REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11557462
Thiago Lamont Couto De Lacerda
Orientador: Prof. Adoniram Pereira Ramos
RESUMO
No atual contexto de avanços tecnológicos acelerados e da onipresença da internet, observa-se um aumento significativo na exposição dos indivíduos a uma gama de vulnerabilidades, especialmente relacionadas aos delitos cibernéticos. Esta realidade impõe a necessidade imperativa de um arcabouço legislativo mais eficaz e adaptável, capaz de prevenir e combater eficientemente tais práticas ilícitas no meio digital. Neste sentido, o presente estudo aprofunda-se na análise do desenvolvimento histórico da internet, delineando o cenário que propiciou o surgimento e a evolução do cibercrime, bem como na identificação e caracterização dos agentes infratores no ciberespaço. Além disso, a discussão sobre a violação de direitos autorais no meio digital conduz à reflexão sobre os princípios de acesso à cultura e ao conhecimento, colocando em cheque o equilíbrio entre a justa remuneração dos criadores e o direito ao livre acesso à informação. Esta problemática evidencia a necessidade de repensar os modelos tradicionais de proteção dos direitos autorais, buscando adaptá-los às especificidades do ambiente digital, de modo a fomentar tanto a inovação quanto a justa distribuição dos benefícios gerados pela criação intelectual. Com o objetivo de investigar a complexidade jurídica das condutas ilícitas mais prevalentes no ambiente virtual, esta pesquisa propõe uma análise crítica dos marcos legislativos que compõem o ordenamento jurídico brasileiro em relação aos crimes digitais. A investigação abrange desde as iniciativas legislativas pioneiras, que marcaram os primeiros esforços de regulamentação, até as normativas mais recentes, refletindo sobre sua eficácia em responder às dinâmicas e desafios impostos pela constante evolução tecnológica. A metodologia adotada neste trabalho consiste em uma abordagem dedutiva, fundamentada na análise de perspectivas doutrinárias, revisão de legislações relevantes – tanto aquelas já superadas quanto as atualmente vigentes – e na consulta a uma diversidade de fontes bibliográficas especializadas no tema. Esta dissertação estrutura- se em três capítulos principais, que exploram, respectivamente, o panorama histórico e conceitual do cibercrime, a evolução legislativa no Brasil e, por fim, uma análise crítica da efetividade das leis atuais frente aos desafios impostos pelo ciberespaço. Ao concluir este estudo, evidencia-se que o fenômeno do cibercrime continua a representar um desafio significativo para o direito no Brasil. Apesar dos esforços legislativos, as normas em vigor revelam-se muitas vezes insuficientes para abordar de maneira eficaz a complexidade e a velocidade com que novas modalidades de crimes digitais surgem. Assim, destaca-se a urgente necessidade de desenvolver estratégias legislativas mais dinâmicas e adaptáveis, que possam não só acompanhar a evolução tecnológica, mas também oferecer proteção efetiva aos cidadãos no ambiente digital.
Palavras chaves: Rede Mundial de Computadores. Delitos Digitais. Agente de Cibercrime. Normativa Pertinente. Direitos autorais.
ABSTRACT
In the current context of accelerated technological advancements and the omnipresence of the internet, there is a significant increase in individual exposure to a range of vulnerabilities, especially those related to cybercrimes. This reality necessitates the imperative need for a more effective and adaptable legislative framework, capable of preventing and efficiently combating such illicit practices in the digital realm. In this sense, the present study delves into the analysis of the historical development of the internet, outlining the scenario that facilitated the emergence and evolution of cybercrime, as well as identifying and characterizing the offending agents in cyberspace. Moreover, the discussion on the violation of copyright in the digital medium leads to a reflection on the principles of access to culture and knowledge, questioning the balance between fair remuneration for creators and the right to free access to information. This issue highlights the need to rethink traditional copyright protection models, aiming to adapt them to the specificities of the digital environment in order to foster both innovation and the fair distribution of benefits generated by intellectual creation. With the goal of investigating the legal complexity of the most prevalent illicit conducts in the virtual environment, this research proposes a critical analysis of the legislative landmarks that compose the Brazilian legal system in relation to digital crimes. The investigation spans from pioneering legislative initiatives, which marked the first efforts at regulation, to the most recent norms, reflecting on their effectiveness in responding to the dynamics and challenges imposed by the constant technological evolution. The methodology adopted in this work consists of a deductive approach, based on the analysis of doctrinal perspectives, review of relevant legislation – both obsolete and currently in force – and consultation of a variety of specialized bibliographic sources on the topic. This dissertation is structured into three main chapters, which explore, respectively, the historical and conceptual panorama of cybercrime, the legislative evolution in Brazil, and, finally, a critical analysis of the effectiveness of current laws in facing the challenges posed by cyberspace. Upon concluding this study, it becomes evident that the phenomenon of cybercrime continues to represent a significant challenge for law in Brazil. Despite legislative efforts, the current norms often prove insufficient to effectively address the complexity and speed at which new forms of digital crimes emerge. Thus, the urgent need to develop more dynamic and adaptable legislative strategies is highlighted, which can not only keep pace with technological evolution but also provide effective protection to citizens in the digital environment.
Keywords: World Wide Web. Digital Crimes. Cybercrime Agent. Relevant Legislation. Copyright.
INTRODUÇÃO
O avanço tecnológico e a ubiquidade da internet transformaram profundamente a sociedade contemporânea, ampliando as fronteiras da informação e comunicação. Paralelamente, essa expansão digital propiciou o surgimento e a proliferação de novas modalidades de crimes, especialmente aqueles relacionados à violação de direitos autorais, configurando um verdadeiro desafio à proteção da propriedade intelectual. Consagrada tanto em âmbito nacional quanto internacional, a proteção à propriedade intelectual enfrenta desafios inéditos diante das facilidades de reprodução e distribuição de conteúdo protegido na internet. Este trabalho visa analisar o panorama jurídico dos crimes de direitos autorais no Brasil, destacando a legislação pertinente, as lacunas existentes e as perspectivas futuras para um combate mais eficaz a essas infrações no ambiente digital, enfatizando a importância do respeito ao princípio da *Pacta Sunt Servanda* e o papel da doutrina do *Fumus Boni Juris* na interpretação dos direitos autorais no cenário digital.
Com essa evolução, emergiu a internet, propulsora do crescimento exponencial do acesso à tecnologia digital (smartphones, computadores, tablets, entre outros). A era digital, inaugurada pela internet, possibilitou novas formas de interação social, ampliando a capacidade de coleta e compartilhamento de informações pessoais e a comunicação com indivíduos ao redor do globo. A rede mundial de computadores se estabeleceu como um veículo crucial para a comunicação e disseminação de informações, além de facilitar a interação humana em variados aspectos, em qualquer canto do planeta. Contudo, essa convivência digital também expôs a sociedade aos aspectos negativos dessa revolução. A velocidade e a facilidade de disseminação de dados na internet propiciaram o uso desta ferramenta para a prática de atos ilícitos, denominados crimes cibernéticos, desafiando os princípios da *Bona Fide* e da dignidade da pessoa humana.
No âmbito virtual, uma vasta gama de delitos cibernéticos é cometida, violando informações privadas, dados pessoais, contas bancárias, imagens, vídeos e conversas íntimas, o que atenta contra a dignidade da pessoa humana e acarreta danos irreparáveis às vítimas. Frente a essas práticas delituosas, a necessidade de regulamentação pelo Direito Penal tornou-se imperativa, com o intuito de estabelecer a aplicabilidade das normativas penais no universo digital. O ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, instituiu legislações e medidas com o objetivo de combater esses crimes de maneira efetiva, esforço que ganhou novas dimensões especialmente durante a pandemia da COVID-19, que intensificou o uso da internet e das mídias sociais devido ao isolamento social, ressaltando a máxima Periculum In Mora na implementação de medidas legislativas ágeis.
