ASPECTOS LEGAIS NO PROCESSO DE ADOÇÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA: UMA REVISÃO DE LITERATURA

LEGAL ASPECTS IN THE ADOPTION PROCESS OF CHILDREN WITH DISABILITIES: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7945116


Denys Robyson Machado Costa¹
Francisco das Chagas Damasceno Soares Junior²
Edjôfre Coelho de Oliveira3


RESUMO

A lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) sancionada no ano de 2015, entende a pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015). Segundo os dados do Cadastro Nacional de Adoção (2017), dos 42.579 pretendentes cadastrados, apenas 5.95% aceitam um filho com deficiência física e 3.2% aceitam ter um filho com deficiência intelectual. Diante disto, o objetivo geral deste estudo é investigar sobre o tramite do processo de adoção de crianças com deficiência no Brasil e suas motivações na espera para adotar e objetivos específicos identificar as barreiras e os motivos facilitadores dos pretendentes frente à adoção de um filho com deficiência. Trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica, de caráter descritivo sobre os processos de adoção no Brasil. Conclui-se que, a adoção de crianças com deficiência no Brasil ocorre em baixas frequências, e o número de crianças com tais características para adoção ultrapassa o número de pretendentes que as aceitam. Durante a realização da transcrição desta revisão de literatura foi evidenciado que fatores financeiros se mostram relevantes principalmente quando pais e pretendentes pensam no acesso de crianças com deficiências aos serviços especializados, não identificando que a rede pública possa dar conta de tais demandas. No entanto, o dificultador mais frequente dessa adoção está na falta de contato com outras pessoas com deficiências e contextos que instruam sobre demandas reais e especificas, decorrentes das mesmas.

Palavras-Chave: Adoção. Adoção de crianças com deficiências.

ABSTRACT

Law No. 13,146, of July 6, 2015, which establishes the Brazilian Law for the Inclusion of Persons with Disabilities (Statute of the Person with Disabilities), enacted in 2015, understands a person with a disability as someone who has a long-term impediment of a physical, mental, intellectual or sensory, which in interaction with one or more barriers, may obstruct their full and effective participation in society on equal terms with other people (BRASIL, 2015).According to data from the National Adoption Registry (2017) ), of the 42,579 applicants registered, only 5.95% accept a child with a physical disability and 3.2% accept having a child with an intellectual disability. In view of this, the general objective of this study is to investigate the process of adopting children with disabilities in Brazil and their motivations in waiting for adoption and specific objectives to identify the barriers and facilitating motives of the applicants in the face of adopting a child with a disability. This is a bibliographical review research, with a descriptive character about the adoption processes in Brazil. It is concluded that the adoption of children with disabilities in Brazil occurs at low frequencies, and the number of children with such characteristics for adoption exceeds the number of applicants who accept them. During the transcription of this literature review, it was evidenced that financial factors are relevant mainly when parents and applicants think about the access of children with disabilities to specialized services, not identifying that the public network can handle such demands. However, the most frequent hindrance to this adoption is the lack of contact with other people with disabilities and contexts that educate about real and specific demands arising from them.

Keywords: Adoption. Adoption of children with disabilities.

INTRODUÇÃO

Quando analisada a etimologia da palavra “adoção”, do latim, adoptio significa: escolher, adotar e o verbo adotar (também do latim, adoptare) é conceituado pelos dicionários, o ato de aceitar, acolher, tomar por filho, perfilhar, legitimar. A adoção possui raízes antigas. Não se sabe ao certo onde e nem quando práticas relacionadas à adoção surgiram, entretanto, nota-se, no decorrer da história, inúmeras situações plausíveis de comparação. Como exemplo, é possível considerar que, dentre uma das mais antigas e conhecidas histórias, temos a filiação adotiva de Moisés do Egito que foi adotado pela filha do Faraó (ABREU, 2021).

Nos tempos atuais, a família pode ser considerada a partir dos vínculos de amor e afeto construídos no decorrer da convivência, sem contar apenas com as relações de parentesco, visto a possibilidade de abrir as portas para a constituição de uma família por meio da adoção. Esta passa a ser uma opção para casais motivados por causas biológicas, religiosas, culturais ou pessoais (ABREU, 2021).

Disposto pela primeira vez em 1916 no Código Civil brasileiro, a história da adoção no Brasil nos alude ao início do século XX. Depois desta iniciativa, derivaram-se ainda outras três leis (3.133/1957, 4.655/1965 e 6.697/1979), bem como alterações de suma importância para o instituto com a promulgação da nossa Constituição Federal de 1988 (GONÇALVES, 2017).

