ASPECTOS CLÍNICOS E TERAPÊUTICOS DA ESPOROTRICOSE FELINA: REVISÃO DE LITERATURA 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202410061619


Isabela dos Santos Silva,
Isabella Castellani do Nascimento,
Izadora Nascimento Almeida,
Laura Ortega Lippelt,
Talitha Martinez Alves,
Orientador: Professor Pedro Enrique Navas Suárez


RESUMO

A esporotricose felina é uma micose subcutânea causada pelo fungo Sporothrix schenckii. A doença pode variar desde lesões cutâneas isoladas até formas graves e disseminadas, afetando principalmente gatos machos adultos não castrados. Os aspectos clínicos da esporotricose felina são explorados, incluindo a apresentação de lesões cutâneas, sinais respiratórios, e manifestações sistêmicas como letargia, anorexia e febre. O tratamento é detalhado, destacando a importância de um diagnóstico preciso e a necessidade de tratamento prolongado, que pode durar semanas a meses. Opções terapêuticas incluem iodeto de potássio, azóis (como itraconazol e cetoconazol), terbinafina e anfotericina B, além de medidas não farmacológicas como termoterapia, criocirurgia e ressecção cirúrgica. O trabalho também discute a associação de iodeto de potássio e itraconazol como uma opção terapêutica eficaz, além de abordar recomendações para lidar com toxicidade medicamentosa, indicações para eutanásia em casos graves e recomendações gerais para o manejo e prevenção da doença. Por fim, destaca-se a persistência da esporotricose como uma doença negligenciada no Brasil, com o tratamento de gatos representando um desafio contínuo e de longo prazo.

Palavras-chave: Gatos, Esporotricose, Tratamento e Sintomas

ABSTRACT

Feline sporotrichosis is a subcutaneous mycosis caused by the fungus Sporothrix schenckii. The disease can range from isolated cutaneous lesions to severe and disseminated forms, mainly affecting adult male cats that are not neutered. The clinical aspects of feline sporotrichosis are explored, including the presentation of cutaneous lesions, respiratory signs, and systemic manifestations such as lethargy, anorexia, and fever. Treatment is detailed, emphasizing the importance of accurate diagnosis and the need for prolonged treatment, which can last weeks to months. Therapeutic options include potassium iodide, azoles (such as itraconazole and ketoconazole), terbinafine, and amphotericin B, as well as non-pharmacological measures such as thermotherapy, cryosurgery and surgical excision. The paper also discusses the combination of potassium iodide and itraconazole as an effective therapeutic option, as well as addressing recommendations for managing drug toxicity, indications for euthanasia in severe cases, and general recommendations for disease management and prevention. Finally, the persistence of sporotrichosis as a neglected disease in Brazil is highlighted, with the treatment of cats representing a continuous and longterm challenge. 

Keywords: cats, sporotrichosis, treatment, and symptoms.

1. INTRODUÇÃO 

Classificada como micose subcutânea, a esporotricose é uma zoonose emergente, dado os frequentes casos, principalmente na região sudeste do Brasil. Considerada um caso de saúde pública, que requer atenção e cuidado, a doença acomete humanos e animais, sobretudo os gatos (DE MIRANDA et al., 2018).

O fungo causador da esporotricose é do gênero Sporothrix, incluindo as espécies S. schenckii sensu stricto, S. globosa e S. brasiliensis, sendo a última a mais virulenta. A doença é historicamente referida como “doença dos jardineiros das rosas”, uma vez que a via mais comum de infecção é frequentemente atribuída à inoculação de conídios na pele ferida através de solo ou plantas contaminadas. Isso justifica o fato da esporotricose ser mais prevalente em gatos machos adultos, sem proprietários e não castrados (HAN et al., 2020; REIS et al., 2016; RODRIGUES et al., 2022). 

