ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: ANÁLISE DAS MEDIDAS JURÍDICAS DE PREVENCÃO E COMBATE NO ÂMBITO DO DIREITO BRASILEIRO

MORAL HARASSMENT AT WORK: ANALYSIS OF LEGAL PREVENTION AND COMBAT MEASURES IN THE CONTEXT OF BRAZILIAN LAW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10049185


Kennedy Sousa da Silva1
Shâmya Caroline Sousa Nunes2


RESUMO: O presente artigo científico tem como objetivo demonstrar o conceito de assédio moral no âmbito do trabalho, bem como suas tipologias, destacando a relevância do tema na área jurídica. Além disso, pretende-se realizar uma análise sobre o surgimento do assédio moral no ambiente laboral e discutir suas consequências, tanto físicas quanto psicológicas, para a vítima da agressão. Serão abordadas as providências que o legislador tem adotado para a proteção do trabalhador brasileiro contra esse ato ilícito e imoral que é o assédio moral. Adicionalmente, será enfatizado o delineamento das consequências atribuídas à pessoa que pratica o assédio moral no âmbito do trabalho. Do ponto de vista teórico metodológico, adotou-se a pesquisa bibliográfica, fazendo uso de sites eletrônicos, livros e artigos científicos. Quanto ao método de abordagem, foi adotada a abordagem qualitativa, com o intuito de compreender como o assédio moral se estabelece, suas repercussões na saúde da vítima e a postura adotada pelo judiciário. O fenômeno do assédio moral organizacional tem sua origem no uso abusivo do poder diretivo por parte do empregador, resultando na violação de uma série de direitos fundamentais dos trabalhadores e na afronta à dignidade destes, tudo em prol da maximização dos lucros a qualquer custo. Apesar das graves consequências decorrentes desse fenômeno, não há, no Brasil, uma norma federal ou nacional que o discipline. Diante desse cenário, torna-se imperativo analisar os agentes e instrumentos de prevenção e repressão ao assédio moral organizacional com base no que dispõem as normas do ordenamento jurídico brasileiro, através da interpretação sistemática dessas disposições.

Palavras-chave: Assédio moral. Prevenção. Legislação.  

ABSTRACT: This scientific article aims to demonstrate the concept of bullying in the workplace, as well as its types, highlighting the relevance of the issue in the legal field. It also aims to analyze the emergence of bullying in the workplace and discuss its consequences, both physical and psychological, for the victim of the aggression. The measures that the legislator has adopted to protect Brazilian workers against this illegal and immoral act of bullying will be addressed. In addition, emphasis will be placed on outlining the consequences attributed to the person who practices bullying at work. From a theoretical-methodological point of view, bibliographical research was adopted, making use of electronic sites, books and scientific articles. As for the method of approach, a qualitative approach was adopted, with the aim of understanding how bullying is established, its repercussions on the victim’s health and the stance adopted by the judiciary. The phenomenon of organizational bullying has its origins in the abusive use of managerial power by the employer, resulting in the violation of a series of workers’ fundamental rights and an affront to their dignity, all in the interests of maximizing profits at any cost. Despite the serious consequences of this phenomenon, there is no federal or national standard in Brazil to regulate it. Given this scenario, it is imperative to analyze the agents and instruments for preventing and repressing organizational bullying based on the rules of the Brazilian legal system, through the systematic interpretation of these provisions.

Keywords: Moral harassment. Prevention. Legislation.

1  INTRODUÇÃO

A temática do assédio moral no ambiente de trabalho figura como um tópico de crescente relevância no cenário jurídico contemporâneo. Este fenômeno, caracterizado pelo uso abusivo do poder diretivo do empregador em detrimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores, levanta questões cruciais sobre a dignidade e o bem-estar dos profissionais no contexto laboral. O presente artigo teve como escopo abordar de forma abrangente o assédio moral, desde sua definição e tipologias até as implicações jurídicas e meios de prevenção e repressão disponíveis.