A chegada do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069) em 1990 foi um grande marco para a criação e a manutenção dos direitos básicos das crianças e adolescentes, incluindo o direito à convivência familiar. Entretanto, ainda se via necessária a criação de uma legislação que abordasse apenas o regime da adoção. Desta forma, surge a denominada “Lei da Adoção” (12.010/2009), com fins de inovar as exigências para os adotantes e implantar, no cadastro nacional, crianças passíveis de adoção (ABREU, 2021).

Visando a celeridade e transparência aos processos de adoção, em 29 de abril de 2008, antes mesmo da citada Lei da Adoção entrar em vigor, integrado e coordenado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), houve a implantação do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Essa ferramenta digital trouxe aos juízes das Varas da Infância e da Juventude de todo Brasil um auxílio na condução dos procedimentos dos processos de adoção. Ademais, a plataforma digital buscou facilitar o acesso dos pretendentes (adotantes) entre as crianças disponíveis em todo o país. A ferramenta possibilitou acesso aos dados referentes às quantidades de crianças em cada estado, bem como faixa etária, situação cadastral, etnia e outros aspectos (DIAS, 2013).

Muitos pretendentes à adoção idealizam o filho desejado e apresentam que não são capazes de cuidar de uma criança com deficiência, reforçando essa ideia ao focar apenas nas informações que comprovem este pensamento e, sem perceber, podem desenvolver uma percepção negativa da adoção de um filho com deficiência. A lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) sancionada no ano de 2015, entende a pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015).

Segundo os dados do Cadastro Nacional de Adoção (2017), dos 42.579 pretendentes cadastrados, apenas 5.95% aceitam um filho com deficiência física e 3.2% aceitam ter um filho com deficiência intelectual. Devido a estes dados, no ano de 2014, foi acrescentado ao art. 47 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a prioridade de tramitação aos processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica, incluído pela Lei nº 12.955, de 2014 (BRASIL,1990; 2017). Apesar de estes números serem preocupantes, há uma escassez de estudos relacionados a esta temática.

É importante ressaltar que não se encontram dados e/ou relações estatísticas de quantas crianças com deficiência foram adotadas nos últimos anos no site da corregedoria nacional de justiça, e o único acesso a tais informações foi visto em notícia do portal G16 de 2016, na qual a então ministra do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça, Nancy Andrighi, alertava que o número de adotantes de crianças com deficiência aumentou após a implantação da Lei 12.955/2014 que dá prioridades aos processos de adoção de crianças deficientes ou com doenças crônicas (BRASIL, 2014).

Segundo a ministra, em 2013, houve 49% de aumento dos números de adoções de crianças e adolescentes com alguma “limitação ou enfermidade” (sic). Atrelada a tais considerações, afim de averiguar as produções acadêmicas a respeito, foi realizada uma varredura bibliográfica sobre o tema “adoção e deficiência”. Essa busca foi realizada em 2017, no site do Google Acadêmico, com uso dos dois descritores em produções nacionais. Foram encontrados sete trabalhos entre os anos de 1996 a 2017, outros trabalhos de conclusão de curso foram identificados, mas que não tinham como objetivo principal o estudo da temática (MOZZI, 2015).

Diante disso, o objetivo geral deste estudo é investigar sobre o tramite do processo de adoção de crianças com deficiência no Brasil e suas motivações na espera para adotar e objetivos específicos identificar as barreiras e os motivos facilitadores dos pretendentes frente à adoção de um filho com deficiência.

É importante salientar que não se trata de um método impositivo, mas de simples conscientização e por meio disso enfatizar candidatos que as adoções tardias, de irmãos ou de crianças com necessidades específicas de saúde têm prioridade no cadastro de adoção e que aquele sonho de constituir uma família pode estar muito mais próximo do que se espera. Trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica, de caráter descritivo sobre os processos de adoção no Brasil.Para a coleta de dados desta pesquisa, foram utilizados dados do portal CNJ, pesquisas em plataformas como Scielo, google acadêmico, e livros documentais acessados de forma digital.

Assim, inicialmente apresentaremos alguns aspectos históricos e acerca da origem da adoção; em seguida será exposto sobre aspectos jurídicos e constitucionais sobre a adoção; posteriormente será relatado sobre o avanço necessário à adoção de crianças e adolescentes habilitados, com deficiência e por fim, iremos mencionar algumas pesquisas nas quais relatam sobre os pretendentes a pais na adoção com crianças com deficiências.

