ADJUSTMENT RATES APPLIED IN PUBLIC ADMINISTRATION CONDEMNATION: WHY IS IT STILL RELEVANT TO TALK ABOUT IT?
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10716968
Elisabeth Ribeiro Tiburcio*
SUMÁRIO: 1 – Introdução. 2- A Fazenda Pública. 3- Juros Legais. 3.1 Momentos de incidência. 3.2 Direito intertemporal. 3.3 Taxas de juros incidentes nas condenações da Fazenda Pública. 3.4 – Imputação em pagamento. 4 – Correção monetária. 4.1 Fatores aplicáveis. 5 – Reformatio in pejus. 6 – Síntese da atualização dos débitos da Administração Pública em virtude de decisão judicial e Conclusão.
RESUMO: Conquanto a jurisprudência das Cortes Superiores tenha definido os padrões decisórios em precedentes qualificados, a atualização das condenações daquela que é a maior litigante do país, segundo dados do CNJ, não perdeu seu apelo polêmico. A experiência tem demonstrado que ainda é relevante o enfrentamento da matéria, diante das muitas nuances do tema. O presente artigo propõe-se a tentar contribuir para a melhor compreensão dos consectários legais incidentes sobre tais condenações, porém, restrito a esfera de competência da Justiça Estadual.
Palavras-chave: Administração Pública; Juros; Correção monetária; Taxas e Fatores de correção; Evolução jurisprudencial.
ABSTRACT: Although the jurisprudence of the Superior Courts has defined the decision-making standards in qualified precedents, the updating of the convictions of the country’s greatest litigant, according to data from the CNJ, has not lost its controversial appeal. Experience has shown that tackling the issue is still relevant, given the many nuances of the topic. This article aims to contribute to a better understanding of the legal implications of such convictions, however, it is restricted to the sphere of competence of the State Court.
Keywords: Public administration; Fees; Monetary correction; Rates and correction factors; Jurisprudential evolution.
Introdução
“Mui bem pago já está quem satisfeito se declara”, declarou Pórcia após debelar a pretensão executiva de Shylock por uma libra de carne, porquanto nem uma gota de sangue seria devida[1].
A experiência tem demonstrado que muitas vezes, a satisfação no cumprimento da obrigação de pagar envolvendo a Fazenda Pública tem exigido mais do que uma libra de carne, pois enseja prejuízos sob a perspectiva da duração razoável do processo e da análise econômica do direito, em virtude de persistentes questionamentos e dúvidas no tocante à atualização da condenação, o que pode gerar retrabalho e contribuir para arrastar a conclusão do processo, a despeito da pacificação de suas nuances pela jurisprudência das Cortes Superiores, notadamente em precedentes qualificados.
Luiz Fux coloca-se com precisão ao ponderar que “a litigância é positiva apenas quando os benefícios da mudança de comportamento pelos indivíduos forem maiores que os recursos consumidos na operação do sistema de justiça” [2]. Daí a necessidade de se conferir atenção ao tema, evitando-se resistências infundadas diante dos efeitos vinculativos dos precedentes já analisados a respeito da matéria (art. 927 do CPC), concentrando-se os esforços em questões mais relevantes, considerando as alarmantes taxas de congestionamento do Poder Judiciário, consoante os dados recentes do relatório “Justiça em Números”[3] divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Fato é que a hiperinflação nos oito anos antes do Plano Real (1994), época em que se atingiu a marca de 2.500% (IPCA)[4], nunca deixa de nos impressionar. Essa realidade expõe a relevância da correta aplicação dos consectários legais, pois, embora a inflação nos últimos tempos esteja mais controlada, é necessário atentar com cautela para a correta e justa remuneração do capital, haja vista a enorme repercussão para todos os envolvidos na relação jurídica processual, notadamente quando a condenação envolve a Fazenda Pública, refletindo-se, em última análise, sobre toda a população, sobretudo quando se trata da maior litigante do país, segundo dados divulgados pelo CNJ[5] em outubro de 2023.
O intuito desse artigo é tentar de forma bastante simples concatenar o que já está estabelecido em precedentes qualificados e na jurisprudência como um todo, restringindo-se o escopo ao enfrentamento dos juros moratórios e da correção monetária incidentes sobre as condenações da Fazenda Pública na esfera de competência da Justiça Estadual.
Inicialmente, pontua-se brevemente quem exatamente se qualifica como Fazenda Pública. Após, empreende-se a análise da conceituação dos juros legais e da correção monetária, em ambos os casos avançando em breves considerações sobre as recentes alterações legislativas e jurisprudenciais das Cortes Superiores.
1 – A Fazenda Pública
Consoante Leonardo Carneiro da Cunha, o termo “Fazenda Pública”, tradicionalmente estaria relacionado a gestão e a implementação de políticas econômicas[6] que, com o passar do tempo, expandiu-se em alusão a Administração Pública Direta e Indireta, aí compreendidas autarquias, agências reguladoras e fundações públicas de direito público[7]. O autor expõe que:
“Na verdade, a palavra Fazenda Pública representa a personificação do Estado,2 abrangendo as pessoas jurídicas de direito público. No processo em que haja a presença de uma pessoa jurídica de direito público, esta pode ser designada, genericamente, de Fazenda Pública”[8].
Assim, estão excluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista[9] (art. 273 da CF), pois, conquanto vinculadas ao Estado, não possuem regime jurídico de Direito Público, sendo este o fator essencial para a qualificação como integrante da seleta Fazenda Pública. Também não integram o conceito os conselhos profissionais, conquanto se beneficiem das garantias típicas de direito público[10].
2 – Juros Legais
Os juros não possuem definição legal[11], mas é consenso que podem ser definidos como o “preço pelo uso do capital”[12] em dado período, com objetivo duplo “por um lado, promover a remuneração do credor pela privação de seu capital e, por outro, compensar-lhe pelo risco de sua não restituição”[13].