Por meio de uma pesquisa bibliográfica fundamentada em fontes eletrônicas, livros e artigos científicos, buscou-se fornecer uma compreensão aprofundada desse fenômeno complexo. Além disso, foi realizada uma análise exploratória das causas que instigam a ocorrência do assédio moral no ambiente profissional, visando identificar os elementos propulsores desse comportamento prejudicial.

A abordagem qualitativa adotada permitiu a investigação aprofundada sobre como o assédio moral se manifesta, bem como suas repercussões na saúde e no bem-estar das vítimas. Ao mesmo tempo, foram examinados os instrumentos disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro, tanto extrajudiciais quanto judiciais, que visam prevenir e reprimir o assédio moral organizacional.

De fato, verifica-se que, com embasamento nas normativas estabelecidas no ordenamento jurídico interno, é viável a prevenção e repressão do assédio moral organizacional por parte das empresas, dos empregados, dos sindicatos, do Ministério Público do Trabalho e do Poder Judiciário.

É crucial ressaltar que o trabalho desempenha um papel fundamental na construção da saúde global do indivíduo, abarcando aspectos tanto mentais quanto espirituais e físicos. Além de ser a fonte de sustento, é por meio do trabalho que as pessoas moldam suas rotinas diárias, realizam passeios, viagens e assumem compromissos essenciais. Nesse contexto, torna-se evidente que o assédio no ambiente de trabalho pode acarretar consequências devastadoras para a saúde física e psicológica da vítima, incluindo manifestações psicopatológicas e psicossomáticas.

Adicionalmente, é preciso disponibilizar conhecimento sobre as leis trabalhistas para todas as partes envolvidas, sejam empregados ou empregadores. A despeito de o ordenamento jurídico brasileiro ainda não ter delineado de forma específica o assédio moral no contexto laboral até a presente data, serão apresentados outros meios de proteção tanto para o trabalhador quanto para a vítima desse tipo de abuso.

Neste contexto, o presente artigo se propôs a fornecer uma visão abrangente do assédio moral no ambiente de trabalho, explorando suas diversas facetas e promovendo a reflexão sobre a importância da implementação de políticas e medidas preventivas. Por meio da contextualização desse fenômeno, buscou-se contribuir para um ambiente profissional mais saudável, respeitoso e produtivo para todos os envolvidos.

2  O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

O assédio moral no trabalho é um tema antigo na história, marcado principalmente pela exploração desenvolvida da mão de obra humana, sem quaisquer distinções de gênero e faixa etária, com carga horária excessiva e baixas remunerações, características marcantes da Revolução Industrial, onde a preocupação consistia apenas em um objetivo: diminuição dos custos e aumento da produtividade (VIEIRA, 2021).

2.1  Conceito de assédio moral no ambiente de trabalho

A Revolução Industrial tornou-se uma virada na história mundial, forçando mudanças que permitem nas atitudes humanas frente à moral e à ética, pois voltou-se para a busca do respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores, objetivando fixar parâmetros de igualdade (HEMÉRITO, 2006).

Não obstante, o assédio moral emerge de uma cultura de violência e, atualmente, não é difícil constatar que a intolerância continua sendo uma ferramenta mental poderosa e se manifesta em diferentes espaços sociais, quer por meio de práticas discriminatórias e racistas, preconceitos, humilhações, ou mesmo em atos de insultos morais que podem se concretizar em agressões físicas (BARRETO; HELOANI, 2015).

Nesse viés, para uma exemplificação precisa, torna-se crucial a identificação e classificação do que leva as atitudes dos superiores e colegas de trabalho a serem apontadas como assédio moral, tendo em vista que os conflitos que prejudicam o estresse ao colaborador nem sempre serão caracterizados como tal. Nesse sentido, o posicionamento de Hirigoyen (2006) torna-se necessário para a compreensão de que há diferenças entre o assédio moral e as imposições profissionais, ao explicar que:

O assédio moral é um abuso e não pode ser confundido com decisões legítimas, que dizem respeito à organização do trabalho com transferências e mudanças de função, no caso de estarem de acordo com o contrato de trabalho. Da mesma maneira críticas construtivas e avaliações sobre o trabalho executado, contanto que sejam explicitadas, e não utilizadas com um propósito de represália, não constituem assédio […]. (2006, p. 34-35). 