Os gatos apresentam grande quantidade de leveduras na cavidade nasal e nas unhas, favorecendo a disseminação do patógeno por meio de arranhões, mordidas e do contato com lesões cutâneas em gatos infectados. Os sintomas se relevam à medida que surgem feridas circulares e elevadas, ulceração central, crostas e alopecia. (RODRIGUES et al., 2022) 

Para o devido tratamento, o atendimento com o médico veterinário deve ser feito de maneira responsável e atenta. O protocolo sugere a solicitação de exames laboratoriais (hemograma, biópsia ou swab da lesão), cultura e isolamento do fungo. O Itraconazol e iodeto de potássio são os medicamentos mais comumente usados para tratar a esporotricose felina. Embora o itraconazol continue sendo o medicamento de escolha para o tratamento e sua eficácia como monoterapia já fora relatada. (GREMIÃO et al., 2014).

2. OBJETIVO

Realizar uma revisão de literatura sobre os aspectos clínicos e terapêuticos da esporotricose felina, visando compreender melhor seus sintomas e o avanços mais recentes no tratamento da doença.

3. MATERIAIS E MÉTODOS 

Esta revisão bibliográfica se enquadra no formato de revisão sistemática (DONATO e DONATO, 2019), com o objetivo de abordar a seguinte indagação: Quais são os avanços na abordagem terapêutica da esporotricose felina? Para a realização desta revisão sistemática, selecionamos o PubMed como buscador.

Para a execução da pesquisa usamos as palavras-chave cat, sporotrichosis, treatment e symptoms (em língua inglesa), na primeira busca utilizamos o combinado de palavras-chave: cat + sporotrichosis + treatment, onde encontramos 126 artigos publicados até a data de hoje (10/04/2024), sendo a primeira pesquisa publicada em 1971. Já na segunda busca, usamos o combinado de palavras-chave: cat + sporotrichosis + symptoms, tendo 151 artigos publicados de 1959 até a data de hoje (10/04/2024). No total, foram encontrados 277 artigos publicados. 

Os critérios de inclusão foram empregados em dois momentos distintos: A) Primeiro momento: temporalidade (artigos publicados entre 2013 e 2023), após realizar essa triagem, o número de artigos foi reduzido de 277 para 172. B) Segundo momento: aspectos clínicos e terapêutico da esporotricose felina (abrangendo exclusivamente estudos que descrevem os sintomas causados pelo fungo Sporothrix e os avanços na terapêutica dessa doença), nesta segunda triagem foram selecionados 7 artigos. 

Está revisão sistemática explorará detalhadamente os sinais clínicos apresentados pela esporotricose felina além de examinar os avanços mais recentes no tratamento dessa doença, conforme descritos nos 7 artigos selecionados. 

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 
4.1. Esporotricose Felina 

A esporotricose é uma micose subcutânea causada pelo fungo Sporothrix Schenckii e espécies relacionadas, que são encontradas em todo o mundo na vegetação, matéria orgânica em decomposição, musgo Sphagnum e solo (RODRIGUES et al., 2022).

Esse fungo é propagado através da inoculação traumática de propágulos do Sporothrix no tecido da pele. A via de transmissão clássica ocorre do ambiente para o corpo do hospedeiro vertebrado de sangue quente (sapronose). A via alternativa de infecção está relacionada à transmissão horizontal animal, afetando especialmente gatos domésticos. Em casos de esporotricose em gatos, esses animais podem transmitir a doença através de arranhões, mordidas ou contato direto com suas secreções para outros gatos, resultando em epizootias, ou diretamente para humanos (zoonose) (RODRIGUES et al., 2022).

As manifestações clínicas da doença em gatos podem variar desde uma lesão cutânea isolada, que pode espalhar para lesões múltiplas, às vezes evoluindo para uma forma grave e disseminada fatal. Múltiplas lesões ulcerativas são comumente encontradas na região cefálica, principalmente na região do nariz e das patas, devido ao comportamento felino que envolve arranhar e morder durante as brigas. Sinais extracutâneos como linfadenite, sinais respiratórios e envolvimento de mucosa são frequentes. A esporotricose é mais prevalente em gatos machos adultos, sem proprietários e não castrados (REIS et al., 2016; RODRIGUES et al., 2022).