A relevância do tema em discussão é incontestável, demandando estudos e análises aprofundadas, visto que os delitos virtuais afetam milhares de indivíduos diariamente, manifestando-se sob diversas formas. Além disso, a Carta Magna do Brasil assegura a inviolabilidade da intimidade, da honra e da vida privada, direitos frequentemente violados por tais infrações, evidenciando a necessidade de uma aplicação rigorosa do princípio Erga Omnes.
Portanto, é primordial investigar como o Direito Nacional tem se adaptado a essa nova realidade tecnológica e quais medidas adicionais podem ser adotadas para assegurar a eficácia das normas penais, sob a ótica do Modus Operandi dos cibercriminosos. Este estudo visa elucidar a natureza e os principais delitos virtuais perpetrados no território brasileiro, bem como identificar os perpetradores desses crimes, adotando uma abordagem teórica, explicativa e descritiva, em consonância com a metodologia jurídica.
A pesquisa fundamenta-se em literatura especializada, artigos científicos, documentos e análises de casos, visando, por meio da investigação, registro, análise e interpretação de fenômenos contemporâneos, compreender seu funcionamento atual e aprofundar o entendimento sobre a matéria, enfatizando os aspectos mais relevantes e críticos, sempre com a devida vênia à complexidade e ao dinamismo das relações jurídicas no ambiente digital.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA INTERNET E DO CIBERCRIME
Historicamente, é evidente que a humanidade sempre buscou evoluir seus métodos de comunicação e informação com o objetivo de conectar comunidades, independente de suas diferenças geográficas, culturais ou religiosas. Esse impulso incessante por inovação, impulsionado por extensivas pesquisas, estudos e invenções, culminou na era digital que hoje conhecemos.
No decorrer do século XX, observou-se um salto quântico em termos de inovações tecnológicas, especialmente com o advento de dispositivos digitais, como os computadores, que foram peças-chave no desenvolvimento da internet em 1969. A internet transformou radicalmente o comportamento social, tornando-se um recurso indispensável no cotidiano das pessoas e fomentando uma sociedade altamente dependente da tecnologia da informação. A democratização do acesso a dispositivos digitais, cada vez mais avançados, tem facilitado a comunicação e o compartilhamento de informações ao redor do globo, digitalizando muitas práticas cotidianas através de sistemas computacionais.
Contudo, essa transformação social também pavimentou o caminho para a proliferação de atos ilícitos no ambiente virtual, expondo os usuários a riscos associados à tecnologia da informação. Essas práticas delituosas no ciberespaço são comumente conhecidas como cibercrimes, manifestando-se sob variadas formas.
1.1 CONCEITUAÇÃO E ESTRUTURA DA INTERNET
A internet constitui-se como uma vasta malha de computadores interconectados globalmente, utilizando-se de cabos, conexões discadas, tecnologias de micro-ondas, satélites e outros meios de telecomunicação. Essa rede mundial opera sob o protocolo TCP/IP, facilitando o acesso a um leque extenso de informações e a transferência de dados, abrigando uma diversidade de recursos e serviços no âmbito virtual, conhecido como ciberespaço. Nesse contexto, a segurança digital emerge como um campo de intensa batalha entre agentes protetores e maliciosos (CASSANTI, 2014, p. 01).
Originada no período da Guerra Fria, a internet foi fruto de projetos desenvolvidos pela DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), resultando na criação da ARPANET, uma rede experimental de computadores na década de 60. Seu propósito inicial era de natureza militar, buscando estabelecer um sistema de comunicação alternativo entre centros de comando e controle, resiliente a ataques, sem um ponto central de comando, garantindo a continuidade da comunicação mesmo sob ataque (MORAES, 2004).
De origem estadunidense, a ARPANET expandiu-se, conectando-se a outras instituições acadêmicas e tecnológicas globalmente, promovendo um uso mais cultural e acadêmico do que militar. A internet, como hoje é conhecida, tomou forma em 1994 com a implementação da World Wide Web (WWW) por Tim Berners-Lee no CERN, em Genebra (CASTELLS, 2003). VILHA elucida que a web permite a navegação na internet através de textos, imagens e hiperlinks, sendo a seção que mais cresce dentro da internet (VILHA, 2002, p. 20).
Com a web, foi possível a transmissão não apenas de textos, mas também de imagens, vídeos e áudios, promovendo a criação de interfaces gráficas e a expansão de provedores de acesso, democratizando o acesso à internet. A popularização da internet levou a sua expansão global, melhorando sua infraestrutura e acessibilidade, permitindo o acesso através de uma ampla gama de dispositivos, além dos computadores tradicionais. Segundo o IBGE, em 2017, 74,9% dos domicílios brasileiros acessavam a internet, sendo o smartphone o meio predominante de acesso em 98,7% desses lares.
A internet continua evoluindo, fomentando o desenvolvimento de novas formas de comunicação e interação, além de impulsionar o avanço de outras tecnologias, ampliando a eficiência na transmissão de dados, execução de tarefas e oferta de serviços.
1.2 CONCEPÇÕES FUNDAMENTAIS ACERCA DA CIBERDELINQUÊNCIA
O ciberespaço emergiu como uma ferramenta de relevância ímpar globalmente, cuja aplicabilidade trouxe vastos benefícios em diversas esferas e atividades, consolidando-se como um pilar essencial no cotidiano das pessoas. Contudo, sua função enquanto meio de comunicação, intercâmbio de informações e dados, além de substituto de tarefas manuais ou presenciais por operações digitais e online, também o transformou em um veículo propício para a execução de atos ilícitos de natureza perigosa, vulgarmente referidos como delitos virtuais/informáticos/cibernéticos.
Estudos indicam que tais práticas delituosas virtuais tiveram início na década de 1970, porém, foi somente no término dos anos 90, durante um encontro do G-8, focado em debater estratégias de combate aos ilícitos perpetrados na rede, sob perspectivas punitivas e preventivas, que surgiu a nomenclatura “cibercrime”, empregada para designar as infrações penais efetuadas no ambiente digital. (D’URSO, 2017).
Atualmente, diversas terminologias são adotadas para descrever essas infrações penais, mas a maioria dos estudiosos as classifica como “crimes digitais”. Segundo CASSANTI: “Qualquer atividade que envolva o uso de um computador ou rede de computadores como ferramenta, alvo de ataque ou meio para a prática de crime é conhecida como cibercrime.
Outras denominações para essa atividade incluem: crime informático, crimes eletrônicos, delito virtual ou crime digital.” (CASSANTI, 2014, p. 03). Adicionalmente, CASSANTI destaca: “Delitos virtuais são infrações cometidas via internet que podem ser subsumidas ao Código Penal Brasileiro, acarretando sanções como pagamento de reparações ou reclusão.” (CASSANTI, 2016).
Assim, os delitos efetivados ou potencializados pela via digital, empregando a internet ou sistemas computacionais, podem lesar uma gama de bens jurídicos, sobretudo relativos às pessoas (vida, honra, liberdade individual, etc.) e ao patrimônio (material e imaterial).
O jurista ROSSINI, elucida que: “[…] a definição de ‘delito informático’ poderia ser esculpida como aquela ação típica e ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, perpetrada por ente físico ou jurídico, com o auxílio da informática, em rede ou isoladamente, que agrida, direta ou indiretamente, a segurança informática, cujos pilares sejam a integridade, disponibilidade e confidencialidade.” (ROSSINI, 2004, p. 110).
Como evidenciado, os ilícitos informáticos manifestam-se no universo digital, através da internet ou sistemas computacionais, realizados não apenas por meio de computadores, mas também via plataformas móveis, tais como celulares, smartphones, tablets, através de variadas modalidades, incluindo vírus, spam, botnet, phishing, spyware, worm, entre outros.
