ASPECTOS DA REABILITAÇÃO DISCIPLINAR NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO PENAL

ASPECTS OF DISCIPLINARY REHABILITATION IN THE CONTEXT OF PENAL EXECUTION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202409221651


Lilian Frassinetti Correia Cananéa1
Peterson Rodrigues Macêdo Vilar2


RESUMO

O artigo tem como proposta principal a análise da reabilitação disciplinar no âmbito da execução penal, quando da realização de mutirões carcerários. E para que seja possível desenvolver o estudo, o ponto de partida será a compreensão do funcionamento dos mutirões e, em seguida, a análise jurídica das questões relacionadas com a reabilitação disciplinar, em razão de divergências de entendimento. Dessa maneira, segue como objetivo geral analisar as questões controversas, ressaltando a que mais beneficia os reeducandos na execução penal e, para conseguir atingir a proposta desejada, segue-se como objetivos específicos: compreender o funcionamento de um mutirão carcerário; refletir sobre a importância do mutirão carcerário; compreender o posicionamento de pontos de divergências a partir da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Para tanto, como procedimento técnico, será realizada uma pesquisa bibliográfica, descritiva e método de abordagem dedutivo.

Palavras-Chave: Mutirão; Carcerário; Reabilitação disciplinar, Ressocialização.

ABSTRACT

The main proposal of the article is the analysis of disciplinary rehabilitation in the context of penal execution, when prison task forces are carried out. And in order to be able to develop the study, the starting point will be the understanding of the functioning of the task forces and, then, the legal analysis of the issues related to disciplinary rehabilitation, due to divergences of understanding. Thus, the general objective is to analyze the controversial issues, emphasizing the one that most benefits the inmates in the penal execution and, in order to achieve the desired proposal, the following are the following specific objectives: to understand the functioning of a prison task force; reflect on the importance of the prison task force; understand the position of points of divergence from the entry into force of Law No. 13,964/2019 (Anticrime Package). To this end, as a technical procedure, a bibliographic, descriptive research and deductive approach method will be carried out.

Keywords: Mutirão; Prison; Disciplinary rehabilitation, Resocialization.

INTRODUÇÃO

A proposta apresentada nesse estudo está diretamente relacionada com a constatação de casos de reeducandos da execução penal que cometeram falta grave, alguns com regime regredido do semiaberto para o fechado, outros com faltas graves praticadas na própria unidade prisional, o que interrompe o prazo para obtenção de benefícios, com cálculos e projeções diversas, em razão da discussão existente sobre o prazo da reabilitação disciplinar, o que se constata através dos mutirões carcerários realizados em diversos presídios nas comarcas do Estado da Paraíba.

Dessa maneira, durante a leitura do artigo, será possível acompanhar o modus operandi de um mutirão carcerário e, em especial, qual a grande função jurídica e social desse processo, no âmbito da execução penal, a sua função na ressocialização e o grande impacto que causa o não cumprimento da disciplina na unidade prisional.

Para que seja possível realizar o desenvolvimento do texto, optou-se por seguir como objetivo geral analisar quais são os entendimentos diversos da reabilitação disciplinar na execução penal e, para conseguir atingir a proposta desejada, segue-se como objetivos específicos: compreender o funcionamento de um mutirão carcerário; refletir sobre a importância do mutirão carcerário e a sua importância para a ressocialização; compreender o sentido da reabilitação disciplinar que veio como condição para progressão de regime e livramento condicional, na Lei n. 13.964, de 24.12.2019, que entrou em vigor em 23.01.2020, conhecida popularmente como Pacote Anticrime, que alterou diversas leis penais, a exemplo do Código Penal e da Lei n. 7.210/84, Lei de Execução Penal. Para tanto, como procedimento técnico, será realizada uma pesquisa bibliográfica, descritiva e método de abordagem dedutivo.

1. Aspectos sociais e jurídicos dos mutirões carcerários

Em razão do crescente número de reclamações e denúncias recebidas pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça – sobre a violação de garantias constitucionais e de direitos humanos, além de atrasos nas análises dos benefícios dos reeducandos, foi instituído a realização de mutirões carcerários no ano de 2008, com o deslocamento de juízes e juízas a diversos Estados com o fim de analisar a situação das pessoas que se encontravam privadas de liberdade. (Fonte: site do CNJ).

