AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO E DESVALORIZAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA ATUAÇÃO DOS CHEFES IMEDIATOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202506151014


Elton José Dos Santos


RESUMO: Este pré-projeto tem como objetivo investigar a relação entre os mecanismos de avaliação de desempenho e a desvalorização do servidor público no contexto da administração pública brasileira, com foco específico na atuação dos chefes imediatos. O estudo propõe-se a analisar como as práticas de gestão de desempenho, ao serem conduzidas sem critérios técnicos claros ou com viés subjetivo, podem contribuir para a desmotivação, estresse ocupacional e perda de produtividade dos servidores. Partindo de uma abordagem qualitativa com apoio em estudo de caso, entrevistas e análise documental, pretende-se compreender como os chefes imediatos influenciam o reconhecimento do trabalho dos servidores e quais são os impactos disso nas organizações públicas. A fundamentação teórica se apoiará em autores clássicos como Max Weber e Frederick Taylor, e em teóricos contemporâneos como Mintzberg, Chiavenato, Gaetani e Bresser-Pereira, buscando uma análise crítica das práticas tradicionais e a proposição de alternativas alinhadas a modelos mais humanizados de gestão. Espera-se que os resultados ofereçam subsídios teóricos e práticos para a formulação de políticas públicas que promovam uma cultura de valorização e desenvolvimento contínuo dos profissionais do setor público.

Palavras-chave: avaliação de desempenho; chefia imediata; servidor público; gestão de pessoas; desvalorização profissional.

INTRODUÇÃO

A valorização dos servidores públicos é frequentemente defendida como princípio fundamental para a construção de uma administração pública eficiente, ética e comprometida com o interesse coletivo. No entanto, a realidade vivenciada por muitos trabalhadores do setor público brasileiro revela uma contradição entre esse ideal e as práticas institucionais efetivas. Dentre os fatores que contribuem para essa disparidade, destaca-se a atuação dos chefes imediatos na condução dos processos de avaliação de desempenho, que, em vez de se configurarem como instrumentos de aperfeiçoamento profissional, acabam muitas vezes funcionando como mecanismos de desvalorização simbólica, funcional e emocional dos servidores. Este projeto busca investigar essa problemática, centrando-se na análise crítica da influência da chefia imediata sobre a desvalorização dos trabalhadores públicos a partir de práticas avaliativas carentes de critérios técnicos e objetivos.

A avaliação de desempenho, inserida no contexto da Nova Gestão Pública (NGP), foi introduzida como mecanismo promissor para o aprimoramento da eficiência administrativa, do mérito funcional e da responsabilização institucional (CAVALCANTE; RIBEIRO; LOTTA, 2020). Contudo, ao longo das últimas décadas, a aplicação concreta desse instrumento revelou lacunas estruturais que comprometem sua função original. Tais lacunas incluem a ausência de padronização, o predomínio de avaliações subjetivas e o uso político ou autoritário da avaliação por parte de chefias despreparadas. Essas falhas, longe de serem exceções, constituem práticas recorrentes que afetam diretamente a motivação, o bem-estar e o desempenho dos servidores, como apontam estudos recentes sobre a relação entre gestão pública e saúde ocupacional (ALMEIDA; TENÓRIO, 2022; LIMA; ROCHA, 2021).

A chefia imediata, neste cenário, desempenha um papel ambíguo: de um lado, detém autoridade sobre os processos avaliativos; de outro, frequentemente não possui formação adequada em gestão de pessoas ou conhecimento técnico para conduzir avaliações justas e construtivas. Tal descompasso favorece o uso da avaliação como instrumento de poder simbólico, no sentido bourdieusiano do termo, em que o reconhecimento ou a negação do valor de um servidor se converte em uma forma de dominação institucionalizada (BOURDIEU, 1996). Como resultado, a avaliação de desempenho, ao invés de promover a melhoria contínua e a valorização profissional, contribui para a intensificação do sofrimento psíquico, a corrosão do clima organizacional e a perda de engajamento no serviço público (SOUZA; XAVIER, 2022; FERNANDES; COSTA, 2023).

Essa situação se torna ainda mais crítica diante da constatação de que muitos chefes imediatos utilizam a avaliação como mecanismo de controle subjetivo, baseado em afinidades pessoais, submissão hierárquica ou preferências políticas (OLIVEIRA; RAMOS, 2021). Isso gera um cenário de injustiça organizacional, com avaliações punitivas, feedbacks ausentes ou genéricos, e práticas excludentes que alimentam sentimentos de desvalorização e invisibilidade institucional (PEREIRA; SANTOS, 2020). Além disso, a ausência de critérios técnicos bem definidos e a falta de participação dos servidores nos processos avaliativos impedem a construção de uma cultura organizacional democrática, fragilizando os princípios republicanos que deveriam reger o setor público.

