ASPECTOS GERAIS SOBRE QUALIDADE E COMERCIALIZAÇÃO DA CARNE MOÍDA BOVINA NO BRASIL: UMA REVISÃO DA LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7708296


Thalita Nazaré Nascimento da Silva
Mayara Gislainne Monteiro da Costa
Silvana de Fátima Oliveira de Almeida
Patrícia da Cunha Sousa


RESUMO

No Brasil é expressivo o consumo da carne bovina, e, em períodos onde o valor deste alimento tem se mostrado elevado, a carne moída se mostra uma opção proteica de baixo custo, por tornar mais palatáveis e com boas características sensoriais, os cortes cárneos considerados menos nobres, sem alterar as características nutricionais da matéria prima. Entretanto, o processo de moagem da carne provoca o rompimento de fibras musculares, e o aumento da superfície de contato do alimento, aliado à falta de limpeza e sanitização dos utensílios e equipamentos, colaboram para o desenvolvimento e crescimento de patógenos. Este trabalho apresenta uma revisão da literatura sobre os aspectos gerais da carne bovina moída comercializada em diferentes tipos de estabelecimentos do Brasil, com o objetivo de compilar informações relacionadas à legislação vigente, bem como artigos científicos publicados entre os anos de 2000 e 2020, acerca da rotina comercial e das boas práticas de higiene envolvidas na comercialização desse tipo de alimento. Foi observado que a carne moída apresenta um número de contagem maior de microrganismos quando comparada às carnes não moídas, e isso se deve à presença de fatores facilitadores para a contaminação, como o processo de moagem, somados à falta de higiene dos utensílios e de armazenamento inadequado da carne. Ainda, a não conformidade com a legislação vigente, fazem necessárias medidas efetivas de fiscalização deste alimento. 

Palavras-chave: contaminação, consumo de carne, higiene, alimento, microrganismos. 

ABSTRACT

In Brazil the beef consumption is expressive, and, in periods where the value of this food has been shown to be high, ground meat is a low-cost protein option, as it makes meat cuts more palatable and with good sensory characteristics considered less noble, without changing the nutritional characteristics of the raw material. However, the ground meat process causes the breakdown of muscle fibers, and the increase in the contact surface of the food, along with the lack of cleaning and sanitizing of utensils and equipment, contribute to the growth of pathogens. This research presents a literature review on the general aspects of ground meat sold in different types of establishments in Brazil, in order to compile information related to the current legislation, as well as scientific articles published between the years 2000 and 2020, about the commercial routine and good hygiene practices involved in its commercialization of this type of food. It was observed that ground meat has a higher number of microorganisms when compared to unground meat, and this is due to the presence of factors that facilitate contamination, such as the grinding process, added to the lack of hygiene of utensils and storage inadequate meat. Still, non-compliance with current legislation, effective measures for the inspection of this food are necessary.

Keywords: contamination, meat consumption, hygiene, food, microorganisms.

1. Introdução 

Segundo consta no Decreto 9.013 de 29 de março de 2017, carnes são definidas como massas musculares e os demais tecidos que as acompanham, incluída ou não a base óssea correspondente, procedentes das diferentes espécies animais, julgadas aptas para o consumo pela inspeção veterinária oficial (RIISPOA, 2017). Sendo assim, qualquer tecido animal utilizável como alimento, constituindo fonte importante de proteínas (VALLE, 2000).

As carnes podem ser adquiridas como produtos frescos, congelados, embalados a vácuo, secos, salgados, defumados, enlatados, fracionados e moídos (CARDOSO; ARAÚJO, 2003), e por ser considerado um alimento essencial, compondo parte da dieta de pessoas em diferentes classes sociais e faixa etária, a produção da carne, sua distribuição, e principalmente o seu controle higiênico-sanitário, são alvo de rígida fiscalização (BRASIL, 2014).  

Entre os principais setores de distribuição da carne no varejo estão os hipermercados, os grandes e pequenos mercados, as casas de carnes e os açougues, havendo ainda um fortalecimento das feiras livres nesse tipo de comércio (ANDRADE, 2013). Apesar de não existir legislação específica para comercialização de carnes em feiras livres, essa prática pode ser guiada pela RDC nº 275/2002 e pela RDC nº 216/2004 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (BRASIL, 2002; 2004).

