ASPECTOS PSICOLÓGICOS DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

PSYCHOLOGICAL ASPECTS OF EATING DISORDERS DURING THE COVID-19 PANDEMIC: AN INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8253323


Débora Manuela Serra Ferreira1
Ivonise Fernandes da Motta2


RESUMO

A pandemia de COVID-19 configurou um cenário de crise de saúde pública e causou diversos impactos na saúde mental da população. O objetivo deste estudo de verificar a dinâmica e tendências das pesquisas publicadas com a temática sobre transtornos alimentares, mais especificamente anorexia e bulimia no contexto de pandemia de COVID-19, a partir de uma revisão integrativa da literatura, teve como enfoque encontrar dados de publicação que permeiam os aspectos de alterações emocionais, novos sintomas atinentes à anorexia e bulimia, alterações no comportamento alimentar, frequência de exercícios físicos, o luto durante a pandemia e patologias associadas à anorexia e bulimia, como a depressão e a ansiedade. A amostragem foi composta por dezoito estudos publicados na língua portuguesa e inglesa, sendo que tanto a análise quanto a síntese dos dados extraídos dos artigos foram realizadas de forma descritiva, possibilitando observar, contar, descrever e classificar os dados, com o intuito de reunir o conhecimento produzido sobre o tema explorado na revisão. Dessa forma, foi possível verificar que os estudos indicam que em termos metodológicos há uma tendência para pesquisas quantitativas. Quatro estudos indicam dificuldades de adaptação da psicoterapia on-line durante a pandemia, mas que foi utilizada na maioria dos casos; cinco estudos indicam aumento significativo de depressão e ansiedade, um estudo indica alta probabilidade de risco de suicídio; seis estudos indicam aumento de disfunção erétil em homens; sete estudos indicam aumento na compulsão alimentar; um estudo indica menos frequência de exercício físico e dois estudos indicam aumento de frequência; quatro estudos indicam aumento de vômito autoinduzido; dois estudos indicam aumento de restrição alimentar; um estudo indica aumento na qualidade do vínculo com familiares e já outro estudo indica que a qualidade do vínculo está altamente associada ao aumento de sintomas.

Palavras-chave: Transtornos Alimentares. Pandemia de COVID-19. Psicologia. 

ABSTRACT

The COVID-19 pandemic created a scenario of public health crisis and caused several impacts on the mental health of the population. This study aims to verify  the dynamics and trends of research published on the subject of eating disorders, more specifically anorexia and bulimia in the context of the COVID-19 pandemic, based on an integrative literature review, which focused on finding publication data that permeate aspects of emotional changes, new symptoms related to anorexia and bulimia, changes in eating behavior, frequency of physical exercises, grief during the pandemic and pathologies associated with anorexia and bulimia, such as depression and anxiety. The sampling consisted of eighteen studies published in Portuguese and English, and both the analysis and the synthesis of the data extracted from the articles were carried out in a descriptive way, making it possible to observe, count, describe and classify the data, with the aim of gathering the knowledge produced on the theme explored in the review. Thus, it was possible to verify that the studies indicate that in methodological terms there is a tendency towards quantitative research. Four studies indicate difficulties in adapting online psychotherapy during the pandemic, but it was used in most cases; five studies indicate a significant increase in depression and anxiety, one study indicates a high probability of suicide risk; six studies indicate increased erectile dysfunction in men; seven studies indicate an increase in binge eating; one study indicates less frequency of physical exercise and two studies indicate an increase in frequency; four studies indicate an increase in self-induced vomiting; two studies indicate increased food restriction; one study indicates an increase in the quality of the bond with family members and another study indicates that the quality of the bond is highly associated with an increase in symptoms.

Keywords: Eating Disorders. COVID-19 pandemic. Psychology.

1. INTRODUÇÃO

Os transtornos alimentares configuram-se como importantes distúrbios, sendo cada vez mais estudados e investigados devido às implicações na vida do indivíduo e do aumento do número de casos constatados nos últimos anos. Através dos dados do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) (2020), Programa de Tratamento de Transtornos Alimentares realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é possível constatar que o aumento do número de casos são significativos, estimando-se que, ao longo da vida, entre 0,5 e 4% das mulheres terão anorexia e de 1 a 4,2% bulimia. Um outro dado que chama atenção, além desses índices alarmantes, é que a anorexia tem o risco de mortalidade em torno de 5 a 15% dos casos, apresentando a maior taxa de mortalidade dentre todos os distúrbios psiquiátricos, sendo a taxa de mortalidade em torno de 0,56% ao ano (AMBULIM, 2020). 

O início do surto de coronavírus (SARS-CoV-2), causador da COVID-19, foi o motivo do lockdown em uma escala mundial, o que levou os países a uma grande preocupação diante do cenário e da velocidade com que a doença se espalhou em várias regiões do mundo, com severos impactos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 18 de março de 2020, os casos confirmados da COVID-19 já haviam ultrapassado 214 mil em todo o mundo (Freitas et al., 2020). As doenças infecciosas surgiram em vários momentos da história da humanidade, e nos últimos anos pode-se dizer que a globalização foi um dos canais facilitadores para a disseminação mais rápida, resultando em pandemia por todo o mundo. Desse modo, a complexidade para a contenção de infecções aumentou, tendo-se impactos significativos no âmbito político, econômico e psicossocial. 