No Estado da Paraíba, em 2009, o mutirão se instalou sob a coordenação do CNJ, onde foi feito um grande esforço concentrado com o fim de analisar guias de recolhimento de diversos detentos recolhidos em Presídios/cadeias do Estado, com uma equipe de juízes da execução penal, e realizou-se nos Fóruns das Comarcas de Patos, Campina Grande e João Pessoa.

Após a conclusão dos trabalhos pelo CNJ, os mutirões continuaram sendo realizados em diversas comarcas do Estado, através desta magistrada, como coordenadora, pertencente ao Grupo GMF – Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo, instituído pela Resolução n. 04, de 09.01.2012, do CNJ, atendendo reeducandos do regime fechado e presos provisórios. E em algumas comarcas, também do regime semiaberto e aberto.

Os mutirões carcerários são realizados por ordem alfabética, com a presença de um Juiz de Direito, um Promotor de Justiça e um Defensor Público, todos com atuação na execução penal, e tem surtido um duplo efeito, conceder benefícios aos reeducandos que já atingiram os requisitos objetivos e subjetivos, cientificá-los dos cálculos e da perspectiva de direito de alcançar o benefício, e até mesmo o direito de escuta a quem se encontra encarcerado e muitas vezes, sem a assistência devida, tendo a oportunidade de falar perante um Juiz de Direito, um Promotor de Justiça e um Defensor Público.

Com a realização dos mutirões carcerários, em contato direto com os reeducandos, nos aproximamos mais dos casos que os afetam, muitos com regressão de regime decretada, em razão de falta grave. Uma grande parcela com mais de uma falta, com período de pena a cumprir para ser reabilitado disciplinarmente, e ter uma nova oportunidade perante a execução penal. E vislumbrando a existência de entendimentos e interpretações diversas sobre a aplicação do instituto da reabilitação disciplinar, entendi ser necessário um aprofundamento sobre o estudo da reabilitação no âmbito da execução penal, como forma de contribuir com o bom debate.

2. Aspectos gerais dos deveres dos reeducandos em cumprimento de prisão preventiva ou sentença condenatória

Com a prática do crime, se decretada a prisão preventiva ou em cumprimento de sentença condenatória, o preso ingressa na unidade prisional para cumprimento da prisão provisória ou da pena. E com o ingresso na unidade, além de direitos, tem também deveres a cumprir.

A Lei de Execução Penal disciplina os direitos e deveres dos reeducandos, que são obrigados a cumprir para que possam conviver em área comum, em condomínio, sendo essencial ao regular cumprimento da pena. E caso não cumpra, arcará com as consequências, respondendo à procedimento disciplinar.

Ao Estado, cabe fornecer assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, tudo com o fim de contribuir com o a reinserção do reeducando à sociedade. E ao reeducando, cumprir os deveres e a disciplina, sob pena de ser punido disciplinarmente, conforme dispõem os arts. 38 e 39, ambos da Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210/84:

“Art. 38 – Cumpre ao condenado, além das obrigações legais, inerentes ao seu estado, submeter-se às normas de execução da pena.

Art. 39 – Constituem deveres do condenado:

I– comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;

II– obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deve relacionar-se;

III- urbanidade e respeito no trato com os demais condenados

IV– conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou a disciplina;

V– execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; 

VI – submissão à sanção disciplinar imposta;

VII-indenização à vítima ou aos seus sucessores

VIII– indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional de remuneração do trabalho;

XIX- higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; 

X – conservação dos objetos de uso pessoal.”

Essas regras devem ser cumpridas e são comuns a todos que se encontram recolhidos em unidades prisionais. A Lei de Execução Penal também disciplinou o que se considera falta disciplinar de natureza grave:

Art. 50 – Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II– fugir;

III-possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;

IV- provocar acidente de trabalho;

V- descumprir no regime aberto, as condições impostas;

VI- Inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do art. 39, desta lei

VII– tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo;

VII– recusar submeter-se ao procedimento de identificação de perfil genético.

Durante a realização do mutirão carcerário, constatou-se que em sua grande maioria, as faltas graves ocorrem por descumprimento das condições do regime semiaberto, o que ocasiona a regressão de regime, retornando para o regime fechado.