No tocante a esse esclarecimento, a autora ainda pontua que é natural que todo trabalho apresente um grau de imposição e dependência, mas o assédio moral não pode ser confundido com os conflitos, estresse, agressões pontuais, más condições de trabalho e gestão por injúria.

Dito isso, vale a compreensão da conceituação do assédio moral sob a perspectiva de Hirigoyen (1998), onde ela pontua que o assédio moral é qualquer expressão de abuso através de comportamentos, palavras, atos, gestos e escritos que podem ferir a personalidade, a dignidade ou a integridade física e psíquica de uma pessoa, colocando-a em perigo, com o objetivo de desagradá-la em seu ambiente de trabalho.

De forma sucinta, Glina e Soboll (2012) afirmam que o assédio moral no trabalho se refere a um padrão relacional entre as pessoas no contexto de trabalho. Assim, Guedes (2003) confirma que o assédio moral consiste em todos os atos e comportamentos provenientes de superiores. Ele concorda que esses superiores hierárquicos, podendo ser o patrão, gerente ou colegas, podem traduzir uma atitude contínua e ostensiva de perseguição que pode aprimorar as condições físicas, psíquicas e morais da vítima.

Mediante tais considerações, Silva et al. (2009) classifica duas formas de violência no trabalho: violência física e violência psicológica. Enquanto a primeira se refere ao uso da força física contra uma pessoa ou um grupo de pessoas, resultando em prejuízo físico, sexual ou psicológico, a segunda, quando exercida no ambiente laboral, manifesta-se pelo uso intencional do poder, compreendido como ameaças de poder e força física contra outra pessoa ou grupo. Isso pode ocasionar danos ao desenvolvimento físico, mental, moral ou social, caracterizando-se como agressão verbal, assédio moral, assédio sexual e discriminação racial.

2.2  Tipos de assédio moral

A fim de compreender as vertentes do assédio moral, Hirigoyen (2015) sugere a necessidade de fragmentá-lo em quatro formas, a saber: assédio vertical descendente, assédio moral vertical ascendente, assédio moral horizontal e assédio moral misto.

2.2.1 Assédio moral vertical descendente

Conforme a perspectiva de Almeida (2022), esse tipo de assédio ocorre entre sujeitos de diferentes posições hierárquicas, constituindo-se na modalidade mais comum nas empresas, pois é praticado por um superior hierárquico em relação ao empregado. Exemplos incluem gerente, coordenador, diretor ou supervisor.

Sobre isso, Hirigoyen (2015) destaca que o agressor utiliza seu poder de superioridade de maneiras inconvenientes, abusando do poder diretivo e disciplinar com o objetivo de fazer com que a vítima peça demissão. A autora ainda apresenta alguns exemplos dessa situação, como quando o empregador retira a autonomia do empregado, o isola dos demais colegas, criando situações constrangedoras nas quais o empregado, instigado pela injustiça de agressão, decide se demitir.

2.2.2 Assédio moral vertical ascendente

   Para esclarecer de maneira precisa, Hirigoyen (2015) comenta que o assédio moral vertical ascendente tem como objetivo excluir um colega que recebeu uma promoção ou cargo superior, cujas funções os subordinados consideram que o elevado não tem competência para exercer.

Embora seja considerado extremamente raro, Nascimento (2021) discorda que esse tipo de assédio moral ocorre quando um funcionário hierarquicamente inferior assedia seu superior. O autor ainda destaca algumas vertentes que evidenciam esse assédio, podendo ocorrer em situações em que um funcionário tenha acesso a informações confidenciais da empresa ou de seu superior hierárquico, utilizando essas informações como meio de chantagem para benefício próprio. Exemplos incluem faltar um dia de trabalho sem justificativa, chegar atrasado, sair mais cedo ou até mesmo solicitar aumento de salário.

