ASPECTOS CLÍNICOS, DIAGNÓSTICOS E TERAPÊUTICOS DA ESPOROTRICOSE: REVISÃO DE LITERATURA

CLINICAL, DIAGNOSTIC AND THERAPEUTIC ASPECTS OF SPOROTRICOSE: LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10015887


Millena Abade Pereira Leite1
Rayssa de Melo Polisczuk2
Matheus Soares Leite3


RESUMO

A esporotricose é uma micose ocasionada pelo fungo Sporothrix schenckii, distribuída mundialmente com maior prevalência em regiões de clima quente. A esporotricose é uma doença polimórfica que possui diversas apresentações clínicas que se iniciam com nódulos que evoluem para lesões ulceradas. O padrão ouro para diagnóstico da esporotricose é o método de isolamento por cultura, onde o fungo cresce em ambiente propício e forma colônias que podem ser vistas em microscópio. O tratamento baseia-se no uso de Itraconazol, que é o principal fármaco usado no combate à patologia, porém gestantes e pacientes que não obtiveram sucesso no tratamento com o medicamento de primeira escolha devem fazer o uso de outro fármaco a Anfotericina B. Medidas preventivas que visam reduzir o contato com o fungo presente no ambiente e animais contaminados são aliadas para diminuição dos números da doença. A pesquisa foi desenvolvida baseada em uma revisão da literatura médica, retiradas de bancos de dados como SciELO, LILACS, PUBMED, Google Acadêmico e MEDLINE, que tem como objetivo entender as formas de apresentação clínica, diagnóstico, tratamento e medidas profiláticas da esporotricose.

Palavras chave: Esporotricose; Diagnóstico da esporotricose; Tratamento da esporotricose.

ABSTRACT

Sporotrichosis is a mycosis caused by the fungus Sporothrix schenckii, distributed worldwide with a higher prevalence in hot climates. Sporotrichosis is a polymorphic disease that has several clinical presentations that start with nodules that progress to ulcerated lesions. The gold standard for the diagnosis of sporotrichosis is the culture isolation method, where the fungus grows in a favorable environment and forms colonies that can be seen under a microscope. Treatment is based on the use of Itraconazole, which is the main drug used to fight pathology, but pregnant women and patients who have not been successful in treatment with the drug of choice must make use of gold drug Amphotericin B. Preventive measures which aim to reduce the contact with the fungus present in the environment and contaminated animals are allies to reduce the numbers of the disease. The research was developed based on a review of the medical literature, taken from databases such as SciELO, LILACS, PUBMED, Google Scholar and MEDLINE, which aims to understand the forms of clinical presentation, diagnosis, treatment and prophylactic measures of sporotrichosis.

KEYWORDS:: Sporotrichosis; Diagnosis of sporotrichosis; Treatment of sporotrichosis.

1 INTRODUÇÃO

A esporotricose é patologia zoonótica fúngica ocasionada pelo fungo Sporothrix schenckii.  A sua transmissão ocorre através da inoculação traumática do fungo na pele. A transmissão entre o homem e o gato, principal vetor da doença, ocorre através de arranhaduras ou mordeduras do animal infectado.

Distribuída mundialmente, a esporotricose é uma doença que tem maior prevalência em regiões com clima tropical e subtropical, sendo o solo o reservatório natural do fungo.

O diagnóstico da esporotricose é feito através de um exame clínico detalhado em conjunto a exames laboratoriais. O exame considerado padrão ouro para identificação da esporotricose é o método de cultura, mas outros métodos como sorologia e histopatologia têm sido usados recentemente para identificação da doença.

Como diagnóstico diferencial, a esporotricose se assemelha a doenças como a leishmaniose tegumentar, paracoccidioidomicose, criptococose e micobacterioses.  O fármaco de escolha para o tratamento é o antifúngico itraconazol, pois tem poucos efeitos colaterais e seus resultados mostram-se eficientes contra a doença.

A principal medida de prevenção contra a esporotricose é evitar o contato direto ao fungo. É importante o uso de vestimentas adequadas em atividades que envolvam o manejo do solo e o cuidado no contato direto com animais suspeitos.

O presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão de literatura para melhor compreensão dos aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos da esporotricose, bem como suas formas de prevenção.

2 DISCUSSÃO

A esporotricose é uma micose crônica conhecida popularmente como a “doença do jardineiro”, pois seu agente o fungo Sporothrix schenckii vive preferencialmente no solo, acometendo principalmente trabalhadores que têm contato direto com a terra.