1. A ADOÇÃO

1.1 Aspectos históricos e origem da adoção

O instituto da Adoção é uma modalidade artificial de filiação pela qual se aceita como filho, de forma voluntária e legal, um estranho no seio familiar. O vínculo criado pela Adoção visa imitar a filiação natural, ou seja, aquele oriundo de sangue, genético ou biológico, razão pela qual, também é conhecida como filiação civil. No que tange sua conveniência, muito se discute em relação à criança ou ao adolescente carente ou abandonado, é inafastável, todavia, o questionamento quanto àquele que não se encontra numa das situações acima elencadas, havendo há quem diga que possibilita a fraude fiscal, tráfico de menores, etc. (ALONSO, 2007).

É importante ressaltar que de acordo com a Lei 12.010/09, antes de quaisquer outros procedimentos o pretenso adotante procure o Juizado da Infância e da Juventude de sua cidade e dirija-se à Seção de Colocação em Família Substituta, solicitando uma entrevista com os técnicos para obter as informações preliminares necessárias à formalização do seu pedido de inscrição. Estabelece ainda a Lei supracitada 18 (dezoito) anos como idade mínima para tornar-se adotante, não fazendo qualquer distinção em relação ao estado civil do pretenso adotante, pouco importando se é solteiro, casado, divorciado, ou se vive em concubinato (PRADO, 2019).

Entretanto, na hipótese de ser casado ou manter uma relação de concubinato, a adoção deverá ser pretendida e solicitada por ambos, que necessariamente participarão juntos de todas as etapas do processo, sendo certo que será objeto de exame e avaliação a estabilidade desta união (PRADO, 2019).

Em um estudo de Jauczura (2008)  diz que a palavra adotar vem do latim adoptare, que significa escolher, perfilhar, dar o seu nome a. Do ponto de vista jurídico, a adoção é um procedimento legal e consiste em transferir todos os direitos e deveres de pais biológicos para uma família substituta, conferindo para crianças/adolescentes todos os direitos e deveres de filho, quando e somente quando forem esgotados todos os recursos para que a convivência com a família original seja mantida.

A adoção foi conhecida nas antigas civilizações como o Egito, a Babilônia, a Caldea e a Palestina. Passagens bíblicas relatam casos de adoção de Moisés pela filha do Faraó e de Ester, que foi filha adotiva conforme se extrai do velho testamento. Naquela idade obscura entre os séculos XI e XII, antes de nossa era, mencionam-se nos poemas homéricos alguns casos de adoção. Assim, no Canto IX da Ilíada, o ancião ginete Félix, chefe da embaixada de Aquileu, recorda ao filho de Peleue descendente de Zeus, que quando abandonado pelo pai, o tomou a seu cuidado (OLIVEIRA, 2011).

A Bíblia relata a adoção de Moisés, pela filha do Faraó, no Egito. Por sua vez, o Código de Hamurábi (1728/1686 a.C.), na Babilônia, disciplinava minuciosamente a adoção em oito artigos. Em seus arts. 192 e 193 rezava que ao filho adotivo que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram seus pais, cortava-se a língua; ao filho adotivo que aspirasse voltar à casa paterna, afastando-se dos pais adotivos, extraíam-se os olhos (OLIVEIRA, 2011).

No Direito Romano e segundo a Lei das XII Tábuas, eram praticados dois tipos de adoção: a ad-rogatio e a adoção propriamente dita ou em sentido estrito. Para adotar através da ad-rogatio era necessário que o adotante tivesse mais de sessenta anos e ser, pelo menos, dezoito anos mais velho que o adotado. Como muitas vezes o adotado era um chefe de família, até então sui juris, que sofria uma capitis diminutio, porque se convertia em alieni juris, a sua família inteira extinguia-se, passando ao pátrio poder do adotante, em cuja família se integrava pela linha agnata, com todos os seus descendentes e bens. Como se pode ver, por ser medida de suma gravidade e importantíssimos efeitos, a ad-rogatio somente se realizava por força de uma lei, com o concurso sucessivo da Religião e do Estado. Para a efetivação da ad-rogatio era necessário, ainda, a concordância das partes interessadas, ou seja, do ad-rogante e do ad-rogado (RIBEIRO, 2010).