 Em relação aos que ainda se encontram no regime fechado, a maioria das faltas se referem ao uso de aparelho celular, uso de objeto capaz de ofender a integridade de outrem, tipo espeto que transformam em punhal, além de indisciplina e tentativa de fuga, são alguns exemplos de falta grave que “atrasam” no linguajar popular utilizado pelos reeducandos, a saída, tendo em vista que a falta grave interrompe a progressão de regime, matéria já sumulada pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça:

“Súmula 534: A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração.”

E lamentavelmente, é muito comum, nas unidades prisionais, o uso de aparelho celular, principalmente por reeducandos que fazem parte de facções criminosas, e determinam a prática de novos crimes dentro da própria unidade prisional. Ocorre, de forma menos frequente, o uso do aparelho celular para contato com a família. A cada revista feita nas unidades, o número de aparelho celular apreendido sempre cresce.

2.1. Procedimentos administrativo disciplinar: aspectos da apuração da falta

Praticada a falta, estando o reeducando recolhido ao regime fechado, é instaurado um Procedimento Administrativo Disciplinar para apuração, conhecido por PAD, a popular, SINDICÂNCIA, termo muito usado no dia a dia da unidade prisional. E através desse instrumento, o Estado tem como saber se a falta foi praticada, por quem, quando e o porquê, além de poder classificar em leve, média ou grave.

É necessário que o procedimento de apuração, PAD, observe o consagrado princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório – art. 5o, LV, da Constituição Federal, dando ao reeducando o direito à assistência jurídica – arts. 15 e 16, da Lei n. 7.210/84. O procedimento sem a presença de um defensor público para a defesa do reeducando, conforme decisões dos tribunais superiores, é considerada nula, conforme decisão do STJ:

“De acordo com o Enunciado n. 533 da Súmula do STJ, para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado” (AgRg no RHC 118.363/GO, j. 03/12/2019).

Concluído o procedimento (PAD), é encaminhado ao juízo das execuções penais, que poderá ou não, a depender do caso e do preenchimento dos requisitos necessários, homologar. E uma vez homologada, se discute o período que deverá cumprir para ser reabilitado disciplinarmente e poder, perante a execução penal, ter direito a um novo benefício.

3. Aspectos normativos das faltas graves em ambiente penitenciário 

A Constituição Federal, em seu artigo 24, inciso I, estabelece a competência a respeito de legislar sobre Direito Penitenciário, a definindo como concorrente, cabendo à União fixar as normas gerais, através da Lei de Execução Penal (LEP), definir as condutas que configuram faltas graves, cabendo aos Estados definir sobre as faltas médias e leves, e as sanções.

Muitos Estados da Federação passaram a disciplinar as faltas leves e médias através de atos normativos, dispondo sobre o prazo para reabilitação disciplinar. A União editou o Decreto n. 6.049/2007, instituindo o Regulamento Penitenciário Federal, também estipulando prazos para a reabilitação disciplinar, no seu art. 81:

“Art. 81. O preso terá os seguintes prazos para reabilitação da conduta, a partir do término do cumprimento da sanção disciplinar: I- três meses, para as faltas de natureza leve;

II- seis meses, para as faltas de natureza média;

III- doze meses, para as faltas de natureza grave; e

IV- vinte e quatro meses, para as faltas de natureza grave que forem cometidas com grave violência à pessoa ou com a finalidade de incitamento à participação em movimento para subverter a ordem e a disciplina que ensejarem a aplicação de regime disciplinar diferenciado.”

A maioria dos Estados que o assim fizeram, estipularam prazo de 01 (um) ano para faltas graves.

3.1 Lei De Execução Penal do Estado da Paraíba:

Diferente dos demais Estados, a Paraíba disciplinou a execução penal, no âmbito estadual, através da Lei n. 5.022/1988, de 14 de abril de 1988, disciplinando as faltas leves e médias, conforme a sua competência, e estas como não interrompem o prazo para concessão de benefícios, não se submetem ao período depurador da reabilitação disciplinar. Vejamos:

Art. 10 – As faltas disciplinares classificam-se em: I – leves;

II– médias:

III– graves;”

E disciplina apenas as faltas leves e médias:

“Art. 11 – Cometem falta leve, o preso e o internado que:

 I – faltar com urbanidade a companheiro ou visitante;

II– apresentar vestido, inconvenientemente, na área de circulação do estabelecimento:

III– desatender recomendações médicas de tratamento de doenças e cuidados de higiene e profilaxia;

IV– negligenciar na conservação de objetos que lhe são confiados; V-negligenciar no cumprimento do trabalho;  VI – ingressar em locais não permitidos”.

