ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EM UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NA REGIÃO AMAZÔNICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7829295


Ana Clara da Silva Rocha Gonçalves1
Vinícius Alves Fontenele de Carvalho 2
Nikolli Evelyn Gubert3


Resumo: Os conhecimentos acerca da atuação do Psicólogo no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é disseminada a partir do viés de normativas como CREPOP e legislações que predizem os deveres desses profissionais na atenção básica de saúde, portanto, foi realizada uma pesquisa documental e de campo juntamente com psicólogos do CAPS – Madeira Mamoré em Porto Velho-RO, com a intenção de aferir quais pontos se diferenciam e se igualam as normativas de atuação. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas para descrever e indagar qual a realidade da prática profissional, elucidando os pontos principais que diferenciam a teoria da prática.

Palavras-chaves: Atuação, Psicólogo, CAPS, normativas.

1  INTRODUÇÃO

A psicologia como ciência e profissão é relativamente nova, diante deste fato, constatou-se que ainda existe pouca informação sobre quais os desafios encontrados pelos psicólogos recém-formados qual limite entre o aprendido na teoria entre a realidade da prática, considerando o despreparo e dificuldades encontradas por profissionais na saúde básica pública, com cenários que muitas vezes não condizem com o conhecimento teórico que lhes é disponibilizado e determinado pelas normativas de atuação da profissão.

Diante desses fatores, o objetivo da presente pesquisa focou em identificar quais as interfaces entre a formação em psicologia e a atuação do psicólogo no Centro de Atenção Psicossocial-Madeira Mamoré (CAPS), e se sua atuação condiz com o determinado pelo Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP).

2  REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Breve histórico da profissão

Em 1879, na Alemanha, Wilhelm Wundt abriu o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental, que foi incorporado pouco depois, à Universidade de Leipzig. Os homens mais eminentes da nova ciência, como Kraepelin, Lehmann, Neumann; Hall, Titchener, Warren, entre outros, formaram-se neste laboratório. O trabalho intenso de pesquisa que foi executado lá e a obra de Wundt, através de seus alunos, tiveram grandes influências, em diversos países (SOARES, 2010).

No Brasil, a profissão de psicólogo foi regulamentada a pouco mais de 50 anos, no ano de 1962. Entretanto, a psicologia, enquanto ciência, já fazia parte da vida dos brasileiros desde a época em que o Brasil foi colonizado (GOMES, 2012).

A regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, em 1962, ao definir não só as condições de formação, mas também as áreas de domínio prático que viriam a ser consideradas privativas do profissional marca o reconhecimento da existência de um lugar para o psicólogo na divisão social e técnica do trabalho. Não que não existissem entre nós, no período anterior à lei, profissionais praticando a Psicologia nas mais diversas instituições (CAMPOS, 2012).

A chamada Terceira Revolução Industrial mudou drasticamente o nosso modo de vida, e o aumento da busca pelo setor de serviços mudou a feição das grandes cidades (e posteriormente das pequenas cidades também). O novo estilo de vida que as novas relações de trabalho proporcionaram exacerbou o individualismo que já era presente no estilo de vida do pós-guerra, e, ao mesmo tempo, com o crescimento extraordinário da tecnologia da informação, tornou a mudança de um campo de valores tradicionais para o da troca constante como símbolo da modernidade.

Os processos subjetivos passaram a ser pautados pelos meios de comunicação e transformaram-se em mercado de consumo nas mais variadas formas: dos talk-shows aos programas estilo Big Brother; dos livros de autoajuda aos encontros de grupos motivacionais; das religiões meditativas às práticas de terapias alternativas, enfim, da cotidianização da contracultura e da institucionalização da busca interior, colocaram a subjetividade na ordem do dia, e a Psicologia era o campo científico e profissional mais qualificado para falar e para atuar sobre esse assunto. Assim, nossos pioneiros souberam aproveitar o espírito da época que ainda estava em formação e anteciparam-se à onda subjetivista que perdura até os dias de hoje (FURTADO, 2012).

Os psicólogos foram chamados a organizar a gestão de pessoas, as seleções de profissionais, a realizar a avaliação de desempenho, etc. Cresceu de maneira significativa o polo organizacional, e, depois do consultório, esse passou a ser o maior setor de ocupação dos psicólogos no período (FURTADO, 2012).