A relevância acadêmica desta pesquisa reside exatamente na escassez de estudos que abordem a relação entre a atuação da chefia imediata e os impactos simbólicos e institucionais da avaliação de desempenho na administração pública brasileira. Embora existam diversos trabalhos sobre avaliação no setor público, poucos se dedicam a investigar as dinâmicas emocionais, políticas e relacionais envolvidas nesse processo, sobretudo a partir da ótica dos servidores avaliados. Nesse sentido, este projeto propõe uma contribuição inovadora ao focalizar não apenas os aspectos técnicos da avaliação, mas também os seus efeitos subjetivos e organizacionais.

Socialmente, trata-se de uma investigação urgente. A perpetuação de práticas avaliativas injustas e autoritárias compromete não apenas o bem-estar individual dos servidores, mas também a qualidade dos serviços prestados à sociedade, a legitimidade das instituições públicas e a permanência de profissionais qualificados no setor. Como demonstram Silva e Andrade (2022), os impactos da avaliação mal conduzida incluem aumento do absenteísmo, adoecimento psíquico, processos de judicialização e, em casos extremos, exoneração ou aposentadoria precoce, o que representa uma perda significativa para o Estado e para a coletividade.

Do ponto de vista profissional, esta pesquisa tem um caráter interventivo e experiencial. O autor, enquanto servidor público, vivencia diretamente as contradições e desafios do processo avaliativo e reconhece a necessidade de transformação estrutural das práticas de gestão de pessoas no serviço público. Ao lançar luz sobre a atuação dos chefes imediatos como agentes centrais no processo de avaliação e ao denunciar os riscos da subjetividade institucionalizada, busca-se contribuir para o fortalecimento de uma cultura organizacional pautada na justiça, na transparência e na valorização do trabalho público. Como destacam Lemos e Machado (2023), é preciso romper com a lógica punitiva e adotar modelos formativos de avaliação, que integrem feedbacks construtivos, metas compartilhadas e planos de desenvolvimento contínuo.

Diante deste panorama, a presente pesquisa se propõe a responder a duas questões fundamentais: (1) De que forma os chefes imediatos influenciam a desvalorização dos servidores públicos por meio dos processos de avaliação de desempenho na administração pública brasileira? e (2) Quais são os impactos da ausência de critérios técnicos e objetivos nas avaliações de desempenho sobre o clima organizacional e o bem-estar dos servidores públicos? Ambas as perguntas buscam problematizar a estrutura de poder nas relações entre chefia e subordinado, evidenciar os efeitos simbólicos e práticos de uma avaliação desprovida de fundamento técnico e promover a construção de alternativas mais humanizadas e eficazes no campo da gestão pública.

este sentido, a pesquisa será conduzida por meio de abordagem qualitativa, com apoio em estudo de caso, entrevistas semiestruturadas com servidores e análise documental de normativas institucionais. A triangulação metodológica permitirá captar a complexidade do fenômeno investigado, combinando diferentes fontes e perspectivas. A fundamentação teórica será composta por autores clássicos da administração, como Max Weber e Frederick Taylor, e por estudiosos contemporâneos da gestão pública, como Mintzberg, Chiavenato, Gaetani e Bresser-Pereira, articulando conceitos de burocracia, poder simbólico, desempenho funcional e cultura organizacional.

Portanto, ao investigar criticamente o papel da chefia imediata nos processos de avaliação de desempenho e seus impactos na valorização ou desvalorização dos servidores públicos, esta pesquisa pretende contribuir para o debate acadêmico, a reformulação das práticas administrativas e a promoção de um serviço público mais justo, transparente e voltado ao desenvolvimento humano.

DESENVOLVIMENTO

A construção teórica deste projeto articula conceitos clássicos e contemporâneos da administração pública e da gestão de pessoas, visando compreender a influência dos chefes imediatos na avaliação de desempenho e os efeitos dessa prática sobre a valorização profissional no setor público. A seguir, são apresentados dois eixos principais que sustentam a base conceitual do estudo.