Oliveira et al. (2013) afirmam que, de um modo geral, a carne bovina é considerada um alimento nobre por apresentar elevado teor proteico com alto valor biológico, presença de ácidos graxos essenciais, todas as vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K), vitaminas do complexo B presentes em grande quantidade e minerais essenciais como ferro, potássio, sódio, magnésio e zinco, todos eles fundamentais na regulação de processos fisiológicos (SILVESTRE et al., 2014). 

No Brasil, é expressivo o consumo da carne bovina e, em períodos onde o valor deste alimento tem se mostrado elevado, a carne moída constitui uma opção de baixo custo, por serem mais palatáveis e com boas características sensoriais, os cortes cárneos considerados menos nobres (TRAVASSOS; COELHO, 2017). Entretanto, esse tipo de carne deteriora-se facilmente em razão do rompimento de fibras musculares, em virtude do processo de moagem, pois essa etapa aumenta a proporção de reações de oxidação, agravado pelo manuseio excessivo, que muitas vezes está aliado à falta de limpeza e sanitização dos utensílios e moedores, colaborando para o crescimento de patógenos (RODRIGUES; SILVA, 2016).

Alguns microrganismos são considerados indicadores quando presentes nos alimentos e podem fornecer informações sobre a ocorrência de contaminação de origem fecal, sobre a provável presença de patógenos ou sobre a deterioração potencial do alimento, além de indicar condições sanitárias inadequadas durante o processamento, produção ou armazenamento (FRANCO; LANDGRAF, 2004). 

A maneira mais eficiente de reduzir a contaminação biológica em carnes é estabelecer, nos locais de comercialização, programas de controle de qualidade como Boas Práticas de Fabricação (BPF) e Análise de Perigos de Pontos Críticos de Controle (APPCC) que podem ser realizados, buscando indicadores da presença de patógenos e diferentes organismos que causam a deterioração e a ocorrência de doenças (BARROS et al., 2017). 

De acordo com Barros e Violante (2014), é possível que ocorra contaminação a partir de uma deficiência nas condições higiênico-sanitárias, como por exemplo, nas feiras livres que possuem instalações na situação de precariedade, ausência de equipamentos de refrigeração e armazenamento, sendo assim, acarretando fatores propícios de risco à saúde do consumidor para o surgimento de doenças de origem alimentar. 

Quanto aos supermercados, em um estudo realizado em cinco desses estabelecimentos foi possível observar falhas de armazenamento em temperaturas não correspondente à necessidade do produto, bem como a presença de patógenos como Salmonella spp, Staphylococcus aureus, microorganismos mesófilos, coliformes totais e termotolerantes. Onde a temperatura inadequada foi considerada como a principal fonte de desenvolvimento e multiplicação de microrganismos provenientes de uma possível contaminação via manipulação humana (ARÇARI; JÚNIOR; BELTRAME, 2011).

Portanto, dada a carne moída como componente importante na dieta dos brasileiros, esta pesquisa realizou uma compilação bibliográfica sobre os aspectos gerais da carne moída, bem como sua qualidade microbiológica e condições de comercialização nos diferentes locais de vendas do Brasil.

2. OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Identificar na literatura aspectos gerais sobre a qualidade da carne moída bovina in natura ofertada nos diferentes locais de comercialização (feiras, açougues, supermercados e mercados) do Brasil. 

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 

  • Apresentar o conceito de carne moída e os procedimentos técnicos para sua elaboração a partir de informações disponíveis em literatura especializada; 
  • Apresentar dados publicados acerca da qualidade microbiológica da carne moída bovina nos diferentes locais de comercialização;
  • Descrever sobre os aspectos legais que regulamentam as boas práticas de higiene e a comercialização da carne moída bovina no Brasil.

3. MATERIAL E MÉTODOS

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

Esta pesquisa trata-se de uma revisão integrativa. Para a realização deste estudo foram utilizados os seguintes descritores: “carne moída bovina”, “qualidade microbiológica da carne” e “análise microbiológica da carne moída”, limitando os idiomas ao português e inglês.  O principal método de seleção foi a escolha dos artigos pelos títulos. 