Decorrem do inadimplemento pontual do devedor e qualificam-se como frutos civis[14] e acessórios da obrigação principal. Como exposto pelo Superior Tribunal de Justiça na tese vinculada ao Tema 878, quando a verba principal é isenta, os juros também o serão, confira-se:
1.) Regra geral, os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda – Precedentes: REsp. n.º 1.227.133 – RS, REsp. n. 1.089.720 – RS e REsp. n.º 1.138.695 – SC;
2.) Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos emergentes – Precedente: RE n. 855.091 – RS;
3.) Escapam à regra geral de incidência do Imposto de Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do campo de incidência do IR – Precedente: REsp. n. 1.089.720 – RS.
Quanto à origem, os juros classificam-se em legais e convencionais. Os últimos estão fora do escopo deste artigo, porque são resultado de negócio jurídico estabelecido sob as bases do art. 104 do CC. Os juros legais sobressaem de evento previsto em lei para sua incidência e subdividem-se em moratórios e compensatórios. Mais uma vez, restringe-se o objeto de estudo aos juros moratórios, ex vi art. 389, 395 e 406 do CC c/c 161, §1º do CTN.
Na desapropriação (não analisada neste trabalho) é possível a incidência de juros moratórios sobre remuneratórios (súmula 102[15] do STJ) e a cumulação de juros compensatórios e moratórios, sem a capitalização (súmula 12[16] do STJ).
Não custa lembrar que os juros de mora (também a correção monetária) estão implícitos no pedido (art. 322, §1º do CPC). Há, portanto, exceção à regra prevista no art. 509, §4º do CPC. No ponto, destaca-se o Tema 235 do STJ, cuja tese destaca a possibilidade de inclusão da correção monetária de ofício, confira-se:
“A correção monetária é matéria de ordem pública, integrando o pedido de forma implícita, razão pela qual sua inclusão ex officio, pelo juiz ou tribunal, não caracteriza julgamento extra ou ultra petita, hipótese em que prescindível o princípio da congruência entre o pedido e a decisão judicial”.
Em âmbito local, a súmula 161 do TJRJ dispõe que:
“Questões atinentes a juros legais, correção monetária, prestações vincendas e condenação nas despesas processuais constituem matérias apreciáveis de ofício pelo Tribunal, ouvidas as partes, na forma do art. 10, do CPC/2015.”
O entendimento do STF é no sentido de que “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação” (súmula 254).
2.1 – Momentos de incidência
Como já mencionado, sem evidentemente pretender avançar no instigante estudo do inadimplemento das obrigações, a mora pode ser ex re ou ex personae (art. 397 do CC). A primeira se constitui de pleno direito após o implemento do termo previsto para adimplemento de obrigação positiva e líquida (caput do art. 397). Portanto, independe de notificação, consoante Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber:
“Significa dizer que dies interpellat pro homine: o advento da data produz a interpelação do devedor, dispensando qualquer ato da parte do credor. A prévia pactuação do termo já adverte o devedor acerca dos efeitos da inexecução no tempo indicado. Diz-se, então, que o caso é de mora ex re, derivando do próprio fato temporal.”[17].
No direito público, aplica-se esta lógica nos contratos em que prevista a incidência de juros legais ou os convencionais, os quais fluem do vencimento de dívida líquida.
A mora ex personae está prevista no parágrafo único do aludido dispositivo legal e, ao contrário, requer a interpelação judicial ou notificação do devedor para sua configuração, pois não há termo ou prazo preestabelecido para o cumprimento da obrigação. E, adotada a via judicial, a citação válida constituirá em mora o devedor (art. 240 do CPC c/c 202, I e 405 do CC), caso não exista fato anterior que a materialize (art. 202 do CC).
Observe-se, ainda, que, segundo o art. 407 do CC, os juros de mora são devidos “ainda que se não alegue prejuízo”, in verbis:
Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.
No ponto, a doutrina especializadíssima de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber elucida que:
“Assim, na hipótese em que não se promove a interpelação em momento anterior à ação judicial, apenas com a citação se constitui o devedor em mora. Entretanto, suponha-se que, naquele momento inicial em que se deflagra a jurisdição, não se tenha ainda – como ocorre em muitas controvérsias – o valor líquido da dívida, que somente será estabelecido e apurado ao final do processo, muitas vezes com ajuda de peritos, correspondendo ao valor da condenação. Nesses casos, aplica-se o art. 407 do Código Civil, que dispõe: “ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.” O Código Civil de 1916 trazia em seu art. 1.064 norma de redação idêntica à do art. 407, salvo pela expressão “desde que”, que era empregada onde, hoje, se lê “uma vez que”. A diferença, embora sutil, oculta longo debate na doutrina brasileira, voltado a “saber se a expressão legal ‘desde que’ é causal ou, ao invés, temporal”. À luz da legislação atual, a questão pode ser assim posta: os juros de mora deverão ser contados desde a citação, como determina o art. 405 do Código Civil (ou melhor, desde a constituição em mora do devedor), desde a data da perícia, ou da sentença que estabeleceu o valor líquido correspondente à condenação?
A análise da origem histórica do dispositivo revela que a preocupação que deu origem à emenda legislativa que acrescentou a parte final (contendo a locução “desde que”) ao art. 1.064 do Código Civil de 1916 consistia em esclarecer que a incidência dos juros não estaria restrita às obrigações de dinheiro, estendendo-se também às de outra natureza, o que somente seria possível, à evidência, por meio da fixação de seu valor pecuniário. Seu objeto, portanto, jamais foi a fixação de termo inicial dos juros de mora. Por isso que, justificadamente receoso da confusão que se poderia fazer com o termo inicial dos juros de mora, Clovis Bevilaqua esclarecia: “A locução ‘desde que’ (lhe esteja fixado o valor pecuniário) não indica o tempo da constituição em mora, e sim a determinação do que é necessário para que se possam contar juros das prestações, que não tem por objeto somas de dinheiro.”