2.2.3 Assédio Moral Horizontal

Segundo Nascimento (2021), o assédio moral horizontal tende a ocorrer entre funcionários que ocupam a mesma posição hierárquica dentro da empresa. Esse tipo de assédio ocorre quando, motivado pelo alcance das metas diárias ou mensais, um funcionário debocha com ironia de outro que não conseguiu cumprir as metas. Essa situação é frequente no cotidiano de empresas que promovem uma grande competitividade entre seus funcionários.

Em concordância, Carvalho (2009) exemplifica que esse tipo de assédio moral está associado à atitude das empresas que estabelecem metas para serem alcançadas. Pode ocorrer que o primeiro a atingir essas metas receba um prêmio ou seja “bajulado” de alguma forma por seus superiores. O autor ainda discorda que outro fator que contribui significativamente para a prática da ação discriminatória pelos próprios colegas de trabalho refere-se à competitividade presente no ambiente de trabalho.

2.2.4 Assédio moral misto

Nesse tipo de assédio, Rodrigues (2013) exemplifica que há diversas situações em que o trabalhador se encontra numa posição de “bode expiatório”, tanto por parte de um superior hierárquico como por parte de colegas, sendo considerado responsável por tudo o que não ocorreu conforme planejado.

Contudo, segundo Hirigoyen (2010), o assédio moral misto é uma modalidade que ocorre quando o subordinado é agredido, seja por um superior ou por colegas. O que se observa é o chamado efeito grupal, fazendo com que o grupo siga o líder, mesmo que essas atitudes sejam competitivas. A autora ainda discorda que esse tipo de assédio ocorre em situações em que um assédio horizontal aplicado por longos períodos pode também incorporar o assédio vertical descendente, como resultado da omissão da chefia ou superior hierárquico.

2.3  Consequências do assédio moral no ambiente de trabalho

Embora Hirigoyen (2017) alerta que, apesar da extensão das características, não se deva banalizar o assédio moral, relegando-o a uma fatalidade normalizada na sociedade, é necessário compreender que tal comportamento decorre de um modelo de gestão organizacional fundamentado em práticas permissivas e alheias aos preços éticos.

2.3.1 Da óptica empresarial

No que tange à esfera empresarial, Nascimento (2021) pontua que as consequências resultantes da agressão sofrida por assédio moral são representadas por prejuízos que se dão em duas faces: financeira e social. Para vislumbrar a ordem financeira, é necessário compreender que ela tem uma maior abrangência, valendo se de processos judiciais, absenteísmo psicológico, redução na produtividade e na qualidade do trabalho, desmotivação dos demais trabalhadores, despesas por afastamentos, faltas por doença, assegurado por atestados médicos, acidentes de trabalho, gastos com mudança de pessoal, danos à imagem da empresa, rescisão indireta do contrato de trabalho, a caracterização da justa causa por parte do empregador. Podendo o assediado solicitar que o contrato seja cancelado como se ele houvesse sido demitido, solicitando as verbas rescisórias devidas nessa situação, o aviso prévio indenizado e a multa do FGTS, conforme dispõe o art.483 da CLT.

Assim, em conformidade, Freitas (2007) destaca que, além disso, existem outros danos para a empresa. Isso inclui custos de imagem tanto para os clientes internos quanto externos, que são expostos pela mídia. Além disso, há a desmotivação por contágio e enfraquecimento da adesão ao projeto organizacional, a redução da atratividade de talentos no mercado de trabalho, consequência da exposição negativa do nome da organização, e eventual redução do valor da marca.

Ainda nessa linha, Hirigoyen (2017) considera que o custo do assédio moral se torna elevado, seja diretamente, seja organicamente, uma vez que provoca absenteísmo e indenizações. Além disso, leva à perda de confiança, à desmotivação e implica na rotatividade de funcionários, comumente conhecida como “turnover”, uma taxa que mede o número de funcionários que permite uma organização durante um período especificado.