“Art. 12 – Cometem falta média o preso e o interno que: 

I – reincidir na prática da infração leve;

II– faltar com urbanidade a autoridade ou a servidor do estabelecimento;

III– retardar ou resistir, passivamente, à execução da ordem; 

IV – comportar-se, inconvenientemente, em solenidade, reunião ou aula;

V – responder por outrem, nas chamadas e revistas; 

VI – dificultar a apuração de ato punível.”

E no tocante às faltas graves, remete à Lei de Execução Penal, 7.210/84, a quem compete disciplinar, mas, infelizmente o período depurador não foi estipulado para as faltas graves pela referida lei e essa lacuna foi sendo preenchida, tomando-se como espelho, as leis estaduais e os atos normativos que disciplinaram as faltas leves e médias.

E assim, apesar das faltas leves e médias, disciplinadas pela execução penal estadual, não interromperem o prazo para a progressão de regime, está previu os prazos para a reabilitação disciplinar que passou a ser usada na execução penal para reabilitar, também, no Estado, os reeducandos do regime fechado quando a

praticam. Vejamos:

“Art. 28 – Poderá ser concedida, pelo Juiz da Execução Penal, reabilitação disciplinar, depois de decorridos:

I– seis (06) meses da advertência e da repreensão;

II- um (01) ano do término da suspensão de direito ou isolamento;

“Art. 29 – A reabilitação disciplinar implicará no cancelamento de todas as anotações sobre a medida aplicada que não mais será levará em consideração para nenhum efeito.”

Silente a Lei n. 7.210/84, passamos a utilizar, no Estado, a lei estadual quanto ao período depurador. A boa conduta carcerária é muito importante na vida prisional de um reeducando. É através da certidão carcerária, expedida pela Direção da Unidade Prisional, que se analisa se está apto a obter um benefício, e se cometeu algum ato que configure falta grave.

 Em caso positivo, necessário que seja reabilitado, passar por um período para mostrar que se arrependeu da falta praticada, que está cumprindo as regras da unidade prisional e apto a aguardar o lapso temporal onde poderá ter um novo benefício. E a execução penal na Paraíba, sempre aplica o período depurador estabelecido na execução estadual, que estabelece o prazo de 01 (um) ano para que seja reabilitado, mas a partir da entrada em vigor do Pacote anticrime, passou a ser disciplinada pela Lei n. 7.210/84 – Lei das Execuções Penais.

4. O Instituto da Reabilitação Disciplinar 

Um breve estudo sobre o instituto da Reabilitação, prevista no Código Penal, e a da Lei de Execução Penal.

Código Penal:

“Art. 93 – A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação.

…………………..

“Art. 94 – A reabilitação poderá ser requerida, decorridos dois (02) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não sobrevier revogação…”

A reabilitação prevista no Código Penal, visa assegurar ao reabilitado o direito de exercer função pública, concorrer a cargos públicos, o retorno ao convívio social sem mais constar nos seus antecedentes, as condenações que sofreu. E sobre o conceito da Reabilitação no Código Penal, vejamos a lição de Cleber Masson:

“Reabilitação é o instituto jurídico-penal que se destina a promover a reinserção social do condenado, a ele assegurando o sigilo de seus antecedentes criminais, bem como, a suspensão condicional de determinados efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação, mediante a declaração judicial no sentido de que as penas a ele aplicadas foram cumpridas ou por qualquer outro modo, extintas. Busca reintegrar o condenado que tenha cumprido a pena na posição jurídica que desfrutava anteriormente à prolação da condenação. Tem, portanto, duas funções: (1) assegurar ao condenado ao sigilo dos registros sobre seu processo e condenação (caput) e (2) suspender condicionalmente os efeitos da condenação previstos no art. 92 do CP (parágrafo único).” (Código Penal Comentado, 12a. Edição, Editora Método, 2024, pag. 563).