A alta probabilidade de gatos transmitirem Sporothrix spp., combinada com o desafio de tratar esses animais por longos períodos, pode desencorajar os donos a seguir os tratamentos corretamente, e a dificuldade em manter o animal isolado durante o tratamento devido à falta de condições ou ao descumprimento dos proprietários, tem sido um grande obstáculo no controle dessa infecção que se espalha rapidamente. Portanto, compreender a dinâmica da carga fúngica e a viabilidade do Sporothrix em lesões cutâneas de gatos respondem a diferentes tratamentos, como itraconazol (ITZ) e iodeto de potássio (KI), pode ajudar a aprimorar as estratégias de tratamento da esporotricose e identificar possíveis indicadores de risco de transmissão zoonótica (DE MIRANDA et al., 2018; REIS et al., 2016).

Figura 1 – Felino com esporotricose apresentando múltiplas lesões cutâneas ulceradas na face.

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 2 – Esporotricose felina: múltiplas lesões na ponte nasal.

Fonte: Arquivo pessoal.

4.2 Aspectos Clínicos 

A esporotricose felina é uma micose subcutânea que pode se apresentar clinicamente como lesão única ou múltiplas lesões cutâneas. Entre os gatos, é comum o desenvolvimento de uma doença sistêmica disseminada (GREMIÃO et al., 2021).

Tal zoonose ocorre com mais frequência em gatos machos adultos jovens, de livre circulação e intactos, associados à agressão Inter animal sem predisposição racial conhecida. Úlceras crônicas que não cicatrizam, localizadas ou generalizadas com nódulos e crostas granulomatosas, são comumente encontradas na cabeça, especialmente na ponta do nariz, pontas das orelhas, membros distais ou região da base da cauda (HAN et al., 2020).

No entanto, embora raro, há casos em que as lesões cutâneas podem estar ausentes. A mucosa conjuntival, oral e genital também pode ser afetada. Além disso, o aumento dos linfonodos é frequentemente observado, enquanto a linfangite é menos frequente (GREMIÃO et al., 2021).

Sinais extracutâneos, particularmente sinais respiratórios (espirros, dispnéia e secreção nasal), também são frequentemente observados em gatos (GREMIÃO et al., 2014).

Os sinais sistêmicos são inespecíficos e incluem letargia, anorexia e febre. Os sinais respiratórios ocorrem em cerca de um terço dos casos, representando o sinal não cutâneo mais frequente. Espirros foram relatados em gatos infectados, nos quais o fungo foi isolado da mucosa nasal (LLORET et al., 2013).

Figura 3 – (a) Felino com esporotricose apresentando lesões na face. (b) Lesão ulcerada na região da orelha. 

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 4 – (a) Gato com esporotricose apresentando lesões na região nasal. (b) Lesão cutânea na região da orelha esquerda. (c, d) Lesões cutâneas na região dos membros toráxicos. 

Fonte: Arquivo pessoal.

4.3 Aspectos Terapêuticos 

O tratamento precoce da esporotricose felina deve ser conduzido com base em um diagnóstico preciso. Fatores como a condição de saúde geral do gato, a presença de sintomas respiratórios, e o número, extensão e localização das lesões, podem influenciar o prognóstico. O processo contra a esporotricose felina leva semana a meses, resultando em custos elevados, riscos significativos de reações adversas e alto risco de transmissão zoonótica. Mesmo com a cura clínica, deve-se dar continuidade ao tratamento por no mínimo um mês, portanto, o sucesso depende da persistência do proprietário (GREMIÃO et al., 2021; HAN et al., 2020).

Iodeto de Potássio (IDP), cetoconazol (CTZ), itraconazol (ITZ), anfotericina B, terbinafina, criocirurgia, ressecção cirúrgica e terapia térmica local foram documentados como opções para terapêutica em felinos. Entre elas, os azóis (CTZ e ITZ) e o IDP são os medicamentos de eleição no tratamento da esporotricose felina, com cura clínica observada mesmo nos animais com FIV e/ou FeLV positivo. A recorrência pode acontecer, mesmo após o fim da terapia (HAN et al.,2020; GREMIÃO et al., 2014). 

Importante destacar que o tratamento da esporotricose felina continua sendo desafiador, com frequentes relatos de falha terapêutica e recrudescência, principalmente em gatos com múltiplas lesões e alta carga fúngica. Nesses casos, mesmo quando são seguidos os protocolos terapêuticos estabelecidos, existe uma persistência das lesões e um alto risco de falha no tratamento (GREMIÃO et al., 2021). 