1.2 Aspectos jurídicos e constitucionais da adoção

O código de 1916, apesar de limitador e por vezes desanimadoras na prática da adoção, fez com o que em seu rol de requisitos, fosse um marco para a adoção, que assim começasse a ser levado a sério com suas regras específicas. Com as leis posteriores e a mudança dos requisitos, juntamente com o ECA, os tornando mais flexíveis, e adoção passa a ser um ato mais comum, beneficiando os interesses do menor (GRANATO, 2013).

Depois dessa iniciativa tem-se ainda a aprovação: em 1957, da Lei nº. 3.133 que atualizava o instituto da adoção; em 1965, da Lei nº. 4.655 que tratava da legitimidade adotiva; e em 1979 da Lei nº. 6.697 que instituiu o Código Brasileiro de Menores. Atualmente a legislação vigente que se debruça sobre esse assunto é a seguinte: Lei n.º 12.010/09, CFB/88; ECA/90; CC/02; e, Lei nº. 9.656/983 (GRANATO, 2013).

Entre outras normas o CC/1916 estabelecia que só poderiam adotar os brasileiros, casados por pelo menos 5 anos, com mais de 50 anos de idade, com ao menos 18 anos de diferença para o adotado e sem filhos naturais, além deste fato estabeleciam regras específicas para sucessões, desprivilegiando os filhos adotivos, mas o Código Civil Brasileiro sofreu alterações profundas, que contribuíram para mudanças nesta postura da lei acerca da adoção. Apenas com a promulgação do CC/1916, o instituto da adoção conheceu sistematização. Sua inclusão no Código Civil aconteceu com algumas restrições, pois muitos eram os seus críticos. Revela-nos o Professor Washington de Barros Monteiro que o instituto da adoção é objeto das mais contraditórias apreciações, pois de um lado situam-se seus defensores e de outro os críticos ferrenhos (RIBEIRO, 2010).

Antes da Lei 13.509/2017, o art. 46 do ECA previa que o prazo do estágio de convivência seria fixado pela autoridade judiciária, observadas as peculiaridades do caso concreto. O art. 46 foi alterado para dizer que a autoridade judiciária continua tendo liberdade para fixar a duração do estágio de convivência, mas o prazo máximo tem que ser de 90 dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso (COUTINHO, 2015).

Desse modo, antes não havia prazo máximo para o estágio de convivência e agora este é de 90 dias. O objetivo foi o de encurtar o tempo de duração do processo de adoção considerando que, na prática, algumas vezes se observava estágios de convivência de até 1 ano (COUTINHO, 2015).

Entretanto, há uma Ação de perda ou suspensão do poder familiar, que ao ocorrer algo grave, a autoridade judiciária junto com o Ministério Público, decretar a suspensão do poder familiar, liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade. A Lei nº 13.509/2017 determinou que, recebida a petição inicial, a autoridade judiciária deverá determinar, concomitantemente ao despacho de citação e independentemente de requerimento do interessado, a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar para comprovar a presença de uma das causas de suspensão ou destituição do poder familiar, caso ainda não tenha sido realizado (LEITE et,AL, 2018).

O procedimento de colocação em família substituta por jurisdição voluntária, ocorre se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem concordado expressamente, o pedido de colocação da criança ou adolescente em família substituta poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado. Habilitação a adoção: O juizado da infância e adolescência de cada comarca deverá manter um banco de dados contendo as crianças e adolescentes que estão em condições de serem adotadas e as pessoas que estão interessadas em adotar. Isso está previsto no art. 50 do ECA. O prazo máximo para conclusão da habilitação à adoção será de 120 dias, prorrogável por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária (TAVARES, 2014).

2.ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL

2.1 Avanço necessário à adoção de crianças e adolescentes habilitados, com deficiência.

A lei 13.509/2017 foi de grande marco e teve sua publicação e vigor em 22 de novembro de 2017. O Cadastro Nacional de Adoção (CNA), que foi implantado em 29 de abril de 2008, pela Resolução 54, e alterado pela Resolução 93/2009, é uma das novas ferramentas tecnológicas que visa auxiliar no processo de adoção, auxiliando pais a acompanharem seu cadastro e possíveis processos de adoção e trâmites jurídicos. Além de auxiliar pais adotantes, o cadastro facilita o registro de crianças e possibilita que os cadastrados tenham acesso às crianças com o perfil desejado. Dentre as informações coletadas, há idades das crianças, regiões que se encontram, raças, doenças detectadas e deficiências (catalogando apenas deficiência física e mental (sic), como é referida a deficiência intelectual). O cadastro também disponibiliza dados do perfil dos pretendentes, não como eles se caracterizam, mas o que eles buscam e o que definiram como critérios (LEITE, 2011).