A expressão “uma vez que” – que substituiu no Código atual a expressão “desde que” – não solucionou o problema, pois continua a sugerir que os juros de mora somente passariam a ser contados do momento de liquidação da obrigação, quando, em verdade, contam-se desde a configuração da mora. A constituição em mora tem como função precisamente assinalar o momento a partir do qual incidem os efeitos da mora, dentre os quais sobrelevam os juros. Nota-se que há considerável dificuldade em se admitir a fluência de juros relacionados à obrigação cujo objeto não se encontra previamente determinado, raciocínio que pressupõe a injustiça de responsabilizar o devedor que não pode cumprir sua obrigação, por desconhecê-la. Contudo, a imposição de pagamento dos juros de mora repousa na presunção de que a privação da prestação devida gera prejuízo ao credor, assim como pode representar, para o devedor, lucro ilícito, na medida em que proveniente da indevida disponibilidade de uma riqueza. Não há, portanto, qualquer arbitrariedade na opção legislativa de se contarem os juros em momento anterior à liquidação da obrigação. Assim, se a dívida já era exigível, tendo se instaurado por fato do devedor controvérsia acerca do seu quantum que vem a ser julgada favoravelmente ao credor, os juros de mora incidem desde a data em que o pagamento deveria ter sido efetuado, como já reconheceram os Tribunais Superiores em algumas oportunidades. Em definitivo, a liquidação da obrigação é apenas necessária como pressuposto lógico, e não temporal, do cálculo dos juros moratórios.”[18]
Em suma, tratando-se de mora ex personae, os juros fluem da constituição em mora do devedor, independentemente do momento da liquidação.
Na repetição do indébito tributário, os juros moratórios são contados a partir do trânsito em julgado, conforme preceitua o parágrafo único do art. 167 do CTN.
No caso de mora presumida (art. 398 do CC), decorrente da responsabilidade extracontratual ou aquiliana por atos ilícitos, os juros fluem do evento danoso (súmula 54[19] do STJ).
Conclui-se que nos casos de obrigação líquida ou decorrente de ato ilícito os juros fluem antes da citação (art. 405 do CC), porque reservada às relações contratuais.
2.2 – Direito intertemporal
Como já exposto, os juros de mora são frutos civis e, nessa condição, “reputam-se percebidos dia por dia” (art. 1.215 do CC). Há, portanto, direito aquirido em relação aos frutos pregressos (art. 6º, §2º da LINDB).
Em relação aos juros de mora vindouros, incide o princípio tempus regit actum, pois sua matriz de incidência não é outra, senão a lei vigente. Este o entendimento refletido nos Temas 176[20], 491[21] e 492[22] do STJ.
Recentemente, no julgamento do RE 1.317.982 (DJe 08/01/2024), o STF reforçou essa posição, ao prever a incidência das taxas de juros de mora supervenientes ao título executivo, afastando definitivamente as alegações de violação à coisa julgada (art. 5º, XXXVI da CF) ao estabelecer a seguinte tese (Tema 1170):
“Os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09 devem observar os critérios de atualização (correção monetária e juros) nela disciplinados, enquanto vigorarem. Por outro lado, no período anterior, tais acessórios deverão seguir os parâmetros definidos pela legislação então vigente”.
Abre-se parênteses apenas para destacar que, nos juros convencionais as taxas devem se manter as mesmas em razão ao ato jurídico perfeito[23] (art. 5º, XXXVI da CF).
2. 3 – Taxas de juros incidentes nas condenações da Fazenda Pública
No Código Civil de 1916 os juros de mora eram de 6% ao ano (art. 1062). O atual Código Civil de 2002 os elevou a 12% ao ano (art. 406). Nesse meio-tempo, foi publicada a Medida Provisória nº 2.180-35, em agosto de 2001[24], a qual incluiu o art. 1º-F na Lei nº 9.494/97, instituindo a taxa de 6% ao ano nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos.
Com o advento da Lei nº 11.960, de 29/06/2009 houve sensível alteração do disposto no art. 1º-F na Lei nº 9.494/97, pois, independentemente de sua natureza, os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança passaram a ser adotados nas condenações da Fazenda Pública. Como se verá com maior profundidade adiante, a norma foi objeto das ADIs 4357, 4425 e 5348, além do Tema 810 de repercussão geral do STF, prevalecendo apenas a aplicação da taxa de juros da poupança na espécie.
A Lei 8.177/91 versa sobre a remuneração da poupança e, originalmente, previa a taxa de juros de 6% ao ano. Entretanto, a partir de agosto de 2012, após a conversão da MP nº 567 na Lei nº 12.703, de 07/08/2012, o rendimento da poupança atrelou-se ao desempenho da taxa Selic.
Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:
I – como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD, no período transcorrido entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do crédito de rendimento, exclusive;
II – como remuneração adicional, por juros de:
a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou
b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos.
Ocorre que nova alteração normativa da matéria veio à tona com a promulgação da EC nº 113/2021 ao estabelecer que:
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Registre-se que tal dispositivo também teve a constitucionalidade questionada na ADI 7064, porém, sob a perspectiva da correção monetária, uma vez que a Selic é “índice instituído a partir de deliberação político-econômica a cargo do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (COPOM), que não possui como finalidade a atualização do poder de compra da moeda face à inflação”[25]. Ocorre que o argumento foi debelado pela Corte Suprema em acórdão publicado em 19/12/2023, como será explorado no enfrentamento da correção monetária.
Vale lembrar que a taxa de juros aplicável em débitos de natureza tributária é a utilizada para a cobrança do tributo pago em atraso (súmula 523[26] do STJ), tendo o Supremo Tribunal Federal reconhecido a possibilidade de que os Estados e o Distrito Federal possam legislar sobre índices de correção monetária e taxas de juros de mora incidentes sobre seus créditos fiscais, desde que observados os percentuais preestabelecidos pela União para os mesmos fins (Tema 1062[27] do STF).