A interrupção precoce da terapia antifúngica, antes da melhora completa do granuloma, levará a uma recaída da doença. O abandono do tratamento é comum, ocorrendo em cerca de 30 a 40% dos casos, especialmente quando os donos observam a cicatrização das lesões cutâneas. Essa irregularidade favorece a recorrência da doença, dificultando a cura e contribuindo para a transmissão do fungo (GREMIÃO et al., 2021; HAN et al., 2020).

4.3.1 Iodeto de Potássio 

 A solução saturada de iodeto de potássio (IDP) tem sido utilizada no tratamento da esporotricose desde 1903. Estudos indicam que ela inibe a quimiotaxia de neutrófilos no sangue periférico e quando a levedura é exposta a concentrações crescentes de IDP sofrem degeneração celular, devido a liberação de enzimas lisossomais (RODRIGUES et al., 2022; HAN et al., 2020).

 O IDP em pó encapsulado é preferido à sua forma saturada (sal saturado de iodeto de potássio) devido ao sabor amargo, que pode causar hipersalivação, principalmente em gatos. Além disso, o IDP é mais econômico em comparação ao ITZ, favorecendo o seu uso (GREMIÃO et al., 2021; HAN et al., 2020).

 Os efeitos colaterais mais comuns foram hiporexia, letargia, perda de peso, vômitos e diarreia, além do aumento da enzima hepática alanina transaminase. Não foram observados sinais de iodismo, como lacrimação, salivação, tosse, inchaço facial ou taquicardia, nem alterações hormonais da tireoide durante o estudo. Em um relatório envolvendo 48 gatos tratados com IDP, 23 (47,9%) chegaram à cura clínica, 118 (37,5%) apresentaram falha no tratamento, duas mortes foram relatadas (4,2%) e o tempo médio de tratamento foi de quatro a cinco meses (HAN et al., 2020).

4.3.2 Azóis

Os azóis, como o CTZ e o ITZ, são atualmente a base da terapia para a esporotricose. Esses medicamentos foram comparados em um estudo com 773 gatos infectados e teve sucesso em 30,8% dos casos, o ITZ apresentou melhores resultados do que o CTZ. Reações adversas foram observadas em 39,6% dos gatos, sendo menos frequentes nos tratados com ITZ (GREMIÃO et al., 2014; HAN et al., 2020).

O itraconazol começou a ser utilizado no tratamento da esporotricose no final da década de 1980 e é a droga de escolha devido à sua eficácia, segurança e praticidade posológica. Este é um antifúngico fungistático, que impede a síntese do ergosterol, o principal componente da membrana celular do fungo. Suas propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras também são conhecidas, incluindo a inibição da quimiotaxia, do movimento de neutrófilos, diminuição da inflamação das vias aéreas eosinofílicas e a supressão dos linfócitos T. O ITZ é preferido ao CTZ, pois costuma estar associado a uma maior incidência de vômitos, disfunção hepática e alteração do metabolismo do cortisol (RODRIGUES et al., 2022; HAN et al., 2020). 

O genérico e o composto não são bioequivalentes ao medicamento de referência, mas o genérico é uma alternativa aceitável ao medicamento original. A administração oral do ITZ com alimentos ajuda na absorção. Este medicamento não deve ser usado junto com antiácidos (como antagonistas do receptor H2 ou bloqueadores de bomba de prótons) pois o aumento da alcalinidade reduz a absorção.

O ITZ é contraindicado em pacientes com doenças hepáticas ou gestantes, pois tem efeitos hepatotóxicos, teratogênicos e embriotóxicos (GREMIÃO et al., 2021; RODRIGUES et al., 2022).

4.3.3 Terbinafina

A terbinafina, é uma alilamina fungicida que inibe a síntese de ergosterol na parede celular do Sporothrix schenckii spp., é outra opção terapêutica sistêmica para felinos com esporotricose. Embora haja relatos de sucesso no tratamento, sua eficácia ainda é inconclusiva. Estudos recentes sugerem que os pigmentos piomelanina e da eumelanina, sintetizados pelo fungo, tem como função a proteção contra a terbinafina antifúngica, isso pode explicar a razão pela qual os resultados in vitro nem sempre se traduzem em uma resposta positiva in vivo. A terbinafina tem sido eficaz no tratamento da dermatofitose felina e outras micoses superficiais (GREMIÃO et al., 2014; HAN et al.,2020).