Em 2019, o Cadastro de adoção se unificou ao de acolhimento e é no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) que ambos se encontram agrupados. É nesse momento que o acesso as estatísticas facilitam traçar o perfil das crianças que estão institucionalizadas, em processo de adoção ou já adotadas, e com possibilidade de pesquisa a partir de algumas variáveis, como por idade, estado e período a ser pesquisado. Em pesquisa realizada no CNA em agosto de 2019, identificou-se o total de 9.623 crianças cadastradas, sendo 794 (8,25%) com “deficiência mental” (sic) e 324 (3,37%) com deficiência física. Não é possível verificar nas estatísticas quantas destas crianças possuem ambas deficiências, ou deficiências específicas dentre as duas categorias. O próprio critério por criança com deficiência se mostra recente e não consonante com a Lei Brasileira de Inclusão 13.146, a LBI, que estatui os direitos das pessoas com deficiência iniciando pela diferenciação dessa população em mais que duas categorias (LEITE, 2011).

Pessoa com deficiência, para a LBI (BRASIL, 2015), é conceituada no artigo 2º como:

aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015).

Esta definição apresente de modo coerente com o modelo social de concepção da deficiência, posto que identifica a deficiência como uma interação do sujeito com barreiras do contexto.

No que se refere à adoção de crianças com deficiência percebe-se avanços em políticas públicas, pois a lei facilita enquanto tempo processual de adoção dessa população, deixando mais ágil. Porém, o próprio sistema que tende a ser acessível na tramitação, não está em consonância com o que se considera e é estatuído pela LBI enquanto conceituação de pessoa com deficiência e categorias de deficiência, o sistema de adoção ainda se limita a identificar crianças em duas categorias de deficiência, sendo “mental” e deficiência física. (BRASIL, 2015).

O estudo de Silva, Cavalcante e Dell’Aglio (2016) analisou os registros do Cadastro Nacional de Adoção, com o objetivo de avaliar os dados desde a criação do cadastro, em 2008, até a realização do estudo, em 2012. Foi identificado 29.303 registros, sendo que 22.898 (78%) foram referentes aos pretendentes que estavam aptos a aceitar um filho com desenvolvimentos típicos e os 6.405 restantes (22%) aceitam adotar criança ou adolescente com deficiência e/ou com doença crônica. Aqueles que aceitavam adotar crianças ou adolescentes com deficiência e/ou doença crônica correspondiam a escolaridade incompleta e renda baixa. Os autores enfatizam a necessidade de pesquisas futuras com o intuito de investigar as diferentes motivações demonstradas pelos pretendentes, bem como compreender os seus mitos e receios.

O site da Justiça do Brasil (2015) aponta que o curso ministrado para pretendes a adoção aborda temas como as expectativas e motivações para a adoção, aspectos legais, ressignificando a adoção, a criança idealizada e a criança real. A presença de pais que já vivenciaram esta prática pode auxiliar os candidatos no momento de escolha, bem como desmistificar os medos e minimizar as dúvidas, já que muitos casais não possuem conhecimento sobre a deficiência e suas potencialidades, podendo influenciar no momento da escolha no cadastro. Porém, avaliando os dados do Cadastro Nacional de Adoção, nota-se a necessidade de aprofundamento em temas referentes à deficiência e práticas parentais. Gondim, Fernandes, Brito, Oliveira e Nakano (2008) reforçam a necessidade de preparar os candidatos de maneira que se tornem flexíveis e reavaliem suas exigências referente às características do filho desejado. Os autores acreditam que o acompanhamento psicológico durante o processo pode auxiliar os pretendentes a reavaliar a idealização do filho que esperam e a criança real (BRASIL, 2015).

A partir de uma pesquisa realizada por Mozzi e Nuernberg (2016), notou-se que os pretendentes à adoção que sinalizam aceitar uma criança ou adolescente com deficiência, são centrados nos filhos, tem desejo de lutar pelos direitos da pessoa com deficiência, bem como auxiliam o filho a se desenvolver e progredir. Apontam também os aspectos positivos de adotar uma criança ou adolescente com deficiência, ressaltando a importância da maneira como os pais lidam com isso. Segundo os autores, a deficiência é apenas um diagnóstico, o que faz a diferença é o incentivo dos pais frente ao desenvolvimento do filho, bem como, a qualidade e o valor que atribuem a deficiência.