O cibercriminoso, definido como o agente que executa ação típica, antijurídica e culpável no âmbito virtual, será submetido a processo, julgamento e punição por suas condutas. Esses agentes não seguem um perfil único, podendo ser desde indivíduos com profundo conhecimento técnico sobre a internet, denominados hackers ou crackers, até usuários comuns que, por suas ações no meio virtual, cometem diversos crimes (fraudes, delitos contra a honra, pedofilia, racismo) em desfavor de outros usuários.
Os crackers, conforme descrito por FELIZARDO, são: “Cracker – especialista em informática que domina programação e desenvolvimento de sistemas. Infiltra-se no sistema computacional alheio ou rede, rompendo barreiras como senhas, licenças e proteções: atua de maneira ilegal e antiética, com intenção dolosa.” (FELIZARDO, 2010, p.135).
Portanto, compreende-se que os crackers são sujeitos que empregam seus saberes em TI para violar sistemas de segurança, criptografias e senhas, ilicitamente, com objetivos criminosos. Existem, ainda, categorias que representam distintas capacidades dos crackers, incluindo: Defacer: especialistas em marcar sites com mensagens de protesto; Spammer: disseminam e-mails com correntes e vírus que prejudicam ou subtraem informações dos usuários, desde dados pessoais até bancários; Cyberpunk: provocam danos às vítimas por mero prazer, podendo resultar na queda de servidores ou na eliminação total dos dados armazenados; Carder ou fraudadores: especializam-se no furto de informações bancárias, como números de cartões de crédito; Phisher: responsáveis por aplicar diversos golpes contra usuários por meio de links fraudulentos.
Por outro lado, os hackers, contrariamente ao senso comum, não estão vinculados ao roubo de dados ou invasão de sistemas. São caracterizados como programadores e desenvolvedores de sistemas de proteção e softwares, isto é, o hacker utiliza seu vasto conhecimento técnico para melhorar softwares de forma lícita e criar soluções inovadoras para problemas de programação e segurança. NOGUEIRA pontua: “Este sujeito geralmente domina a informática e é extremamente inteligente, aprecia invadir sites, mas na maioria das vezes sem intuito criminoso, desafiando-se mutuamente para demonstrar nossa vulnerabilidade no ciberespaço.” (NOGUEIRA, 2008, p.52).
Portanto, conclui-se que com o desenvolvimento e difusão dos meios eletrônicos e a advento da internet, a incidência de atos ilícitos por meio da esfera digital tem se intensificado. Os agentes exploram todos os recursos disponibilizados pela internet e demais tecnologias para perpetrar uma ampla variedade de infrações. Eles não necessitam, inclusive, possuir conhecimento avançado em informática, valendo-se do anonimato ou da equivocada percepção de estarem protegidos por uma barreira digital para promover ódio, difamação, ofensa, pirataria, subtração de informações, divulgação não autorizada de dados pessoais alheios, entre outros inúmeros delitos. Ademais, com o surgimento da dimensão oculta da internet, a “dark web” (parte anônima da deep web), crimes mais graves contra a honra e o patrimônio começaram a ser perpetrados e planejados, como pedofilia, terrorismo, apologia ao crime, comércio ilegal de produtos, armamentos, tráfico de drogas, entre outros.
A Deep Web é designada à porção da internet inacessível por mecanismos de busca convencionais, abrigando conteúdos sigilosos e de difícil localização, tornando-se refúgio para indivíduos mal-intencionados em busca de realizar atividades criminosas sem detecção. Assim, muitas pessoas passaram a utilizar a rede para violar direitos alheios, acreditando estar “a salvo da Justiça”, cometendo variadas infrações sem receio de serem capturadas. Contudo, o Brasil, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que determinou a informática como competência estatal, tem adotado medidas para enfrentar essa nova realidade, buscando alcançar os infratores no ambiente virtual e impondo punições no plano real.
A legislação brasileira dispõe de normativas que estabelecem direitos, obrigações e sanções relativas ao uso da internet no país, embora tais normas ainda não atendam plenamente às demandas sociais e à complexidade do fenômeno do cibercrime.
2. DELITOS INFORMÁTICOS NO CONTEXTO CIBERNÉTICO
Os delitos informáticos, conforme elucidado em discussões anteriores, configuram-se como condutas que infringem a lei e são caracterizadas por serem perpetradas mediante o emprego de tecnologias da informação, ou seja, ações que, valendo-se de recursos informáticos, atentam contra sistemas, dispositivos eletrônicos ou redes de computadores.
Conforme delineado por Jesus e Milagre (2016), essas ações delituosas são perpetradas por intermédio de algum aparato tecnológico, configurando-se, portanto, como atos contrários à lei realizados dentro de um ambiente digital (Rocha, 2017). A doutrina jurídica apresenta divergências quanto à categorização dos delitos efetuados por meios eletrônicos, assim como não há unanimidade na sua classificação. Alguns juristas os denominam como “delitos digitais”, outros preferem “delitos virtuais” e ainda há quem os chame de “delitos cibernéticos”.
A inserção dessas modalidades delitivas no ordenamento penal não se mostra uma tarefa simples, dada a constante e rápida evolução tecnológica, o que acarreta mudanças frequentes nas perspectivas dos legisladores acerca do tema. Entretanto, a classificação desses crimes continua sendo um assunto relevante, baseando-se na proteção do bem jurídico tutelado pelo direito penal (Fragoso, 1983). Nessa direção, os delitos virtuais são categorizados em próprios e impróprios. Os próprios consistem em ações ilegais e reprováveis, com a intenção de causar prejuízo a um sistema ou comprometer seus dados, afetando sua confiabilidade e integridade. Os impróprios, por sua vez, referem- se a condutas ilegais típicas, realizadas por meio de dispositivos informáticos, mas que poderiam ocorrer por outros meios, isto é, fora do ambiente virtual, como, por exemplo, crimes de racismo, incitação ao ódio, delitos contra a honra, entre outros (Sydow, 2014).
Além disso, os delitos cibernéticos podem ser cometidos por uma vasta gama de indivíduos, com a possibilidade de ocorrência de múltiplas ações lesivas simultaneamente, em diferentes locais do ambiente digital. Adicionalmente, os perpetradores desses delitos muitas vezes agem de maneira discreta e silenciosa, sem um local definido e de fácil localização pelas autoridades competentes, diferentemente dos crimes cometidos no âmbito físico.
O crime cibernético prescinde de interação física entre vítima e agressor, desenvolvendo-se em um espaço frequentemente desprovido de presença humana, governança ou jurisdição territorial específica, e não provocando, a princípio, uma percepção de violência em determinado segmento social, não havendo padrões estabelecidos para sua ocorrência (Sydow, 2009).
Portanto, a identificação de condutas criminosas no meio virtual torna- se complexa, haja vista a dificuldade em localizar o responsável pela ação delitiva, além de algumas práticas apresentarem características peculiares que demandam uma análise mais aprofundada para uma correta tipificação penal, permitindo, assim, a adoção de medidas cabíveis. Dessa forma, diante da diversidade de crimes perpetrados no ambiente virtual, este estudo se concentrará apenas nos principais.
2.1 FRAUDES CIBERNÉTICAS E O ESTELIONATO NA ERA DIGITAL
A origem dos delitos informáticos remonta à sabotagem de sistemas e tecnologias. Com a propagação do uso da internet, ampliou- se significativamente o espectro de indivíduos expostos, potencializando o surgimento de variadas modalidades delitivas (ROCHA, 2017). Nessa trajetória evolutiva, os delitos cibernéticos diversificaram-se, ultrapassando a mera sabotagem para abarcar ilícitos como o estelionato eletrônico, furto de dados e divulgação não consentida de conteúdo íntimo (FERREIRA, SANTOS E COSTA, 2019).
