AUTOIMAGEM E SUBJETIVIDADE: ENTRE O ESPELHO, A ROUPA E O INCONSCIENTE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504291505


Camila Américo Bezerra1


Resumo

A autoimagem é a representação que o sujeito constrói de si ao longo da vida. Ela ultrapassa a aparência física e está profundamente relacionada à história pessoal, aos vínculos afetivos, à cultura e ao inconsciente. Este artigo propõe uma reflexão à luz da psicanálise contemporânea sobre como o corpo, o desejo, o olhar do outro e a moda constituem e influenciam a autoimagem. Utilizando escuta clínica e observações práticas em ambiente de moda, são analisadas experiências que revelam a roupa como linguagem simbólica do inconsciente e recurso terapêutico de resgate da autoestima.

Palavras-chave: autoimagem; psicanálise; moda; subjetividade; autoestima.

1. Introdução

A constituição da autoimagem é um processo subjetivo que atravessa a história do sujeito e está atrelada à maneira como ele se percebe e se sente no mundo. A partir das primeiras experiências de troca afetiva, especialmente mediadas pelo olhar do outro, o sujeito começa a formar uma imagem de si que se desdobra ao longo da vida. Segundo Contardo Calligaris (2018), não somos apenas aquilo que somos, mas também aquilo que acreditamos que os outros veem em nós. Neste cenário, a moda ganha espaço como ferramenta simbólica, um meio de expressão do Eu e reorganização da identidade.

2 Fundamentação Teórica

2.1 Autoimagem e Psicanálise

A autoimagem na perspectiva psicanalítica contemporânea envolve o conceito de narcisismo e a constituição do Eu através do Outro. Lacan (2019) destaca o ‘Estádio do Espelho’ como momento crucial em que o sujeito reconhece sua imagem no espelho, instaurando a dimensão imaginária do Eu. Essa imagem idealizada nem sempre corresponde ao que o sujeito sente internamente, o que pode gerar sofrimento e conflitos psíquicos.

2.2 Corpo, Desejo e Subjetividade

O corpo é o primeiro território simbólico de inscrição do sujeito. Para Birman (2020), o corpo é o campo onde se inscrevem os afetos, os traumas e as marcas culturais. O desejo de ser visto e reconhecido passa, muitas vezes, pela forma como o sujeito se apresenta ao mundo — e isso inclui o modo de vestir-se. A escolha das roupas, ainda que inconsciente, é uma tentativa de restaurar o narcisismo ferido e (re)afirmar a própria identidade.

2.3 Moda como linguagem do inconsciente

A moda, conforme Davis (2019) e Almeida (2019), pode ser entendida como um sistema de signos que o sujeito utiliza para construir narrativas sobre si mesmo. Ao vestir-se, ele comunica desejos, posicionamentos e até mesmo dores psíquicas. Na clínica, observa-se que mudanças na forma de vestir muitas vezes acompanham processos terapêuticos de fortalecimento do Eu e elevação da autoestima.

3. Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de natureza teórico-reflexiva, baseada na escuta clínica e na observação de clientes em contexto de consumo de moda. A análise foi guiada por referenciais da psicanálise contemporânea e da psicologia da imagem.

4. Resultados e Discussão

A observação clínica revelou que a distorção da autoimagem costuma estar associada a rejeições precoces, vivências de humilhação e baixa autoestima. Mulheres que passaram a investir na própria imagem de forma mais livre e consciente relataram sentimentos de maior segurança, desejo de visibilidade e reconexão afetiva com sua própria história. Esses dados corroboram a ideia de que a moda pode operar como ponte simbólica entre o inconsciente e o mundo externo.

5. Considerações Finais

Vestir-se é também um ato psíquico. A roupa carrega significados que muitas vezes o sujeito não consegue verbalizar, mas que expressa simbolicamente por meio da imagem. A autoimagem, nesse sentido, não é fixa, mas pode ser transformada a partir de experiências de escuta, acolhimento e reconexão com o desejo. Investir na própria imagem com consciência e afeto pode significar reescrever a própria história em direção a uma vida mais autêntica e integrada.

Referências

ALMEIDA, Camila P. de. Moda e identidade: o vestir como expressão do sujeito na contemporaneidade. São Paulo: Appris, 2019.

BIRMAN, Joel. O sujeito na contemporaneidade: espaço, dor e desalento na atualidade. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.

CALLIGARIS, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta: o ofício de psicanalista. 5. ed. São Paulo: Planeta, 2018.

DAVIS, Fred. Moda, cultura e identidade. 3. ed. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 2019.

FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

GONÇALVES, Carla Cristina. Autoimagem e autoestima: percepções subjetivas na era digital. Belo Horizonte: Paco Editorial, 2021.

LACAN, Jacques. O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.

PESSOA, Viviane. Moda, psique e subjetividade: uma leitura psicanalítica sobre o vestir. Curitiba: CRV, 2023.


1Psicanalista, Historiadora, Mestre em Psicanálise Clínica e CEO da CÁ Boutique.