2.3.2 Em relação à vítima

A priori, em um posicionamento sobre o âmbito individual, ou seja, como o assédio moral age sobre a vítima, Freitas (2007) esclarece que é a vida psicossocial do sujeito que é acometida por esse fenômeno, pois têm suas personalidades, identidades e autoestimas alcançadas.

Em relação aos efeitos ocasionados pelo assédio moral no trabalho, Hirigoyen (2002) menciona que eles se apresentam como contrato para a empresa quando afetam diretamente sua política econômica. Na maioria dos casos, o processo de assédio moral quase sempre termina com a saída da vítima do emprego num estado de saúde tão debilitado que acaba ficando sem condições físicas e mentais para se recolocar no mercado de trabalho.

É oportuno ressaltar que Freitas (2007) alude que há diversos estudos demonstrando que o assédio gera desordens na vida psíquica, social, profissional, familiar e afetiva do indivíduo, provocando diversos problemas de saúde, particularmente os de natureza psicossomática, de duração variável, que desestabilizam a sua vida. O autor ainda discorda que os principais fatores de impacto são o afastamento do trabalho, a perda do emprego, o sentimento de nulidade e de injustiça. A descrição e apatia podem ter efeitos colaterais contratados por alcoolismo e drogas, gerando um circuito fechado que se autoalimenta.

Conforme Alkimin (2004), existe uma consequência social gerada pelas consequências na vida da vítima. Ela se torna uma pessoa fragilizada, irritada, sensível ou, às vezes, agressiva, podendo chegar muitas vezes ao isolamento, acompanhando-a fora do ambiente de trabalho. Não existe mais convívio social com a família nem com os amigos. Não se pode deixar de destacar que quase sempre o assédio moral acarreta a desestruturação familiar.

3  O ASSÉDIO MORAL E A PROTEÇÃO LEGISLATIVA AO TRABALHADOR

Tendo em vista o que preceitua Rocha (2023), da mesma forma que o assédio moral de forma geral, o assédio moral organizacional também não possui regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, não sendo citado expressamente em nenhuma lei de abrangência nacional ou federal

Expondo o mesmo fato, Almeida (2022) comenta que não há uma lei sequer que especifique o assédio moral no âmbito do trabalho. A autora ainda pontua que é de extrema importância que algo seja criado a respeito, tendo em vista que o assédio moral é um tema de grande relevância e, infelizmente, tem sido uma realidade vivenciada nas relações de trabalho em todo o país.

Apesar do processo legislativo no Brasil andar em passos lentos, atualmente existem alguns projetos de lei sobre assédio moral. Destaca-se que o PL 4742/2001, aprovado em março de 2019 pela Câmara Federal, tipifica o assédio moral no trabalho como crime a quem ofende reiteradamente a dignidade de alguém, causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, por conta fazer exercício de emprego, cargo ou função.

No que diz respeito aos direitos do indivíduo, o Código Civil estabelece no Art. 186, “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Já na esfera da Constituição Federal, foi determinado no Art. 5, inc. X que, “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

No que diz respeito à federação, a fim de preservar a dignidade da pessoa humana no âmbito do trabalho, a Constituição transcreve no Art. 1°:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III  – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Atualmente, foi sancionada a Lei 14.612, de 2023, que define o assédio moral como conduta praticada no exercício profissional por meio da repetição de gestos, palavras faladas ou escritas, ou comportamentos que exponham o estagiário, advogado ou qualquer outro profissional a situações humilhantes e constrangedoras. Tais atos são capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, alterando excluí-los de suas funções ou desestabilizá-los emocionalmente (BRASIL, 2023).

De acordo com a jurisdição brasileira, a Constituição Federal de 1988 estabelece princípios de dignidade humana, assim como visto anteriormente. Além disso, para auxiliar a vítima com maior eficiência, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também aborda a proteção contra o assédio moral no trabalho, estabelecendo seus direitos no Art. 483 ao mencionar que há a hipótese de rescisão indireta do contrato de trabalho, caso a vítima seja submetida a qualquer tipo de violência moral ou assédio sexual por parte do empregador ou de seus superiores hierárquicos (BRASIL, 1943). 