Quando presente no solo e em temperatura ambiente, o fungo se mantém na forma filamentosa e após infectar o ser humano se transforma em leveduras, assumindo o aspecto em “charuto, ovoide ou arredondado”. O Sporothrix schenckii assim como outros fungos patogênicos, são termotolerantes, ou seja, possuem a capacidade de se desenvolver na temperatura corpórea dos seus hospedeiros, que varia de 35 a 37 graus.

Sendo distribuída mundialmente, a esporotricose ocorre tanto em área urbana quanto rural, com predomínio em regiões de clima quente. No entanto, descreve-se a grande maioria dos casos na América do Sul e Central, sendo que no Brasil, o estado do Rio de Janeiro possui o maior número de casos registrados em humanos e animais. Podendo acometer o ser humano em todas as faixas etárias, sem predileção de sexo, pois não há necessidade que haja fatores individuais predisponentes.

Transmissão

A forma de transmissão clássica, está relacionada à inoculação traumática do fungo na pele através do contato com meios contaminados, como tábuas úmidas de madeira, terra, palhas, espinhos e vegetais. A forma zoonótica da doença ocorre através da mordedura ou arranhadura do animal infectado, especialmente o gato, pois os seus hábitos de caça e rituais reprodutivos facilitam para que esses animais contraiam a doença e transmita aos seres humanos.

Sintomatologia Clínica

Após a inoculação, o período de incubação é variável podendo ser de alguns dias ou até meses. Com grande polimorfismo, a esporotricose possui diversas formas clínicas, a primeira delas é a cutânea localizada que é restrita a pele, caracterizada por um nódulo avermelhado que pode ser ulcerado e coberto por crosta, acometendo principalmente membros e face.

A segunda forma e mais comum é a cutânea linfática, que compreende 75% dos casos. As lesões estão localizadas principalmente nas extremidades dos membros superiores e se iniciam em forma de nódulo e pode ser posteriormente ulcerada. A partir da lesão inicial forma-se uma cadeia de nódulos que seguem o caminho dos vasos linfáticos em direção aos linfonodos, essas lesões podem ulcerar, dando um “aspecto esporotricoide” (Figura 1).

Figura 1: Forma cutânea-linfática. Cancro esporotricótico e lesões linfangíticas eritematonodulares. Fonte: Dermatologia de Sampaio e Rivitti.

Já a forma cutânea disseminada, acomete principalmente indivíduos que possuem o sistema imune deprimido. Esse tipo de manifestação clínica se inicia com lesões subcutâneas que posteriormente se ulceram. Devido às múltiplas inoculações que o gato proporciona ao mesmo hospedeiro humano, a forma cutânea disseminada é a mais comum na transmissão zoonótica. (Figura 2)

Figura 2: Forma cutânea–disseminada Dermatologia de Sampaio e Rivitti.  Fonte: Dermatologia de Sampaio e Rivitti.

Por último, a forma extracutânea é a mais rara de todas, pois ela acontece quando há inalação ou ingestão do fungo. Desse modo, ocorre a disseminação hematogênica, que pode atingir todos os órgãos do hospedeiro, sendo acompanhada por febre. A imunodepressão proveniente de doenças como diabetes, etilismo, neoplasias e AIDS são frequentes nessa forma clínica.

Diagnóstico e Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico da esporotricose se baseia na associação entre o exame clínico que gera a suspeita e os exames laboratoriais que leva a confirmação da patologia. O padrão ouro do diagnóstico da esporotricose é o método de isolamento através da cultura, que é feito através do raspado ou secreção purulenta da lesão. No exame direto o fungo Sporothrix schenckii é raramente visualizado, sendo assim é necessário a utilização do isolamento em cultura para a confirmação do diagnóstico. A semeadura do fungo é feita em placas contendo Agar-Sabouraud e o aparecimento de colônias variam de 3 a 5 dias.  As culturas ao serem submetidas ao exame microscópio revelam a presença de hifas hialinas septadas e ramificadas.

Exames histopatológicos são poucos utilizados, pois os seus achados não possuem especificidade adequada, apresentando semelhança com outras doenças infecciosas e raramente as estruturas fúngicas são vistas. No que se refere aos métodos de diagnóstico sorológicos, o ELISA é o mais utilizado, porém pode apresentar reação cruzada com algumas doenças, por exemplo,  Leishmaniose Tegumentar Americana e, com isso, tem-se resultado falso positivo e, consequentemente, o tratamento proposto não apresenta resultados positivos.

Em relação ao diagnóstico diferencial, doenças como leishmaniose tegumentar, nocardiose e micobacterioses são mais frequentemente confundias com esporotricose cutânea localizada e cutânea linfática. Também são descritas patologias estafilococciais e estreptococcias. Outras doenças não infecciosas são relevantes para o diagnóstico diferencial, como os carcinomas basocelular e espinocelular, micose fungoide, psoríase, lúpus vulgaris e pioderma gangrenoso.