Avaliação de Desempenho na Administração Pública Contemporânea

A avaliação de desempenho tem sido amplamente debatida no campo da administração pública nas últimas décadas, principalmente em decorrência das transformações gerenciais oriundas das reformas do Estado. No Brasil, a partir dos anos 1990, com a introdução dos princípios da Nova Gestão Pública (NGP), esse instrumento passou a ocupar um papel central nas políticas de profissionalização da administração pública, com a promessa de aumentar a eficiência, promover o mérito e fortalecer a responsabilização dos servidores (CAVALCANTE; RIBEIRO; LOTTA, 2020). No entanto, diversos estudos recentes apontam que, apesar das intenções modernizadoras, a implementação da avaliação de desempenho tem sido marcada por fragilidades metodológicas, vieses subjetivos e distorções nas práticas organizacionais.

A despeito dos avanços normativos e técnicos em algumas esferas públicas, os processos avaliativos continuam, em muitos casos, atrelados a relações interpessoais e à centralização da autoridade nas mãos dos chefes imediatos. De acordo com Oliveira e Ramos (2021), a ausência de instrumentos padronizados e a dependência das percepções individuais da chefia tornam a avaliação suscetível a critérios informais, como simpatia, afinidade política e subordinação cega, o que compromete o princípio da impessoalidade, essencial no serviço público. Nesses contextos, a avaliação de desempenho deixa de ser uma ferramenta de gestão estratégica para o desenvolvimento humano e passa a operar como instrumento simbólico de poder e dominação.

Outro ponto de destaque diz respeito à escassez de formação gerencial dos avaliadores. Muitos chefes imediatos não são treinados adequadamente para exercer a função avaliativa com critérios éticos e objetivos. Conforme argumentam Almeida e Tenório (2022), esse despreparo compromete a qualidade do processo avaliativo, pois os feedbacks fornecidos são genéricos, desmotivadores ou inexistentes. Em vez de contribuírem para a melhoria do desempenho dos avaliados, os resultados geram frustração, sentimento de injustiça e impacto direto na saúde mental dos servidores. Em situações extremas, tais práticas podem configurar formas de assédio institucional, ainda que velado.

Pesquisas recentes, como a de Seidl, Fernandes e Morais (2023), revelam que a avaliação de desempenho, quando dissociada de uma cultura organizacional participativa, tende a reforçar desigualdades institucionais, cristalizando privilégios e punindo servidores que destoam da lógica autoritária da chefia. Para esses autores, é imprescindível repensar a lógica avaliativa sob uma perspectiva democrática, integrando os servidores ao processo por meio de autoavaliações, feedbacks horizontais e critérios de desempenho definidos coletivamente.

A literatura também tem enfatizado que os processos avaliativos precisam ser incorporados como parte de uma política pública de gestão de pessoas mais ampla, orientada para o desenvolvimento contínuo e não apenas para o controle. Nesse sentido, Lemos e Machado (2023) defendem a adoção de modelos formativos de avaliação, nos quais a identificação de lacunas no desempenho seja seguida de planos estruturados de capacitação, orientação e acompanhamento, evitando que o instrumento se reduza a uma formalidade burocrática ou a um ritual punitivo.

No plano normativo, diversas instituições públicas brasileiras vêm atualizando seus marcos legais sobre avaliação de desempenho, mas, conforme apontam Silva e Andrade (2022), a regulamentação ainda é insuficiente para garantir a equidade dos processos. Falta, sobretudo, clareza nos critérios avaliativos, periodicidade adequada de aplicação, uso consistente dos resultados e transparência na comunicação com os servidores. A opacidade desses processos reforça a desconfiança institucional e gera um ambiente de trabalho marcado pela insegurança e desmotivação.

Além disso, a centralidade da chefia imediata nos modelos avaliativos contribui para um ciclo de retroalimentação do poder organizacional. Chefes que utilizam a avaliação de desempenho como instrumento de premiação ou punição tendem a consolidar sua autoridade à custa do bem-estar e da progressão funcional dos subordinados (PEREIRA; SANTOS, 2020). Essa prática reproduz lógicas personalistas e clientelistas, contrárias aos princípios republicanos da administração pública.

O impacto da avaliação de desempenho sobre o clima organizacional é outro aspecto relevante. Segundo Lima e Rocha (2021), avaliações percebidas como injustas ou arbitrárias produzem um efeito corrosivo sobre as relações de trabalho, minando a confiança, desincentivando o engajamento e aumentando os índices de absenteísmo e rotatividade. A ausência de reconhecimento do esforço e da competência dos servidores compromete sua autoestima e reduz significativamente sua produtividade e compromisso com os objetivos institucionais.