As três áreas tradicionais de atuação em psicologia estão associadas a atividades específicas de cada um destes contextos: clínica, escolar e industrial. A área clínica esteve historicamente associada ao exercício autônomo das atividades de psicoterapia e psicodiagnóstico, cujo foco, conforme previsto pela lei, é o tratamento psicológico e a solução de problemas de ajustamento. Mais recentemente, passou-se a dar ênfase ao papel do psicólogo clínico na promoção do bem estar subjetivo e psicológico (BASTOS, 1988).

2.2  Por uma sociedade sem manicômios

Amarantes (1999) considera como reforma psiquiátrica todo um processo histórico constituído de formulações críticas e práticas, com objetivos e estratégias que questionem e elaborem propostas que transformaram o modelo considerado clássico e do paradigma psiquiátrico.

Para entender a reforma psiquiátrica é necessário entender o contexto histórico   no qual deu-se início às mudanças. Partindo deste pressuposto, Birman e Costa (1992) contextualizam que a II Guerra teve um papel fundamental na política mundial e gerou grandes feridas nas estruturas econômicas. Por conta do cenário instituído na época, os padrões de vida se tornaram absurdamente elevados, consequentemente aumentando o número de pessoas internadas em asilos. “Estima-se que somente na França, cerca de quarenta mil pessoas com algum transtorno mental internados em asilos, tenham morrido por inanição ou maus tratos.” (BIRMAN; COSTA, 1992, p.46).

Rotelli (2001) cita que devemos ir além do limiar material e mudar também a forma que lidamos com a loucura, desmontando a lógica de intervenção baseada na relação “problema-solução”, analisando o paciente com sua relação como um ser social. Sendo que, práticas manicomiais estão alocadas em nossos ideais, dessa forma, Baptista (2003), explica a confusão que pode ser feita ao associarmos Reforma Psiquiátrica como uma transferência de instituições psiquiátricas para outro espaço com muros, sendo necessária a constante reflexão acerca de posicionamentos que venhamos a tomar com o conceito de institucionalização.

O movimento nacional da luta antimanicomial é uma instância política inscrita num processo mais amplo de transformações sociais, cujo front consiste no combate às formas de exclusão que tomam a loucura como objeto front radical, na medida em que estas formas de exclusão relativas à loucura resumem formas muito poderosas de exclusão operantes em nossa cultura (LOBOSQUE, 2001).

Com alguns eventos marcantes conseguintes, como a 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986 que contribuiu para a criação de um Sistema Único de Saúde Universal que mais tarde resultaria no Sistema Único de Saúde (SUS), além é claro, da Constituição Federal de 1988. A Luta Antimanicomial favoreceu ainda a criação da lei 10.216/2001, a Lei da Reforma Psiquiátrica, dispondo dos direitos de pessoas com transtornos mentais e os redireciona a serviços substitutivos ao asilamento, contraponto a institucionalização como exemplos, os Centro de Atenção Psicossocial – CAPS (AMARANTE, 1995 apud CARDOSO, 2017).

Segundo o Manual para Centros de Atenção Psicossocial (2004) os CAPS, regulamentados pela portaria 336/GM em 19 de fevereiro de 2002, são os mais essenciais tipos de serviço extra-hospitalar, com demandas de atendimento para pessoas com transtornos extremos e severos. Agindo como substituto de instituições psiquiátricas, os Centros Psicossociais usam uma forma articulada de tratamento, onde busca a reinserção de pacientes na sociedade por meio de atividades como o acesso ao trabalho, lazer e exercício dos seus direitos a fim de que os mesmo se apoderem de sua identidade, valorizando suas ideias e possibilitando a participação e contratualidade real como formas de reabilitação.

De acordo com Vilhena Rosa (2012), conforme citado por Cardoso (2017), como um objeto da política a assistência à saúde mental, o CAPS tem como objetivo maior a desinstitucionalização, mesmo que com dificuldades para ultrapassar os ideais de exclusão e aprisionamento além de dificuldades em questões administrativas como a escassez de recursos, excesso de demanda e até mesmo a falha de comunicação com a sociedade e demais serviços de assistência psicossociais. Carregando ainda o peso e ser um serviço público, os Centros Psicossociais acabam por ficarem paralisados em burocracias, que impedem inovações e alterações culturais, sendo necessário admitir que os avanços ocorram lentamente. Tendo em vista a existência de problemas que excedem os limites da saúde mental, de políticas da saúde, sendo a falta de políticas públicas que proporcionem o acesso aos cidadãos ao direito de todos, sendo segundo Dimenstein (2009) os obstáculos da constituição de cidadania não são diretamente relacionados à determinada condição mental, e sim a questão social, visto que parte da população não é incluída a condição de cidadão (apud CARDOSO, 2017).