A pandemia gerada pelo Coronavírus, por exemplo, disseminou medo e insegurança na população, visto as incertezas sobre os fatores atinentes à transmissão, o alcance geográfico, o período de incubação, o número de infectados e a taxa de mortalidade. Nesse sentido, tais incertezas suscitaram impactos e consequências na saúde mental da população. Segundo Ornell et al. (2020), em uma pandemia o medo aumenta os níveis de ansiedade e estresse, intensificando os sintomas dos indivíduos com transtornos pré-existentes à pandemia. Esses mesmos autores ainda ressaltam que, durante as epidemias, o número de pessoas cuja saúde mental é afetada tende a ser maior que o número de pessoas afetadas pela infecção, e também as implicações e consequências na saúde mental podem ter uma maior duração e prevalência do que a própria epidemia. A pandemia de COVID-19 desencadeou implicações não somente quanto ao medo da morte, mas também nos âmbitos familiares, e mais o fechamento de empresas, escolas e locais públicos, mudanças na rotina e isolamento.

Desse modo, tais impactos despertaram sentimentos fortes de desamparo e abandono na população. Um estudo realizado por Brooks et al. (2020) evidenciou que pacientes infectados com COVID-19, ou com a suspeita de infecção, podem apresentar intensas reações emocionais e comportamentais, como ansiedade, insônia, raiva, tédio, solidão e medo. Nesse sentido, essas condições podem instaurar transtornos depressivos, ansiedade ou levar ao suicídio (Brooks et al., 2020). 

A partir de uma perspectiva de levantamento da bibliografia disponível sobre transtornos alimentares e pandemia de COVID-19, o objetivo dessa pesquisa foi verificar a dinâmica e tendências das pesquisas publicadas com essa temática, com enfoque em  encontrar dados de publicação que permeiam os aspectos de alterações emocionais, novos sintomas atinentes à anorexia e bulimia, alterações no comportamento alimentar, frequência de exercícios físicos durante a pandemia, o luto durante a pandemia, patologias associadas à anorexia e bulimia, como a depressão e a ansiedade. 

Devido aos procedimentos de prevenção à COVID-19 e a rápida mudança de hábitos de toda a população, a comunidade científica da área da saúde foi surpreendida e pressionada a investigar os efeitos intensificadores nos quadros e sintomas de doenças e alguns tipos de transtornos, notadamente os relacionados à alimentação, com relatos significativos quanto ao acometimento dos transtornos alimentares. 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Definição dos Transtornos Alimentares 

Na perspectiva biomédica, os transtornos alimentares são definidos como distúrbios psiquiátricos, tendo-se como modelo mais aceito de explicação a consideração de múltiplas causas, incluindo fatores biológicos, psicológicos e socioculturais, o que justifica e ressalta a importância da abordagem multidisciplinar. Os principais manuais que regulamentam o diagnóstico e orientam as possibilidades de tratamento é o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria (DSM) e a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, da Organização Mundial da Saúde (CID-10). Neste trabalho abordou-se a visão sobre os transtornos alimentares de acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-V). 

De acordo com o DSM-5 (American Psychiatric Association – APA, 2013), os Transtornos Alimentares (TA) são caracterizados por perturbações persistentes na alimentação, tendo-se critérios diagnósticos, atualmente, para Anorexia Nervosa (AN), Bulimia Nervosa (BN), Transtorno de Compulsão Alimentar, Pica, Transtorno de Ruminação, Transtorno Alimentar Restritivo/Evitativo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021), os transtornos alimentares afetam cerca de 4,7% dos brasileiros, sendo que entre os adolescentes esse índice pode chegar até a 10% da população. Além disso, em uma perspectiva da população mundial, estima-se que cerca de 700 milhões de pessoas sofrem de algum tipo de transtorno mental, ou seja, um em cada quatro indivíduos no mundo. Esses números são crescentes e, atualmente, os problemas relacionados à saúde mental como ansiedade, depressão, uso de substâncias, transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia, transtornos alimentares e de personalidade ficam atrás somente das doenças do coração. 

Um ponto importante a ser ressaltado é que a obesidade não está inclusa no DSM-5 como um transtorno mental, pois esta resulta do excesso prolongado de ingestão energética tangente ao gasto energético, tendo-se um conjunto de fatores genéticos, fisiológicos, comportamentais e ambientais que varia entre os indivíduos e que contribui para o desenvolvimento da obesidade. Ou seja, a obesidade não é considerada um transtorno mental. Entretanto, é importante destacar que existem associações fortes entre obesidade e uma série de transtornos mentais, como, por exemplo, transtorno de compulsão alimentar, transtornos depressivo e bipolar, esquizofrenia. Além disso, os efeitos colaterais de alguns medicamentos psicotrópicos influenciam significativamente para o desenvolvimento da obesidade, sendo este um fator de risco importante para o desenvolvimento de alguns transtornos mentais, como, por exemplo, transtornos depressivos (APA, 2013)). 