Esta reabilitação, apesar de semelhante, não é a mesma que utilizamos na Execução Penal, mas também “apagam” as anotações das faltas, que não chegam a desaparecer, mas não mais são usadas para indeferir um benefício. 

A nossa, prevista na Lei de Execução Penal, é de um conceito mais restrito, que aqui denomino Reabilitação Disciplinar, assim utilizada na Execução Penal Estadual, e os efeitos, apesar de diversos do Código Penal, já que não se fala em extinção de pena, mas sim de comportamento, mérito, para fins de obtenção de progressão de regime, podemos definir na lição de Mário José Esbalqueiro Júnior:

“O tema reabilitação diz respeito ao decurso de tempo necessário para que o sentenciado recupere a chamada “boa conduta” (Lei de Execução Penal, 2a. Edição, Editora Mizuno – 2024, fls. 121.)

E como já vimos, a má conduta é proveniente de descumprimento das regras estabelecidas no cumprimento regular da pena, perante a unidade prisional, ou em desacordo ao que estabelece a Lei de Execução Penal, que rege o cumprimento da pena.

5. Aspectos da Lei n. 13.964/2019 – PACOTE ANTICRIME

Com a entrada em vigor da Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, em 23.01.2020, várias foram as modificações introduzidas no Código Penal e na Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210/84, notadamente a exigência da “boa” conduta antes da concessão de benefícios. Não que não fosse exigido o bom comportamento carcerário, mas com a Lei, passou-se a fixar o período depurador. E em relação ao Livramento Condicional, a mudança foi bem mais acentuada. Destacamos o Código Penal, no seu art. 83, que assim dispõe:

“Art. 83 – O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:
……………….
I– comprovado:
………………..
b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;
………………..”

No caso do livramento condicional, com relação ao requisito subjetivo de não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses, foi acrescentado pelo Pacote Anticrime, Lei n. 13.964/2019, o que gerou séria discussão entre os doutrinadores em razão da vigência da Súmula 441, do STJ, que dispõe:

“A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional.
(Súmula 441, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010)”

Com a entrada em vigor da mencionada lei, que alterou o artigo 83, do Código Penal, a princípio pensou-se que a Súmula citada estaria revogada, no entanto, o entendimento é de que suspende o benefício, mas não interrompe o prazo. Vejamos:

“ I – Nos termos do art. 83 do CP, a concessão do livramento condicional exige o preenchimento de requisitos objetivos e subjetivos, dentre os quais o ‘comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena’. II – A Lei nº 13.964/2019 estabeleceu como requisito objetivo a ausência de falta grave nos últimos doze meses. Tal critério somente impede a concessão, mas não interrompe o prazo para o livramento condicional, nos termos da Súmula 441/STJ”. (Agravo em execução n. 07009214320238070000, Relator: JAIR SOARES, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/2/2023, publicado no PJe: 3/3/2023 – TJDFT).

Na realidade, o bom comportamento carcerário durante o cumprimento da pena sempre foi exigido para a concessão do livramento condicional, independente da falta grave suspender ou não o benefício, no entanto, no critério atual, exige-se o bom comportamento sem faltas graves, no último ano. O STJ também já se posicionou.

Vejamos:

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL INDEFERIDO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLEMENTADO. FALTAS DISCIPLINARES MÉDIAS E GRAVES. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. LIMITAÇÃO DO PERÍODO DE AFERIÇÃO DO REQUISITO SUBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO. (…) 2. As faltas graves praticadas pelo apenado durante todo o cumprimento da pena, embora não interrompam a contagem do prazo para o livramento condicional, justificam o indeferimento do benefício por ausência do requisito subjetivo. 3. Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado. Precedentes. (…) 5. Habeas corpus não conhecido.” (Habeas Corpus    nº.    564.292/SP    (2020/0051148-3), Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik, Publicado em 23.06.2020).