O estelionato, delito previamente reconhecido no âmbito social e jurídico, perpetrado tanto virtualmente quanto no mundo físico, encontra-se tipificado no art. 171 do Código Penal brasileiro. O advento da pandemia da COVID-19 evidenciou um incremento nas atividades criminosas via internet, culminando na proposta do Projeto de Lei nº 4.554/2020. Este projeto visa instituir uma forma qualificada para os crimes de furto e estelionato praticados pela internet, intensificando as penalidades aplicáveis a tais condutas, conforme descrito a seguir: Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
Fraude Eletrônica § 2º-A. Se a fraude for cometida por meio da utilização de informações cedidas pela vítima ou por terceiros enganados através de redes sociais, contatos telefônicos, correio eletrônico fraudulento ou outros meios análogos, a pena será de reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além de multa. § 2º-B. A pena prevista no § 2º-A deste artigo será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), caso o crime seja realizado utilizando-se de servidores localizados fora do território nacional.
Estelionato contra Idoso ou Vulnerável § 4º. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime for cometido contra idoso ou pessoa vulnerável, considerando a gravidade do resultado (BRASIL, 2021). Na esfera cibernética, o estelionato caracteriza-se pela ação dolosa do agente em induzir ou manter a vítima em erro, com o propósito de auferir vantagem ilícita para si ou terceiros. Comumente, a fraude se materializa através do envio de links maliciosos via e-mail, mensagens de texto ou redes sociais, como WhatsApp e Instagram, utilizando-se de pretextos falsos como isca para os incautos.
Essa prática, conhecida como “Phishing”, direciona o usuário a páginas fraudulentas, onde são solicitados dados pessoais e financeiros, facilitando a posterior apropriação ilícita de valores ou realização de transações em nome da vítima. Ademais, a disseminação de arquivos contaminados por malwares, capazes de subtrair informações ou corromper dados do dispositivo, constitui outra faceta desse delito.
O “Typosquatting”, estratégia de criar sites espúrios que imitam domínios de empresas renomadas para capturar dados dos usuários, assim como a clonagem de números telefônicos para solicitar transferências financeiras sob falsas premissas, ilustram a adaptabilidade dos criminosos às novas tecnologias e o constante desafio à segurança cibernética.
Portanto, à medida que a internet se expande e os mecanismos de proteção digital se sofisticam, emergem novas técnicas para a perpetração de fraudes virtuais, demandando vigilância e atualização constante das estratégias de combate a esses crimes.
2.2 DELITOS CONTRA A DIGNIDADE PESSOAL
No contexto da era digital e com a evolução tecnológica das plataformas online e das mídias sociais, a exposição pública dos indivíduos intensificou-se, resultando em uma vulnerabilidade maior de sua imagem, privacidade e, consequentemente, de sua dignidade pessoal.
A dignidade é compreendida como o conjunto de atributos físicos, éticos e intelectuais de uma pessoa, que a credencia a receber respeito dentro da esfera social. É a dignidade que estabelece se o sujeito será ou não integrado em determinado círculo social, configurando-se, assim, como um ativo pessoal indispensável à proteção jurídica (CRESPO, 2011).
Os delitos contra a dignidade estão elencados nos artigos 138 (calúnia), 139 (difamação) e 140 (injúria) do Código Penal Brasileiro, adquirindo uma amplitude significativamente maior quando perpetrados no meio virtual. É imperioso destacar que, nessa legislação, a “dignidade” abarca as facetas objetivas e subjetivas.
A dignidade objetiva diz respeito à percepção externa sobre os atributos físicos, intelectuais e morais de uma pessoa. Refere-se à estima que o indivíduo detém no seio comunitário, ou seja, à sua reputação enquanto membro da sociedade (CAPEZ, 2019). Por outro lado, a dignidade subjetiva relaciona-se com a autoimagem do sujeito, englobando sua autoestima e o julgamento pessoal sobre suas qualidades morais, físicas e intelectuais, independentemente da visão alheia (CAPEZ, 2019).
Com a falsa percepção de um ambiente cibernético desregulado, onde a exposição dos usuários é amplificada pela possibilidade de anonimato ou pelo equívoco de que podem se ocultar por trás de perfis virtuais, os delitos contra a dignidade tornam-se cada vez mais frequentes na internet.
O delito de difamação, tipificado no artigo 139 do Código Penal, consiste em difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação, independentemente da veracidade do fato. Assim, o crime se consuma com o conhecimento de terceiros sobre a imputação desonrosa, sendo que, no âmbito virtual, verifica-se com a divulgação de tal imputação em redes sociais, por exemplo. Logo, ataca-se a dignidade objetiva do ser humano, excluindo-se a pessoa jurídica como sujeito passivo, aplicando-se, neste caso, a Lei nº 5.250/67 – Lei de Imprensa (INELLAS, 2004). O delito de calúnia, preconizado no art. 138 do Código Penal, caracteriza-se pela imputação falsa de um fato criminoso a alguém, conhecendo o agente a inverdade da alegação, lesionando, assim, a dignidade objetiva da vítima e sua reputação perante a sociedade.
No ambiente digital, tal crime se efetiva quando um indivíduo atribui falsamente a prática de um delito a outro através de comentários, publicações, fotos ou vídeos nas mídias sociais. A jurisprudência e a doutrina divergem quanto à possibilidade de pessoas jurídicas serem sujeitos passivos do delito de calúnia. Contudo, com a entrada em vigor da Lei n. 9.605/98, que tipifica os delitos contra o Meio Ambiente, abriu-se precedente para a calúnia contra pessoa jurídica, mediante imputação falsa de crime ambiental (MIRABETE, Júlio Fabrini, 2006).
O delito de injúria, estipulado no art. 140 do Código Penal, ocorre quando se atribui a alguém qualidade negativa que afeta suas características pessoais, ofendendo sua dignidade ou decoro de maneira subjetiva. Diferentemente da calúnia e da difamação, a injúria relaciona-se à atribuição de uma qualidade negativa, não de um fato, e consuma-se com o conhecimento da vítima sobre a ofensa.
Nos ambientes virtuais, a injúria manifesta-se por meio de comentários, mensagens e publicações que atribuem qualidades negativas às características morais, físicas ou intelectuais de alguém. Tanto o agente quanto a vítima podem ser qualquer pessoa física, excluindo-se as pessoas jurídicas, por não possuírem dignidade no sentido jurídico (PRADO, 2006).
2.3 EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MENORES NA INTERNET
Nos últimos tempos, o Brasil tem feito progressos significativos no combate aos delitos contra a dignidade sexual perpetrados através da internet. Foram instituídas medidas legislativas eficazes tanto no âmbito processual quanto no penal para enfrentar tais crimes (BARRETO, 2021).
A exploração sexual infantil online é reconhecida como um ato criminoso e uma forma de agressão sexual contra indivíduos em condição de vulnerabilidade, isto é, crianças e adolescentes. Este delito encontrou um terreno fértil para sua disseminação com o advento da internet. Sua caracterização legal está prevista tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quanto no Código Penal, além de ser contemplada pela Convenção dos Direitos da Criança da ONU, datada de 1989. As normativas contidas nos artigos 240 a 241-E do ECA especificam as ações que configuram o crime de pornografia infantil, objetivando a criminalização da obtenção e posse de material pornográfico infantil, e também o combate à sua produção, comercialização e distribuição.
Especificamente, o artigo 240 do ECA incrimina as atividades de produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cenas de sexo explícito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente, estipulando penas de reclusão de quatro a oito anos, além de multa.
Ademais, ressalta-se que a pornografia infantil não se restringe apenas àqueles que buscam satisfação pessoal através de seu consumo, mas também inclui aqueles que visam lucro através da criação e venda de material pornográfico envolvendo menores. Nesse contexto, o artigo 241 do ECA prevê punição para a venda ou exposição à venda de fotografias, vídeos ou outros registros que contenham cenas de sexo explícito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente, com penas de reclusão de quatro a oito anos, além de multa.