A seguir serão descritos mais detalhadamente os tipos de transtornos alimentares de acordo com o DSM-5 (APA, 2013):

A Anorexia Nervosa é caracterizada pela restrição da ingestão calórica em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo no contexto de idade, gênero, trajetória do desenvolvimento e saúde física, além do medo intenso de ganhar peso ou de engordar, mesmo estando com peso significativamente baixo. Desse modo, classificam-se dois subtipos, o tipo restritivo e o tipo purgativo. O primeiro caracteriza-se pela não presença de episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamento purgativo nos últimos três meses, ou seja, a perda de peso por meio de dieta, jejum e/ou exercício excessivo. O tipo purgativo é caracterizado pela presença de compulsão alimentar purgativa, como vômitos auto induzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas nos últimos três meses (APA, 2013).

A Bulimia Nervosa caracteriza-se por episódios de compulsão alimentar (grande quantidade de comida em um curto período de tempo), seguido por comportamentos compensatórios inapropriados (vômitos autoinduzidos, prática excessiva de exercício) com a finalidade de evitar ganho de peso. Nesse sentido, para a qualificação do diagnóstico, a compulsão alimentar e os comportamentos compensatórios inapropriados devem ocorrer, em média, no mínimo uma vez por semana durante três meses (APA, 2013).

O Transtorno de Compulsão Alimentar caracteriza-se por episódios recorrentes de compulsão alimentar, tendo-se como aspectos evidentes a ingestão, em um período determinado (ex.: dentro de cada período de duas horas), de uma quantidade de alimento maior do que a maioria das pessoas consumiria no mesmo período, sob circunstâncias semelhantes; sensação da falta de controle sobre a ingestão durante o episódio (ex.: sentimento de não conseguir parar de comer, ou controlar o que e o quanto se está ingerindo). Salienta-se ainda, que, os episódios de compulsão alimentar estão associados a três (ou mais) dos seguintes aspectos: comer mais rapidamente do que o normal; comer até se sentir desconfortavelmente cheio; comer grandes quantidades de alimento na ausência da sensação física de fome; comer sozinho por vergonha do quanto se está comendo; sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido ou muito culpado em seguida. Os episódios de compulsão alimentar ocorrem, em média, ao menos uma vez por semana durante três meses. Além disso, ressalta-se ainda que, a compulsão alimentar não está associada ao uso recorrente de comportamento compensatório inapropriado como na bulimia nervosa e não ocorre exclusivamente durante o curso de bulimia nervosa ou anorexia nervosa (APA, 2013).

Pica caracteriza-se pela ingestão persistente de substâncias não nutritivas, não alimentares, durante um período mínimo de um mês. Desse modo, o comportamento caracterizante deste transtorno alimentar não faz parte de uma prática culturalmente aceita. Além disso, ressalta-se ainda que, se o comportamento alimentar ocorrer no contexto de outro transtorno mental, como, por exemplo, algum outro transtorno do desenvolvimento intelectual, ou transtorno do espectro autista, ou esquizofrenia, é suficientemente grave a ponto de necessitar de atenção clínica adicional (APA, 2013).

O Transtorno de Ruminação caracteriza-se pela regurgitação repetida dos alimentos durante um período mínimo de um mês. Ou seja, o alimento regurgitado pode ser remastigado, novamente deglutido ou cuspido. Nesse caso, a regurgitação repetida não é atribuível a uma condição gastrintestinal, ou a outra condição médica, como, por exemplo, refluxo gastroesofágico. Além disso, a perturbação alimentar não acontece exclusivamente durante o curso de anorexia nervosa, bulimia nervosa, transtorno de compulsão alimentar ou transtorno alimentar restritivo/evitativo, do mesmo modo que, se os sintomas ocorrerem no contexto de outro transtorno mental, como, por exemplo, um transtorno do desenvolvimento intelectual ou outro transtorno do neurodesenvolvimento, eles são suficientemente graves para justificar atenção clínica adicional (APA, 2013).

O Transtorno Alimentar Restritivo/Evitativo caracteriza-se pela falta aparente de interesse na alimentação, ou em alimentos, esquiva baseada nas características sensoriais do alimento, preocupação acerca de consequências aversivas alimentares, que são manifestadas por fracasso persistente em satisfazer as necessidades nutricionais e/ou energéticas apropriadas associado a um (ou mais) dos seguintes aspectos: perda de peso significativa (ou insucesso em obter o ganho de peso esperado ou atraso de crescimento em crianças); deficiência nutricional significativa; dependência de alimentação enteral ou suplementos nutricionais orais; interferência marcante no funcionamento psicossocial. Ademais, vale ressaltar que a perturbação alimentar não ocorre exclusivamente durante o curso de anorexia nervosa ou bulimia nervosa, não havendo evidência de perturbação na maneira como o peso ou a forma corporal são vivenciados. Quando a perturbação alimentar ocorre no contexto de outra condição ou transtorno, sua gravidade excede a habitualmente associada à condição ou ao transtorno e justifica atenção clínica adicional (APA, 2013).

Os critérios diagnósticos utilizados pela psiquiatria são constituídos por um direcionamento do tratamento que pode envolver o medicamento e intervenções associadas, como a psicoterapia. Investigar a temática dos transtornos alimentares é entrar em um campo complexo, tanto no sentido dos direcionamentos de tratamento, como também nos debates das articulações conceituais e teóricas. Portanto, classificar e nomear fenômenos é um desafio para os campos de saber, e que também possibilita discussões entre as áreas de conhecimento.