3.2 LIMITE DE TEMPO

Foram selecionadas leis e Instruções Normativas (IN) vigentes no Brasil, e os artigos científicos escolhidos foram publicados entre os anos de 2000 e 2020.

3.3 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO

Foram incluídos todos os artigos (e demais obras) originais indexados do período de 2000 a 2020 e sendo excluídos aqueles publicados em datas anteriores a este intervalo, exceto as legislações.  

3.4 BASE DE DADOS 

As pesquisas foram realizadas a partir de diversas plataformas científicas, tendo como as principais: Scientific Electronic Library Online (Scielo), PubMed e Google Acadêmico, para pesquisa de revistas e trabalhos acadêmicos. 

4. REVISÃO DE LITERATURA 

4.1 CARNE MOÍDA: CONCEITO E PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DE ELABORAÇÃO

Carne moída é definida como o produto cárneo cru, resfriado ou congelado, proveniente da moagem de massas musculares de carcaças de bovinos e bubalinos, com textura, cor, sabor e odor característicos, sendo seguido de imediato resfriamento ou congelamento, podendo conter a denominação de venda de acordo com a temperatura de apresentação, tal como: carne moída resfriada e carne moída congelada, seguida do nome da espécie animal da qual foi obtida, sendo facultativo nomear o corte cárneo (BRASIL, 2003). 

Visando a segurança do consumidor, embora exista legislação conferida para âmbito nacional, alguns Estados adotam regulamentos complementares a suas particularidades para manipulação e comercialização da carne moída, a exemplo de São Paulo (Decreto nº 45.248/00) que proíbe a comercialização de carne previamente moída, tornando direito do consumidor à escolha do corte para moagem em sua presença, no ato da compra. 

No decreto, a carne deve ser moída apenas na presença do consumidor e ao seu pedido, com o objetivo de garantir a procedência das peças processadas, evitando que sejam acrescidos componentes impróprios e pedaços de qualidade inferior ou diferentes do solicitado (como sebo, vísceras, miúdos ou retalhos), e, também, reaproveitamento de carnes. Assim como em São Paulo, no Rio de Janeiro, a comercialização de carnes pré-moídas é indevida e também proibida (TANCREDDTI; SILVA 2007). 

No tocante à composição, requisitos e aos fatores essenciais de qualidade, a Instrução Normativa nº 83, de 21 de novembro de 2003 (IN 83/03) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), prevê que além de massas musculares esqueléticas de bovídeos, a carne moída não deve possuir quaisquer coadjuvantes de tecnologia, contudo é permitida adição de água, no valor máximo de 3% para facilitar no processamento. No que se refere ao parâmetro físico-químico de gordura esta mesma IN institui valor máximo de 15%, ao se tratar de matéria-prima bovina.

Quanto ao processamento, a matéria-prima utilizada para a produção da carne moída deve seguir os padrões recomendados no Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) e submetida aos procedimentos de inspeção preconizados pelo MAPA. Esta deve ser resfriada ou congelada, não sendo permitida a utilização de carne “quente”, e os tecidos considerados inferiores, como: ossos, cartilagens, gordura parcial, aponeuroses, tendões, coágulos, nódulos linfáticos (BRASIL, 2003). O local para elaboração deve ser próprio, em temperatura ambiente não superior a 10 °C, e ser retirada do moedor com temperatura de até 7 °C, sendo imediatamente submetida ao congelamento (rápido ou ultrarrápido) a -18 °C ou a resfriamento, com temperaturas de 0 °C a 4 °C. 

A IN 83/03 não especifica o tipo de embalagem para carne moída, mas aborda de um modo abrangente que deve ser de material adequado para as condições utilizadas de armazenamento e transporte, capaz de acomodar peso máximo de 1 Kg de carne, ou maior que isso, quando a espessura do produto embalado for inferior a 15 cm.  

4.2 FATORES QUE INFLUENCIAM A MICROBIOTA DA CARNE MOÍDA E OS MEIOS DE AVALIAÇÃO DE RISCOS MICROBIOLÓGICOS

A carne moída é favorável à multiplicação de microrganismos, pois é um alimento com elevada atividade de água e rico em nutrientes, que associados ao manuseio e ao inadequado controle da higiene durante o processo, tanto das mãos quanto do ambiente, pode se tornar um risco à saúde do consumidor (AMORIM; BOTELHO; FIUZA, 2019; FENELON et al., 2019). 