Também são passíveis de sanções aqueles que, de qualquer forma, compartilham, trocam, publicam, divulgam, oferecem, possuem ou armazenam, bem como simulam a participação de crianças ou adolescentes em cenas de conteúdo pornográfico, mesmo sem finalidade lucrativa, de acordo com os artigos 241-A a 241-C do ECA.
O aumento exponencial deste crime com a expansão da internet e o surgimento da deep web, uma plataforma de difícil acesso que abriga atividades ilícitas através de sites não indexados por motores de busca convencionais como o Google, representa um desafio para as autoridades na identificação e persecução dos responsáveis, que muitas vezes operam anonimamente.
A jurisprudência sobre o tema é rigorosa, enfatizando o caráter transnacional do crime quando praticado via internet, como ilustrado na decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Habeas Corpus Nº 413.069 – SP (2017/0208680-6), sob relatoria do Ministro Joel Ilan Paciornik.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também sustenta que a mera divulgação de conteúdo sexual envolvendo menores já configura o crime de pornografia infantil, conforme demonstrado em decisão da Primeira Turma do STF relacionada ao art. 241 do ECA.
Portanto, a pornografia infantil é um delito intencional, que exige apenas o potencial de dano, sem necessidade de prejuízo material concreto para sua consumação, tendo como alvo a proteção da integridade moral de crianças e adolescentes. O art. 241-A, parágrafo 2º, do ECA permite que a autoridade policial ou o Ministério Público solicitem aos responsáveis técnicos de sites que removam conteúdos pornográficos envolvendo menores em até 24 horas, sob pena de reclusão de três a seis anos e multa. Tal medida também pode ser requerida pelos pais ou responsáveis legais da vítima, recomendando- se a instauração de inquérito e indiciamento em caso de não cumprimento (BARRETO, 2021).
2.4 CRIMES DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS – ENFOQUES LEGAIS E DOUTRINÁRIOS NO AMBIENTE DIGITAL
Os crimes relacionados à violação de direitos autorais estão previstos na Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998), que estabelece as normas de proteção à propriedade intelectual no Brasil. Essas infrações ocorrem quando há utilização, reprodução, distribuição ou qualquer forma de exploração de obras protegidas sem a devida autorização do titular dos direitos autorais.
A legislação abrange uma ampla gama de obras, incluindo textos, músicas, obras audiovisuais, pinturas, fotografias, entre outros. A violação desses direitos pode resultar em sanções civis, como a obrigação de indenizar o autor pelos danos causados, e também em penalidades criminais, conforme estipulado nos artigos 184 e 186 do Código Penal Brasileiro. Essas penalidades incluem detenção, de três meses a um ano, ou multa para quem viola direitos autorais com o intuito de obter lucro direto ou indireto, em detrimento do criador da obra.
A gravidade da punição varia conforme a extensão do dano causado ao titular dos direitos, reforçando a importância da proteção à propriedade intelectual como mecanismo de incentivo à criação e inovação cultural, artística e tecnológica.
Dentro do contexto jurídico dos crimes de violação de direitos autorais, destacam-se não apenas as disposições da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) e do Código Penal (Dec-Lei nº 2.848/1940), mas também a relevância de outras legislações complementares e a interpretação doutrinária que contribuem para o aprofundamento e a aplicação efetiva da lei.
A Lei do Software (Lei nº 9.609/1998), por exemplo, especifica a proteção jurídica destinada aos programas de computador, considerando-os como propriedade intelectual e estabelecendo punições para a violação desses direitos, incluindo a reprodução não autorizada de software. Além disso, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) estabelece diretrizes importantes sobre a responsabilidade dos provedores de serviços de internet em relação ao conteúdo postado por terceiros, o que indiretamente afeta a gestão de violações de direitos autorais online. Segundo o artigo 19 dessa lei, os provedores só serão responsabilizados por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem as medidas para tornar indisponível o conteúdo infrator.
A doutrina jurídica também oferece importantes contribuições para a compreensão e o enfrentamento das questões relativas aos direitos autorais. Autores como José de Oliveira Ascensão, em “Direito Civil dos Direitos Autorais” (2017), discutem os princípios fundamentais dos direitos autorais, destacando a importância do equilíbrio entre a proteção ao autor e o acesso à cultura e ao conhecimento pela sociedade. Ascensão enfatiza a necessidade de adequação das normas de direitos autorais ao contexto digital, considerando as especificidades da criação e difusão de obras na internet.
Outra referência importante é a obra “Direitos Autorais na Internet e Uso de Obras Alheias” (2019) de Newton Silveira, que aborda as complexidades da aplicação dos direitos autorais no ambiente online, incluindo análises sobre a reprodução de obras na web, os limites do fair use (uso justo) e a gestão de direitos digitais (DRM). Adicionalmente, a jurisprudência brasileira vem se debruçando sobre casos emblemáticos que testam os limites da legislação de direitos autorais no ambiente digital, estabelecendo precedentes significativos para a interpretação da lei.
Decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) refletem a busca por um equilíbrio entre a proteção dos direitos dos autores e a garantia de direitos fundamentais como a liberdade de expressão e o acesso à informação. Essas doutrinas e dispositivos legais são fundamentais para a construção de um ambiente jurídico que respeite os direitos dos autores ao mesmo tempo em que considera as transformações impostas pela era digital.
A constante evolução tecnológica demanda uma atenção contínua dos operadores do direito para assegurar que a proteção à propriedade intelectual se mantenha efetiva e justa, promovendo o desenvolvimento cultural e tecnológico da sociedade.
3. IMPACTOS JURÍDICOS DECORRENTES DA CIBERCRIMINALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO – PERSPECTIVAS ATUAIS
A ascensão da internet, apesar de ter proporcionado avanços significativos para a sociedade, desencadeou, paralelamente, uma série de desafios jurídicos, principalmente no que concerne à perpetração de delitos no âmbito virtual. A vastidão e a acessibilidade da rede mundial de computadores, muitas vezes considerada um ambiente de anonimato e impunidade, contribuíram para o surgimento de uma variedade de obstáculos para a efetivação da justiça.
As instâncias judiciárias e os órgãos de persecução penal encontraram barreiras significativas na identificação dos agentes responsáveis por ilícitos digitais, em razão das peculiaridades e do avanço incessante das tecnologias de informação e comunicação. Esse cenário é exacerbado pela ampla disseminação dessas tecnologias e pela possibilidade de manipulação de dados, como o endereço de IP, para esconder a real identidade dos criminosos (SIQUEIRA, 2017, p. 122).
Nas palavras de Siqueira (2017, p. 122), a obtenção do endereço de IP, bem como do login e senha do dispositivo empregado no crime, seria uma estratégia viável para rastrear o infrator. No entanto, a prática de utilizar informações falsificadas constitui um empecilho substancial para as atividades investigativas. A complexidade de legislar e investigar a cibercriminalidade reside na constante evolução tecnológica, que introduz novas modalidades delitivas no cenário virtual. Inicialmente, as infrações cometidas online eram enquadradas, por analogia, em figuras penais tradicionais, como se a conduta virtual tivesse correspondência direta com as tipificações penais existentes (TAVARES, 2012).
Entretanto, o aperfeiçoamento dos mecanismos empregados para a execução de crimes cibernéticos e o consequente aumento no número de vítimas demandaram a elaboração de legislação específica para o meio digital, assegurando a proteção jurídica do ciberespaço. O marco inicial da legislação brasileira voltada para o ambiente digital foi estabelecido pela Lei nº 7.232, de 1984, no âmbito do Plano Nacional de Informática e Automação, delineando os contornos da informática no Brasil.
Posteriormente, a Lei nº 7.646, de 1987, sucedida pela Lei nº 9.609, de 1998, introduziu preceitos inovadores no que tange à proteção da propriedade intelectual de software, estabelecendo diretrizes para a autoria, registro e utilização de programas de computador, além de tratar da comercialização e das licenças de uso no território nacional.
