inserção na cadeia norte-americana  amplia a base industrial, incentiva a modernização e valoriza a formação técnica, com efeitos  positivos sobre empregos qualificados e inovação.

7.3 Ganhos bilaterais e perspectiva de futuro. A sinergia entre inovação, talento e integração  produtiva cria aprendizado mútuo e vantagens cumulativas. A convergência para AAM,  descarbonização e digitalização abrem espaço para projetos conjuntos de alta complexidade  tecnológica. 

8. PERSPECTIVAS PARA INTEGRAÇÃO TECNOLÓGICA E CAPITAL HUMANO 

A trajetória de cooperação dependerá da capacidade de escalar P&D, qualificar talentos e  harmonizar regulações para novas tecnologias (SAF, AM, software crítico). Consórcios entre  ITA, universidades norte-americanas e SENAI podem acelerar formação em NDT, qualidade  aeroespacial, engenharia de dados e safety digital. A criação de trilhas de certificação para  PMEs (AS9100/Nadcap) e de repositórios de rastreabilidade binacionais reduzirá custos de  conformidade e ampliará a base de fornecedores aptos a integrar a cadeia EUA–Brasil. 

9. IMPLICAÇÕES PRÁTICAS E DIRECIONAMENTOS ESTRATÉGICOS 

A análise conduzida evidencia que o fortalecimento da parceria aeronáutica entre Estados  Unidos e Brasil traz implicações práticas diretas para governos, instituições de ensino e  empresas do setor. O aprimoramento da cooperação técnica, da formação de talentos e da  integração produtiva tende a gerar benefícios mútuos, tanto em competitividade industrial  quanto em desenvolvimento de competências. 

No âmbito governamental, políticas bilaterais focadas em certificação cruzada, harmonização  regulatória e reconhecimento profissional mútuo podem reduzir barreiras operacionais e  ampliar o intercâmbio técnico. A criação de fóruns regulares entre autoridades aeronáuticas — como FAA e Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) — permitiria acelerar processos de homologação e promover maior segurança jurídica nas operações industriais conjuntas. Para o meio acadêmico e científico, o intercâmbio entre universidades e centros de pesquisa — como ITA, MIT, Purdue University e Embry-Riddle Aeronautical University — representa uma  oportunidade de integração intelectual, com ganhos de inovação e padronização curricular. A  ampliação de programas de duplo diploma e pesquisa aplicada pode fortalecer a base de  talentos bilaterais, preparando profissionais para tecnologias emergentes como mobilidade  aérea avançada, propulsão elétrica e materiais inteligentes.

Na esfera empresarial e industrial, recomenda-se intensificar a cooperação em programas  conjuntos de P&D, manufatura avançada e digitalização de cadeias produtivas. A adoção  compartilhada de padrões internacionais, como AS9100 e NADCAP, e o estímulo a projetos de  dual sourcing podem aumentar a resiliência logística e reduzir vulnerabilidades globais — alinhando-se à visão de longo prazo de ambos os países para um setor aeronáutico sustentável  e competitivo. 

Por fim, a consolidação de mecanismos de transferência tecnológica supervisionada e  transparente permite que a cooperação mantenha equilíbrio e credibilidade. A parceria baseada  em competência técnica, eficiência produtiva e inovação colaborativa reforça a imagem dos  Estados Unidos como principal fornecedor global e posiciona o Brasil como integrador  regional estratégico, consolidando um modelo de desenvolvimento conjunto orientado por  resultados e excelência industrial. 

10. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES ESTRATÉGICAS 

A cooperação entre Estados Unidos e Brasil no setor aeronáutico ultrapassa a dimensão  puramente comercial e assume um papel estruturante na construção de um ecossistema global  de inovação, qualificação técnica e integração produtiva. Essa parceria, sustentada pela  confiança regulatória, pela complementaridade industrial e pela valorização do capital humano,  representa um modelo eficaz de colaboração entre economias com diferentes graus de  maturidade tecnológica, mas com objetivos convergentes de competitividade e eficiência. 