Em relação a esse aspecto, Martinez (2011), compreende que é importante ressaltar que as atitudes do empregador ofensor podem enquadrar-se em qualquer das situações narradas no artigo 483 da CLT. 

Ademais, Brasileiro (2009), pondera que o assédio moral retrata uma grave violação às obrigações contratuais e legais, além de infringir o dever geral de respeito aos direitos de personalidade do trabalhador, bem como à dignidade da pessoa humana do trabalhador, legitimando a rescisão contratual indireta por justa causa do empregador.

Para Silva (2007), o assédio moral não é um fenômeno do qual se poderá punir criminalmente, sem que a lei prévia e expressamente assim preveja e sequer, utilizar por analogia outra lei penal para punir o assédio moral, visto que se torna inconstitucional.  

Desse modo, Nascimento (2001), considera que por se tratar de um fenômeno oriundo da relação de trabalho, os juízes que apreciarão as causas serão da Justiça do Trabalho, devendo aplicar uma série de princípios concernentes ao Direito do Trabalho, a fim de assegurar a eficácia das medidas preventivas e repressivas respectivas.

Visando garantir um ambiente de trabalho saudável e respeitoso, é essencial implementar normas e uma cultura organizacional que atenda às necessidades e aspirações tanto do colaborador quanto dos seus superiores. Para isso, é necessário o conhecimento de leis, normas e artigos que assegurem o bem-estar do indivíduo em qualquer lugar que esteja. Além disso, a intervenção na organização do trabalho é de responsabilidade do empregador, que, junto com seus especialistas, deve pesquisar diversas ações para identificar as causas da violência, erradicar suas raízes (ASSE, 2007).

Em razão disso, Oliveira (2004) evidencia que o dano moral causado ao colaborador é um dano in re ipsa, ou seja, decorre instantaneamente do ato ilícito, sendo dispensável a prova de sofrimento por parte da vítima. Isso ocorre porque não há necessidade de demonstração do que é ordinário e decorrente da própria natureza humana. A indenização por dano causado deve ter mais peso educacional e compensatório do que exclusivamente em função de reparos.

O dever de reparar os danos é estabelecido através do art. 927 do CC/2002, ao abordar que “aquele que, por ato ilícito, contido nos arts. 186 e 187, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, e por meio do parágrafo único do mesmo artigo entende-se que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

4  MECANISMO DE PREVENÇÃO E COMBATE AO ASSÉDIO MORAL: AGENTES E INSTRUMENTOS RELEVANTES

Segundo, Azevedo (2021),  a prevenção do assédio moral pode dar-se de várias maneiras. Ensinar os trabalhadores e líderes, por exemplo, apresentando normas de comportamento adequado social na organização e buscando estabelecer limites, pode ser um caminho. No entanto, o modelo de prevenção de assédio moral deve abranger questões relacionadas à informação da ocorrência para os trabalhadores, criação de grupos de discussão, capacitação dos profissionais dos setores de recursos humanos, entre outros.

Entretanto, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU) (2022), as empresas podem e devem agir visando a prevenção desta violência de três modos, dos quais, em verdade, representam três níveis com suas respectivas estratégias. Na prevenção primária não se faz necessário esperar que o assédio ocorra para se tomar medidas de prevenção, como por exemplo, levantar informações sobre o tema e falar sobre valores como respeito e reconhecimento ao serviço do outro. Além disso, é necessário sensibilizar toda a hierarquia, visando combater qualquer manifestação de violência na organização. Adotar um modelo de gestão participativo e, de preferência, transparente, dá confiabilidade às ações executadas. No entanto, a empresa deve comunicar a todos os trabalhadores sem exceção, que discriminações e humilhações não serão admitidas.