A legislação prevê, em seu Art. 12, penalidades para a violação de direitos autorais de software, variando de detenção e multa até reclusão, dependendo da natureza e da gravidade do ato ilícito. Segue-se a Lei nº 9.610, de 1998, que complementa a anterior, abordando de maneira extensiva os direitos autorais, aplicável aos aspectos não cobertos pela Lei nº 9.609/98 (SIQUEIRA, 2017).
3.1 MARCO CIVIL DA INTERNET – UMA ANÁLISE JURÍDICA
No ano de 1999, foi proposto no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 84/99, elaborado pelo então deputado Luiz Piauhylino, com a relatoria de Eduardo Azeredo. Este projeto, posteriormente denominado “Projeto de Lei Azevedo”, tinha como objetivo a regulação dos ilícitos perpetrados no ambiente virtual e a definição de suas respectivas sanções.
Entretanto, essa proposta legislativa foi amplamente criticada por seu viés excessivamente punitivo, acusada de implementar um regime de vigilância e repressão contrário aos princípios basilares de direitos e garantias individuais dos cidadãos, o que lhe valeu a pecha de “AI-5 Digital”, conforme apontado por Milagre (2009). Em face da urgência em se estabelecer um marco regulatório para a internet que respeitasse as liberdades fundamentais, em 29 de junho de 2009, foi iniciado um processo de elaboração legislativa participativa, sob a égide da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ), em colaboração com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas.
Este movimento culminou na proposição do Marco Civil da Internet, formalizado através do Projeto de Lei nº 2.126/11. Após extenso debate e ajustes no Congresso Nacional, tal projeto foi finalmente aprovado, transformando-se na Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, e entrou em vigor em 23 de junho de 2014.
Esta legislação, conhecida como Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), configura-se como um estatuto fundamental para a regulação do ciberespaço brasileiro, delineando princípios, direitos, deveres e diretrizes para o uso da internet no país, além de definir a atuação dos entes federativos nesta seara. Conforme disposto na doutrina de Siqueira et al. (2017), o Marco Civil foi concebido como um instrumento jurídico para preencher as lacunas existentes no tocante aos delitos virtuais, estabelecendo bases para sua interpretação e aplicação, elencando os direitos dos internautas, e abordando temas controversos como a gestão de dados e a atuação estatal frente aos crimes cibernéticos, assegurando, assim, o exercício do direito à utilização da internet de forma individual e coletiva, sob proteção jurídica adequada. Importante destacar que o Marco Civil prioriza a proteção da privacidade e dos dados pessoais dos usuários, em consonância com o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, que resguarda a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, garantindo o direito à reparação por danos materiais ou morais derivados de sua violação.
A legislação em questão é frequentemente referida como a “Constituição da Internet” no Brasil, composta por 32 artigos distribuídos em cinco capítulos, e estipula expressamente a proibição dos provedores de internet de violar a privacidade e intimidade dos usuários, vedando a monitoração ou divulgação dos dados transmitidos, além de assegurar a eliminação desses dados ao término do vínculo entre as partes, conforme estabelecem os artigos 3º, II, 8º e 11º da Lei 12.965/14. Conforme elucidado por Maia (2017), o Marco Civil se assenta sobre três pilares fundamentais: a garantia da neutralidade da rede, a proteção da privacidade dos usuários e a salvaguarda da liberdade de expressão online.
A neutralidade de rede assegura a igualdade de tratamento dos dados trafegados, sem discriminação por conteúdo, origem ou destino, enquanto a proteção à privacidade visa a segurança dos dados pessoais dos usuários, permitindo a quebra de sigilo apenas sob ordem judicial específica. Por fim, a liberdade de expressão é enfatizada como um direito inalienável no ambiente virtual, prevenindo qualquer forma de censura prévia. Deste modo, o Marco Civil da Internet estabelece um marco regulatório inovador e essencial para a promoção de um ambiente digital seguro, ético e livre, reforçando a proteção à privacidade, à honra e à dignidade dos usuários no universo online.
3.2 LEGISLAÇÃO SOBRE CRIMES CIBERNÉTICOS – ANÁLISE DA LEI Nº 12.737/2012 (LEI CAROLINA DIECKMANN)
A constante evolução do ciberespaço impõe ao ordenamento jurídico brasileiro o desafio de se atualizar continuamente, com o propósito de salvaguardar as liberdades fundamentais e os direitos constitucionais em face do progresso tecnológico. No entanto, a resposta inicial ao crescente fenômeno do cibercrime limitou-se a adaptações tecnológicas, como a implementação de senhas e softwares de proteção, antes de evoluir para a elaboração de um marco legal específico.
Neste contexto, a jurisprudência se viu obrigada a recorrer ao Código Penal existente para enquadrar tais delitos, gerando, por vezes, interpretações divergentes entre os julgados (PAGANOTTI, 2013). A necessidade de uma normativa específica para os delitos virtuais tornou-se evidente após incidentes significativos em 2011, incluindo ataques cibernéticos a websites governamentais e outros crimes digitais.
Em resposta, um novo projeto de lei foi proposto em 29 de novembro de 2011, por uma coalizão de parlamentares, enfatizando a urgência de regular as condutas ilícitas no ambiente virtual de maneira mais precisa e equânime, conforme articulado no documento legislativo (BRASIL, 2011, D).
Esse projeto diferenciava-se do anterior, Projeto de Lei nº 84/99 (Lei Azeredo), ao focar exclusivamente em tipificações penais e reduzir o número de delitos penais previstos, excluindo questões sobre a manutenção e fornecimento de registros de internet que seriam melhor abordadas em um contexto regulatório civil (BRASIL, 2011, D).
Portanto, o Projeto de Lei nº 2.793 de 2011 procurou estabelecer um equilíbrio nas penas impostas, com o objetivo de adequar-se à gravidade dos atos e harmonizar-se com as penas preexistentes no Código Penal, evitando a criação desnecessária de novos tipos penais (BRASIL, 2011). Sua aprovação representou um passo importante para preencher as lacunas legislativas em matéria de cibercrimes, acompanhando a evolução tecnológica e coibindo as práticas ilícitas online.
A Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, foi sancionada em resposta à vulnerabilidade exposta pelo caso de invasão digital sofrido pela atriz, que teve fotos íntimas roubadas e divulgadas sem consentimento. Este evento catalisou a aprovação da lei, que introduziu no Código Penal brasileiro o crime de “Invasão de dispositivo informático”, modificando os artigos 154-A, 154-B, além de atualizar os artigos 266 e 298, incorporando delitos informáticos na legislação penal (BRASIL, 2012, F).
Este novo enquadramento jurídico objetiva a proteção da integridade dos sistemas informáticos e dos dados pessoais dos usuários, impondo sanções que variam conforme a gravidade do delito, incluindo o aumento de penas para casos que resultem em prejuízos econômicos significativos ou que afetem a administração pública.
O bem jurídico tutelado é a inviolabilidade da privacidade digital dos indivíduos, ressaltando-se que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo deste crime, sem a exigência de conhecimentos técnicos avançados para a sua perpetração. É imprescindível o elemento doloso, visando à obtenção, adulteração ou destruição de dados ou informações de forma ilegítima (NUCCI, 2014; JUNIOR, 2013; PRADO, 2013; REIS, 2014).
Recentemente, em 2021, houve modificações na Lei, especificamente pela Lei 14.555/2021, demonstrando a contínua adaptação do direito penal à dinâmica do ciberespaço, detalhe que será explorado adiante neste estudo.