Tratamento

O tratamento de primeira linha para a esporotricose é feito com o fármaco Itraconazol, que atua com a inibição de enzimas dependentes do citocromo P450 causando uma falha na síntese do ergosterol da membrana celular do fungo, alterando sua permeabilidade e equilíbrio iônico. Derivado triazólico, o Itraconazol é administrado em adultos na dose de 200mg/dia, podendo ser estendida em até 400mg/dia, com média de 3 a 4 meses de tratamento, podendo estender o tratamento de acordo com a  resposta clínica do paciente.

Em crianças recomenda-se a dose de 6 a 10mg/dia. Já em gestantes e em pacientes que não obtiveram sucesso no tratamento com o itraconazol, o fármaco de escolha é a Anfotericina B em via intravenosa na dose de 0,25 a 1mg/dia com dose acumulativa de 2 a 4 gramas conforme a resposta clínica.

O prognóstico da esporotricose é bom, com taxa de resposta ao tratamento de 90 a 100% nas formas localizada e linfática. A resposta clínica, geralmente, torna-se evidente de 4 a 6 semanas após o início do tratamento.

Sendo a esporotricose uma doença de grande interesse dentro da saúde pública, medidas de prevenção como o cuidado no contato direto com animais errantes, o uso de luvas e vestimentas adequadas ao manusear o solo ou outros materiais que possam facilitar a exposição ao fungo, o tratamento e isolamento de animais doentes, a castração de gatos para diminuir a evasão para rua em busca de acasalamento e notificações de todos os casos contribuem para diminuir o número de casos da doença.

3 METODOLOGIA

O estudo proposto trata-se de uma revisão sistemática de literatura médica. Este método de estudo apresenta como principal finalidade reunir e sintetizar os estudos realizados sobre um determinado tema, construindo uma conclusão, a partir dos resultados evidenciados em cada estudo.

Para a realização do estudo, foram seguidas as seguintes etapas: identificação do tema e formulação da questão de pesquisa, estabelecimento do objetivo da revisão, estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão de artigos, definição das informações a serem extraídas dos artigos selecionados, avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa e interpretação dos mesmos.

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica na literatura nacional e internacional buscando trabalhos publicados preferencialmente nos últimos dez anos, escritos na língua inglesa, espanhola e portuguesa. Os artigos foram obtidos nas bases de dados: SciELO, LILACS, Google Acadêmico, MEDLINE e PUBMED.

Foram utilizados como critérios de inclusão para a seleção de amostras, os artigos indexados preferencialmente de 2019 a 2023, em periódicos nacionais e internacionais, disponibilizados na íntegra, ou seja, texto completo e com acesso livre, nos idiomas: português, inglês e espanhol, que respondiam a temática do estudo. Os descritores utilizados nas pesquisas foram: Esporotricose; Diagnóstico da esporotricose; Tratamento da esporotricose; Sporotrichosis; Diagnosis of sporotrichosis; Treatment of sporotrichosis.

 Como critérios de exclusão dos artigos de consulta, não foram utilizados artigos que não abordavam a temática proposta, textos que se encontravam incompletos e indisponíveis na íntegra online, que não forneciam informações suficientes acerca da temática do estudo e aqueles publicados fora do tempo cronológico preestabelecido pelo estudo e que foram julgados como não sendo necessários para a elaboração do trabalho.

4 CONCLUSÃO

Os estudos acerca da esporotricose são de grande importância para se conhecer melhor os aspectos clínicos da doença, formas de transmissão, métodos de diagnósticos, opções de tratamento e métodos profiláticos.

Por ser uma doença considerada ocupacional que atinge principalmente trabalhadores que lidam com a terra. A esporotricose é de extrema importância dentro da saúde pública, sendo necessário investir mais em estudos para o entendimento da doença, que no futuro, irão contribuir nas descobertas de métodos diagnósticos precoces e de novas opções terapêuticas.

Além disso, com maiores estudos sobre a patologia os profissionais de saúde estarão aptos para não apenas identificar a doença, mas também poderão orientar a população sobre as características, as formas de transmissão e tratamento, contribuindo assim com o controle e prevenção da esporotricose.

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1  Discente do Curso Superior de Medicina da Unicesumar – Maringá.  e-mail: millenaabade@hotmail.com
2 Discente do Curso Superior de Medicna da Unicesumar – Maringá.  e-mail: ra-21168486-2@alunos.unicesumar.edu.br
3 Médico graduado pelo Instituto Metropolitano de Ensino Superior/ IMES – UNIVAÇO, Ipatinga, MG. e-mail: matheusoares6@gmail.com. Pós-graduado em Urgência e Emergência pela PUC-Curitiba.