2. 4 Imputação em Pagamento
Trata-se de instituto jurídico por meio do qual, havendo capital e juros, o pagamento imputa-se primeiro nos juros vencidos, posteriormente, no capital, salvo estipulação em sentido contrário ou se o credor passar a quitação por conta do capital (art. 354 do CC).
Em relação à Fazenda Pública prevalece a súmula 464 do STJ ao prever que “A regra de imputação de pagamentos estabelecida no art. 354 do Código Civil não se aplica às hipóteses de compensação tributária.”
O entendimento retroage na jurisprudência do STJ, destacando-se, ainda, que:
“No tocante à forma de apuração do valor devido no precatório complementar, esta Corte tem entendimento de que a regra de imputação de pagamento prevista no artigo 354 do CC deve incidir tão somente nos casos de conta destinada à expedição de precatório complementar para pagamento de valor que, devido à existência de erro material na primeira conta, não foi paga em sua integralidade; nos demais casos, de precatório complementar destinado ao pagamento de diferenças apuradas no período em que o valor do crédito, antes da alterações promovidas pela EC 30/2000, permanecia sem qualquer atualização monetária, não há sujeição ao referido regramento civil. Precedentes: REsp 1.106.575/PR, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 05/08/2009; REsp 688.725/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 19/11/2008”[28].
3 – Correção Monetária
A correção monetária, tal qual os juros de mora, é matéria de ordem pública (Tema 235 do STJ) e possui fundamento na necessidade de preservação do poder aquisitivo da moeda. Do mesmo modo, incide o princípio tempus regit actum, como consignado na ADPF 77[29] (DJe 05/05/2019) ao frisar que a superveniência de lei nova alterando os índices de correção monetária aplica-se imediatamente e que nisto não há violação ao art. 5º, XXXVI da CF.
3.1 – Fatores aplicáveis
Considerando que os limites objetivos do presente trabalho se limitam as condenações contra a Fazenda Pública no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, extrai-se de documento elaborado pela Corregedoria Geral de Justiça que:
“[…] por força da Lei Federal Nº 6899/1981, regulamentada pelo Decreto Nº 86649/1981, os débitos judiciais passaram a sofrer as devidas correções monetárias, instituindo-se, na época, o índice de correção ORTN.
Em março de 1986, a ORTN foi deflacionada e transformada na OTN, a qual foi extinta por intermédio da Lei Nº 7730/1989.
A partir de então, a correção dos débitos judiciais do Estado do Rio de Janeiro passou a ser regida por Provimentos. O primeiro deles, Provimento Nº 220/1989, expedido pela Corregedoria Geral da Justiça, determinou a correção pela BTN.
Com a extinção da BTN, o Conselho da Magistratura, em 1991, expediu os Provimentos 01 e 02, que estabeleceram a TRD como índice de correção.
Com a extinção da TRD, por força da Medida Provisória nº 319/1993, a Corregedoria-Geral da Justiça expediu o Provimento CGJ Nº 03/1993, que adotou, no lugar da TRD, a UFIR.
No ano 2000, a UFIR foi extinta. Consequentemente, o Governo do Estado, através do Decreto Nº 27518/2000, estabeleceu a UFIR/RJ como índice de correção estadual. A partir de então, o Tribunal de Justiça vem adotando esse índice (que, de fato, é idêntico, em termos de valores, à variação da UFIR) anualmente”.[30]
Com a entrada em vigor da Lei nº 11.960, em 30/06/2009 – conforme antecipado acima – houve sensível alteração do art. 1º-F[31] da Lei nº 9.494/97, determinando a aplicação da correção da poupança para as condenações impostas à Fazenda Pública independentemente de sua natureza, em suma, para qualquer condenação.
Assim, até a vigência da Lei 11.960/2009, a correção monetária judicial estava vinculada os índicesutilizados pela Corregedoria Geral de Justiça, ou seja, a UFIR-RJ que, a rigor, refletia o IPCA-E, conforme previsto no Decreto estadual nº 27.518/2000, in verbis:
Art. 2º A Secretaria de Estado de Fazenda e Controle Geral editará os atos que se fizerem necessários à implementação deste Decreto e fixará, a partir de 1º de janeiro de 2001, os valores da unidade fiscal a que se refere o artigo 1º, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) da Fundação Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), bem assim a periodicidade de suas atualizações.
Parágrafo único – No mês de janeiro de 2001 o valor da UFIR-RJ será fixado considerando-se a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2000.
Porém, no julgamento das ADIs 5357 e 4425[32] (DJe 19/12/2013), o STF declarou a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, por reproduzir as regras da EC nº 62/2009 quanto à vulneração do princípio da isonomia na atualização monetária. O julgamento, entretanto, estava circunscrito ao âmbito de atualização dos precatórios.
Posteriormente, em questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425 (DJe 04/08/2015), o STF modulou os efeitos do julgamento[33], determinando que:
“(…) fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (a) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E)”.
Sem embargo, não houve plena compreensão dos limites daquele precedente, sendo reproduzido por vozes respeitáveis[34] o entendimento de que a partir da entrada em vigor da Lei nº 11.960 em 29/06/2009 até a modulação de efeitos em 25/03/2015, a atualização das condenações impostas à Fazenda Pública deveria observar a matriz prevista no art. 5º daquela norma, ou seja, correção monetária e juros de mora pautados pelos índices aplicáveis à poupança. E, a partir de 26/03/2015, a correção correria pelo IPCA-E, mantidos os juros da poupança.