Ao longo dos anos, vários relatos sobre a carne moída tem apresentado um número maior de microrganismos quando comparada às carnes não moídas, e isso se deve ao fato de possuírem fragmentos pequenos e assim, uma maior superfície de contato para contaminantes biológicos. Portanto, esta carne apresenta um risco muito maior por apresentar fatores que a facilitam a contaminação (FERREIRA; SIMM, 2012; BAPTISTA et al., 2013). 

Em alguns estabelecimentos comerciais, os utensílios utilizados na produção da carne moída, tais como: o moedor, as facas, e materiais para estoque, não são limpos com regularidade, o que aumenta a possibilidade de uma contaminação (JAY, 2005). Para Amorim, Botelho e Fiuza (2018) a limpeza e a manutenção de equipamentos e utensílios, assim como de superfícies em geral, são fundamentais para manter a higiene e correspondem ao que preconiza as Boas Práticas de Fabricação (BPF), as quais abrangem um conjunto de medidas que devem ser adotadas pelas indústrias de alimentos e pelos serviços de alimentação, a fim de garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos alimentos com os regulamentos técnicos (BRASIL, 2008).

Outro fator importante a considerar é que, de um modo geral, a conservação da carne agrega diferentes métodos que envolvem frio, calor, desidratação, salga, uso de aditivos,  conservantes, microrganismos e enzimas (MONTEBELLO; ARAÚJO, 2006), mas se tratando da carne moída, a legislação brasileira, Brasil, (2003), proíbe a adição de substâncias conservantes ou coadjuvantes de tecnologia, tornando o emprego e o controle de baixas temperaturas pontos críticos para o controle de qualidade desse tipo de alimento (BAPTISTA et al., 2013). 

Oliveira et al. (2008) observou, tanto em pequenos estabelecimentos quanto em grandes redes de supermercados, problemas nas condições de conservação pelo frio em produtos cárneos relacionados ao funcionamento inadequado dos equipamentos (refrigeradores e balcões térmicos). A carne mantida em condições inadequadas contribui para que a sua temperatura se eleve, principalmente na superfície externa, favorecendo a multiplicação de bactérias, causando limosidade e superfície pegajosa no alimento, características de deterioração microbiológica primária (JAY, 2005; WILSON, 2009).

Para avaliar os riscos microbiológicos, as análises sensoriais simples, como a avaliação do odor, podem indicar a contaminação por microrganismos proteolíticos. À medida que há o aumento da população microbiana, aumenta-se também o grau de proteólise e, portanto, a produção de gás sulfídrico, resultando em odor desagradável (MACHI, 2006).

Análises microbiológicas mais específicas incluem a contagem de aeróbios mesófilos, onde elevadas taxas de contaminação por esses microrganismos podem ser fortes indicativos da presença de cepas patogênicas e/ou deteriorantes (LIMA et al., 2018). Esse grupo é, portanto, indicador de qualidade sanitária e representam insalubridade, pois a maioria dos microrganismos patogênicos é mesófilo (se desenvolve em temperaturas entre 20 ºC e 45 ºC), capaz de crescer em alimentos mal conservados e/ou preparados de forma inadequada (FRANCO; LANDGRAF, 2004). 

A legislação brasileira, por meio da RDC nº 724, de 2 de Julho de 2022, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), dispõe sobre os padrões microbiológicos dos alimentos e sua aplicação. Assim, define a pesquisa para carnes e produtos cárneos, Escherichia coli/g, Estafilococos coagulase positiva/g, Aerobios mesófilos/g, Salmonella spp., os quais apresentam taxas máximas de tolerância na amostra a depender do plano de amostragem (Tabela 1) (BRASIL, 2022).

Tabela 1Padrões microbiológicos estabelecidos pela RDC nº 724 de acordo com os grupos de alimentos. 