A Súmula 441 continua em vigor, tendo em vista que diferente da progressão penal, a falta grave não interrompe o prazo para o livramento condicional, mas impede a sua concessão por falta de requisito subjetivo. Com relação a aplicação da nova lei aos casos antigos, o STF já decidiu que não pode ser aplicada. Vejamos:

“EMENTA: AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. NOVO REQUISITO. NÃO COMETIMENTO DE FALTA GRAVE NOS ÚLTIMOS 12 MESES ( CÓDIGO PENAL , ART.83 , III ). LEI MAIS GRAVOSA. CRIMES PRATICADOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA. IRRETROATIVIDADE. DATA DA PRÁTICA DA FALTA DISCIPLINAR. IRRELEVÂNCIA. 1. A alteração legislativa trazida pela Lei n. 13.964/2019, conhecida como pacote anticrime, no que se refere ao acréscimo de novo requisito objetivo para o livramento condicional – não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses –, configura lei mais gravosa e não pode ser aplicada a crimes anteriores a sua vigência, independentemente da data em que praticada a falta disciplinar. 2. Agravo interno desprovido.” (STF – Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo – ARE 1291201 – RS – Publicado em 04.03.2024).

É princípio constitucional que a Lei só poderá retroagir se for benéfica para o réu – art. 5o, XL, da Constituição Federal. E em relação a Lei de Execução Penal, a mudança mais significativa, veio através da fixação do prazo do período depurador para a reabilitação disciplinar. Vejamos:

Art. 112 – A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: 
……………………………
Parágrafo 7o, – O bom comportamento é readquirido após 1 (um) ano da ocorrência do fato, ou antes, após o requisito temporal exigível para obtenção do direito.”

Com relação a progressão de regime, após a prática de falta grave, necessário cumprir um período depurador, que já se usava o critério de 01 (um) ano, baseado, como vimos anteriormente, na Lei de Execução Penal do Estado da Paraíba e no Regimento Penitenciário Federal, mas sem definição pela Lei de Execução Penal, sendo preenchida esta lacuna, e de forma satisfatória, tendo em vista ser possível a progressão de regime após a prática de falta grave, reabilitado, após um ano do fato, ou se alcançar o tempo necessário para preencher o requisito objetivo, o que foi um avanço para a execução penal, tendo em vista os diversos entendimentos existentes.

A interpretação não pode ser outra de que o reeducando poderá obter o benefício da progressão de regime, após a prática de falta grave, após cumprir 01 (um) de período depurador, com bom comportamento, ou antes, caso venha a atingir o requisito objetivo. Com certeza, a depender do atestado de boa conduta do diretor da unidade prisional. Muitas vezes encontramos reeducandos com penas pequenas, 04 a 05 anos, precisando de pouco tempo para progredir de regime, mas em razão da falta grave, ficam um (01) ano a mais, no regime fechado, tornando desproporcional a exigência.

O tema é polêmico. A inovação trouxe vários comentários e alguns doutrinadores se posicionaram contra. Vejamos:

“O bom comportamento carcerário, antes previsto no caput, é agora, requisito expressamente exigido nos termos do art. 112, parágrafo 1o, da LEP, em sua atual redação. De acordo com a norma contida no parágrafo 7o, do mesmo artigo, “o bom comportamento é readquirido após 1 (um) ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito.” O dispositivo que foi objeto de veto presidencial, posteriormente derrubado pelo Congresso Nacional, tem redação deficiente que dificulta a sua inteligência e a compreensão do seu alcance, inclusive por vincular requisitos de naturezas distintas, objetiva e subjetiva. De acordo com a norma, entende-se que o parágrafo 7o determinar que o mau comportamento do preso não ser assim atestado com base no fato praticado há mais de um ano, e que, no caso de satisfação do requisito temporal exigido para a progressão de regime ou outro benefício legal, poderá ser reavaliado pelo diretor do estabelecimento.” (Execução Penal, Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, 16a edição, pág. 303, 2023).