Em um estudo realizado por Silva, Vitorino e Portes (2019), os discursos dos casais são estabelecidos relações entre deficiência e lesão orgânica com a imagem de que, por um filho possuir problemas de saúde, irão demandar tempo, maiores cuidados e recursos financeiros, estabelecendo uma resistência sobre as variações corporais, sem ter conhecimento a respeito das condições de cada deficiência. Para Mozzi (2015), é importante reconhecer que a adoção de um filho pode demandar maiores investimentos, porém, cada condição possui sua singularidade e diferentes experiências a serem vivenciadas.

Ainda nos estudos de Silva e seus colaboradores (2019), Cada membro de um casal vem de uma família de origem e teve suas experiências no seu microssistema, que leva consigo na formação de uma nova família. Ao carregar essas influências, as experiências para a composição da nova família, faz com que a partir da interação com o novo membro, ambos criem expectativa de como será a relação parental, tanto como será o filho, como a qualidade desse relacionamento.

Observa-se a interferência do macrossistema, relacionado as crenças e representações que a sociedade tem sobre a deficiência, que interferem de modo indireto em como esses membros do casal irão constituir sua família no microssistema. Outro sistema que se relaciona com os resultados da presente pesquisa é o ecossistema, quando se refere as características de emprego, o tempo de trabalho também influenciam nas crenças que eles possuem para adotar uma criança. No contexto do mesossistema, observa-se a interação desse sistema familiar com o fórum e que pode influenciar nas crenças que eles possuem sobre a adoção, visto que participam de curso para pais. E finalmente, no microssistema, os próprios membros do casal através dos processos proximais influenciam-se mutuamente no processo de escolha pela adoção (NEPOMUCENO, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adoção de crianças com deficiência no Brasil ocorre em baixas frequências, e o número de crianças com tais características para adoção ultrapassa o número de pretendentes que as aceitam. Essa adoção ainda se mostra pouco estudada em literatura nacional. Este estudo de revisão bibliográfica buscou investigar sobre o tramite do processo de adoção de crianças com deficiência no Brasil e suas motivações na espera para adotar e identificar as barreiras e os motivos facilitadores dos pretendentes frente à adoção de um filho com deficiência. Durante a realização da transcrição desta revisão de literatura foi evidenciado que fatores financeiros se mostram relevantes principalmente quando pais e pretendentes pensam no acesso de crianças com deficiências aos serviços especializados, não identificando que a rede pública possa dar conta de tais demandas.

No entanto, o dificultador mais frequente dessa adoção está na falta de contato com outras pessoas com deficiências e contextos que instruam sobre demandas reais e especificas, decorrentes das mesmas.

Nota-se que as preocupações dos casais com a adoção dessas crianças vão além das características relacionadas a deficiência em si, mas estão associadas a interferência dessa adoção em outros subsistemas, como o ambiente de trabalho e os aspectos financeiros, bem como, os cuidados de saúde que essa população necessita.

É notório a falta de conhecimento dos candidatos pais à adoção a respeito da deficiência de modo geral, suas características e potencialidades. Apesar do avanço no âmbito jurídico para dar mais agilidade no processo de adoção de crianças com deficiência, nota-se que a maioria dos casais dessa comarca preferem aguardar mais tempo na fila de espera por uma criança que se aproxime das suas características.

A partir da presente pesquisa foi possível identificar as barreiras que os pretendentes possuem, torna-se possível dar subsídio para reorganizar o curso de adoção, com o objetivo de desmitificar essas crenças e aumentar o número de pretendentes que aceitam um filho com deficiência.

Ressalta-se a importância de mais estudos acerca de deficiência e adoção, visto que o respectivo tema é pouco abordado, e pode contribuir de forma positiva no momento da decisão dos casais adotantes. Sugere-se novas pesquisas com temas relacionados as motivações dos casais que querem adotar um filho com deficiência e estudos com outros delineamentos metodológicos, como um grupo focal com os pretendentes para levantar os seus motivos ou até mesmo estudos com delineamento explicativo que consigam retratar os fatores que interferem na escolha dos casais sobre a adoção de crianças com deficiência de forma mais generalizada.

REFERÊNCIAS

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