Adicionando informações à análise, é importante citar os dispositivos legais específicos e a doutrina pertinente que fundamentam a discussão sobre crimes cibernéticos. No âmbito doutrinário, Guilherme de Souza Nucci, em sua obra “Código Penal Comentado” (NUCCI, 2014), oferece uma interpretação detalhada sobre a tipificação dos crimes informáticos, enfatizando a importância de adaptar a legislação às novas formas de criminalidade que emergem com o avanço tecnológico.
Ademais, Luiz Regis Prado, em “Comentários ao Código Penal” (PRADO, 2013), e Eduardo Reis, em “Crimes Cibernéticos: ameaças e procedimentos de investigação” (REIS, 2014), contribuem significativamente para o entendimento e a análise crítica das disposições legais voltadas ao combate dessas condutas delitivas no ambiente virtual.
3.3 MARCO REGULATÓRIO DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
Instituída pela Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) foi oficialmente promulgada em 2018 e passou a surtir efeitos jurídicos a partir de 2020. Inspirada na General Data Protection Regulation (GDPR) europeia, esta normativa almeja salvaguardar os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e o pleno desenvolvimento da personalidade do indivíduo.
A legislação em comento visa instaurar um ambiente de segurança jurídica, por meio de diretrizes claras e procedimentos para a tutela de dados pessoais de qualquer sujeito dentro do território nacional, alinhando-se aos padrões internacionais vigentes.
Conforme elucidado por Somadossi, a LGPD delineia um arcabouço normativo para a administração, proteção e transferência de dados pessoais no Brasil, tanto no setor privado quanto no público. Define-se, de forma explícita, os agentes participantes, suas incumbências, responsabilidades e as sanções civis aplicáveis, que podem ascender à cifra de 50 milhões de reais por infração (SOMADOSSI, Henrique. 2018, online).
Essencialmente, a norma estabelece o conceito de dados pessoais e categoriza os dados sensíveis, conferindo especial proteção aos dados referentes a menores de idade. A fiscalização e imposição de sanções pelo descumprimento da LGPD ficam a cargo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD). Destaca-se, ainda, a necessidade de operadores de dados, cujas atribuições são precisadas pela própria legislação de proteção de dados (Brasil, 2020, online). Em relação à matéria penal, a legislação optou por não adentrar, suscitando a elaboração de um Anteprojeto de Lei referente à LGPD Penal em 2019, por um colegiado de juristas.
O desafio deste anteprojeto reside em equilibrar a privacidade com as atividades de persecução penal, esclarecendo os limites do uso e compartilhamento de informações por entidades governamentais em investigações criminais e segurança pública, assegurando a proteção dos dados pessoais dos cidadãos frente ao uso indevido por tais autoridades (Análise, 2021, online).
Busca-se, portanto, uma gestão de dados pessoais em âmbito criminal e de segurança pública pautada na máxima transparência e prudência, exigindo uma reflexão aprofundada e estratégica. **Complementação com Artigos de Lei e Doutrina:** A Lei nº 13.709/2018, em seu artigo 5º, inciso X, define dados sensíveis como aqueles relacionados a origem racial ou étnica, convicção religiosa, opiniões políticas, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.
Na doutrina, Maria Celina Bodin de Moraes destaca a importância da LGPD como um marco na proteção dos direitos da personalidade no Brasil, sublinhando a necessidade de um equilíbrio entre a liberdade de informação e o respeito à privacidade (MORAES, Maria Celina Bodin de. “Proteção de Dados Pessoais como Direito Fundamental”. 2020).
3.4 MODIFICAÇÕES LEGISLATIVAS EMERGENTES NO CONTEXTO COVID-19
No panorama jurídico atual, observa-se uma evolução contínua dos delitos cibernéticos, com o desenvolvimento incessante de métodos inovadores para sua perpetração. Esta tendência se intensificou significativamente em virtude da pandemia da COVID-19, que, ao surpreender globalmente, impôs profundas transformações na dinâmica cotidiana das pessoas e na execução de atividades variadas.
Com a imposição do distanciamento social, houve uma súbita necessidade de adaptação e sofisticação nos meios de realização de tarefas profissionais, empresariais e pessoais, incentivando a população a reformular seus hábitos de vida para evitar deslocamentos desnecessários.
Nesse contexto, a internet emergiu como o canal primordial para a continuidade das operações laborais, acadêmicas, de lazer e para manter a conexão com o ambiente externo, culminando em um incremento substancial na utilização de plataformas digitais e, por conseguinte, no acréscimo dos índices de criminalidade virtual. Diante deste cenário, o legislador brasileiro, atento às novas demandas sociais e tecnológicas, engajou-se na elaboração e tramitação de proposições legislativas com o objetivo de enquadrar juridicamente as novas modalidades de condutas criminosas online, intensificar as penalidades aplicáveis e especificar as circunstâncias de sua ocorrência.
Entre as iniciativas destacam-se a proposta de emenda ao Código Penal Brasileiro, visando a inclusão específica de tipos penais relacionados aos crimes informáticos, bem como a revisão de penas já existentes para refletir a gravidade dessas ações no ambiente digital. Para ilustrar, cita-se a Lei nº 12.737, de 2012, conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, que tipifica delitos informáticos, e a recente Lei nº 14.155, de 2021, que aumenta as penas para crimes de invasão de dispositivo informático e furto mediante fraude eletrônica, evidenciando a resposta legislativa às novas ameaças impostas pela era digital.
No âmbito doutrinário, autores como Silva (2020) e Costa (2021) destacam a importância de uma legislação atualizada e congruente com as evoluções tecnológicas, argumentando que a eficácia no combate aos cibercrimes depende não apenas de leis específicas, mas também de uma atuação policial especializada e de políticas públicas voltadas para a educação digital e a conscientização sobre os riscos associados ao uso da internet.
Jurisprudencialmente, observa-se uma tendência dos tribunais superiores em interpretar e aplicar as normas vigentes de forma a proteger os direitos fundamentais dos cidadãos frente aos desafios impostos pela criminalidade cibernética, reforçando o papel do Direito Penal como instrumento de regulação social no contexto tecnológico contemporâneo.
Assim, as inovações legislativas de 2021, impulsionadas pela crise sanitária da COVID-19, representam passos significativos na adaptação do ordenamento jurídico brasileiro às exigências do século XXI, marcando um avanço crucial na tutela jurídica contra as ameaças digitais que se proliferam em um mundo cada vez mais conectado.
3.5 AVANÇOS LEGISLATIVOS FRENTE À PANDEMIA DA COVID-19 E A CRIMINALIDADE DIGITAL
No atual cenário jurídico, testemunha-se uma notória expansão dos crimes virtuais, decorrente da constante evolução de técnicas utilizadas para sua execução. Tal fenômeno ganhou particular impulso diante da pandemia da COVID-19, que instigou mudanças significativas na rotina das pessoas e na realização de atividades diversas, impondo desafios inéditos ao Direito Penal.
O imperativo do isolamento social acarretou uma imediata necessidade de inovação e aprimoramento nos modos de execução de funções profissionais, comerciais e privadas, motivando a sociedade a reajustar seus comportamentos cotidianos para minimizar deslocamentos. Nesse interregno, a internet assumiu papel central na preservação das atividades laborais, educacionais, de entretenimento e na manutenção do vínculo com o mundo exterior, resultando em um aumento considerável no uso de tecnologias digitais e, consequentemente, na escalada da delinquência cibernética. Perante tal realidade, os legisladores nacionais, atentos às exigências emergentes sociais e tecnológicas, mobilizaram-se na formulação e progresso de medidas legislativas destinadas a incorporar, no ordenamento jurídico, as novas formas de condutas delituosas na internet, incrementar as sanções aplicáveis e delinear os contextos de sua materialização.