Tal dúvida foi definitivamente debelada no enfrentamento do RE nº 870.947 (DJe 20/11/2017), em que o STF fixou as seguintes teses (Tema 810), reativamente aos índices de atualização monetária aplicáveis em momento anterior à inscrição do crédito em precatório, confiram-se:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
Em suma, a Corte Suprema estabeleceu a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 no que diz respeito a incidência dos juros da poupança em relação a matéria tributária e no tocante à correção monetária de modo geral, afastando o fator de correção previsto na Lei nº 8177/91, reforçando a incidência do IPCA-E.
Em seguida, no julgamento da ADI 5348[35] (DJe 28/11/2019) o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, na redação dada pela Lei n. 11.960/2009, reafirmando o entendimento adotado no Tema 810.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o Tema 905 muito contribuiu sob a perspectiva da segurança jurídica ao estabelecer relevantíssimos padrões decisórios quanto às diferentes espécies de condenação da Fazenda Pública, confiram-se:
“1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza.
1.1 Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção monetária.
No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação apriorística) de taxa de atualização monetária. Do contrário, a decisão baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário.
1.2 Não cabimento de modulação dos efeitos da decisão.
A modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório.
2. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária.
3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.
3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral.
As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos:
(a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001;
(b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice;
(c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.
3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos.
As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E.
3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas.
No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital.
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
3.3 Condenações judiciais de natureza tributária.
A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.
4. Preservação da coisa julgada.
Não obstante os índices estabelecidos para atualização monetária e compensação da mora, de acordo com a natureza da condenação imposta à Fazenda Pública, cumpre ressalvar eventual coisa julgada que tenha determinado a aplicação de índices diversos, cuja constitucionalidade/legalidade há de ser aferida no caso concreto.
As condenações judiciais de natureza previdenciária, contudo, merecem maior reflexão. Isso porque não se pode partir da aplicação irrefletida do INPC – índice de reajuste dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social – às Fazendas Públicas dos Estados e Municípios, reportando-se apenas ao item 3.2 do Tema 905 do STJ.
Verdade é que o art. 15[36] da Lei nº 10.887/2004, que regulamenta a reforma previdenciária promovida pela EC nº 41/2003, estabeleceu que os proventos do funcionalismo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas as respectivas autarquias e fundações, submetem-se ao mesmo índice de reajuste previsto para o RGPS, no caso, o INPC (art. 41-A da Lei nº 8.213/91), com exceção dos alcançados pela paridade.
Entretanto, tal dispositivo encontrava-se com a eficácia suspensa desde setembro de 2011, quando foi deferida medida cautelar na ADI 4582, tendo o plenário do STF identificado vício formal consistente na violação da autonomia dos Entes Públicos subnacionais. A liminar confirmou-se no julgamento do mérito[37], conferindo-se interpretação conforme à Constituição ao art. 15 da Lei nº 10.887/2004, na redação conferida pela Lei nº 11.784/2008, restringindo-o a esfera da União.
Dessa forma, é descabida a aplicação automática do INPC como índice de reajuste das condenações da Fazenda Pública Estadual ou Municipal em matéria previdenciária (Regime Próprio de Previdência Social), como já acenavam louváveis julgados do TJRJ[38].
Em âmbito local, a Lei estadual nº 6.244/2012[39] adota o INPC como índice de atualização dos benefícios. Logo, nas ações de natureza previdenciária envolvendo a Fazenda Pública estadual, aplica-se o INPC. Por outro lado, na esfera municipal deve-se perquirir qual o índice de correção adotado, sob pena de perpetuar a transgressão ao precedente qualificado (art. 927, III do CPC) e, consequentemente, o enriquecimento sem causa para um dos polos da relação jurídica.
Como já mencionado, após a promulgação da EC 113/2019[40] a Selic passou a incidir como único índice de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, inclusive de precatórios, prevendo-se sua aplicação nas “discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza”.
Destaca-se, no ponto, que a irretroatividade do art. 3º da EC nº 113/2021 deve ser levada em conta, como defende Leonardo Carneiro da Cunha[41]. Vale dizer, a atualização ocorrerá pela Selic somente a partir de 9 de dezembro de 2021, início da vigência da EC 113/2021, alcançando apenas “os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima), não colhendo os fatos consumados no passado (retroatividade máxima)”[42].
Embora não seja o objetivo do artigo focar na atualização dos precatórios, não custa mencionar a Resolução CNJ nº 303/2019, na redação conferida pela Resolução CNJ nº 448/2022 também foram registrados os fatores de correção aplicáveis no decurso do tempo e a aplicação da Selic a partir de dezembro de 2021.
Note-se que o art. 3º da EC 113/2021 teve a constitucionalidade questionada na ADI 7064, sob a alegação de que não haveria justa correspondência com o fenômeno inflacionário, por ser fixada sob critério político-econômico a cargo do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil. Entretanto, prevaleceu o entendimento de que há compatibilidade da Selic com a Constituição Federal, pois, como consta da ementa, a “lei impõe como objetivo fundamental à autoridade monetária assegurar a estabilidade de preços (art. 1º da LC 179/21). Consectariamente, há elementos outros que não a mera vontade política para a fixação dos patamares da SELIC”[43].
A par disso e apenas para demonstrar que a matéria não é tão singela quanto parece, observa-se no STJ intensa divergência em relação a aplicação da Selic como único índice de correção de dívidas civis decorrentes de condenações havidas no âmbito do direito privado. Até a data de remessa deste artigo para publicação não constava a conclusão do julgamento do REsp nº 1.795.982 pela Corte Especial.
4- Reformatio in pejus
A necessidade de ajuste dos consectários legais pode advir do exame do recurso de apelação ou em remessa necessária. Porém, não poderá agravar a situação de qualquer recorrente, por força da vedação da reformatio in pejus, a qual, segundo Fredie Didier Jr., “decorre da conjugação do princípio dispositivo, da sucumbência como requisito de admissibilidade do recurso (CPC, art. 996) e, ainda, do efeito devolutivo”[44].