Por fim, é importante ressaltar que há experiências positivas no setor público que podem servir como referência. Algumas organizações têm desenvolvido sistemas avaliativos com base em indicadores de desempenho bem definidos, integração com metas institucionais, e participação dos servidores no processo. Essas experiências mostram que é possível construir práticas de avaliação mais justas, transparentes e alinhadas ao desenvolvimento humano, desde que haja investimento em formação gerencial, revisão de marcos legais e mudança cultural nas relações organizacionais.

Dessa forma, observa-se que a avaliação de desempenho, para além de uma ferramenta técnica, é também um dispositivo político e simbólico. Sua eficácia depende da forma como é conduzida, das intenções que a orientam e do contexto institucional no qual está inserida. Se usada de forma estratégica, com critérios objetivos, diálogo permanente e foco no desenvolvimento, ela pode contribuir significativamente para a valorização do servidor público e para a melhoria da qualidade da administração. Caso contrário, continuará a ser instrumento de desvalorização e sofrimento institucionalizado, perpetuando práticas hierárquicas autoritárias e desumanas no seio da administração pública..

Chefia Imediata, Poder Simbólico e Desvalorização Profissional

A figura do chefe imediato desempenha papel central nas dinâmicas internas das organizações públicas, sendo frequentemente o principal mediador entre os servidores e os objetivos institucionais. No entanto, essa posição estratégica é também palco de disputas simbólicas e relações assimétricas de poder que impactam diretamente a valorização (ou desvalorização) dos profissionais. A literatura contemporânea tem destacado que o exercício da chefia no serviço público, quando desprovido de competências técnicas e sensibilidade relacional, pode se transformar em um dos principais fatores de desmotivação, adoecimento psíquico e desvalorização funcional dos servidores (SOUZA; XAVIER, 2022).

Segundo Bourdieu (1996), o poder simbólico é a capacidade de impor significados, definir o valor social dos sujeitos e legitimar práticas dentro de campos institucionais. Essa teoria, ainda atualizada por diversos autores no contexto da administração pública, é especialmente útil para compreender como a chefia imediata exerce influência sobre a trajetória funcional dos subordinados, não apenas por meio de decisões administrativas formais, mas também por mecanismos simbólicos, como o reconhecimento (ou sua negação), a inclusão (ou exclusão) em espaços decisórios e o modo como se comunica o valor do trabalho realizado.

Pereira e Santos (2020) argumentam que, no ambiente público, o reconhecimento simbólico exercido pela chefia imediata atua como marcador de status funcional. Em outras palavras, ser reconhecido por um superior confere ao servidor maior legitimidade interna, favorecendo sua progressão na carreira, enquanto a invisibilização de suas contribuições reduz sua percepção de pertencimento institucional. Essa relação simbólica afeta diretamente o sentimento de autoestima profissional e o engajamento com o serviço público.

Entretanto, o que se observa em muitas instituições é uma prática de chefia baseada na lógica autoritária, em que a avaliação de desempenho é utilizada como instrumento de controle e retaliação. Lima, Almeida e Rocha (2021) evidenciam que, em diversas organizações públicas brasileiras, a falta de formação em gestão de pessoas por parte dos chefes imediatos tem favorecido práticas personalistas, com avaliações baseadas em afinidades subjetivas, critérios não explicitados e ausência de feedbacks construtivos. Essa ausência de critérios técnicos favorece o sentimento de injustiça organizacional, um dos principais fatores de desmotivação no setor público.

Outro aspecto crítico apontado por Fernandes e Costa (2023) é o fato de que a cultura de hierarquia verticalizada nas instituições públicas brasileiras reforça uma chefia imediata pouco aberta ao diálogo, resistente à crítica e muitas vezes alheia ao impacto emocional de suas decisões sobre os servidores. Isso gera um ambiente organizacional onde o medo da retaliação e o conformismo tornam-se mecanismos de autopreservação, em detrimento da inovação e da colaboração.

Ademais, a desvalorização promovida pela chefia imediata não ocorre apenas de maneira explícita, como nas avaliações punitivas, mas também por vias implícitas, como a exclusão dos servidores de reuniões estratégicas, a negação de oportunidades de capacitação, a delegação excessiva de tarefas sem reconhecimento formal e a ausência de retorno sobre o trabalho executado. Esses elementos compõem o que autores como Oliveira e Ramos (2021) chamam de “assédio institucional silencioso”, uma forma de violência simbólica que, por não ser diretamente punida pelas normativas administrativas, se perpetua nos cotidianos organizacionais com ampla naturalização.