3. METODOLOGIA

A revisão integrativa é a abordagem metodológica mais ampla referente às revisões, pois permite a inclusão de estudos experimentais e não-experimentais para uma compreensão completa do fenômeno analisado. Além disso, integra dados da literatura teórica e empírica, com diversos propósitos, como definição de conceitos, revisão de teorias, e análise de problemas metodológicos de um tópico particular (Whittemore, 2005). 

O levantamento de artigos que possibilitou esta revisão integrativa foi realizado nas bases de dados Scientific Electronic Library Online – SciELO, Portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia – PePsic, PEP – Psychoanalytic Electronic Publishing e PubMed, sendo os descritores na língua portuguesa e inglesa: anorexia e COVID-19, bulimia e COVID-19, transtornos alimentares e COVID-19. Nessa busca, as pesquisas incluídas foram as publicadas a partir de 2020, ano em que foi decretada a pandemia de COVID-19, até o ano de 2021. Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos artigos foram: artigos publicados em português e inglês, artigos na íntegra que retratassem a temática referente aos aspectos psicológicos dos transtornos alimentares durante a pandemia de COVID-19 a partir do ano de 2020, sendo que tanto a análise quanto a síntese dos dados extraídos dos artigos foram realizadas de forma descritiva, possibilitando observar, contar, descrever e classificar os dados, com o intuito de reunir o conhecimento produzido sobre o tema explorado na revisão.

A primeira etapa para a seleção dos estudos foi a pré-seleção das publicações, então realizada pelos seus títulos, tendo-se como critério básico conter o termo completo e referências aos quadros de transtornos alimentares em correlação com a pandemia de COVID-19. A segunda etapa foi a leitura dos resumos dos artigos para identificar a proposta e então decidir a inclusão ou exclusão do estudo. Em alguns casos em que houve dúvidas, o texto completo foi consultado para confirmar a elegibilidade do estudo.

Em relação à extração de informações relevantes dos artigos científicos incluídos nesta revisão, o procedimento adotado foi a realização de forma sistemática, com a utilização de um Quadro (Quadro 1. Caracterização das publicações) para registrar as informações relevantes. Desse modo, as informações extraídas dos artigos foram categorizadas de acordo com os critérios pré-definidos e posteriormente sintetizadas e analisadas.

Por fim, na análise de dados, os resultados da revisão integrativa da literatura foram apresentados e discutidos de forma aprofundada, fazendo um paralelo com os resultados dos artigos selecionados.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

Os artigos encontrados constituem-se como um volume relativamente significativo, sendo que dezoito desses foram selecionados para este trabalho. Os artigos são dos países: Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Itália, Espanha, Austrália, Japão, Canadá. Nesse sentido, as pesquisas indicam que em termos metodológicos há um número relativamente semelhante entre pesquisas qualitativas e quantitativas, com uma tendência para mais quantitativos. 

Os fatores mais investigados e encontrados nas pesquisas selecionadas foram: depressão, ansiedade, compulsão alimentar, frequência de exercício físico, risco de suicídio, disfunção erétil, restrição alimentar, qualidade do vínculo com familiares e avaliação da eficiência da psicoterapia on-line. No tocante à avaliação da eficiência da psicoterapia on-line, quatro estudos indicam dificuldades de adaptação, mas que foi utilizada na maioria dos casos; cinco estudos indicam aumento significativo de depressão e ansiedade, um estudo indica alta probabilidade de risco de suicídio; seis estudos indicam aumento de disfunção erétil em homens; sete estudos indicam aumento na compulsão alimentar; um estudo indica menos frequência de exercício físico e dois estudos indicam aumento de frequência; quatro estudos indicam aumento de vômito autoinduzido; dois estudos indicam aumento de restrição alimentar; um estudo indica aumento na qualidade do vínculo com familiares e já outro estudo indica que a qualidade do vínculo está altamente associada ao aumento de sintomas. Nos quadros apresentados a seguir, cada estudo será detalhado com maior precisão.