2.3 Atuação do Psicólogo no CAPS

Cresceu substancialmente a participação de psicólogos em equipes multidisciplinares de saúde, como por exemplo, nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) e possuem como objetivos principais a minimização das internações de pacientes com transtornos mentais e o favorecimento de sua integração na comunidade e na família (BASTOS, 2010).

Tornou-se rotineiro afirmar que nos serviços substitutivos ocorre uma prática inventiva, desinstitucionalizadora. E isto é uma verdade absoluta. Nos CAPS muito do que é feito, uma grande parte da experiência do cotidiano dos técnicos, familiares e usuários não encontra referência em nenhuma teoria ou disciplina. Com isso, pode-se afirmar, portanto, que em essência a prática no CAPS é um combate entre a tradição e a invenção, a construção do novo na negação do velho (CREPOP, 2013).

Desinstitucionalizar a prática implica em abandonar o manicômio como causa, como sentido lógico que prescreve modos de vida limitados, anônimos e sem voz. E para isso não há manual ou código de conduta, mas há uma ética. A ética da liberdade. E há saber. Saber que quase nada se sabe e que o outro, o louco, pode e deve nos orientar quanto às possibilidades de saída para sua dor (CREPOP, 2013. p. 104).

Mais do que qualquer outro recurso, o que a prática nos CAPS revela de mais potente é que o vínculo é o recurso que melhor trata o sofrimento. É este vínculo, que reveste todos os recursos disponíveis e possíveis de serem utilizados de sentido terapêutico e os tornam potentes na resposta. Logo, um remédio tem tanto valor de alívio quanto um simples passeio, ou uma festa, ou ainda, a conquista de condições dignas de vida, a elaboração ou a subjetivação da experiência do sofrimento e a construção de um saber sobre a mesma (CREPOP, 2013).

3  METODOLOGIA

Para a coleta de dados foi realizada pesquisa documental a partir da análise dos documentos do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), com o intuito de pautar o que é proposto no que diz respeito à atuação do Psicólogo no CAPS. Também foi realizado um estudo de campo, onde foi realizado uma entrevista semi-estruturada, com questionários elaborado e executado com dois dos cinco Psicólogos atuantes no CAPS – Madeira Mamoré com a intenção de comparar sua atuação no CAPS com o que lhes é proposto pelo CREPOP.

3  RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para a obtenção dos resultados foram entrevistadas duas psicólogas, sendo a primeira com maior tempo de experiência antes de se tornar servidora pública e com mais tempo de atuação dentro do CAPS. A outra entrevistada possuía cerca de apenas três anos de atuação dentro do Centro de Apoio, sendo possível assim encontrar diferenças nos resultados de cada uma. Como forma de facilitar o entendimento das duas entrevistas, a psicóloga com maior experiência será denominada “entrevistada 1”, e a com mais recente atuação será “entrevistada 2”.

Quando as entrevistadas foram questionadas acerca dos desafios encontrados ao sair da graduação e se deparar com a realidade do CAPS acabamos nos deparando com certo conflito de respostas, considerando as variáveis de que uma psicóloga já carregava um considerável tempo atuando no CAPS e a outra com apenas três anos de atuação no mesmo, além do tempo de atuação que antecedeu o CAPS, temos então:

A entrevistada 1 respondeu que não encontrou muitas dificuldades por já haver tido aulas práticas de psicopatologia e estágios em instituições psiquiátricas e mencionou apenas certa dificuldade no espaço físico do mesmo. Já a entrevistada 2 respondeu que as dificuldades encontradas foram na área de psicopatologia pois a mesma sabia o mínimo necessário e é muito exigido no dia a dia. Além de intervenção para caso grave com vertente para três doenças, sendo, humor bipolar, risco suicida e esquizofrenia.

Quando questionadas sobre as principais teorias vistas na graduação que se adequam a rotina em seus atendimentos foram encontradas as seguintes respostas:

Entrevistada 1 respondeu que foram: psicopatologia, neuroanatomia, antropologia cultural e psicologia social. Já a entrevistada 2 respondeu que, disciplinas sobre a saúde pública, psicopatologia, estágios em atendimento clínico e a anamnese são as principais teorias utilizadas.