“Como exposto anteriormente, ao dispor que o bom comportamento será readquirido inclusive antes do decurso de 1 (um) ano após a ocorrência do fato, desde que tenha havido o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito, fica a impressão, à primeira vista, que sequer haveria a necessidade de se aferir qualquer requisito subjetivo do condenado. Afinal, o próprio dispositivo prevê que o preenchimento dos requisitos objetivos necessários à progressão, art. 112, incisos I a VII, da LEP – isoladamente considerado, já teria o condão de outorgar ao condenado, o “bom comportamento” necessário à progressão de regime. Ter-se-ia, assim, uma presunção absoluta de que o preenchimento dos requisitos objetivos, de per si, traria como consequência inexorável a reabilitação do condenado. Essa interpretação, todavia, vem na contramão do próprio Código Penal, cujo art. 33, parágrafo 2o, prevê que as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado. Atentaria, ademais, contra o próprio princípio da individualização da pena, em sua fase executória, porquanto autorizaria, em tese, a progressão de regime diante do mero cumprimento do requisito temporal exigível para obtenção do direito (requisito objetivo), independentemente de uma efetiva e apurada análise de bom comportamento (requisito subjetivo). Destarte, sob pena de esvaziamento, do requisito subjetivo, inerente ao próprio sistema progressivo, o ideal é interpretar o art. 112, parágrafo 7o, in fine, da LEP, em conjunto com o parágrafo 1o, do mesmo dispositivo normativo, o qual, como visto anteriormente, é categórico ao dispor que o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento. Em síntese: admite-se, mesmo antes do decurso do prazo de 1 (um) ano da ocorrência do fato, na hipótese de cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção da progressão de regime, a possibilidade de reaquisição do bom comportamento, cuja presença no caso concreto, todavia, continua condicionada a manifestação positiva do diretor do estabelecimento prisional (LEP art. 112, parágrafo 1o, com redação dada pela Lei n. 13.964/19). (Manual de Execução Penal, Renato Brasileiro de Lima, Editora Jus Podivm – 3 a. Edição, 2024, pág. 330,).

Não podemos perder de vista que toda decisão deve passar pelo princípio da razoabilidade e do bom senso. Deixar um reeducando que praticou uma falta grave, que estava em cumprimento do regime semiaberto, com uso de tornozeleira eletrônica, mas quebrou o regime, tendo sido preso e, em seguida, na realização da audiência de justificativa, teve o regime fechado decretado, não parece ser razoável, pois a pena imposta era de 05 anos, já tinha cumprido 04 anos, e restava 01 ano, cujo lapso para obter progressão de regime seria de 1/6 (um sexto) que corresponde a 02 meses, e mantê-lo preso por um ano no regime fechado, é obrigá-lo ao cumprimento do restante da pena no sistema de regime fechado, o que sai da esfera do bom senso e da proporcionalidade, pois o período restante em regime fechado é maior do que o destinado originalmente ao cumprimento da pena. 

CONCLUSÃO

O estudo compreendeu a análise das questões relacionadas com os cálculos dos benefícios em casos de reabilitação disciplinar, após a prática de falta grave, por parte dos reeducandos. 

Sendo assim, observa-se que muitos reeducandos se encontram em regime fechado, aguardando prazo para reabilitação disciplinar, muitas vezes superior ao que resta de cumprir da pena. 

Diante do que se observa, não se pode deixar de compreender que o regime de progressão de pena é elemento essencial para a ressocialização do detento, mas quando não se cumpre as diretrizes essenciais desse processo com elementos de razoabilidade e proporcionalidade, mesmo que em casos de falta grave, não há como identificar elementos benéficos para o cumprimento da norma pelo detento. 

Contudo, espera-se que com a nova lei que deverá retroagir para beneficiar o réu, os cálculos sejam refeitos e se aplique o art. 112, parágrafo 7o, da Lei n. 7.210/84, e assim contribuir de forma mais justa para um processo de ressocialização.

REFERÊNCIAS

BRASIL – Portal site do CNJ – Conselho Nacional de Justiça.

BRASIL – STJ – AgRg no RHC 118.363/GO, j. 03/12/2019.

BRASIL – Código Penal Comentado, 12a. Edição, Editora Método, 2024, pag. 563.

BRASIL – Lei de Execução Penal, Mário José Esbalqueiro Júnior. Edição, Editora

Mizuno – 2024, fls. 121.)

BRASIL – TJDFT – Agravo em execução n. 07009214320238070000, Relator: JAIR 

BRASIL – STF – Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo – ARE 1291201 – RS – Publicado em 04.03.2024).

BRASIL – Execução Penal, Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, 16a edição, pág. 303, 2023.

BRASIL – Manual de Execução Penal, Renato Brasileiro de Lima, Editora Jus Podivm – 3a. Edição, 2024, pág. 330.

SOARES, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/2/2023, publicado no PJe: 3/3/2023


1Juíza da 1a vara de Santa Rita e Coordenadora dos Mutirões Carcerários – GMF.
2Mestre em Gestão em Organização Aprendentes pela Universidade Federal da Paraíba.