4.3.4 Anfotericina B

A anfotericina B foi desenvolvida na década de 1950, é um antifúngico da classe dos polienos e existem quatro hipóteses para justificar o seu modo de ação: (I) formação de poros, (II) adsorção superficial, (III) ação como esponja de esterol e (IV) dano oxidativo, mas em todos os modelos sugeridos, a ligação da anfotericina B com o ergosterol é fundamental para o exercer o seu efeito antifúngico (RODRIGUES et al., 2022). 

Sua aplicação apresenta desafios relacionados à toxicidade, custo elevado e reações adversas, como a formação de abscessos estéreis localizados em aplicações intralesionais. As formulações lipídicas da anfotericina B são menos nefrotóxicas do que a forma convencional e não recomendadas no tratamento de formas disseminadas de esporotricose (HAN et al.,2020; GREMIÃO et al., 2021). 

A administração intralesional de anfotericina B, em vez da intravenosa, mostrou-se eficaz quando combinada ao ITZ via oral em um gato com uma lesão nasal refratária, sem apresentar efeitos colaterais. Esse mesmo protocolo foi utilizado em 26 gatos com lesões cutâneas localizadas e refratárias ao ITZ, resultando na cura clínica em 72,7% dos gatos, no entanto, 27,3% apresentou recorrência das lesões no mesmo local. Assim, o uso intralesional ou subcutâneo de anfotericina B, associada ao ITZ oral, é uma boa alternativa em casos que não respondem à monoterapia com ITZ (GREMIÃO et al., 2014; GREMIÃO et al., 2021).

4.3.5 Associação de iodeto de potássio e itraconazol 

A combinação de ITZ com IDP é um tratamento eficaz para gatos que ainda não receberam tratamento, proporcionando um início de ação mais rápido e apresentando uma taxa moderada de efeitos adversos. Essa combinação também é uma alternativa importante para casos refratários ao ITZ, especialmente em gatos com lesão na mucosa nasal e/ou sintomas respiratórios (GREMIÃO et al., 2014). 

No estudo, foram incluídos trinta gatos domésticos, machos e fêmeas, oriundos da região metropolitana do Rio de Janeiro. A dose média de ITZ durante o estudo foi de 26,3 mg/kg, enquanto a de IDP foi de 3,1 mg/kg. Em cinco gatos, foi necessário aumentar a dose de IDP devido à insuficiente melhora das lesões cutâneas. O tempo médio de tratamento até a alta do paciente foi de 14 semanas (variando entre 8 e 30 semanas). Contudo, os gatos com as mucosas afetadas apresentaram um tempo mediano de tratamento mais longo (23 semanas) em comparação com aqueles com apenas lesões cutâneas. Vinte e cinco gatos obtiveram cura clínica (96,15%) e receberam alta. Um gato morreu durante o tratamento e quatro gatos foram perdidos durante o acompanhamento (REIS et al., 2016). 

4.3.6 Medidas não farmacológicas 

Termoterapia, cirurgia adjuvante e criocirurgia são alternativas ao tratamento não farmacológico da esporotricose felina (GREMIÃO et al., 2014). 

A criocirurgia combinada com o ITZ foi usada em 13 gatos com esporotricose e 11 deles obtiveram sucesso no tratamento com uma duração de 3 a 16 meses, tendo uma mediana de 8 meses. A hipertermia local também foi eficaz em um gato com uma única úlcera na região torácica. Ambas as técnicas são opções seguras e eficazes para tratar casos de esporotricose cutânea, inclusive em gestantes (GREMIÃO et al., 2014; HAN et al., 2020; RODRIGUES et al., 2022). 

A cirurgia também pode ser realizada para remover lesões isoladas em locais específicos. (HAN et al., 2020).

4.3.7 Recomendações se a toxicidade do medicamento for detectada 

A suspensão temporária das medicações é recomendada quando são observadas reações adversas clínicas e/ou laboratoriais (náusea, anorexia, vômitos ou aumento da ALT sérica), isso deve ser feito até que os níveis de transaminases hepáticas séricas voltem ao normal (geralmente em 1 a 2 semanas) e o apetite do animal retorne. Durante esse período, recomenda-se um monitoramento clínico e bioquímico. Animais que apresentam níveis elevados de transaminases podem receber um tratamento hepatoprotetor, como a silimarina oral ou S-adenosilmetionina (SAMe) (GREMIÃO et al., 2021).