Em relação à Fazenda Pública, a proibição da reformatio in pejus encontra previsão na súmula 45 do STJ ao consignar que “No reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”.
A doutrina especializada de Leonardo Carneiro da Cunha[45] posiciona-se contrária a alteração de ofício do capítulo da sentença[46] concernente à atualização da condenação contra a Fazenda Pública, indicando em reforço argumentativo o Enunciado nº 34 aprovado no II Fórum Nacional do Poder Público ao prever que “Viola a proibição da reformatio in pejus o agravamento, em remessa necessária, dos juros e correção monetária estabelecidos em sentenças condenatórias contra a Fazenda Pública”[47].
Nada obstante, este entendimento não prevalece nas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, as quais sustentam que:
“(…) alteração dos índices de correção monetária e juros de mora, por se tratar de consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública, cognoscível de ofício, motivo pelo qual não prospera a alegação de ocorrência de reformatio in pejus (AgInt no REsp n. 1.895.569/SP, relatora Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 15/9/2022)”[48]–[49].
Conclusão
Do exposto, em se tratando da mora ex re os juros fluem do vencimento da obrigação. Tratando-se de responsabilidade extracontratual, do evento danoso (súmula 54 do STJ). Entretanto, se a mora é ex personae, contabilizam-se a partir da notificação ou interpelação judicial que, via de regra, ocorre com a citação (art. 240 do CPC).
A correção monetária incidirá a partir do vencimento de cada obrigação inadimplida ou desde o arbitramento, tendo em mira o teor da súmula 362[50] do STJ em relação a indenização por danos morais. As respectivas taxas e fatores de correção monetária aplicáveis as diversas hipóteses envolvendo a Administração Pública Direta, autarquias e fundações, já estão definidos no Tema 905 do STJ, cujas teses estão transcritas acima, observadas as nuances e exceções expostas no decorrer deste artigo.
Cuida-se de tema instigante que, evidentemente, supera os limites aqui empregados, pois deixou-se de esmiuçar, por exemplo, a atualização dos honorários sucumbenciais, no caso de desapropriação e dos créditos submetidos aos precatórios, temas que por si dão ensejo a outros artigos diante da necessidade de aprofundamento em suas muitas peculiaridades.
Como se percebe a relevância do tema – atualização da condenação da Fazenda Pública – está retratada no expressivo volume da litigância fazendária, em que diuturnamente os operadores do direito são convocados a revisitar as questões delineadas acima.
Espera-se ter contribuído, de alguma forma, como mais uma fonte de possível consulta dos principais aspectos da evolução jurisprudencial, ainda que de forma bastante simples e sintética.
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[1] William Shakespere em “O Mercador de Veneza”, Ato IV, Cena I.
[2] FUX, Luiz e BODART, Bruno, Processo Civil e Análise Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021, p. 36.
[3] < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/justica-em-numeros-2023.pdf > Acesso em 23/02/2024.
[4] < https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/antes-do-plano-real-inflacao-no-brasil-chegou-a-2-500-ao-ano > Ricardo Westin publicado em 02/02/2024. Acesso em 23/02/2024.
[5] < https://grandes-litigantes.stg.cloud.cnj.jus.br/ > Acesso em 22/02/2024.
[6] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro: Forense, 20ª ed., 2023. Edição Kindle, p. 64.
[7] RODRIGUES, Marco Antônio, A Fazenda Pública no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2016, p. 2-3.
[8] CUNHA, Leonardo Carneiro da, op. cit. p. 65.
[9] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz e MITIDIERO, Daniel, Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2ªed., 2016, p. 655; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 534, In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 846.
[10] RODRIGUES, Marco Antônio, op. cit.
[11] RODRIGUES, Rodrigo Cordeiro de Souza, Juros e Correção Monetária Judiciais. Salvador: JusPodivm, 3ª ed., 2023, p.32.
[12] TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin, Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, 2ª ed., p 741.
[13] Idem.
[14] Idem.
[15] A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei.
[16] Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios.
[17] TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson, Fundamentos do Direito Civil – Obrigações, vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021. E-Book.
[18] TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson, idem.
[19] Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.
[20] STJ, Tema 176 – “Tendo sido a sentença exequenda prolatada anteriormente à entrada em vigor do Novo Código Civil, fixado juros de 6% ao ano, correto o entendimento do Tribunal de origem ao determinar a incidência de juros de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, a partir de então, da taxa a que alude o art. 406 do Novo CC, conclusão que não caracteriza qualquer violação à coisa julgada”.
[21] STJ, Temas 491 – “Os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09 devem observar os critérios de atualização (correção monetária e juros) nela disciplinados, enquanto vigorarem. Por outro lado, no período anterior, tais acessórios deverão seguir os parâmetros definidos pela legislação então vigente”.
[22] STJ, Tema 492 – “Os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09 devem observar os critérios de atualização (correção monetária e juros) nela disciplinados, enquanto vigorarem. Por outro lado, no período anterior, tais acessórios deverão seguir os parâmetros definidos pela legislação então vigente”.
[23] Op. cit.
[24] A partir da Emenda Constitucional nº 32/2001 “é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo” (art. 62, §10 da CF). A súmula vinculante nº 54 prevê que “A medida provisória não apreciada pelo congresso nacional podia, até a Emenda Constitucional 32/2001, ser reeditada dentro do seu prazo de eficácia de trinta dias, mantidos os efeitos de lei desde a primeira edição”.
[25] MOREIRA, Egon Bockmann, GRUPENMACHER, Betina Treiger, KANAYAMA, Rodrigo Luís e AGOTTANI, Diogo Zelak, Precatórios – O seu novo regime jurídico. São Paulo: RT, 4ª ed., 2022, p. 107.
[26] “A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.”
[27] “Os estados-membros e o Distrito Federal podem legislar sobre índices de correção monetária e taxas de juros de mora incidentes sobre seus créditos fiscais, limitando-se, porém, aos percentuais estabelecidos pela União para os mesmos fins”.