Quadro 1. Caracterização das publicações

Autores/AnoTítuloRevista/PaísDescrição geralResultados encontrados
Schlegl, Maier, Meule e Voderholzer (2020)Eating disorders in times of the COVID-19 pandemic-Results from an online survey of patients with anorexia nervosa.International Journal of Eating Disorders.   Alemanha.Investigou os efeitos da pandemia nos sintomas de TA e outros aspectos psicológicos em 159 ex-pacientes internados com AN, utilizando-se como instrumento base um questionário on-line.70% relataram aumento da preocupação com o comer, formato do corpo, peso, busca por atividade física, solidão, tristeza e inquietação interior. Redução de 37% do acesso a psicoterapias presenciais e 46% de visitas ao clínico geral. Terapia de videoconferência aumentou em 26% e contatos telefônicos aumentou 35%. A estratégia mais utilizada pelos pacientes para enfrentamento da doença foi tentar manter rotinas diárias, planejamento do dia e atividades prazerosas.
Clark Bryan et al. (2020)Exploring the ways in which COVID-19 and lockdown has affected the lives of adult patients with anorexia nervosa and their carers.International Journal of Eating Disorders.   Reino Unido.Estudo qualitativo que explora as maneiras pelas quais o isolamento devido à pandemia afetou a vida de pacientes adultos com AN e de seus cuidadores.No grupo de pacientes e cuidadores: acesso reduzido aos serviços de TA; mudança na rotina; estado de angústia e sintomas de TA intensificados; aumento de autogestão na própria recuperação. No grupo dos cuidadores: preocupação com o fornecimento de apoio profissional para os pacientes; aumento das demandas práticas impostas aos cuidadores em confinamento; desafios em torno do bem-estar do paciente; novas oportunidades.
Termorshuizen et al. (2020)Early impact of COVID-19 on individuals with self-reported eating disorders: A survey of ~1,000 individuals in the United States and the NetherlandsInternational Journal of Eating Disorders.   Suécia, Holanda, Estados Unidos, Austrália.Investigou-se o impacto da COVID-19 em pacientes com TA, focando sobre os sintomas de TA, tratamento de TA e bem-estar geral.Participantes com AN (EUA 62% e NL 69%): aumento de restrição e medo de não encontrar alimentos compatíveis com o seu plano alimentar. Participantes com BN e (EUA 30% e NL 15%): aumento na CA e aumento no desejo de CA. Nas duas amostras: aumento acentuado na ansiedade desde 2019 e maiores preocupações sobre o impacto da COVID-19 em sua saúde mental do que em sua saúde física. A maioria dos participantes reconheceu a importância dos atendimentos via telefone, mas levantaram limitações no tratamento em relação a essa modalidade.
Phillipou et al. (2020)Eating and exercise behaviors in eating disorders and the general population during the COVID-19 pandemic in Australia: Initial results from the COLLATE project.International Journal of Eating Disorders.   AustráliaIdentificar mudanças na alimentação e comportamentos de exercício em uma amostra australiana entre dois grupos: indivíduos com TA e na população em geral durante a pandemia.No grupo diagnosticado com TA: aumento da restrição em comer, CA, purgação e exercícios físicos. No grupo da população geral: aumento de comportamento restritivo em relação à alimentação e de CA, relatando menos exercício físico em relação ao período anterior à pandemia.
Schlegl, Meule, Favreau e Voderholzer (2020)Bulimia nervosa in times of the COVID-19 pandemic – Results from an online survey of former inpatientsInternational Journal of Eating Disorders.   AlemanhaInvestigou-se o impacto e as consequências psicológicas da pandemia em 55 ex-pacientes internados com BN, bem como as mudanças na utilização de cuidados de saúde e sobre o uso e utilidade nas diferentes estratégias de enfrentamento.49% relataram piora dos sintomas e 62% uma redução da qualidade de vida. Ocorreu aumento de 47% na frequência de compulsão, 36% de vômito autoinduzido e 46% declararam prejuízo na psicoterapia. A psicoterapia presencial diminuiu em 56% e a on-line foi usada por 22% dos pacientes. Contatos sociais virtuais (com amigos, atividades físicas) foram classificados como a estratégia mais útil como enfrentamento.
Castellini et al. (2020)The impact of COVID-19 epidemic on eating disorders: A longitudinal observation of pre versus post psychopathological features in a sample of patients with eating disorders and a group of healthy controlsInternational Journal of Eating Disorders.   Itália.Avaliou-se o impacto da pandemia em pacientes com AN e BN. Os questionários utilizados avaliaram as psicopatologias associadas, trauma de infância, estilo de apego e sintomas pós-traumáticos relacionados à COVID-19.Pacientes com BN aumentaram a CA e relataram mais sintomas pós-traumáticos relacionados à COVID-19 do que os de AN, sendo esses sintomas previstos por trauma na infância e apego inseguro. Medo pela segurança dos entes familiares mostrou-se ter relação com o aumento dos sintomas durante a pandemia.
Richardson, Pattona, Phillipsb e Paslakis (2020)The impact of the COVID-19 pandemic on help-seeking behaviors in individuals suffering from eating disorders and their caregivers.General Hospital Psychiatry.   Canadá e AlemanhaInvestigar o impacto da pandemia nos comportamentos vinculados à busca por ajuda entre os indivíduos com TA e cuidadores, fazendo a comparação entre os anos de 2018, 2019 e 2020.Indivíduos relataram que os sintomas e comportamentos de dieta restritiva, excesso de exercício, perfeccionismo, ansiedade e depressão foram maiores em 2020 em comparação com os anos de 2018 e 2019.
Baenas et al. (2020)COVID-19 and eating disorders during confinement: Analysis of factors associated with resilience and aggravation of symptomsInternational Journal of Eating Disorders.   Espanha.Avaliar o nível de deterioração no funcionamento de pacientes com TA durante a pandemia, examinar os possíveis fatores contribuintes, como estratégias de enfrentamento, sintomas, ansiedade, depressão e traços da personalidade.Piora nos sintomas de TA, ansiedade e depressão durante o confinamento. O aumento do nível de sintomas de TA durante a pandemia foi associado a um enfrentamento menos adaptativo de estratégias para lidar com a pandemia levando a um aumento de peso.