4.3.8 Eutanásia 

A eutanásia pode ser recomendada em casos de condição clínica grave ou quando não há resposta ao tratamento (casos de estagnação clínica ou piora da condição clínica). O médico veterinário responsável deverá avaliar a situação clínica do animal e cabe a ele a indicação de eutanásia. Para evitar uma contaminação ambiental, as carcaças devem ser incineradas (GREMIÃO et al., 2021).

4.3.9 Recomendações gerais

O gato deve permanecer separado dos outros animais durante o tratamento e a castração é uma medida importante para controle e diminuição da transmissão do fungo, visto que o procedimento compromete o instinto de caçar, acasalamento e deslocamento pela vizinhança. É importante destacar que os gatos clinicamente curados também devem ser castrados/estrados (GREMIÃO et al., 2021).

O tratamento tópico antifúngico não é recomendado. Em casos de infecção bacteriana concomitante, é necessário introduzir uma antibioticoterapia sistêmica. Já glicocorticóides ou quaisquer medicamentos imunossupressores são contraindicados pois a doença pode se agravar (GREMIÃO et al., 2021).

Em gatas prenhas, a administração de qualquer um dos azóis, terbinafina e IDP devem ser evitados. No entanto, o uso deve ser considerado devido ao risco zoonótico e evolução dos sintomas (GREMIÃO et al., 2021).

Por fim, o tratamento da esporotricose em felinos continua a ser um desafio, pois é negligenciada no Brasil, exigindo um esforço contínuo para o controle a longo prazo (GREMIÃO et al., 2014).

5 CONCLUSÃO

A esporotricose felina, uma micose subcutânea emergente, continua a representar um desafio significativo tanto para a saúde animal quanto para a saúde pública no Brasil, particularmente na região sudeste, onde a incidência é mais elevada. O entendimento dos aspectos clínicos e terapêuticos da doença é essencial para o desenvolvimento de estratégias de manejo eficazes.

A revisão da literatura revela que a esporotricose em gatos pode manifestar-se de diversas formas, desde lesões cutâneas isoladas até formas disseminadas e graves, com a prevalência maior em gatos machos adultos, não castrados e de livre circulação. Os principais sintomas clínicos incluem feridas circulares e ulcerações, frequentemente acompanhadas de linfadenite e sinais respiratórios. A transmissão da doença ocorre primariamente através do contato com lesões ou secreções de gatos infectados, o que também representa um risco zoonótico significativo.

Em relação às opções terapêuticas, a revisão confirma que o itraconazol e o iodeto de potássio são as drogas mais amplamente usadas, com o itraconazol se destacando pela sua eficácia e segurança, embora o tratamento prolongado e a adesão dos proprietários sejam cruciais para o sucesso. A combinação de itraconazol com iodeto de potássio pode oferecer benefícios adicionais, especialmente em casos refratários. Outras alternativas, como terbinafina e anfotericina B, demonstraram eficácia em contextos específicos, mas também apresentaram desafios relacionados à toxicidade e custo. 

Além dos tratamentos farmacológicos, medidas não farmacológicas como criocirurgia e terapia térmica local têm mostrado resultados positivos, e a ressecção cirúrgica pode ser uma opção para lesões isoladas. A implementação de estratégias de controle, como a castração de gatos e o isolamento durante o tratamento, é fundamental para reduzir a disseminação da doença e prevenir novas infecções.

Em conclusão, o manejo da esporotricose felina é complexo e exige uma abordagem complexa, que inclua a adesão a protocolos terapêuticos rigorosos e a colaboração dos proprietários. A persistência da doença e a dificuldade em alcançar a cura completa ressaltam a necessidade contínua de pesquisas e melhorias nas estratégias de tratamento. A compreensão aprofundada dos aspectos clínicos e terapêuticos da esporotricose contribui para a evolução das práticas veterinárias e para a redução do impacto desta zoonose emergente.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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