[28] STJ AgRg no REsp 1098276/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 9.12.2010.
[29] Tese: É constitucional o art. 38 da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994, não importando a aplicação imediata desse dispositivo violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
[30] ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: https://cgj.tjrj.jus.br/documents/1017893/1103721/duvidas-frequentes-custas.pdf . Acesso em 14/02/2024. Também disponível em: https://cgj.tjrj.jus.br/servicos/fatores-correcao-monetaria. Acesso em 14/02/2024.
[31] Art. 5º O art. 1º-F da Lei no 9.494, de 10 de setembro de 1997, introduzido pelo art. 4o da Medida Provisória no 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”
[32] Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE INTERSTÍCIO CONSTITUCIONAL MÍNIMO ENTRE OS DOIS TURNOS DE VOTAÇÃO DE EMENDAS À LEI MAIOR (CF, ART. 60, §2º). CONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE “SUPERPREFERÊNCIA” A CREDORES DE VERBAS ALIMENTÍCIAS QUANDO IDOSOS OU PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À PROPORCIONALIDADE. INVALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO DA PREFERÊNCIA A IDOSOS QUE COMPLETEM 60 (SESSENTA) ANOS ATÉ A EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS EM PROVEITO EXCLUSIVO DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARAÇO À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO (CF, ART. 5º, XXXV), DESRESPEITO À COISA JULGADA MATERIAL (CF, ART. 5º XXXVI), OFENSA À SEPARAÇÃO DOS PODERES (CF, ART. 2º) E ULTRAJE À ISONOMIA ENTRE O ESTADO E O PARTICULAR (CF, ART. 1º, CAPUT, C/C ART. 5º, CAPUT). IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUNDOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO. OFENSA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO (CF, ART. 1º, CAPUT), AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (CF, ART. 2º), AO POSTULADO DA ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT), À GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA E A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL (CF, ART. 5º, XXXV) E AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE. 1. A Constituição Federal de 1988 não fixou um intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação para fins de aprovação de emendas à Constituição (CF, art. 62, §2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior. A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira. 2. O pagamento prioritário, até certo limite, de precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela Emenda Constitucional nº 62/2009. 3. A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, §2º, da CF, com redação dada pela EC nº 62/09, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento. 4. O regime de compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/09, embaraça a efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), desrespeita a coisa julgada material (CF, art. 5º, XXXVI), vulnera a Separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofende a isonomia entre o Poder Público e o particular (CF, art. 5º, caput), cânone essencial do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput). 5. A atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança viola o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período). 6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário. 7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra. 8. O regime “especial” de pagamento de precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). 9. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte.
(ADI 4425, Relator(a): AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14-03-2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-251 DIVULG 18-12-2013 PUBLIC 19-12-2013 RTJ VOL-00227-01 PP-00125)
[33] Ementa: QUESTÃO DE ORDEM. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DE DECISÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE (LEI 9.868/99, ART. 27). POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE ACOMODAÇÃO OTIMIZADA DE VALORES CONSTITUCIONAIS CONFLITANTES. PRECEDENTES DO STF. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. EXISTÊNCIA DE RAZÕES DE SEGURANÇA JURÍDICA QUE JUSTIFICAM A MANUTENÇÃO TEMPORÁRIA DO REGIME ESPECIAL NOS TERMOS EM QUE DECIDIDO PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. A modulação temporal das decisões em controle judicial de constitucionalidade decorre diretamente da Carta de 1988 ao consubstanciar instrumento voltado à acomodação otimizada entre o princípio da nulidade das leis inconstitucionais e outros valores constitucionais relevantes, notadamente a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima, além de encontrar lastro também no plano infraconstitucional (Lei nº 9.868/99, art. 27). Precedentes do STF: ADI nº 2.240; ADI nº 2.501; ADI nº 2.904; ADI nº 2.907; ADI nº 3.022; ADI nº 3.315; ADI nº 3.316; ADI nº 3.430; ADI nº 3.458; ADI nº 3.489; ADI nº 3.660; ADI nº 3.682; ADI nº 3.689; ADI nº 3.819; ADI nº 4.001; ADI nº 4.009; ADI nº 4.029.
2. In casu, modulam-se os efeitos das decisões declaratórias de inconstitucionalidade proferidas nas ADIs nº 4.357 e 4.425 para manter a vigência do regime especial de pagamento de precatórios instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009 por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016.
3. Confere-se eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber: (i) fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (a) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e (b) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e (ii) ficam resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº 12.919/13 e nº 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária.
4. Quanto às formas alternativas de pagamento previstas no regime especial: (i) consideram-se válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009, desde que realizados até 25.03.2015, data a partir da qual não será possível a quitação de precatórios por tais modalidades; (ii) fica mantida a possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores e de acordo com lei própria da entidade devedora, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado.
5. Durante o período fixado no item 2 acima, ficam mantidas (i) a vinculação de percentuais mínimos da receita corrente líquida ao pagamento dos precatórios (art. 97, § 10, do ADCT) e (ii) as sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao pagamento de precatórios (art. 97, §10, do ADCT).
6. Delega-se competência ao Conselho Nacional de Justiça para que considere a apresentação de proposta normativa que discipline (i) a utilização compulsória de 50% dos recursos da conta de depósitos judiciais tributários para o pagamento de precatórios e (ii) a possibilidade de compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25.03.2015, por opção do credor do precatório.
7. Atribui-se competência ao Conselho Nacional de Justiça para que monitore e supervisione o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma da presente decisão.