GRUPO DE ALIMENTOSMICRORGANISMOPADRÕES MICROBIOLÓGICOS
Carne moída, produtos cárneos crus moldados, temperados ou não, refrigerados ou congelados (hambúrgueres, almôndegas, quibes)Salmonella sp/25g
Escherichia coli/g
Estafilococos coagulase positiva/g
Aeróbios mesófilos/g
Ausente
102
104
106

Fonte:  RDC nº 724, 2022.

4.3 PERFIL SANITÁRIO E MICROBIOLÓGICO DA CARNE MOÍDA OFERECIDA EM DIFERENTES ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS DO BRASIL 

4.3.1 Feiras livres e mercados públicos municipais

As feiras livres no Brasil são uma antiga alternativa comercial varejista ao ar livre e apresentam importante valor social e cultural, funcionando como um ambiente atrativo para milhares de consumidores nos dias atuais, principalmente pela oferta de produtos de baixo custo, com maior variedade e, também pela interpretação do produto apresentar maior frescor (MOREL; REZENDE; SETTE, 2015).

Entretanto, diferentes estudos acerca dos aspectos de higiene da carne moída ofertada em feiras livres, concluem com unanimidade condições higiênico-sanitárias insatisfatórias, indicando este alimento como um importante veiculador de doenças alimentares, necessitando maior atenção dos órgãos de fiscalização e de controle de qualidade, assegurar a saúde dos consumidores. As análises microbiológicas apontam a presença de bolores e leveduras em 40% das amostras. Já em relação às bactérias aeróbias mesófilas, coliformes totais e termotolerantes, houve contaminação em 100% das amostras (FREITAS; MACHADO, 2018; COSTA et al., 2020).

Para Almeida et al. (2011), um dos grandes problemas da comercialização de carne em feiras livres é que, geralmente, não possuem infraestrutura adequada como, equipamento de refrigeração e congelamento para comercialização de alimentos e apresentam condições higiênico sanitárias precárias, favorecendo a contaminação microbiológica da carne (RAPOSO; ARAÚJO; FURTUNATO, 2008).

Quanto à legislação, é extremamente importante que os padrões microbiológicos para carne bovina moída estabelecidos pela Resolução-RDC n° 724/2022 sejam ampliados, visto que, somente a ausência de Salmonella spp. não assegura um alimento inócuo.

Os resultados das análises físico-químicas demonstraram que 100% das amostras atenderam para os parâmetros de umidade, cinzas e gorduras, e em relação ao conteúdo proteico, apenas 30% não atendeu o valor estabelecido. O parâmetro pH demonstrou que 50% das amostras estavam dentro da legislação vigente (BRASIL, 1981, 2003; COSTA et al., 2020).

Segundo Dias et al. (2001), os mercados municipais são estruturas públicas onde ocorre comércio tradicional de produtos alimentares frescos, bem como ocorre o fluxo da produção agrícola, artesanal e industrial (SERVILHA; DOULA, 2012). Por serem espaços públicos, é possível interagir de maneira livre nestes espaços, pois são lugares acessíveis a toda população independente de condição social, seja local ou flutuante (LOPES; VASCONCELLOS, 2010).

No município de Juazeiro do Norte no Ceará foi realizado um estudo sobre o perfil microbiológico da carne moída comercializada em três mercados públicos e seis frigoríficos privados do município. Almeida e Alves (2015), constataram que tanto os estabelecimentos públicos quanto os privados apresentaram algum tipo de contaminação por microrganismos. Nos mercados públicos as amostras coletadas apresentaram 100% de contaminação por E.coli enquanto que nos privados 66,7%, além de presença de Salmonella spp em 100% nos mercados e 16,7% nos frigoríficos, classificando a carne moída como imprópria para consumo de acordo com a legislação preconizada. 

Zorzo et al. (2019), em estudo realizado em açougues, mercados e supermercados de Sinop no Mato Grosso pesquisou a presença de Salmonella spp., contagem E. coli em carnes moídas, além de contagem total de aeróbios mesófilos. Verificou-se a presença de Salmonella spp. em 55% das amostras, bem como de E.Coli em 60% das amostras, apresentando valor acima do limite máximo estabelecido pela ANVISA. 