A análise evidenciou que a interdependência bilateral não é circunstancial, mas sistêmica. Ela  se consolida por meio de cadeias de suprimentos complementares, programas conjuntos de  pesquisa e desenvolvimento (P&D) e mobilidade técnica de talentos, que reduzem  vulnerabilidades logísticas e ampliam a capacidade de resposta frente aos desafios globais de  sustentabilidade e digitalização. Essa integração, quando guiada por metas de longo prazo e  governança compartilhada, potencializa ganhos mútuos de produtividade e inovação. 

Para consolidar e ampliar esses resultados, recomenda-se a adoção de quatro eixos estratégicos  de aprofundamento da cooperação: 

1. Governança binacional de inovação: criação de consórcios tecnológicos com fundos  de P&D compartilhados voltados a combustíveis sustentáveis de aviação (Sustainable Aviation Fuel – SAF), manufatura aditiva (Additive Manufacturing – AM) e  digitalização de processos industriais. 

2. Desenvolvimento de fornecedores e compliance internacional: ampliação de  programas conjuntos de supplier development e certificação cruzada, com alinhamento  pleno às normas AS9100, NADCAP e aos requisitos de exportação e controle  tecnológico (ITAR/EAR). 

3. Modernização dos acordos bilaterais BASA/BER: evolução dos acordos técnicos  entre FAA e ANAC para uma versão 2.0, contemplando novas tecnologias  aeronáuticas, auditorias integradas e harmonização digital de certificações

4. Infraestrutura de dados e rastreabilidade: criação de uma base binacional de  interoperabilidade para registros de manutenção, certificações e histórico de  conformidade, assegurando transparência e rastreabilidade em toda a cadeia produtiva. 

A implementação coordenada desses eixos pode transformar a parceria em uma coprodução de  conhecimento e valor agregado, em que o Brasil deixa de ser apenas um integrador operacional  e passa a atuar como coprodutor de tecnologia e inovação, enquanto os Estados Unidos  consolidam sua posição como fornecedor global de referência em engenharia, certificação e  sistemas críticos. 

Em um cenário internacional marcado por pressões ambientais, disrupções logísticas e escassez  de talentos especializados, a cooperação EUA–Brasil apresenta-se como um modelo de  interdependência inteligente — equilibrando soberania tecnológica, competitividade  econômica e compromisso com a inovação sustentável. 

Mais do que uma parceria comercial, trata-se de uma aliança estratégica de aprendizado  contínuo, capaz de fortalecer ambos os países e posicionar a América Latina como participante  relevante no futuro da aviação mundial.

REFERÊNCIAS

ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil. Acordos de aeronavegabilidade (BASA/BER) e  documentos correlatos. Brasília, 2022–2025. 

BOEING. Commercial Market Outlook 2024–2043 / 2025–2044. Chicago: The Boeing  Company, 2024/2025. 

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EMBRAER S.A. Relatório de Sustentabilidade e Cadeia de Suprimentos. São José dos  Campos, 2024. 

FAA – Federal Aviation Administration. Aerospace Forecast FY 2024–2044 / 2025–2045.  Washington, D.C., 2024/2025. 

IAQG – International Aerospace Quality Group. AS9100 – Quality Management Systems:  Requirements for Aviation, Space and Defense Organizations. 2016–2025. IATA – International Air Transport Association. Air Transport Market Outlook. Genebra, 2024. 

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OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Global Value Chains  in Aerospace. Paris, 2024. 

PRI – Performance Review Institute. Nadcap – Accreditation Program Overview. Warrendale  (PA), 2025. 

TRADE.GOV – U.S. International Trade Administration. Brazil – Civil Aviation Market  Report. Washington, D.C., 2025.


1Carlos Eduardo da S. Martins – MBA em Gestão Estratégica de Negócios (UFF). Bacharel em Relações Internacionais com ênfase em Comércio Exterior (UNESA). Pesquisador e empreendedor nas áreas de inovação, aviação e comércio internacional. E-mail: carloseduardomartins@yahoo.com.br – Endereço: San Diego, CA,  EUA.