Logo, no que se dispõe do acolhimento, suporte e acompanhamento, os órgãos do Poder Judiciário manterão canal permanente, de preferência nas respectivas áreas de gestão de pessoas, de acolhimento, escuta, acompanhamento e orientação a todas as pessoas afetadas por situações de assédio e discriminação no âmbito institucional, resguardado pelo sigilo profissional, a fim de diminuir os riscos psicossociais e assim, gerar promoção à saúde mental no trabalho. 

Enquanto ao acompanhamento, poderá ser de forma individual ou coletivo, inclusive de equipes, a fim de promover o suporte psicossocial e, também, orientar a busca de soluções sistêmicas para a eliminação das situações de assédio e discriminação no trabalho (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), 2022).

Portanto, além do assunto sobre as medidas de prevenção e combate ao assédio moral ser amplamente comentado, a temática ainda deixa dúvidas e a falta de informação abre brechas para a confusão. Dessa forma, é necessário compreender e difundir sobre o que realmente configura o assédio moral, quais seriam as consequências de tal conduta para a empresa e, principalmente, como identificar e combater esse tipo de comportamento. (AZEVEDO, 2021)

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Esta pesquisa buscou analisar as leis e regulamentações existentes no Brasil relacionadas ao assédio moral no ambiente de trabalho, especialmente ao que dizer respeito à proteção dos direitos individuais dos trabalhadores e na promoção de um clima organizacional que proporcione harmonia e segurança. Para alcançar tal desafio, foram estabelecidos três objetivos específicos, que consistiram em: analisar as diversas facetas do assédio moral no cenário trabalhista, incluindo conceito, formas de manifestação e consequências; compreender o assédio moral no trabalho à luz do ordenamento jurídico; investigar mecanismos utilizados na prevenção e combate ao assédio moral, destacando agentes e instrumentos relevantes.

Respondendo o primeiro objetivo específico que tratou de analisar as diversas facetas do assédio moral no cenário trabalhista, conceituando-o e apresentando as suas formas de manifestação e consequências, foi realizado um levantamento bibliográfico e o pesquisador pôde constatar que o assédio moral surge de muitas vertentes, e não pode ser confundido com estresse, a gestão por injúria, visto que ele se apresenta como uma afronta à dignidade ou a integridade física e psíquica de uma pessoa, lhe causando impactos negativos que pode comprometer sua saúde e bemestar.

Quanto ao segundo objetivo específico que consistiu em compreender o assédio moral no trabalho à luz do ordenamento jurídico, o pesquisador pôde ponderar que o assédio moral é um comportamento que viola os deveres contratuais entre empregador e empregado, uma vez que há a necessidade de tratamento mútuo com lealdade e dignidade, e infringe a regra legal e geral do dever jurídico de tratamento com respeito à dignidade e personalidade do outro.

 Quanto ao terceiro, e último, objetivo específico que consistiu em investigar mecanismos utilizados na prevenção e combate ao assédio moral, destacando agentes e instrumentos relevantes, o pesquisador identificou, com o auxílio das pesquisas científicas de outros autores, que todo colaborador precisa ser tratado com decência e que seria mais efetiva a fiscalização do que ocorre na empresa se os próprios superiores, fizessem isso diretamente, assegurando a ética e o respeito à dignidade humana.

Em que se pese tudo isso, essas foram as contribuições que esta pesquisa alcança, com uma temática de difícil esgotamento, teve o objetivo de fomentar debate e promover discussões significativas por parte da comunidade civil e empresarial e manter acesa a discussão no mundo jurídico para que haja medidas eficazes para a proteção da Constituição frente a esses Direitos Fundamentais não só do trabalhador, mas de todo ser humano.

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1 Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito pela Unidade de Ensino Superior do sul do Maranhão – UNISULMA. E-mail: kennedyexam@gmail.com
2 Professora orientadora. Docente do Curso de Direito – IESMA/Unisulma. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, FALEG/SP. E-mail: shamya.nunes@unisulma.com.br