As consequências dessa lógica para o servidor público são múltiplas. Segundo Silva e Andrade (2022), a percepção de desvalorização por parte da chefia imediata tem sido associada a quadros de sofrimento psíquico, como ansiedade, depressão e síndrome de burnout, além de efeitos organizacionais como queda de produtividade, aumento de licenças médicas e desligamento funcional por exoneração ou aposentadoria precoce. Tais efeitos não afetam apenas o servidor individualmente, mas comprometem o desempenho da organização pública como um todo, enfraquecendo sua missão social e sua legitimidade perante a sociedade.

Por outro lado, experiências bem-sucedidas demonstram que é possível transformar a atuação da chefia imediata em um vetor de valorização e desenvolvimento profissional. Para isso, é necessário que o processo de seleção e formação de líderes no serviço público seja reestruturado, priorizando não apenas competências técnicas, mas também habilidades socioemocionais, capacidade de comunicação, inteligência relacional e ética na gestão de pessoas (LEMOS; MACHADO, 2023). Programas de capacitação continuada, avaliações de 180 e 360 graus e instâncias de ouvidoria internas com poder de fiscalização sobre os atos da chefia são mecanismos que podem contribuir para um ambiente organizacional mais justo e equilibrado.

Além disso, como destaca Seidl, Fernandes e Morais (2023), o fortalecimento da cultura de feedback e reconhecimento regular é essencial para transformar a lógica avaliativa de controle para desenvolvimento. O feedback deve ser contínuo, objetivo, respeitoso e pautado em metas acordadas previamente, permitindo que o servidor se sinta parte ativa de seu processo de melhoria e crescimento profissional.

A chefia imediata exerce um papel crucial na configuração das práticas de valorização ou desvalorização dos servidores públicos. Quando sua atuação se ancora no autoritarismo, na informalidade e na subjetividade, reproduz-se um ambiente organizacional hostil e desumanizador. Por outro lado, quando a chefia é formada, acompanhada e responsabilizada, pode se tornar uma aliada estratégica da construção de um serviço público mais eficiente, justo e centrado no bem-estar de seus trabalhadores.

CONCLUSÃO

A presente pesquisa buscou compreender de que forma os chefes imediatos influenciam a desvalorização dos servidores públicos por meio dos processos de avaliação de desempenho na administração pública brasileira. Ao longo do estudo, evidenciou-se que, embora a avaliação de desempenho seja, em teoria, um instrumento de desenvolvimento profissional e de qualificação do serviço público, sua aplicação prática tem sido marcada por subjetividade, autoritarismo e ausência de critérios técnicos, especialmente quando conduzida por chefias despreparadas para o exercício da gestão de pessoas.

A investigação revelou que o problema da desvalorização dos servidores não está restrito a deficiências técnicas dos instrumentos avaliativos, mas está enraizado em uma cultura organizacional verticalizada e punitiva, na qual a chefia imediata detém poder simbólico significativo. Esse poder, conforme destacado por Bourdieu (1996), opera não apenas por meio de decisões formais, mas também por práticas simbólicas de reconhecimento ou invisibilização, que moldam a trajetória funcional e emocional dos servidores. A centralização da autoridade avaliativa nas mãos de gestores sem capacitação adequada fomenta um ambiente de trabalho permeado por insegurança, medo e desmotivação, fatores que afetam diretamente a produtividade, o bem-estar e o engajamento dos trabalhadores públicos.

Conforme demonstrado por autores como Oliveira e Ramos (2021) e Almeida e Tenório (2022), os efeitos da avaliação de desempenho mal conduzida vão além do plano profissional, repercutindo na saúde mental dos servidores e comprometendo a imagem da própria administração pública. A ausência de clareza nos critérios avaliativos, a falta de feedbacks consistentes e a apropriação política do processo reforçam uma lógica de exclusão simbólica e de perpetuação de desigualdades institucionais.

Por outro lado, o estudo também apontou caminhos possíveis para a superação dessa realidade. Experiências bem-sucedidas mostram que é possível transformar a avaliação de desempenho em uma ferramenta promotora de valorização e desenvolvimento, desde que baseada em critérios objetivos, processos participativos, formação continuada de chefias e cultura institucional de reconhecimento. Modelos formativos de avaliação, autoavaliações, feedbacks horizontais e instâncias de escuta são alternativas que podem contribuir significativamente para um ambiente de trabalho mais justo, produtivo e humanizado.

Conclui-se, portanto, que repensar o papel da chefia imediata e reestruturar os processos de avaliação de desempenho são medidas urgentes para enfrentar a desvalorização dos servidores públicos. Essa transformação exige não apenas mudanças técnicas, mas uma reforma cultural nas práticas de gestão do setor público, de modo a reafirmar o serviço público como espaço de dignidade, reconhecimento e compromisso com o bem comum.

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