De acordo com o MAPA, pela IN nº 83, de 21 de novembro de 2003, contaminantes relacionados a resíduos orgânicos e inorgânicos devem estar ausentes, e quando presentes, em quantidades inferiores aos limites estabelecidos em regulamentação específica. Além de que, o produto não deverá conter substâncias/matérias estranhas de qualquer natureza. 

4.3.2 Açougues e supermercados

Figura 1 – Principais microrganismos identificados em amostras de carne moída bovina colhidas de três açougues localizados em Feira de Santana – BA.

Fonte: Gomes e Andrade (2017). 

Gomes e Andrade (2017) coletaram 75 amostras de carne moída em três açougues distintos de Feira de Santana na Bahia, com o objetivo de identificar as falhas e os riscos microbianos envolvidos durante a manipulação. Os autores constataram que houve contaminação por Salmonella spp., Shiguela spp. e coliformes no açougue 1, já nos açougues 2 e 3, os resultados apontaram a presença de Salmonella spp. e coliformes (Figura 1). 

Em Uberlândia-MG, a pesquisa realizada por Fenelon et al. (2019), em açougues pertencentes a supermercados da região central da cidade, concluiu que a carne moída obtida para o estudo apresentou coliformes totais e coliformes a 45 ºC, oferecendo riscos à saúde do consumidor. Avaliaram ainda que, em 100% dos estabelecimentos, os manipuladores não higienizam as mãos antes de entrarem em contato com a carne, e em três, dos cincos estabelecimentos, observou-se a presença de restos de alimentos nos equipamentos, o que pode ter sido fator determinante para que o produto em análise tenha apresentado Salmonella spp., o que inviabilizaria a carne para o consumo.

Portanto, é essencial seguir protocolos de higienização, fazendo um controle de patógenos de maneira que proporcione qualidade e segurança ao consumidor (PINHEIRO; WADA; PEREIRA, 2010).

No Distrito Federal, Monteiro et al. (2018) avaliaram, a partir de 15 amostras de carne moída que estavam embaladas e acondicionadas em balcões refrigerados de diferentes supermercados, as análises efetuadas foram: contagem de bactérias psicrotróficas e mesófilas, determinação de coliformes totais e termotolerantes, contagem de S. aureus, além pesquisa de Salmonella spp. Dentre os resultados obtidos, concluiu-se que 27% das amostras continham a presença de Salmonella spp., 87% S. aureus e 33% apresentaram contagem elevada para S. aureus (acima de 1,0 x 10³ UFC/g). Logo, através destes resultados, verifica-se que a falta de cuidado com a higiene e as más condições de armazenamento da carne moída colocam em riscos à saúde do consumidor. 

Valiatti et al. (2017) coletaram 20 amostras de carne moída em dois supermercados no município de Ji-Paraná em Rondônia, onde constataram a contaminação por coliformes, evidenciando também as más condições higiênico-sanitárias envolvidas no processo de armazenagem, manipulação e moagem, as quais favoreceram a proliferação de microrganismos na carne.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Os resultados obtidos a partir desta investigação bibliográfica afirmam que a carne moída bovina é um alimento de alto valor nutricional, bastante consumido pela população brasileira, podendo ser facilmente encontrado, a baixo custo, a depender do corte cárneo utilizado, em diferentes setores alimentícios de varejo. O processo de moagem da carne, a manipulação, as condições de armazenamento e a higiene dos equipamentos, foram citados como fatores determinantes para a elevada contaminação microbiológica (E. coli, Salmonella spp. e Staphylococcus aureus) descrita nos artigos pesquisados, a partir de amostras de carne moída coletadas em feiras livres, mercados municipais, açougues e supermercados. 

Além disso, o alto índice de contaminação desse alimento também está relacionado à carência de fiscalização e de autuação de estabelecimentos, cuja conduta de comercialização da carne moída não corresponde aos critérios higiênicos-sanitários exigidos por lei. Deste modo, a literatura nos mostra que corrigir o perfil higiênico-sanitário inaceitável dos manipuladores de alimentos e exigir maiores cuidados nos estabelecimentos e pontos comerciais da carne moída, somados a um programa efetivo de fiscalização, são medidas imprescindíveis para a oferta de um alimento inócuo, diminuindo agravos à saúde do consumidor. 

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