McCombie, Austin, Dalton, Lawrence e Schmidt (2020)“Now It’s Just Old Habits and Misery”–Understanding the impact of the COVID-19 pandemic on people with current orlife-time eating disorders: a qualitative Study.Frontiers in Psychiatry.   Reino UnidoIdentificar os processos psicológicos e comportamentais de pacientes com TA durante a pandemia. Piora e ressurgimento de quadros de TA durante a pandemia. Fatores como o isolamento, ansiedade, falta de estrutura, interrupção de rotinas e mensagens de mídia sobre peso e exercícios contribuíram para o agravamento.
Graell et al. (2020)Children and adolescents with eating disorders during COVID-19 confinement: Difficulties and future challengesInternational Journal of Eating Disorders    EspanhaO estudo teve como objetivo apresentar as adaptações aos protocolos de tratamento feitos em uma criança e um adolescente com TA durante o confinamento de oito semanas.Quase metade das crianças e adolescentes estudados teve reativação dos sintomas de TA apesar do tratamento, e pacientes graves (25%) apresentaram automutilação e risco de suicídio.
Brown et al. (2021)A qualitative exploration of the impact of COVID-19 on individuals with eating disorders in the UKAppetit.   Reino Unido.Investigar o impacto da COVID-19 e as medidas de saúde pública associadas em adultos com TA. Foram realizadas 10 entrevistas em profundidade com adultos de 24 a 38 anos com autorrelato de comportamento alimentar durante o confinamento.Aumento da responsabilidade por si e pelos outros, (falta de rotina e atividade física, necessidade de planejamento, desejo de sigilo sobre compras de alimentos, restrições no acesso de serviços à saúde mental). O impacto do isolamento foi um catalisador para o aumento do comportamento alimentar desordenado, sendo possível identificar que a pandemia foi um impulso para o processo de recuperação.
Branley-Bell e Talbot (2020).Exploring the impact of the COVID-19 pandemic and UK lockdown on individuals with experience of eating disordersPsyArXiv.   Reino Unido.Investigar o impacto do isolamento devido à pandemia em indivíduos com TA residentes no Reino Unido.O estudo constatou impactos prejudiciais no estado psicológico dos participantes, apontando a necessidade de intervenções de apoio durante e após a pandemia, destacando as desigualdades na oferta de serviços de saúde disponíveis durante a pandemia.
Christensen et al. (2021)Food insecurity associated with elevated eating disorder symptoms, impairment, and eating disorder diagnoses in an American University student sample before and during the beginning of the COVID-19 pandemicInternational Journal of Eating Disorders.   Estados UnidosEste estudo testou a associação entre insegurança alimentar e TA, incluindo diagnóstico provável de TA em estudantes de uma universidade, comparando o período antes e durante o início da pandemia. Maior frequência de CA, jejum compensatório e comprometimento relacionado à TA para estudantes com insegurança alimentar em comparação com indivíduos sem insegurança alimentar. Maior prevalência de diagnósticos de TA entre indivíduos com insegurança alimentar em comparação com aqueles sem insegurança alimentar. Não houve diferença na insegurança alimentar antes ou durante o início da pandemia.
Giel, Schurr, Zipfel, Junne e Schag (2021)Eating behaviour and symptom trajectories in patients with a history of binge eating disorder during COVID-19 pandemicInternational Journal of Eating Disorders.   Alemanha.Este estudo longitudinal investiga trajetórias de sintomas de TA até o primeiro lockdown em pacientes com histórico de CA.A frequência de TA e sintomas depressivos aumentou acentuadamente após o surto de coronavírus em comparação com antes. 
Machado et al. (2020)Impact of COVID-19 lockdown measures on a cohort of eating disorders patientsJournal of Eating Disorders.   Portugal.Avaliar o impacto do isolamento em pacientes com TA que estavam fazendo acompanhamento como parte de um estudo de tratamento naturalístico.O impacto do isolamento teve correlação significativa com os sintomas de TA, além de ser associado ao aumento de alguns fatores, como impulsividade, dificuldades na regulação da emoção e prejuízo clínicos pós-isolamento.
Fernández‐Aranda et al. (2020)COVID Isolation Eating Scale (CIES): Analysis of the impact of confinement in eating disorders and obesity – A collaborative international studyEur Eat Disord Rev.   Espanha, Austrália, EUA, UK, Áustria, Itália, Bélgica, ZA, Geórgia, Portugal, Suíça, Hungria, Israel, CZ, Japão, Coréia do Sul, Rússia, Letônia, França, Ucrânia, China.Analisar as propriedades psicométricas da Isolation Eating Scale (CIES) e investigar as alterações devido ao confinamento nos sintomas alimentares, além de averiguar a aceitação geral do uso de telemedicina durante o confinamento.O estudo identificou que os impactos positivos e negativos do confinamento dependem do subtipo de TA, constatando que pacientes com AN têm maior insatisfação e dificuldade de adaptação com a psicoterapia remota.
Levinson, Spoor, Keshishian e Pruitt (2021)Pilot outcomes from a multidisciplinary telehealth versus in-person intensive outpatient program for eating disorders during versus before the COVID-19 pandemicInternational Journal of Eating Disorders.   Estados Unidos.Investigar diferenças no atendimento presencial e o de tele saúde em pacientes com TA antes e durante a pandemia. Não foi encontrado diferença entre atendimento presencial e o telessaúde. Sintomas de DE, depressão e perfeccionismo diminuíram significativamente e o índice de massa corporal aumentou significativamente. O início da pandemia levou ao aumento de diagnósticos de TA no público em geral, bem como a piora de sintomas de TA naqueles com um diagnóstico de TA já existente anteriormente à pandemia.
Monteleone et al. (2021)Risk and resilience factors for specific and general psychopathology worsening in people with Eating Disorders during COVID-19 pandemic: a retrospective Italian multicentre study.Eat Weight Disord   Itália.Investigar os fatores que contribuíram para a piora durante a época das restrições impostas pela pandemia na psicopatologia geral e específica de pessoas com TA.O estudo mostrou que o medo do contágio do coronavírus, o isolamento social e a baixa qualidade nas relações psicoterapêuticas são fatores de risco para o agravamento dos quadros da psicopatologia geral e específica dos TAs durante o período de isolamento.