(ADI 4425 QO, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 25-03-2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-152 DIVULG 03-08-2015 PUBLIC 04-08-2015)
[34] AgRg no REsp n. 903.202/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 18/8/2015, DJe de 3/9/2015; AC 0056576-25.2011.8.19.0001, relator Des. Cláudio Luiz Braga Dell´orto, 18ª Câmara Cível do TJRJ, Julgamento em 07/06/2017; AC 0473574-03.2011.8.19.0001, relatora Des. Mônica Maria Costa do Piero, 8ª Câmara Cível do TJRJ, Julgamento em 14/11/2017.
[35] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997, ALTERADO PELA LEI N. 11.960/2009. ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA EM CONDENAÇÕES DA FAZENDA PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Este Supremo Tribunal declarou inconstitucional o índice de remuneração da caderneta de poupança como critério de correção monetária em condenações judiciais da Fazenda Pública ao decidir o Recurso Extraordinário n. 870.947, com repercussão geral (Tema 810). 2. Assentou-se que a norma do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, pela qual se estabelece a aplicação dos índices oficiais de remuneração da caderneta de poupança para atualização monetária nas condenações da Fazenda Pública, configura restrição desproporcional ao direito fundamental de propriedade. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
(ADI 5348, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11-11-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 27-11-2019 PUBLIC 28-11-2019)
[36] Art. 15. Os proventos de aposentadoria e as pensões de que tratam os arts. 1º e 2º desta Lei serão reajustados, a partir de janeiro de 2008, na mesma data e índice em que se der o reajuste dos benefícios do regime geral de previdência social, ressalvados os beneficiados pela garantia de paridade de revisão de proventos de aposentadoria e pensões de acordo com a legislação vigente. (Redação dada pela Lei nº 11.784, de 2008)
[37] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. LEI Nº 10.887, DE 2004. LEI Nº 11.784, DE 2008. NORMA GERAL SOBRE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AUTONOMIA FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA DOS ESTADOS. FIXAÇÃO DE TEMPO E ÍNDICE PARA O REAJUSTE DE BENEFÍCIOS NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. EXTRAVASAMENTO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE PELA UNIÃO. VÍCIO FORMAL: CARACTERIZADO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA E GARANTIA À REVISÃO GERAL ANUAL DE VENCIMENTOS. VÍCIO MATERIAL: NÃO CARACTERIZADO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. RESTRIÇÃO DA APLICABILIDADE DO PRECEITO AOS SERVIDORES ATIVOS E INATIVOS E PENSIONISTAS DA UNIÃO. CONFIRMAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR. 1. A questão jurídica controvertida posta nesta ação direta de inconstitucionalidade consiste em saber se é constitucional lei federal que determina a todos os entes federados mantenedores de regimes próprios da previdência social a realização de reajustes dos proventos, na mesma data e índice em que se der o reacerto dos benefícios do regime geral, excetuados os beneficiados pela garantia da paridade. 2. Por afrontar a autonomia constitucional de Estado-membro e a repartição constitucional de competências legislativas, é formalmente inconstitucional lei federal que determina a todos os entes federados mantenedores de regimes próprios da previdência social a realização de reajustes, na mesma data e índice em que se der o reacerto dos benefícios do regime geral, ressalvado os casos de beneficiários agraciados pela paridade. 3. Na esteira da técnica decisória da interpretação conforme à Constituição, não há inconstitucionalidade no objeto, por vício formal, caso se considere que a lei impugnada dirige-se unicamente à União, havendo, assim, uma vinculação entre o RGPS e o regime próprio de previdência social em nível federal. 4. Não viola o princípio da igualdade ou a garantia fundamental à revisão geral anual de vencimentos, porque o objeto atacado almeja salvaguardar situações constituídas, excetuando do programa normativo os beneficiados pela garantia de paridade na revisão de proventos e pensões, nos termos da legislação regente. 5. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e, no mérito, julgada procedente, com confirmação da medida cautelar.
(ADI 4582, Relator(a): ANDRÉ MENDONÇA, Tribunal Pleno, julgado em 03-11-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-236 DIVULG 21-11-2022 PUBLIC 22-11-2022)
[38] AC 0018124-26.2023.8.19.0000, relator Des. CLAUDIO BRANDÃO DE OLIVEIRA, 4ª Câmara de Direito Público do TJRJ, Julgamento em 09/11/2023.
[39] Art. 1º Os proventos de aposentadoria e as pensões previdenciárias aos quais seja aplicável o disposto no § 8º, do art. 40, da Constituição da Republica Federativa do Brasil, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 41, de 19 de dezembro de 2003, sem a garantia da paridade, deverão ser reajustados anualmente, na data-base de 01 de janeiro, pelo Índice Nacional e Preços ao Consumidor – INPC, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
[40] Emenda Constitucional nº 113/2021, Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
[41] CUNHA, Leonardo Carneiro, A taxa Selic e a irretroatividade da EC 113/2021. CONJUR, publicado 07/03/2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mar-07/direito-civil-atual-taxa-selic-irretroatividade-ec-1132021/. Acesso em 23/02/2024.
[42] Op cit.
[43] STF, Pleno, ADI 7060, rel. Min. Luiz Fux, DJe 19/12/2023.
[44] DIDIER JR, Fredie e CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, vol. 3. Salvador: JusPodivm, 13ª ed., 2016, p. 268.
[45] CUNHA, Leonardo Carneiro da, A Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro: Forense, 20ª ed., 2023, Versão Kindle, p. 402.
[46] DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos da Sentença. São Paulo: Malheiros, 3ª ed., 2008, p. 43.
[47] < https://forumfnpp.wixsite.com/fnpp/enunciados-aprovados-i-fnpp > Acesso em 23/02/2024.
[48] STJ, AgInt no REsp n. 1.690.956/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 23/1/2024.
[49] STJ, AgInt no REsp n. 1.935.343/DF, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 11/2/2022.
[50] A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.
*Pós-graduada em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
Servidora do TJRJ
Mestranda em Direito Processual na UERJ
elisabethrtiburcio@hotmail.com