4  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Baseando-se nos resultados obtidos, concluiu-se que conhecimentos breves dentro do campo da psicopatologia, é um dos requisitos essenciais na formação e na preparação do Psicólogo para sua atuação no CAPS. A partir da análise de dados é indiscutível a importância do conhecimento teórico, porém a experiência prática na graduação é um fator determinante na preparação do psicólogo que atuará no CAPS. Outro ponto a se considerar é a discrepância entre o tempo de formação da entrevistada 1 e da entrevistada 2, bem como as mudanças ocorridas no curso de psicologia desde a graduação da entrevistada 1, visto que a mesma dispunha de professores de áreas como a psiquiatria e de práticas com enfoque em casos graves. Já a entrevistada 2 que possui uma formação relativamente recente, declarou certa dificuldade no início de sua atuação no CAPS, pois, sua formação teve como enfoque a teoria, diferentemente da entrevistada 1.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Loucos pela vida: A trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil. 2ª edição, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 1995.

AMARANTE, P.D.C. Franco Basaglia: novas histórias para a desinstitucionalização. In: O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1996, p. 65-106.

BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Diário Oficial da União, abr. 2001.

BASTOS, A. V. B., Godim, S. M. G. O trabalho do psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2010.

BRASIL, Ministério da saúde. Secretaria de atenção à saúde. Saúde mental no sus: os centros de atenção psicossocial. Brasília, 2004.

BRITO, L. de S.; DANTAS, Jurema Barros. Plantão psicológico: ampliando possibilidades de escuta. 2016.

CARDOSO,   da    Silva    Janaína.    A    relação    do    CAPS    com    o    paradigma    da desinstitucionalização. São Luís: UFMA, 2017.

CENTRO DE REFERÊNCIA TÉCNICA EM PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS

(CREPOP). Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogas(os) no CAPS – Centro de Atenção Psicossocial. Brasília: CFP, jul. 2013.

Conselho Federal de Psicologia Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) no CAPS – Centro de Atenção Psicossocial / Conselho Federal de Psicologia Brasília: CFP, 2013.

GOMES, Christiane. 2012 marca os 50 anos da regulamentação da Psicologia no Brasil. 2012.

JOEL, Birman; COSTA, Jurandir Freire. Organização de instituições para uma psiquiatria comunitária. Psiquiatria social e reforma psiquiátrica, p. 41-72, 1994.

LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn; RODRIGUES, Jefferson. O movimento antimanicomial no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, p. 399-407, 2007.

MACEDO, J. P. & DIMENSTEIN, M. (2012). A reforma psiquiátrica em contextos periféricos: o Piauí em análise. Memorandum, 22, 138-164. Disponível in http://www.fafich.ufmg.br/memorandum/a22/macedodimenstein01. Acesso in 26/09/2018

ROSA, Carlos Mendes, VILHENA, Júnia de. Do manicômio ao caps da contenção (im)piedosa à. responsabilização. Barbarói, Santa Cruz do Sul, n.37, jul./dez. 2012.

ROTELLI, F., et. al. Desinstitucionalização, uma outra via. In: NICÁCIO, F. (org.) Desinstitucionalização. 2ª ed. São Paulo: HUCITEC, 2001.

SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A.; RUIZ, P. Compêndio de Psiquiatria-: Ciência  do Comportamento e Psiquiatria Clínica. Artmed Editora, 2016.

SERAPIONI, M.. Franco Basaglia: biografia de um revolucionário. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.26, n.4, out.-dez. 2019, p.1169- 1187.

SCARCELLI, I. R. Entre o hospício e a cidade: dilemas no campo da saúde mental. São Paulo: Zagodoni Editora, 2011.


1 Aluna do curso de Psicologia no Centro Universitário São Lucas – UNISL – Porto Velho/RO, Email: anaclarasrg@gmail.com
2 Aluno do curso de Psicologia no Centro Universitário São Lucas – UNISL – Porto Velho/RO, Email: vinifonty@gmail.com
3 Orientadora e docente do curso de Psicologia no Centro Universitário São Lucas – UNISL – Porto Velho/RO, Email: nikolli.gubert@saolucas.edu.br