Fonte: Dados da pesquisa

Com base nesse levantamento, pôde-se encontrar pontos de conexão entre as linhas de pesquisa dos artigos que estão sendo publicados em diferentes países, sendo os principais:  Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Itália, Espanha e Austrália. Desse modo, percebeu-se também uma carência de trabalhos publicados em vários países, inclusive, notadamente, no Brasil. Além disso, ressalta-se que ainda não está sendo possível identificar a influência do status econômico e do grau de desenvolvimento dos países em relação ao volume de trabalhos publicados. 

A pandemia de COVID-19 gerou implicações não somente em relação ao medo da morte, mas também na vivência nos âmbitos familiares, no fechamento de empresas, escolas e locais públicos, mudanças na rotina e isolamento. Desse modo, tais implicações levaram a sentimentos fortes de desamparo e abandono na população. Em outro estudo, feito por Brooks et al. (2020), foi constatado que pacientes infectados com COVID-19 ou mesmo com a suspeita de infecção tendem a apresentar intensas reações emocionais e comportamentais, como ansiedade, insônia, raiva, tédio, solidão e medo, condições essas que podem desencadear transtornos depressivos, ansiedade ou levar ao suicídio. 

No estudo de Brown et al. (2021), foi verificado que o maior tempo dentro de casa trouxe uma melhora nas relações e no vínculo com os familiares e amigos, como também mais tempo para o autocuidado e um maior cuidado com a própria alimentação, além de maior motivação para o tratamento com a sensação de realização por lidar com o tratamento alimentar sem suporte profissional (Brown et al., 2021). Já em outro estudo efetuado por Phillipou et al. (2020), comparando um grupo de indivíduos com transtornos alimentares com a população geral, foi observado que o grupo amostral apresentou uma diminuição da restrição e compulsão alimentar durante a pandemia em comparação com a população geral. 

Um fator que apresentou mudanças foi o de serviço de atendimento para o tratamento dos indivíduos com transtornos alimentares, passando do atendimento presencial para o remoto, o que ensejou a continuidade de muitos tratamentos (Clark Bryan et al., 2020). Embora a possibilidade do atendimento por ferramentas de telessaúde ser uma opção, as pesquisas realizadas por Fernández-Aranda et al. (2020) registraram algumas dificuldades na adesão, além de perceberem a necessidade do desenvolvimento de estratégias com métodos mais diversificados para proporcionar um vínculo afetivo. No que se refere à avaliação da eficiência da psicoterapia on-line, quatro dos quatorze estudos selecionados (Fernández‐Aranda et al., 2020; Linardon et al., 2021; Schlegl, et al., 2020; Termorshuizen et al., 2020) indicam dificuldades de adaptação, mas foi utilizada na maioria dos casos. Esse dado é interessante, pois os atendimentos on-line se tornaram uma possibilidade para o acompanhamento médico e psicoterapêutico em época de total isolamento social devido ao risco de contágio do vírus. Embora já existissem atendimentos médicos e psicoterapêuticos on-line, na pandemia de COVID-19, essas práticas se reforçaram e muitos profissionais e pacientes passaram a aderir como uma prática eficiente. 

Com base nas análises do levantamento das bibliografias, constataram-se os fatores atinentes à anorexia e bulimia na pandemia de COVID-19 que foram e que ainda estão sendo investigados pelos pesquisadores que estudam tal temática. Os principais resultados indicaram que depressão, ansiedade, compulsão alimentar, frequência de exercício físico, risco de suicídio, disfunção erétil, restrição alimentar, qualidade do vínculo com familiares e avaliação da eficiência da psicoterapia on-line são os fatores que mais estão sendo investigados. 

No estudo de revisão integrativa da literatura de 14 trabalhos (artigos científicos) feito por Coutinho et al. (2021) sobre o impacto da pandemia de COVID-19 nos transtornos alimentares, constatou-se que os efeitos psicológicos durante a pandemia nesta população ligavam-se a uma desorganização dos comportamentos alimentares, levando ao aumento da restrição alimentar, episódios de compulsão alimentar e comportamentos compensatórios. Entretanto, o estudo também apontou que o maior tempo dentro de casa trouxe melhora nas relações e no vínculo com os familiares e amigos (Brown et al., 2021). 