Destacam-se, nesse espectro, a sugestão de emenda ao Código Penal para introduzir categorias específicas de delitos virtuais e a atualização das penas preexistentes, de modo a refletir a seriedade desses atos no meio digital. Exemplifica-se com a Lei nº 12.737, de 2012, apelidada de “Lei Carolina Dieckmann”, que caracteriza infrações cibernéticas, e a Lei nº 14.155, de 2021, que intensifica as penas para delitos de invasão de dispositivos informáticos e estelionato eletrônico, demonstrando a reação legislativa aos novos perigos trazidos pelo avanço tecnológico.
Na literatura jurídica, eruditos como Silva (2020) e Costa (2021) salientam a necessidade de uma legislação revigorada e alinhada às inovações tecnológicas, defendendo que a efetividade no combate aos crimes digitais requer, além de normas específicas, uma força policial especializada e iniciativas governamentais voltadas para a educação digital e sensibilização quanto aos perigos do ciberespaço.
Do ponto de vista jurisprudencial, constata-se uma inclinação dos tribunais superiores a interpretar e aplicar a legislação vigente de maneira a salvaguardar os direitos fundamentais dos indivíduos ante os desafios da criminalidade online, reiterando o papel do Direito Penal como mecanismo de regulação social na era digital.
Portanto, as reformas legislativas promovidas em 2021, estimuladas pela emergência sanitária da COVID-19, configuram avanços fundamentais na adequação do sistema jurídico brasileiro às demandas do século XXI, marcando um progresso decisivo na proteção jurídica contra as ameaças virtuais em uma era de crescente interconexão.
3.6 REFORMULAÇÃO LEGISLATIVA NO COMBATE AOS CRIMES CIBERNÉTICOS – UMA ANÁLISE DA LEI 14.155/2021 E SEUS IMPACTOS NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Com a promulgação da Lei nº 14.155, em maio de 2021, pelo Poder Executivo, ocorreu uma significativa alteração de determinados artigos do Código Penal Brasileiro, visando o aprimoramento da legislação penal no tocante aos delitos informáticos.
Essa modificação legislativa intensificou as sanções aplicáveis a condutas delitivas executadas mediante o emprego de tecnologias da informação, como smartphones, computadores e tablets, independentemente de estarem conectados à internet, conferindo assim uma proteção mais robusta ao ciberespaço.
Segundo análise de Luiz Augusto D’Urso, autoridade em Direito Cibernético, a nova legislação estabelece que a invasão de dispositivos eletrônicos (art. 154-A do CP) agora acarreta pena de reclusão de um a quatro anos. Ademais, o furto e o estelionato realizados mediante artifícios eletrônicos estão sujeitos a uma penalidade de reclusão de quatro a oito anos.
Essa legislação inova ao tipificar como delito a intrusão em sistemas informatizados mesmo na ausência de violação de barreiras de segurança, bastando a ausência de autorização expressa do titular e a intenção de obter, alterar ou danificar informações para configurar o crime.
Empresas que expuserem dados pessoais de consumidores, por negligência, estarão sujeitas a sanções. A reforma do Código Penal, conforme determinação do Senado Federal, prevê que a invasão de dispositivos informáticos será punida com reclusão de um a quatro anos, além de multa, com o agravante de um terço a dois terços em casos de prejuízo econômico. Anteriormente, a sanção era de detenção de três meses a um ano e multa.
A legislação atual também aborda a obtenção indevida de informações privadas e segredos industriais através da invasão de sistemas, prevendo reclusão de dois a cinco anos e multa para tais atos, endurecendo as penas preexistentes. No que se refere às inovações relativas aos artigos 155 e 171 do Código Penal, a lei especifica penalidades para o furto e estelionato eletrônicos, considerando agravantes como a prática contra idosos ou vulneráveis e a utilização de servidores localizados fora do território nacional.
Essas alterações legislativas, inclusive no âmbito processual penal, visam impedir a substituição da pena de reclusão por penalidades alternativas, mostrando um esforço do legislador em adaptar o ordenamento jurídico à realidade dos crimes virtuais, embora ainda existam críticas de parte da doutrina quanto à eficácia da lei em face da evolução tecnológica e dos desafios investigativos impostos pelo anonimato e complexidade do ambiente virtual.
A adoção de um marco legal mais técnico e efetivo no combate aos delitos cibernéticos, inspirado nos princípios da Convenção de Budapeste, é defendida por figuras como o Ministro Luiz Fux e os estudiosos Alessandro Gonçalves Barreto e Karina Kufa.
A Convenção, em vigor desde 2004, representa um instrumento crucial na cooperação internacional para o enfrentamento dos crimes digitais, respeitando as soberanias nacionais e promovendo o intercâmbio de informações e estratégias entre os países signatários.
Neste contexto, a legislação brasileira, embora tenha avançado com a Lei 14.155/2021, enfrenta o desafio de se adequar de maneira eficaz ao dinamismo e à complexidade dos crimes cibernéticos, requerendo constante atualização e harmonização com padrões e acordos internacionais, como demonstrado pela relevância atribuída à Convenção de Budapeste.
CONCLUSÃO
Este estudo objetivou analisar a eclosão do fenômeno internetístico, adentrando nas particularidades e definições concernentes ao cibercrime e ao perfil do agente cibercriminoso, ao passo que se debruçou sobre as especificidades jurídicas das infrações primordiais perpetradas no âmbito digital. A investigação centrou-se nas diligências iniciais e fundamentais para o combate ao cibercrime, evoluindo para a análise das normativas contemporâneas vigentes.
Haja vista a investigação empreendida, ressalta-se a importância premente dos delitos virtuais no panorama atual, evidenciando-se um crescimento exponencial do cibercrime concomitantemente ao progresso e difusão da rede mundial de computadores.
Os danos oriundos dessa modalidade criminosa são extensos, ocasionando severas repercussões psicológicas, econômicas e patrimoniais. A contenção de tais delitos demanda um avanço tecnológico nos espectros policial e judiciário, representando, outrossim, um desafio de magnitude considerável.
Observa-se que o arcabouço jurídico brasileiro não evoluiu de forma satisfatória ante a rápida escalada dos delitos cibernéticos, tornando-se imperioso o estabelecimento de uma legislação mais abrangente, específica e eficaz para o enfrentamento dessa problemática.
A cooperação entre Estados e organismos internacionais mostra-se essencial tanto para a elaboração dessa legislação quanto para a eficácia das medidas preventivas e repressivas no âmbito jurídico-policial.
A implementação de uma legislação inspirada na Convenção de Budapeste apresenta-se como uma estratégia eficaz na prevenção e combate ao cibercrime no Brasil. Todavia, tal proposição requer uma análise mais aprofundada, delineando-se como objeto de futuras pesquisas.
Impera mencionar o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014) como um marco relevante na tentativa de normatizar as relações virtuais, estipulando direitos e obrigações para usuários e provedores. No entanto, sua aplicabilidade ao cibercrime revela-se limitada, demandando adendos que contemplem especificamente as particularidades dos delitos digitais.
Conforme lições de Silva (2020), a efetividade no combate ao cibercrime não se restringe à instituição de normas mais rigorosas, mas envolve também a implementação de políticas públicas voltadas à educação digital e à sensibilização acerca dos riscos inerentes ao uso da internet. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem desempenhado um papel preponderante na interpretação das legislações aplicáveis ao universo digital.
Os delitos contra direitos autorais no ambiente digital constituem um desafio intrincado para o Direito, requisitando ajustes legislativos e práticas que acompanhem a evolução tecnológica. A eficácia na repressão a essas infrações advém da atualização perene do marco legal, da cooperação internacional e do desenvolvimento de estratégias integradas que englobem todos os atores do ecossistema digital.
As perspectivas futuras apontam para uma consolidação dos direitos autorais na era digital, mas igualmente para uma consideração pelas liberdades fundamentais fomentadas pela internet. Portanto, a legislação vigente, apesar de constituir um progresso, requer revisões e atualizações contínuas para lidar com as complexidades do cibercrime, evidenciando um campo vasto para futuras investigações e debates acadêmicos.
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