Nesse contexto, Holt-Lunstad et al. (2015) destacam que o distanciamento físico obrigatório entre os indivíduos pode privar o apoio social, contribuindo com a sensação de solidão, que é um dos fatores de risco para problemas psicológicos em geral, como também para o desenvolvimento e a permanência dos transtornos alimentares, como destacam Levine (2012) e Watson et al. (2017). Em relação aos fatores de risco para os transtornos alimentares, o estudo de Becker et al., (2017) aponta que as restrições sociais, a redução da disponibilidade e do acesso às comidas, a possibilidade de estocar alimentos em casa podem ser importantes fatores de risco para pessoas com transtornos alimentares, porque pode estimular a compulsão alimentar, o jejum e os comportamentos compensatórios. Outro fator de risco apontado por Koeze e Popper (2020) é o medo do contágio e as mensagens com atenção total aos sintomas físicos referentes ao Coronavírus (falta de ar, alterações no olfato e paladar, dores musculares, entre outros), pois se estimula uma hipervigilância concernente ao próprio corpo, gerando efeitos e impactos na distorção de imagem corporal e sintomas alimentares.

Nesta mesma perspectiva, porém, especificamente sobre o isolamento imposto pela pandemia de COVID-19, o estudo de Cooper et al. (2020) revela que o impacto do isolamento pode ser ainda mais grave para indivíduos com transtornos alimentares que também são membros de populações minoritárias, como por exemplo membros da comunidade LGBTQIA+, visto que para esta população o apoio social é mais crítico. Outro aspecto importante a ser mencionado é que as restrições de exercícios físicos em academias e o aumento de incentivo às atividades físicas mesmo que em casa podem levar a uma potencialização nas preocupações com o peso e com a forma corporal, além de influir na rotina de alimentação e levar ao engajamento de comportamentos compensatórios, como o aumento da restrição alimentar e métodos de purgação (Cooper et al., 2020).

A passagem dos atendimentos presenciais para os atendimentos remotos foi uma vivência nova para muitos pacientes e profissionais. No artigo de Falco et al. (2023), os autores citam um estudo no Reino Unido que evidenciou que usuários com TA sentiram que o ambiente virtual era menos seguro em virtude da não existência de um setting confidencial para se expressarem livremente. Além desse estudo, esses mesmos autores descrevem um estudo desenvolvido em Israel, constatando que a mudança do atendimento presencial para o remoto foi compreendido pelos pacientes como uma condição atípica e necessária, mas que, em condições de escolha, não optariam pelo atendimento remoto. Ainda de acordo com Falco et al. (2023), o atendimento remoto foi considerado um fator protetor contra a piora do quadro clínico associado à sintomatologia dos transtornos alimentares. Ademais, o estudo desses autores evidenciou que a facilidade de acesso aos profissionais do serviço e o suporte ofertado por eles foram entendidos como pontos cruciais para a manutenção do tratamento. Desse modo, a passagem do atendimento presencial para o remoto fez com que os pacientes não ficassem desassistidos, sendo julgado assim um fator protetor e acolhedor. 

5. CONCLUSÃO

O objetivo deste estudo de verificar a dinâmica e tendências das pesquisas publicadas com a temática sobre transtornos alimentares e pandemia de COVID-19, a partir de uma revisão integrativa da literatura, teve como enfoque encontrar dados de publicação que permeiem os aspectos de alterações emocionais, novos sintomas atinentes à anorexia e bulimia, alterações no comportamento alimentar, frequência de exercícios físicos durante a pandemia, o luto durante a pandemia e patologias associadas à anorexia e bulimia, como a depressão e a ansiedade. 

Os principais resultados evidenciaram que depressão, ansiedade, compulsão alimentar, frequência de exercício físico, risco de suicídio, disfunção erétil, restrição alimentar, qualidade do vínculo com familiares e avaliação da eficiência da psicoterapia on-line são os fatores mais investigados por esses artigos que foram selecionados nessa pesquisa. 

Esta pesquisa proporcionou uma visão desse cenário complexo que é o transtorno alimentar em um contexto social em crise de saúde pública como foi a pandemia de COVID-19, além de uma melhor compreensão da percepção dos autores que investigam e pesquisam sobre essa temática em diferentes países. O desenvolvimento desta pesquisa proporcionou, também, uma percepção fundamental sobre a importância de uma revisão integrativa da literatura, visando a ampliação e o aprofundamento de pesquisas em saúde mental, mais especificamente sobre os transtornos alimentares. 

Um aspecto importante a ser ponderado é que os artigos científicos selecionados para serem discutidos nesta revisão de literatura, foram os publicados entre os anos de 2020 e 2021. Desse modo, sugere-se que uma revisão de literatura seja realizada em pesquisas futuras em um período pós pandemia, para que futuras pesquisas nessa área possam ser articuladas abrangendo outros fatores psicológicos em relação aos transtornos alimentares no período pós pandemia de COVID-19. Nesse sentido, os estudos futuros poderão oferecer dados relevantes com o intuito de verificar aproximações e divergências nos resultados para enriquecer essa linha de investigação, com o potencial de trazer novos conhecimentos para a área científica e também para o campo da psicologia clínica. 

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 1Psicóloga. Mestre em Ciências do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP-SP). e-mail: debbserra90@gmail.com
2Professora Dra. e Livre Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP-SP). e-mail: ivonise@usp.br